PNLD18 Olhares Historia Vol1 PR - PDFCOFFEE.COM (2024)

Cláudio Vicentino Bruno Vicentino

Olhares da

História Brasil e mundo

Manual do Professor

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História - Ensino Médio

Cláudio Vicentino Bruno Vicentino

Olhares da

História Brasil e mundo

Manual do Professor Cláudio Vicentino

Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) Professor de História em cursos de Ensino Médio e pré-vestibulares Autor de obras didáticas e paradidáticas para Ensino Fundamental e Médio

José Bruno Vicentino

Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Professor de História em cursos de Ensino Fundamental, Médio e pré-vestibulares Autor de obra didática para Ensino Médio

Colaboração de

Saverio Lavorato Junior

Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Professor universitário e coordenador de curso de Licenciatura em História

1ª edição São Paulo • 2016

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História - Ensino Médio

Diretoria editorial Lidiane Vivaldini Olo Gerência editorial Luiz Tonolli Editoria de Ciências Humanas Heloisa Pimentel Edição Guilherme Reghin Gaspar, Thamirys Gênova da Silva e Mariana Renó Faria (estagiárias) Gerência de produção editorial Ricardo de Gan Braga Arte Andréa Dellamagna (coord. de criação), Erik TS (progr. visual de capa e miolo), Claudio Faustino (coord.), Eber Souza (edição), Luiza Massucato (assist.) e Typegraphic (diagram.)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Revisão Hélia de Jesus Gonsaga (ger.), Rosângela Muricy (coord.), Célia da Silva Carvalho, Paula Teixeira de Jesus, Patrícia Travanca e Vanessa de Paula Santos; Brenda Morais e Gabriela Miragaia (estagiárias)

Vicentino, Cláudio Olhares da história : Brasil e mundo / Cláudio  Saverio Lavorato Junior. -- 1. ed. -- São Paulo : Scipione, 2016.

Iconografia Sílvio Kligin (superv.), Denise Durand Kremer (coord.), Caio Mazzilli e Monica de Souza (pesquisa), Cesar Wolf e Fernanda Crevin (tratamento de imagem) Ilustrações Héctor Gomez, Kazuhiko Yoshikawa, Robson Kasé, Rodval Matias e Theo Szczepanski

Obra em 3 v. 1. História (Ensino médio) I. Vicentino, José Bruno. II. Lavorato Junior, Saverio. III. Título.

Cartografia Eric Fuzii, Loide Edelweiss Iizuka, Márcio Souza e Portal de Mapas Foto da capa: Detalhe de mosaico bizantino do século VI. Basílica de Santa Sofia, Istambul, Turquia. Danita Delimont/Getty Images Protótipos Magali Prado

16-02782

CDD-907

Índices para catálogo sistemático: 1. História : Ensino médio

Direitos desta edição cedidos à Editora Scipione S.A. Avenida das Nações Unidas, 7221, 1o andar, Setor D Pinheiros – São Paulo – SP – CEP 05425-902 Tel.: 4003-3061 www.scipione.com.br / [emailprotected] 2016 ISBN 978 85 262 9907 8 (AL) ISBN 978 85 262 9908 5 (PR) Cód. da obra CL 713367 CAE 566 781 (AL) / 566 782 (PR) 1a edição 1a impressão Impressão e acabamento

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907

APRESENTAÇÃO

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Biblioteca Monastério do Escorial, Madri, Espanha.

C

aros Alunos, Como sabemos, todos os seres humanos vivem a História e têm sua maneira de encarar o mundo. Somos o que somos, pensamos de um jeito e não de outro, agimos em função disto e não daquilo. Decidimos que causas abraçar, cogitar abraçar ou renegar com base nas certezas que criamos em nosso passado. Quer um exemplo de como isso pode ocorrer? Digamos que na rua na qual vocês moram uma família veio se instalar recentemente, natural de outro lugar. Os costumes, aparência e sotaque dos novos vizinhos chamam a sua atenção. Vocês começam a se perguntar de onde vieram e por que eles se mudaram para a sua rua. Podem se interessar também em conhecer melhor a cultura deles, entender em que aspectos ela é diferente ou parecida com a sua. Com isso, aos poucos vocês se aproximam da história cultural daquelas pessoas, conhecem seus valores e crenças. Será que a situação dessa família se assemelha à de outras famílias que se deslocaram em épocas diferentes? Agindo assim, vocês se deparam com a história de grandes grupos sociais que têm sua vida afetada por contextos complexos e acabam deixando seu lugar de origem por causa disso. O passado de seus novos vizinhos e do local em que eles viviam pode ajudá-los a entender a experiência atual no seu bairro. O conhecimento histórico é assim: se faz presente em todas as situações, porque todos os seres humanos e tudo o que está relacionado a eles têm história, têm passado. Esse conhecimento se torna um importante instrumento para entender nosso tempo, impregnado de heranças do passado. Quanto mais vocês têm domínio sobre o conhecimento histórico, mais recursos terão para tomar decisões no presente e ampliar o conhecimento sobre si mesmos. Esse conhecimento não é único, definitivo. Ele é capaz de nos oferecer diferentes pontos de vista e convicções. Da mesma forma, há diversas maneiras de conhecê-lo, percebê-lo e divulgá-lo. Esta obra é um convite para o conhecimento e a reflexão histórica. Ela se propõe a ajudá-los a lidar com diversas fontes, testemunhos e relatos, capacitando-os a analisar criticamente os sinais do passado para que sejam utilizados no seu dia a dia e no exercício de sua cidadania. Com as várias imagens, leis, documentos, mapas e exercícios aqui apresentados, queremos que vocês desenvolvam e aprimorem sua capacidade de indagação e de análise do passado e do presente. São recursos que lhes darão oportunidade para desenvolver o senso crítico, a valorização dos legados culturais e a percepção das permanências e das mudanças ocorridas ao longo do tempo, além dos contextos econômicos, políticos, sociais e culturais em que se dão as relações humanas. Bom ano de estudos! Os Autores

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Conheça seu Livro Cada volume da coleção é dividido em grandes Unidades e capítulos. Conheça, a seguir, os boxes e seções do livro.

CAPÍTULO

Hung Chung Chih/Shutterstock

Composta de uma foto atual, relacionada a um aspecto do capítulo, e um pequeno texto com questionamentos que serão compreendidos e respondidos ao longo do capítulo.

Europa, periferia do mundo A Muralha da China, com seus 3 460 km de extensão e mais de 2 800 km de ramificações, não foi erguida de uma só vez nem sob um único governante. Entre 230 a.C.-220 a.C., sob a dinastia Ch’in, diversos trechos de antigas muralhas foram unidos para proteger territórios recém-unificados. Na foto, turistas visitando um trecho da muralha. Pequim, China, foto de 2015.

A Idade Média (séculos V ao XV) corresponde ao esboço da construção da Europa. Esse longo período apresenta marcas, valores e patrimônios de civilizações anteriores, principalmente a grega e a romana, e dá a eles novas roupagens. Os capítulos desta Unidade mostram que, após dez séculos de história e de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, a Europa estava prestes a deixar a posição de periferia do mundo.

Há milhares de anos muralhas são erguidas para proteger cidades e seu povo, demarcar fronteiras e fortalecer seus habitantes diante do inimigo. Ao mesmo tempo que separam uma área de outra, trazem a ideia de pertencimento aos que são protegidos por elas, que têm a pretensão de se isolar do mundo que está além dos muros. Muralhas ainda são úteis nos dias de hoje? O que ameaça as sociedades e como elas se protegem? 104

Idade MŽdia Robert Harding/Corbis/Latinstock.

Esta seção mostra de que maneira o conhecimento histórico sobre o período a ser abordado na Unidade foi construído por historiadores e estudiosos do tema em questão.

Na África ocidental, estima-se que as primeiras cidades tenham surgido cerca de três séculos antes de Cristo. Um exemplo é Jenne-jeno, no delta do Níger, no atual Mali, cuja existência e antiguid antiguidade só foram descobertas com escavações arqueológ arqueológicas a partir da década de 1êí0. Por isso, em embora essa cidade seja considerada patrim patrimônio da humanidade pela Unesco, sua história ainda é pouco conhecida. As escavações já mostraram que em Jenne-jeno cultivavam-se arroz, sorgo, painço (um tipo de milho miúdo) e cereais em áreas inundadas. Sua população fazia joias e algumas ferra ferramentas de ferro, embora não houv houvesse fontes de minério de ferro nas proxim proximidades, o que indica a existência de re relações comerciais com outras regiões. Foram encontradas no sítio arqueológico arqueológic de Jenne-jeno, no atual Mali (veja mapa acima), acima inúmeras peças em cerâmica como c esta representação de cavaleiro, datada do século XVI, aproximadamen aproximadamente.

No texto a seguir, Kabengele Munanga, antropólogo congolês naturalizado brasileiro, destaca a pluralidade étnica e cultural presente no continente africano e critica generalizações como “África Negra ou subsaariana”, que desconsideram os descendentes de europeus presentes em seu território, bem como a existência de povos com línguas, costumes e tradições distintos.

Africanidades: um continente plural A África é um imenso continente de 30 milhões de quilômetros quadrados de superfície, que abriga diversas civilizações, milhares de etnias e culturas distintas. Possui uma população [...]2 distribuída entre centenas de povos que falam diversas línguas ao mesmo tempo diferentes e semelhantes. Geograficamente, o deserto do Saara do Norte criou uma divisão natural do continente em duas partes desiguais em extensão territorial: a África do norte e a África subsaariana. 2

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The Granger Collection/Other Images

Para saber mais Joana d’Arc Na França, o culto nacional a Joana d’Arc recebeu um grande impulso no século XIX e início do século XX. Nessa época, patriotas franceses exaltavam a heroína como uma força vinda do povo, encarnação viva da nação, da unidade nacional e vítima simbólica da Igreja, já que foi condenada à morte por ela. Em 1923, Joana foi canonizada e, anos depois, tornou-se padroeira da França. De heroína, passou-se à representação de Joana como santa católica, capaz de expiar os pecados. Inúmeras representações dela foram criadas por cineastas, literatos, historiadores, hist escultores e pintores.

Estátua de Joana d’Arc erigida na Catedral Catedr de Winchester após a sua canoniz canonização, em 19 1923.

The Granger Collection/Other Images

Everett Collection/Fotoarena

Ilustração de Joana d’Arc para um manuscrito do século XV.

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4

Capítulo 10

MALI

Equador

OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Capricórnio

1535 km

3 070 15º L

OCEANO ÍNDICO

Adaptado de: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2013. p. ó3.

Leituras Boxe com textos de livros, revistas ou sites da internet que tratam de diferentes assuntos abordados nos capítulos.

Leituras

Vista da Catedral de Santa Sofia e seu reflexo no espelho-d’água. Construída entre 532 e 537, quando Istambul, localizada na Turquia, ainda se chamava Constantinopla, é considerada patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Fotografia de 20á4.

A atriz Florence Delay em cena do filme O processo de Joana d’Arc (1962), dirigido pelo francês Robert Bresson. Enquanto na representação mais antiga foi valorizada a guerreira, no filme sobressai a imagem de mulher humilde, com olhar piedoso.

Localização de Mali

Trópico de Câncer

Para saber mais Textos que aprofundam e complementam temas tratados nos capítulos. Essa seção pode, em algumas ocasiões, apresentar atividades.

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A África do norte, chamada, segundo os interesses, ora de África Branca, ora de África árabe, abriga os países do Magreb (Marrocos, Argélia, Tunísia), Líbia e Egito. A África subsaariana, geralmente conhecida como África Negra pelo fato de a maioria de sua população ser negroide, compreende todos os povos e países da África ocidental, oriental, central e austral. Considerar negra toda a África subsaariana pode se constituir numa espécie de discriminação ou exclusão de uma minoria demográfica dessa população africana de ancestralidade ocidental, os eurodescendentes, que se encontram em sua maioria na República da África do Sul, Zimbábue, Namíbia, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil contemporâneo: histórias, línguas, culturas e civilizações. São Paulo: Global, ç009. p. 13.

Segundo a Divisão das Nações Unidas para a População, a população do continente africano em ç015 era superior a 1,1 bilhão de habitantes.

Capítulo 4

Pontos de vista Seção que estabelece um diálogo entre dois pesquisadores e suas diferentes concepções sobre um mesmo tema, com base em trechos de suas principais obras. Traz ainda uma pequena biografia dos pesquisadores abordados.

Pontos de vista A Idade Média segundo Jacques Le Goff Jacques Le Goff foi um dos maiores historiadores franceses do século XX e um dos mais importantes especialistas em história medieval. Publicou diversos livros sobre o tema, entre eles, Mercadores e banqueiros na Idade Média (São Paulo: Martins Fontes, 1991), Os Intelectuais na Idade Média (Rio de Janeiro, José Olympio, 2006) e A Idade Média e o dinheiro (Rio de Janeiro: Record, 2013). Suas pesquisas marcaram profundamente os estudos históricos das últimas décadas, em diversos aspectos. Nesta seção, vamos destacar três desses aspectos: Uma longa Idade Média Como vimos, Le Goff discorda da periodização mais conhecida que identifica o surgimento dos tempos modernos com a conquista da América e o Renascimento italiano. Para ele, o mundo medieval não acabou no século XV. Ele afirma que a Idade Média se prolongaria até o século XVIII, tendo em vista a permanência de certas características econômicas e de práticas sociais. Leia abaixo um trecho do livro Uma longa Idade Média:

[…] as mudanças não se dão jamais de golpe, simultaneamente em todos os setores e em todos os lugares. Eis porque falei de uma longa Idade Média, uma Idade Média que – em certos aspectos de nossa civilização – perdura ainda e, às vezes, desabrocha bem depois das datas oficiais. O mesmo se pode dizer em relação à economia, não se pode falar de mercado antes do século XVIII. A economia rural só consegue fazer desaparecer a fome no século XIX (salvo na Rússia). O vocabulário da política e da economia só muda definitivamente – sinal de mudança das instituições, dos modos de produção e das mentalidades que correspondem a essas alterações – com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. çç.

pelo catolicismo. No século XVIII, os filósofos iluministas reforçaram essa ideia, pois isso caracterizava um contraste importante entre a filosofia das Luzes (racional, humanista) e as “trevas medievais”. Jacques Le Goff combateu esse imaginário: destacou os avanços técnicos, a transformação da filosofia e os conhecimentos científicos produzidos durante a Idade Média. O trecho a seguir foi extraído do livro Para um novo conceito de Idade Média.

Esta longa Idade Média é, para mim, o contrário do hiato que os humanistas do Renascimento viram e, salvo raras exceções, também os homens do Iluminismo. Este é o momento da criação da sociedade moderna, de uma civilização moribunda ou morta sob as formas camponesas tradicionais, no entanto viva pelo que ela criou de essencial nas nossas estruturas sociais e mentais. Ela criou a cidade, a nação, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro, o garfo, o vestuário, a pessoa, a consciência e, finalmente, a revolução. Entre o neolítico e as revoluções industriais e políticas dos últimos dois séculos, ela é – pelo menos para as sociedades ocidentais – não uma cunha ou uma ponte, mas um grande impulso criador – cortado por crises, graduado por deslocamentos de acordo com as regiões, as categorias sociais, os setores da atividade, diversificada nos seus processos. LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Estampa, 1979. p. 12.

Jacques Le Goff

Ulf Andersen/Getty Images

Saber histórico

Capítulo 4

Banco de imagens/Arquivo da editora

182

Saber histórico

Abertura de capítulo

Outros povos da Antiguidade

Heini Schneebeli/The Bridgeman/Keystone idgem eys

Um breve texto indica os conteúdos que serão estudados nos capítulos que compõem cada Unidade.

3

UNIDADE

Abertura da Unidade

4

Nascimento: 1924, Toulouse, França. Morte: 2014, Paris, França. Formação: Historiador

Não era a “idade das trevas”

Nos filmes estadunidenses é muito comum que a Idade Média seja retratada como um período sombrio, de pestes e fome, marcado pelo controle da Igreja e pela violência dos senhores feudais contra os camponeses. Esse imaginário surgiu durante o Renascimento, quando o humanista Francesco Petrarca (1á0ú-1á7ú) descreveu o período medieval como uma “era de trevas”, dominada

240

Capítulo 9

Profissão: professor universitário, pesquisador e diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, localizada na França.

O historiador Jacques Le Goff. Paris, França, 200ú.

no sŽculo XIV

recebeu esse nome por causa das

A questão urbana no mundo contempor‰neo

das pessoas que a contraem. Inchaço nas axilas, virilha e pescoço é outro sintoma da doença. Em meados do século XIV, quando as condições de higiene, alimentação e moradia eram precárias, a doença se espalhou rapidamente e matou cerca de

um terço da população europeia, num total estimado de 25 milhões de pessoas. Veja no mapa abaixo as áreas que foram 1349

1351

1348 OCEANO ATLÂNTICO

Neste capítulo, estudamos a importância das primeiras cidades para a organização política e econômica das civilizações da Mesopotâmia e do Império Egípcio. Vimos também que a maior parte da população do mundo antigo vivia no campo, exercendo atividades agrícolas e de pastoreio, enquanto os pequenos núcleos urbanos eram ocupados principalmente por artesãos, funcionários reais e sacerdotes.

Nos últimos anos, tem se debatido se mais vida urbana deve ser algo a se lastimar ou a comemorar. A urbanização pode causar o rápido surgimento de favelas, espaços sem saneamento onde as doenças epidêmicas podem se alastrar, a exploração é desenfreada e as ameaças físicas estão à espreita, porque não há lei, e a ordem fica a cargo de gangues criminosas. Mas a vida na cidade também pode oferecer oportunidades de trabalho, acesso a serviços de saúde, planejamento familiar, escolas e mais abertura econômica para as mulheres. Fomentar as oportunidades sem deixar de minimizar os danos e dificuldades são os principais desafios do desenvolvimento nas transições urbanas de hoje. As tendências urbanas, porém, não são as mesmas em todos os locais. Na Índia, por exemplo, as estatísticas demonstram que as populações tradicionais dos centros urbanos estão encolhendo, enquanto as áreas periféricas se expandem. Mumbai é frequentemente citada como principal exemplo desse fenômeno. Os [...] números do censo de áà11 mostram que [...] a centenária cidade de Thane, situada a ã3 quilômetros a nordeste de Mumbai, deixou de ser um subúrbio de classe média para abrigar uma grande população de favelados que não para de aumentar. Thane é hoje residência de é,8ã% da população do estado – 11 milhões, em termos numéricos. Trata-se de um salto no crescimento de quase 36% em uma década. Já a cidade de Mumbai propriamente dita, com 3,1ã milhões de pessoas, registrou uma taxa negativa de crescimento de 5,75% no mesmo período. Amitabh Kundu, doutor em economia [...] afirma que algumas das maiores cidades indianas estão vi-

MOSCÓVIA

1349

1348

Veneza Trabzon

Constantinopla Ma

afetadas pela doença.

Pakhnyushchy/Shutterstock

r Medi t er

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Pequim

1347 o

Damasco

Samarcanda Bagdá

CHINA 1333

Meca

ÁFRICA

Trópico de Câncer

ÍNDIA

ARÁBIA

OCEANO PACÍFICO

Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giuseppina. Il corso dela Storia 11. Bologna: Zanichelli, 1997. p. 382.

Peregrinações do leste a Meca 0

1155

2 310

OCEANO ÍNDICO

km

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Biblioteca Britânica, Londres, Inglaterra

Percurso do contágio

Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giuseppina. Il Corso della Storia 1. Bolonha: Zanichelli, 1997. p. 382.

Área e época da epidemia

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

Agora, faça o que se pede:

João Prudente/Pulsar Imagens

258

Pesquise as instituições políticas do Brasil. Utilize sites e livros. Com base em sua pesquisa, reflita sobre o momento político atual em que vivemos. Você consegue identificar uma permanência e uma mudança de curta duração em nossas instituições políticas? Elabore um pequeno texto sobre esse tema e compartilhe-o com o restante da sala.

Iluminura presente em Omne Bonum, de James le Palmer, enciclopédia do século XIV, que mostra vítimas da peste negra. Repare nas manchas de pele das pessoas que fazem fila para serem abençoadas por um padre.

A enxada é um dos instrumentos mais antigos inventados pelo ser humano e amplamente utilizada na agricultura até os dias de hoje. Na imagem, trabalhador rural em Munhoz, Minas Gerais. Foto de 201ô.

Crédito

Capítulo 10

O mundo às vésperas do século XVI

Construindo conceitos

As Cruzadas A partir da última década do século XI, diversas expedições de caráter militar-religioso partiram da Europa em direção à Palestina com o objetivo de restabelecer o controle cristão sobre a Terra Santa, que estava sob domínio dos muçulmanos desde o século VII. Essas expedições ficaram conhecidas como Cruzadas. A expressão “Terra Santa” designava os lugares percorridos por Jesus e incluía Jerusalém e o Santo Sepulcro, local onde ele teria sido sepultado.

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Atividades Everett Collection/AGB Photo.

O ator americano Charlton Heston durante as filmagens de El Cid, Cid dirigido por Anthony Mann. O filme chegou aos cinemas em 1961.

vendo o que ele chama de “periferalização degenerativa”. Trata-se de fenômeno pelo qual as pessoas são compelidas a deixar a cidade em razão do alto custo de vida e escassez de empregos que ofereçam salários decentes, para viver em assentamentos improvisados na periferia das áreas metropolitanas. Nesses assentamentos periféricos, as pessoas perdem tanto as vantagens da vida rural como as da urbana. [...] A alteração do equilíbrio social nas cidades indianas é ponto importante a ser estudado por demógrafos e economistas, porque ã1à milhões do 1,á bilhão de pessoas do país já vivem abaixo da linha da pobreza. Isto representa um terço de toda a população carente do mundo, segundo o Banco Mundial que também ressalta que a disparidade de renda na Índia está aumentando. UNFPA. Relatório sobre a situação da população mundial á0ââ. Disponível em: . Acesso em: á7 nov. á0âô.

Capítulo 3

Seção interdisciplinar que relaciona assuntos abordados nos capítulos com outras áreas do conhecimento. Ela propõe um projeto de investigação com outra disciplina e aparece em diferentes momentos ao longo do volume.

Enem e vestibulares

ATENÇÃO! Não escreva no livro!

Retome 13. Quais foram os núcleos urbanos mais antigos de que se tem notícia na América?

Enem

Avalie as seguintes afirmações a respeito dos textos anteriores, que tratam das Cruzadas.

O café tem origem na região onde hoje se encontra a Etiópia, mas seu cultivo e consumo se disseminaram a partir da península Árabe. Aportou à Europa por Constantinopla e, finalmente, em 1615, ganhou a cidade de Veneza. Quando o café chegou à região europeia, alguns clérigos sugeriram que o produto deveria ser excomungado, por ser obra do diabo. O papa Clemente VIII (1592-16à5), contudo, resolveu provar a bebida. Tendo gostado do sabor, decidiu que ela deveria ser batizada para que se tornasse uma “bebida verdadeiramente cristã”.

I. Os textos referem-se ao mesmo assunto – as Cruzadas, ocorridas no período medieval –, mas apresentam visões distintas sobre a realidade dos conflitos religiosos desse período histórico. II. Ambos os textos narram partes de conflitos ocorridos entre cristãos e muçulmanos durante a Idade Média e revelam como a violência contra mulheres e crianças era prática comum entre adversários. III. Ambos narram conflitos ocorridos durante as Cruzadas medievais e revelam como as disputas dessa época, apesar de ter havido alguns confrontos militares, foram resolvidas com base na ideia do respeito e da tolerância cultural e religiosa.

1.

14. Numa época em que as mulheres eram consideradas inferiores aos homens na maioria das civilizações antigas, no Reino Kush elas desfrutavam de uma condição diferenciada. Descreva essa situação com base no que você estudou no capítulo. DeAgostini/Getty Images/Biblioteca Universitária de Heidelberg.

João I de Brabante, o Vitorioso, em batalha. Miniatura do Codex Manesse, produzido em 1300, aproximadamente.

Mercado de rua no centro de Mumbai, Índia. Foto de 2016.

Dialogando com outras disciplinas

Imagens, legendas explicativas e pequenos textos apresentam dados de uma maneira ágil e atraente. Os infográficos colaboram para a fixação de diferentes conteúdos estudados ao longo dos capítulos.

Vivendo naquele tempo

Os cavaleiros medievais, oriundos da nobreza, eram treinados, desde a infância, nas artes e nos valores da guerra; aprendiam a manusear armas, como a lança e a espada, a montar a cavalo e a enfrentar o inimigo. Retratados em pinturas, esculturas, obras literárias e cinematográficas, constituem um imaginário de narrativas heroicas que se transformam ao longo do tempo. Representações do cavaleiro Rodrigo Díaz (10431099), o El Cid, expressam o poder desse imaginário. Nobre guerreiro castelhano, teria lutado contra os mouros e colaborado para a unificação do reino cristão de Castela, ganhando fama ainda em vida, graças às suas vitórias incontestáveis. Foi homenageado em poemas populares cantados e, em 1ã07, reunidos na forma escrita, com o título Canción de Mio Cid d,, que retratavam um cavaleiro idealizado: destemido, leal, justo, piedoso e profundamente cristão. Nos séculos seguintes, a lenda de El Cid foi recontada por escritores espanhóis, como Guillén de Castro (1569-1631), que escreveu a peça teatral A Mocidade de El Cid no início do século XVII. A história do cavaleiro Díaz também foi narrada em El Cid, d, filme de 1961 dirigido por Anthony Mann; em programas de televisão, sobretudo na Espanha; e em El Cid: a lenda, desenho animado de ã003 dirigido por José Pozo. O personagem e seu exército também fazem parte do videogame Age of Empires 2: the Age of Kings, lançado em 1999. Essas representações demonstram, portanto, a força das narrativas lendárias construídas em torno do ideal de honra e lealdade da cavalaria medieval.

249

Infográfico

Entenda melhor os conceitos fundamentais do ensino de História. Eles são trabalhados com atividades de pesquisa.

El Cid, um cavaleiro medieval

Miniatura do século XIV representando a "morte negra", outro nome pelo qual a peste bubônica era conhecida. Observe o número de vítimas que são removidas da edificação.

Pratique 15. Observe abaixo uma representação do príncipe Arikankharer, que governou a Núbia por volta de 15 d.C.:

Legenda. Aguardando iconografia

Daderot/Wikipedia/Wikimedia Commons

No mundo contemporâneo, essa relação entre o campo e a cidade se alterou radicalmente. Em á0â4, mais da metade da população mundial morava em cidades e estima-se que em á0ô0, õõ% dos habitantes do planeta viverão nos centros urbanos. Nessa seção vamos considerar alguns aspectos relacionados ao crescimento das grandes cidades e da população urbana no planeta. O trecho a seguir aborda as transformações recentes de algumas cidades indianas.

manchas escuras que surgem no corpo

THORN, J. Guia do café. Lisboa: Livros e livros, 1998. Texto adaptado.

A postura dos clérigos e do papa Clemente VIII diante da introdução do café na Europa ocidental pode ser explicada pela associação dessa bebida ao a) ateísmo.

d) islamismo.

b) judaísmo.

e) protestantismo.

É correto apenas o que se afirma em: a) I. b) II.

c) hinduísmo.

2. Os cruzados avançavam em silêncio, encontrando por todas as partes ossadas humanas, trapos e bandeiras. No meio desse quadro sinistro, não puderam ver, sem estremecer de dor, o acampamento onde Gauthier havia deixado as mulheres e crianças. Lá, os cristãos tinham sido surpreendidos pelos muçulmanos, mesmo no momento em que os sacerdotes celebravam o sacrifício da Missa. As mulheres, as crianças, os velhos, todos os que a fraqueza ou a doença conservava sob as tendas, perseguidos até os altares, tinham sido levados para a escravidão ou imolados por um inimigo cruel. A multidão dos cristãos, massacrada naquele lugar, tinha ficado sem sepultura. MICHAUD, J. F. História das cruzadas. São Paulo: Ed. das Américas, 19é6. (adaptado).

As Cruzadas foram convocadas pelo papa Urbano II em 1ã9é no Concílio de Clermont e eram inicialmente vistas com simpatia pelos imperadores bizantinos. Estes últimos esperavam o auxílio dos reinos europeus no combate aos povos muçulmanos, sobretudo aos turcos seljúcidas, que haviam se convertido ao islamismo e ganhavam força expansionista. Os seljúcidas conquistaram Bagdá em 1ãéé e passaram a se dirigir para a Ásia Menor, tornando-se uma ameaça ao Império Bizantino. A formação da Europa

Vivendo naquele tempo Conheça o cotidiano de diferentes grupos sociais ao longo da História, analisando suas condições de vida, seus valores e suas práticas sociais.

215

Foi, de fato, na sexta-feira áá do tempo de Chaaban, do ano de 49á da Hégira, que os franj se apossaram da Cidade Santa, após um sítio de 4à dias. Os exilados ainda tremem cada vez que falam nisso, seu olhar se esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, que espelham pelas ruas o sabre cortante, desembainhado, degolando homens, mulheres e crianças, pilhando as casas, saqueando as mesquitas.

Relevo meroíta datado do século I d.C.

MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. Texto adaptado.

a) Descreva a postura e os gestos do príncipe. b) Em sua opinião, que imagem do príncipe o relevo buscava construir? Que elementos da imagem sustentam sua resposta anterior? 126

franj: cruzados

272

Capítulo 4

Atividades A seção de atividades trabalha com textos de historiadores, imagens, trechos de reportagens e textos interdisciplinares, e está dividida em quatro partes: Retome, Pratique, Analise uma fonte primária e Articule passado e presente.

d) I e II. e) II e III.

c) III.

3.

Calendário medieval, século XV Enem, 2015/Arquivo da editora

No cotidiano, frequentemente temos a sensação de que certos fenômenos permanecem, enquanto outros se transformam ou desaparecem. Por exemplo, a frequência à escola, ao longo de vários anos, ou os hábitos alimentares das famílias, especialmente nos encontros festivos, como os aniversários, são permanências. Por outro lado, o fim do período escolar, o falecimento de um familiar ou um novo emprego representam rupturas na nossa vida. Para compreendermos as sociedades humanas, precisamos levar em conta as suas permanências e mudanças ao longo do tempo. Entretanto, é preciso lembrar que atividades econômicas, práticas sociais e ideias se transformam em ritmos diferentes. Mesmo um acontecimento como a descoberta da América pelos europeus, em 1492, não representa uma mudança completa, mas indica que certos aspectos se transformaram, enquanto outros permaneceram inalterados. Há, portanto, diferentes ritmos nas mudanças históricas: certos fenômenos transformam-se mais lentamente, outros surgem e desaparecem com rapidez. Assim, é preciso compreender o ritmo das mudanças e identificar as permanências, entendendo a dinâmica histórica, isto é, o próprio movimento da História. Ao estudar uma determinada época, pode-se verificar a presença desses diferentes ritmos e durações.

peste negra

As sociedades europeias no século XVI, por exemplo, ainda estavam submetidas às alterações climáticas que impactavam a produção de alimentos, visto que a agricultura e a pecuária dependiam basicamente das condições naturais. Portanto, os grupos humanos permaneciam dependentes do trabalho agrícola e dos fenômenos meteorológicos. Em contrapartida, determinadas transformações econômicas estavam em curso desde o início da retomada do comércio e do crescimento das cidades, no século XIV, seguidos pela Expansão Marítima e pela conquista da América, no século XVI. Essa ampliação e acumulação da riqueza mercantil lentamente alterou as relações entre os grandes comerciantes e a aristocracia da terra. Essas mudanças seriam percebidas com maior intensidade apenas nos séculos XVIII e XIX, quando a burguesia assumiu o controle do Estado em países como a França e a Inglaterra. Os Estados nacionais viviam um processo de centralização do poder e unificação de territórios caracterizado por guerras civis, alianças monárquicas e complôs da grande aristocracia. Em diversos países, esses acontecimentos alteravam o rumo da política, elevando ou derrubando dinastias, provocando conflitos sanguinários e curtos períodos de paz. Como vemos, permanências, mudanças de média e curta duração se entrelaçam no estudo das sociedades humanas. Por isso, sempre leve em conta que um capítulo em um livro de História representa, ao mesmo tempo, um estudo das rupturas e transformações históricas e também uma reflexão sobre o que permanece inalterado na experiência humana no planeta.

Geografia

transmitida pelas pulgas dos ratos. Ela

Mapa: Banco de imagens/Arquivo da editora a

Perman•ncia e mudan•a

Dialogando com a

A peste negra, também chamada de peste bubônica, é uma doença contagiosa

LMspencer/Shutterstock

A

Construindo conceitos

Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2012.

Os calendários são fontes históricas importantes, na medida em que expressam a concepção de tempo das sociedades. Essas imagens compõem um calendário medieval (1460-147é) e cada uma delas representa um mês, de janeiro a dezembro. Com base na análise do calendário, apreende-se uma concepção de tempo a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno. b) humanista, identificada pelo controle das horas de atividade por parte do trabalhador.

c) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o trabalho. d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo com as estações do ano. e) romântica, definida por uma visão bucólica da sociedade.

Unidade 3

Enem e vestibulares Esta seção, localizada no final da Unidade, apresenta exercícios do Enem e de vestibulares de todas as regiões do país.

5

Sumário Introdução: A construção do saber histórico 1. Nossa história: uma leitura do passado . . . . . . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . . . . . . .. . . 12 2. Fonte histórica ou documento histórico .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . 13

3. Leituras do tempo ... .... .... ... ..... ... ..... ... ..... ... .... 17 Periodização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 8 Os calendários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Divisão de tempo e poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1

O trabalho do historiador com as fontes históricas .. ...... ... ..... ... .............................. . .. . 14

Atividades . .... .... ... ..... ... ..... .. ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... 24

A relação presente-passado . ..... ..... ... ..... ... ............ . . . . 16

Unidade 1: Nossa história mais remota 1. As sociedades ágrafas . .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . .... .. 28 2. Uma falsa trajetória: do atraso cultural ao progresso .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 29

CAPÍTULO 1: Os primeiros

agrupamentos humanos. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 31

1. O estudo dos mais remotos vestígios da humanidade . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... ... 32 Nossas origens . . .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. . .. . . 34 Migrações dos primeiros agrupamentos humanos . . . . . . . . . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . ... 36 Organizando o estudo das diferentes espécies . . . . . . . . . . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . .. 37

2. Os agrupamentos humanos mais remotos .. .. .. . ... 40 3. Do nomadismo às sociedades sedentárias .. .. . ... .. 41 Agricultura, pecuária e fixação nas margens de grandes rios. . . . . .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. . . . . . .. . 42 Utilização de metais e desenvolvimento da agricultura. . . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . . .. . . 44

Atividades .. .. .. . . . . . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 45

CAPÍTULO 2: Nossos ancestrais da América . . . . . ... . ... . ... . ... . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 49 1. Como chegaram ao nosso continente . .. .. .. .. .. .. ... 50 Pontos de vista . . . . .. . ... . ... . ... . ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 52 2. Diversidade de culturas . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . .... .. 54 3. A chegada dos europeus .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . .... .. 58 Atividades .. .. .. . . . . . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 60

Enem e vestibulares .. . ............................. 6

64

Henri Lhote/Arquivo da editora

Saber histórico Discutindo a origem da humanidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 27

Unidade 2: Civilizações antigas Saber histórico Pensando sobre as diferentes civilizações antigas .........69

5. A África para além do Egito antigo ... ... ..... ... ..... 121 O Reino de Kush .. ... ..... ... ..... ... ..... ... ..... ... ..... . . 123

1. Estudando a Antiguidade . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... ..... 70 2. Civilização . . . . . . .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . .. . . . . . . ... . 72

Construindo conceitos ..... ... ..... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . 124

CAPÍTULO 3: O Crescente Fértil

CAPÍTULO 5: Grécia antiga .... ... ..... ... .... . ... . . 128

1. Dos grupos nômades às cidades . .. .. .. . ... . ... . ... .... 80 2. Das cidades aos reinos e impérios .. .. .. .. .. .. .. .. ... .. 81

1. Aspectos físicos da Grécia .... .... .... .... .... .... ... ... 129 2. Povoamento e período pré-helênico .. ... ..... ... .... 130 Civilização cretense .... .... .... ... ..... ... ..... ... ..... ... . 131

A civilização mesopotâmica.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . .... .. 81

Civilização micênica ... .... ... ..... ... ..... ... ..... ... ..... 132

e a Pérsia . . . . . . .. . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . 79

Aspectos da economia, sociedade e cultura na Mesopotâmia . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .... . .. 82 Evolução política .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. ... 83

Atividades . .. .. . . .. . ... . ... . ... . ... . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 86 A civilização egípcia . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... ... 87 Aspectos da economia, sociedade e cultura. .. .. .. .. ... .. 89 Os períodos da história egípcia .. .. . ... . ... . ... . ... . ... .... 92

Atividades . .. .. . . . ... . ... . ... . ... . ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 93 Hebreus, fenícios e persas .. ...... ... ..... ... ..... ............ .. .. 94 Os hebreus . . . . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. . . . . . . ... . 94 Fenícios e persas .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... ... . 96

Dialogando com a Geografia . ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 100 Atividades . .. .. . . .. . ... . ... . ... . ... . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 102

CAPÍTULO 4: Outros povos

Atividades ... .... ... ..... ... ..... ... ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... 126

Jônios, eólios e dórios .... .... ... ..... ... ..... ... ..... ... ... 132

3. Transformações: do Período Homérico ao Período Arcaico .. .... .... .... ... ..... ... ..... ... ..... .. 133 Economia e sociedade no Período Homérico .... .... .... 135 Esparta: oligarquia e militarismo .... .... .... .... .... .... . 136 Atenas, construção da democracia .. .... .... .... ... ..... . 137

4. Período Clássico .. .... .... .... ... ..... ... ..... ... ..... ... .. 140 Construindo conceitos . ... ..... ... ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... 142 Conflitos e enfraquecimento das cidades-Estado .... ... ..... ... ..... ... ..... ... ..... ... .... . . 143

5. Cultura grega .... .... .... .... .... .... ... ..... ... ..... .. ... . 144 Dialogando com as Artes Cênicas . . ... . ... . ... . ... . ... . ... 148 6. Período Helenístico ... .... .... .... .... .... ... ..... ... .... 150 A cultura helenística .. .... .... .... .... .... ... ..... ... ..... . 150 Atividades ... .... ... ..... ... ..... ... ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... 152

da Antiguidade ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 104 1. Diversidade de povos e civilizações .. .. .. .. .. .. .. ... . 105 2. A Índia na Antiguidade . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . .... .. 105 Civilização Harappa . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . .... 105 Civilização védica. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... .... 107

3. A China antiga . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... ... . 112 Dinastias Xia e Shang . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... ... 112 Dinastia Zhou. . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . .. . . ... 112 Dinastia Ch’in .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. . . ... 113 Dinastia Han . . . .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. . .. . .. 115

Atividades . .. .. . . . ... . ... . ... . ... . ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 117 4. Civilizações americanas antigas .. .. .. .. .. .. .. .. .. . .... 119 Civilização Olmeca .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .... 119 Chavín, zapotecas e toltecas . .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . .... 120 Civilização maia . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . .. .. 120 Império Inca . . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . . .. . .. 120

Victoria & Albert Museum, Londres/Bridgeman Images/Keystone

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CAPÍTULO 6: A civilização romana .. . .. . . . . . . .. 155

4. O Alto Império (séculos I a.C.-III d.C.) . .... .... .... .... 166

1. Roma e nós . . . . . . .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . . . . . . .. 156

Aspectos da expansão territorial . ... ..... ... ..... ... ..... 167

2. Da fundação de Roma ao fim da monarquia .. .. ... 157

Alguns governantes do Alto Império . .... .... ... ..... ... . 167

A Itália primitiva e seus principais povos . .. .. .. .. .. .. ... 157

5. O Baixo Império (séculos III d.C.-V d.C.) ... .... .... ... 170

3. República (séculos VI a.C.-I a.C.) .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . 159 Aspectos do sistema político . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... .. 160 A expansão territorial romana . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . .. 162 Conflitos e transformações na República.. .. .. .. .. .. ... . 163 O fim da República . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . .... . 165

Povos “bárbaros” ... .... .... .... .... ... ..... ... ..... ... .... . 172

6. A cultura romana .. .... .... .... .... .... ... ..... ... ..... ... 173 Atividades ... .... ... ..... ... ..... ... ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... 174

Enem e vestibulares ... .... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . 177

Unidade 3: Europa, periferia do mundo Saber histórico Idade Média . . . . . . . . . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 1. Idade Média: idade das trevas? .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..184 2. Idade Média: onde? . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. 186

CAPÍTULO 7: O Império Bizantino, o islã

Construindo conceitos ..... ... ..... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . . 197 5. A China imperial .. .... .... .... .... .... ... ..... ... ..... ... . 198 6. Algumas civilizações da América.... .... .... .... .... .. 199 Os indígenas pré-brasileiros. .... .... .... .... .... .... ... .. 201 Atividades ... .... ... ..... ... ..... ... ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. 203

e o mundo . . . . . . . .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . . . . . .. . 187

CAPÍTULO 8: A formação da Europa ......... 208

1. Um período de transição.. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... .. 188

1. O espaço como construção social e histórica ... .... .... ... ..... ... ..... ... ..... ... ... 209 2. Alta Idade Média e a ruralização europeia . .... ... .. 210

2. O Império Romano do Oriente.. .. .. .. .. .. . ... . ... . .... 188 O governo de Justiniano .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. 189 A religiosidade . . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . .. . .. . 191

Os reinos germânicos ... .... .... .... ... ..... ... ..... ... .... 210

3. Reinos da África . .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .... . 192

3. Baixa Idade Média: a caminho da Europa urbana .... .... .... .... .... .... ... ..... ... ..... 214

O Reino de Axum .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . 192

As Cruzadas . .... .... .... .... .... .... ... ..... ... ..... . ... . ... 215

O Reino de Gana . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . .. .. 193

A expansão do comércio na Europa .... .... .... .... .... . 218

4. Os árabes e o islamismo .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... 195

O florescimento urbano . .... .... ... ..... ... ..... ... ..... .. 219

Formação e expansão do Império Islâmico . .. .. .. .. . ... . 196

Atividades ... .... ... ..... ... ..... ... ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. 222

Jerónimo Alba/Alamy/Latinstock.

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CAPÍTULO 9: Cultura, economia

e sociedade medieval . .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . .... . 225 1. Igreja Cristã: predomínio na Idade Média. .. .. ... .. 226 2. A cultura da Idade Média .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . 227 A influência cultural árabe . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . .... . 228

3. O dinamismo cultural da Baixa Idade Média .. ... . 228 As artes na Baixa Idade Média . .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... .. 23 1

Atividades .. .. .. . . .. . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 234 4. Senhores e servos .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .... . 235 5. Na contramão da Europa feudal . .. .. .. .. .. .. .. .. . ... 239 Pontos de vista . . .. . ... . ... . ... . ... . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 240 6. Chineses e árabes à frente dos europeus . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . .. . . .. 242 Atividades . .. .. . . . ... . ... . ... . ... . ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 243

CAPÍTULO 10: O mundo às vésperas

do século XVI .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. .. 246 1. Cenários político, social e cultural nos séculos XIV e XV . .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . .... 247 2. A formação das monarquias centralizadas na Europa . . . . . .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . . . . . . ... 247 O reino francês . .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . .. .. 248 A Guerra dos Cem Anos . .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... ... 250

O reino inglês. . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . . ... 253 Portugal e Espanha. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... 254

Construindo conceitos . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 258 3. O mundo não europeu antes de 1500 .. .. .. .. .. .. ... .259 Índia, China e Japão .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... . ... ...259 Reinos africanos . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . ... . ... ... 262 América: incas e astecas . . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... . ... 263

The Granger Collection/Other Images

A dinastia de Avis. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . ... . ... . ... . .... .. . 257

Atividades .. .. .. . . .. . ... . ... . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 266

Enem e vestibulares . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 272 Sugestões de leitura para o aluno ..................................................... 278 Bibliografia ...................................................... 279 9

Introdução Olhamos para o passado com os pés fincados no tempo presente. Os relatos de acontecimentos de outros tempos e lugares são articulados com questões do presente e refletem diferentes pontos de vista. Por isso esses relatos nunca apresentam versões únicas e definitivas dos acontecimentos. Em cada momento da História e a cada análise sobre determinado período, fato ou episódio criam-se versões. Com base nelas, podemos refletir sobre o mundo em que vivemos e sobre nosso passado. Essa compreensão do mundo pode servir ao exercício da cidadania.

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A construção do saber histórico Renato Soares/Pulsar Imagens

Cada vez mais os indígenas procuram ter voz em nossa sociedade, expondo seus relatos e suas interpretações a respeito da própria história e da história do Brasil, construindo, assim, versões diferentes da tradicional. Indígena da comunidade Pataxó da Aldeia Velha, Porto Seguro (BA). Foto de 2014.

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1 Nossa história: uma leitura do passado

D

Theo Szczepanski/Arquivo da editora

urante todo o século XIX, a História priorizou o estudo de fatos e feitos de “pessoas notáveis”. Por meio desse estudo, os historiadores apontavam como as nações da Europa nasceram e/ou se consolidaram. Os estudiosos desse período apoiavam-se principalmente em documentos oficiais escritos, que eram considerados a única e verdadeira versão dos acontecimentos.

Acervo da Escola Estadual Caetano de Campos/Arquivo da editora

Turma de meninos em colégio na Escola Estadual Caetano de Campos, na cidade de São Paulo, em foto produzida entre 1900 e 1910. Com o passar do tempo, novas formas de pensar a convivência entre meninos e meninas e de interpretar o mundo fizeram com que os valores representados na imagem fossem abandonados na maior parte das escolas do Brasil e do mundo.

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Introdução

No século seguinte, pesquisas históricas ampliaram o debate, e novos olhares sobre a construção do saber histórico conquistaram espaço. As pesquisas passaram a abranger toda atividade humana. Em algumas décadas, estudar História deixou de significar a memorização de datas, de “fatos importantes” e de “personagens ilustres”. Dessa forma, a seleção de temas, períodos e objetos de pesquisa histórica passou a ser feita com base em preocupações e anseios da época em que cada historiador se encontra. Com essas mudanças, a História passou a ser um conhecimento dinâmico: o passado inclui tudo o que já aconteceu, sem possibilidade de modificação, mas as formas de olhar para o passado mudam conforme muda o presente. O que sabemos, por exemplo, sobre os antigos gregos continua a ser constantemente atualizado, e opiniões e afirmações são modificadas de acordo com as escolhas temáticas de cada historiador. Isso possibilita novas descobertas, pesquisas e abordagens. Contudo, exige-se o cuidado de não reduzir outros lugares e outras épocas à nossa visão de mundo. Ao buscar entender o passado, é necessário considerar o ponto de vista, os valores e os conceitos de quem viveu em determinada época, e não os nossos. Isso vale tanto para os historiadores como para você que estuda História na escola. Nesse processo para compreender o passado, é preciso levar em conta, ainda, que historiadores são indivíduos diferentes uns dos outros no que se refere a origem, formação cultural, classe social e religião. Portanto, suas interpretações da História também podem ser diferentes, embora muitas de suas preocupações (problemas ambientais ou desigualdades sociais, por exemplo) possam ser comuns.

2 Fonte histórica ou documento

histórico

O Templo de Segesta, construído aproximadamente em 420 a.C. no território da atual Sicília, Itália, é um exemplo de fonte histórica. Sua arquitetura, o local em que foi construído, o material utilizado em sua edificação, as técnicas de construção empregadas e as funções que o edifício teve ao longo do tempo podem ser analisados pelos historiadores na busca por interpretações a respeito do passado. Foto de 2014. Marco Rubino/Shutterstock

O que distingue o conhecimento histórico de outras formas de conhecimento sobre o passado (como o discurso religioso e o senso comum) é a forma como esse conhecimento é produzido. O conhecimento histórico é construído por meio do método histórico, que deve ser racional, seguir um raciocínio lógico e apresentar argumentos baseados em evidências. Essas evidências que sustentam os argumentos históricos são as fontes. Fonte histórica ou documento histórico é tudo aquilo que de algum modo está marcado pela presença humana. Além dos documentos escritos, as fontes históricas compreendem grande variedade de vestígios e evidências em objetos e materiais diversos. Da mesma forma que há uma pluralidade de pontos de vista sobre o passado, existem também muitas fontes de informações sobre esse passado. Essas fontes podem ser discursos orais ou escritos, monumentos, obras de arte, objetos cotidianos e até mesmo corpos preservados, esqueletos de pessoas de agrupamentos antigos ou o DNA. Portanto, para apreender as múltiplas “vozes” do passado, cabe ao historiador definir um enfoque sem deixar de considerar a existência de outros. No entanto, fontes históricas não falam por si e não desvendam a verdade absoluta do passado: é preciso que o historiador interrogue o contexto em que foram produzidas, identifique os grupos ou os valores que elas representam e de que maneira abordam e retratam diferentes grupos sociais. Essas perguntas são geradas pelos interesses do historiador e pelas questões da época em que ele se encontra. Por isso, diferentes perguntas revelarão diferentes aspectos de um mesmo documento ou levarão a outros. Além disso, novos documentos surgem a todo momento. Com o passar do tempo, registros que anteriormente não eram considerados documentos pelos historiadores (por exemplo, as relações étnicas registradas no código genético humano) passam a ser aproveitados como evidência histórica, levando pesquisadores a reescrever e reinterpretar o passado.

A construção do saber histórico

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O trabalho do historiador com as fontes históricas Como vimos, as fontes históricas não são a História em si, elas não expõem diretamente o passado. Entre o passado e o historiador há uma série de “filtros”: a própria preservação de uma fonte pode ser considerada um desses filtros. O primeiro passo do trabalho do historiador é realizar o levantamento dos documentos que pretende analisar. No entanto, às vezes não é possível obter determinados documentos, pois eles podem ter sido extraviados, danificados em desastres e fenômenos naturais, como incêndios, enchentes, umidade e temperaturas inadequadas; deteriorados por insetos e/ou microrganismos; danificados pela ação humana, como rasuras, uso de material inadequado, grampos ou clipes (no caso de documentos escritos), destruição de documentos considerados irrelevantes ou mesmo para ocultação de acontecimentos. Além disso, essa seleção de fontes históricas é conduzida de acordo com o tema, o interesse e outras variáveis adotadas pelo pesquisador. Assim, diferentes historiadores utilizarão diferentes fontes, o que implicará reflexões e resultados também diversos. O modo pelo qual um historiador aproveita as informações dos documentos também não é sempre o mesmo, e isso constitui mais um filtro entre ele e o passado.

Avaliando fontes históricas

Jens Buttner/dpa Picture-Alliance/Agência France-Presse

Tomemos o exemplo de um registro escrito: ao analisar essa fonte, o pesquisador começa por se perguntar por que e como aquela fonte chegou até ele, por quem e por que foi produzida. Ele precisa definir, entre outras questões, a data exata do documento, sua autoria, sua autenticidade e a que série de documentos ele pode ser relacionado. Ele deve, ainda, avaliar as informações e as ideias contidas no documento, comparando-as com o que já se sabe sobre o período e com outros documentos. Até documentos considerados falsificados (de autoria falsa ou que não pertencem ao período que se alega) podem conter informações importantes, pois estão inseridos no processo histórico que levou à falsificação.

Quando um documento de importância histórica é danificado, é necessário recuperá-lo. Na foto de 2013, restaurador repara tapeçaria danificada produzida em 1823. A obra restaurada foi exposta ao público em Wismar, Alemanha.

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Introdução

Jaime Acioli/Museu Nacional de Belas Artes - Iphan/MinC, Rio de Janeiro, RJ.

Theo Szczepanski/Arquivo da editora

Com todas essas variáveis, fica evidente que os documentos não nos permitem “ver”, mas sim “ler” o passado. O historiador faz uma leitura do passado, e leitura significa a produção de uma interpretação específica. Portanto, pesquisadores e estudantes, ao analisarem o passado, não podem deixar de considerar que tudo o que lhes chega é apenas uma das versões possíveis de uma época e de um lugar. E eles próprios, em suas reflexões e análises, também produzirão uma das versões possíveis nesse trabalho dinâmico de interpretar a História. Tomemos um exemplo interessante: a Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, dom Manuel. Esse documento – que descreve a terra, os habitantes, a fauna e a flora do Brasil quando da chegada da esquadra de Cabral ao território brasileiro – ficou esquecido por três séculos em um arquivo português, até ser recuperado e assim: publicado no final do século XIX por historiadores brasileiros interessados em construir uma narrativa que valorizasse o nascimento da nação brasileira. Nessa interpretação, destacavam-se a exuberância da natureza e os aspectos que consideravam “exóticos” dos povos indígenas. Assim, a carta de Caminha foi tida como uma espécie de “certidão de nascimento” do Brasil pelos historiadores da época, que consideravam que o Brasil “surgiu” com a chegada dos portugueses. O documento foi submetido a análises mais críticas apenas no século XX. Avaliando, entre outros aspectos, a maneira como os navegantes europeus descreveram as populações indígenas que encontraram, os historiadores passaram a considerar a carta de Caminha uma importante fonte a respeito da mentalidade desses europeus – que julgavam o que viram na América pelo olhar do conquistador.

Divulgação/Arquivo da editora

À direita, pôster do filme O descobrimento do Brasil, do cineasta Humberto Mauro, de 1937. O filme é uma superprodução baseada na Carta de Pero Vaz de Caminha e em outras fontes históricas, como o quadro A primeira missa no Brasil (reproduzido acima), produzido por Victor Meireles em 1860. Mauro foi responsável pela fotografia de diversos filmes oficiais do governo Getúlio Vargas, e seu filme buscava valorizar a nação brasileira. É possível afirmar, portanto, que o próprio filme é um documento que revela uma interpretação da história do país. A construção do saber histórico

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A relação presente-passado Antropologia: do grego anthropos, "homem", e logos, "razão", "pensamento". Ciência que estuda a humanidade de maneira abrangente, desde os aspectos físicos (ou biológicos) até os aspectos culturais, que incluem crenças, costumes, rituais, linguagem, relações de parentesco, etc. etnólogos: os estudiosos de povos e suas culturas.

A relação presente-passado exige cuidados: é preciso sempre distinguir o tempo estudado do tempo em que o historiador está inserido. Por exemplo, cometemos equívoco histórico, denominado anacronismo, se julgamos eventos do passado, de outras culturas, regidas por outras regras morais, com base na cultura e nos valores de nossa sociedade. Em outras palavras, entre o atual e o antigo sempre se impõem cuidado, reflexões e relativizações, mas nunca censura ou juízos de valor. A moralidade, as práticas e as crenças funcionam de formas diferentes em culturas diferentes; por isso não é possível julgar uma cultura de acordo com os pontos de vista de outra cultura. Essa ideia de relativismo cultural nos foi legada pela Antropologia. O antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942) dizia: “A humanidade é uma. As civilizações, muitas”. O conceito de relatividade cultural afirma que os padrões do certo e do errado (valores) e dos usos e das atividades (costumes) são relativos à cultura da qual fazem parte. Na sua forma extrema, esse conceito afirma que cada costume é válido em termos de seu próprio ambiente cultural. HOEBEL, Edward Adamson; FROST, Everett. Antropologia cultural e social. Rio de Janeiro: Cultrix, 1996. p. 22.

Dessa forma, nenhuma cultura pode medir a qualidade das outras com base em sua própria cultura, pois cada uma tem um sistema de valores próprio que não pode ser comparado ao das outras. Hoje, todos os etnólogos estão convencidos de que as sociedades diferentes da nossa são sociedades humanas tanto quanto a nossa, que os homens que nelas vivem são adultos que se comportam diferentemente de nós, e não “primitivos”, autômatos atrasados [...]. Mas nos anos [19]20 isso era propriamente revolucionário.

Coleção particular/The Bridgeman/Keystone

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 81.

Dança de indígenas Camanacami, do livro Le costume ancien et modern, de Jules Ferrario, publicado em 1819.

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Introdução

3 Leituras do tempo

Cronocart/Arquivo da editora

A História é o estudo das ações humanas ao longo do tempo e em determinados espaços geográficos. As diferentes formas de organização, constituição e ocupação do espaço fazem parte do campo de estudo da Geografia, uma das ciências com a qual os estudos historiográficos dialogam. Mas como definir o tempo? Há muitas maneiras de explicar e sentir a passagem do tempo. Todos nós convivemos com fenômenos temporais: dia, noite, estações do ano, crescimento, envelhecimento. Várias civilizações estabeleceram divisões do tempo que adotaram a observação dos ciclos da natureza como base: o movimento da Terra, do Sol e da Lua. Além da Lua e do Sol, o calendário maia, por exemplo, baseava-se na observação do planeta Vênus. Muitos calendários surgiram da análise dos astros, por sua influência sobre as plantações e a necessidade de definir os tempos de plantio, poda e colheita. Uma volta do planeta Terra em torno de seu eixo (rotação) foi interpretada por diversas culturas como um dia, que foi dividido em 24 partes iguais, chamadas de horas, por sua vez também subdivididas, e assim por diante. Decidiu-se que o dia não começa ao nascer do sol, mas aproximadamente seis horas depois que ele desaparece no horizonte. Outras civilizações consideravam que o dia só começava logo que o sol aparecia. No século VIII a.C., na Babilônia, os astrônomos definiam o início do dia quando o sol estava a pino, em seu ponto mais alto no céu. A semana de sete dias pode ter surgido de acordo com as fases da Lua. Essas diferentes formas de dividir o tempo correspondem ao tempo físico ou cronológico. Cada civilização tem uma leitura particular do tempo, que pode ser a melhor, a mais adequada ou a mais confortável para seu próprio povo. Embora seja fundamental para a compreensão da História, o tempo cronológico não é seu objeto de estudo, mas sim o tempo histórico, ou seja, os períodos da existência humana em que ocorrem eventos que fazem parte de estruturas e contextos mais amplos, como a economia ou a política.

Louis Crucius/Antikamnia Chemical Company Calendars, 1899-1900/Arquivo da editora

Calendário norte-americano produzido e ilustrado entre 1899 e 1900.

Cartão-postal com fotografia do Viaduto do Chá e do Vale do Anhangabaú, década de 1950. A construção do saber histórico

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Gusman/Leemage/Agência France-Presse

Periodização

Soldados franceses em trincheira na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foto sem data.

A vida das pessoas, no entanto, não muda de modo abrupto na passagem de um período histórico para outro. Datas, períodos, eras e outras formas de demarcar o tempo histórico são convenções e orientam a leitura do passado, mas não representam mudanças definitivas e rupturas em todos os aspectos da sociedade. Após uma revolução, por exemplo, algumas condições de vida ou o sistema de governo podem ser modificados de maneira brusca, mas o modo de pensar, as práticas e atitudes diante dos acontecimentos mudam mais lentamente, em ritmos diversos. Entretanto, estudando os períodos históricos, podemos compreender a História de forma mais ampla e realizar divisões de acordo com alguns critérios, como organização social, relações de trabalho e sistemas de governo. O tempo histórico, portanto, não é regular, contínuo e linear como o tempo físico ou cronológico, e sim composto de diferentes durações, já que está vinculado às ações de grupos humanos e aos conjuntos de fenômenos – mentais, econômicos, sociais e políticos – que resultam dessas ações. Desse modo, diversas periodizações podem ser feitas para estudar História. Diferentes historiadores e pesquisadores podem criar tantas organizações para o tempo histórico quantos forem os recortes ou pontos de vista: cultural, político, ideológico, etc. Para alguns historiadores, por exemplo, o século XIX não começa em 1801, mas em 1789 (início da Revolução Francesa), e termina não em 1900, mas em 1914 (início da Primeira Guerra Mundial). Ainda para esses historiadores, o século XX teria se iniciado em 1914 e se encerrado em 1991, com o fim da União Soviética. Isso acontece porque, segundo eles, esses marcos – início da Revolução Francesa e início da Primeira Guerra Mundial – delimitam períodos em que os eventos seguem algumas linhas mestras. Outro exemplo é o século V a.C. Para alguns historiadores, esse século teria tido início em 480 a.C., ano da vitória naval grega sobre os persas em Salamina, e não em 499 a.C. E ele teria terminado não em 400 a.C., e sim em 404 a.C., com a derrota de Atenas, transformada em mero satélite de Esparta. Evidentemente, nesse exemplo, não se trata de séculos no sentido de tempo cronológico, mas de tempo histórico.

Tempo histórico: longa, média e curta duração Como vimos, o tempo das ações humanas não segue exatamente os relógios e os calendários. Com base nessa premissa, alguns historiadores passaram a argumentar que o tempo histórico pode ser de longa, de média ou de curta duração. Vamos entender cada uma dessas durações:

• •

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As relações do ser humano com o ambiente, com a geografia e com o clima de um lugar, por exemplo, ocorrem de maneira bastante lenta. O tempo histórico em que se dá esse processo é considerado de longa duração.

As formas de organizar a produção, a distribuição e o consumo dos bens materiais (economia) e as relações políticas são marcadas por rupturas e permanências, em um processo que pode se prolongar por vários anos. Nesse caso, pode-se afirmar que se trata de um tempo histórico de média duração. Por fim, um evento ou um fato (aquele que, como vimos, era tradicionalmente valorizado na História que se escrevia no século XIX) configuram o tempo de curta duração.

Introdução

É importante considerar que periodizar o tempo histórico, ou seja, dividi-lo em períodos, é um ato arbitrário: a escolha do ponto inicial da contagem e dos eventos mais importantes é feita por algumas pessoas, segundo sua compreensão do mundo e da existência humana, e seguida por outros, sem que necessariamente exista uma concordância entre todos. As periodizações também são expressões da cultura e evidenciam os principais valores de uma sociedade ou civilização. Tomemos um exemplo. Na cultura cristã ocidental, o ano 2000 chegou há mais de uma década, mas os judeus já passaram dessa data há muito tempo (seu calendário está sempre 3761 anos à frente do cristão). Já os que seguem o islamismo (muçulmanos) ainda não chegaram ao ano 2000 (a contagem de seu calendário inicia-se no ano 622 do calendário cristão). Afirmar que “chegamos ao ano 2000” significa que, para nós, o tempo começa a ser contado a partir de um evento ocorrido há 2 mil anos, aproximadamente – no caso, o nascimento de Jesus de Nazaré, chamado de Cristo.

semita: grupo étnico e linguístico que compreende hebreus, assírios, fenícios, aramaicos e árabes. O termo “semita” remete a Sem, um dos filhos de Noé, personagem do Genêsis, primeiro livro da Bíblia.

Para saber mais Muçulmano O termo “muçulmano” é muitas vezes empregado erroneamente como sinônimo de árabe; por isso vale a pena esclarecer essa diferença. A palavra “árabe” designa um povo semita que ocupa, sobretudo, a península Arábica; muçulmano é aquele que, árabe ou não, segue a religião muçulmana ou islâmica, fundada pelo profeta árabe Muhammad (Maomé) no século VII. O Alcorão (ou Corão), livro sagrado dos muçulmanos, é escrito em árabe e é nessa língua que as preces são recitadas. O islamismo, num processo de expansão iniciado pelos árabes, acabou se tornando a religião de outros povos, como os turcos (na atual Turquia), os persas (no atual Irã) e vários povos africanos e orientais. A expansão da civilização árabe também ajudou a difundir sua cultura, seus princípios religiosos, sua forma de compreender o mundo e seu calendário. Assim, existem árabes não muçulmanos (árabes católicos, por exemplo) e muçulmanos não árabes (indonésios muçulmanos, por exemplo).

Embora muitas pessoas no Ocidente não sejam cristãs, essa periodização baseia-se na ideia de que o nascimento de Cristo é tão importante para a humanidade que o tempo deve ser dividido em dois períodos: antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.) (ver esquema a seguir). As sociedades cuja religião majoritária segue essa crença (como as das Américas pós-ocupação europeia e as da Europa) são chamadas, em conjunto, de civilizações cristãs ocidentais.

Banco de imagens/Arquivo da editora

A contagem dos séculos nascimento de Jesus Cristo

a.C.

d.C.

12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

século XXI a.C.

século XX a.C.

2100 a.C. a 2001 a.C.

2000 a.C. a 1901 a.C.

século IV a.C.

século III a.C.

século século século século século II a.C. I a.C. I II III

400 a.C. a 301 a.C.

300 a.C. a 201 a.C.

200 a.C. a 101 a.C.

século IV

século XX

século XXI

1901 a 2000

2001 a 2100

… 100 a.C. a 1 a.C.

1 a 100

101 a 200

201 a 300

301 a 400

Como a História lida com longos períodos, costuma-se usar uma unidade de tempo denominada século, equivalente a cem anos. O mecanismo de contagem dos séculos é similar ao dos anos. Por exemplo: o século XX vai de 1901 a 2000; o século XV, de 1401 a 1500; o século XXI, de 2001 a 2100; e o século IX a.C., de 900 a.C. a 801 a.C. A construção do saber histórico

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Os calendários Existiram na História diferentes tipos de calendário: solares (como o cristão); lunares (como o islâmico ou muçulmano); e lunissolares, em que os anos seguem o movimento da Terra ao redor do Sol e os meses acompanham o movimento da Lua em torno da Terra (como o calendário hebreu). Entre os gregos, romanos e maias, observa-se o predomínio da ideia de um tempo cíclico (em função dos ritmos naturais e da cosmologia, como já vimos). Dessa forma, os povos antigos acreditavam que o tempo era circular e que os fenômenos se repetiam. Assim, não haveria um momento inicial de criação do Universo, ideia difundida pela tradição judaico-cristã. A concepção de um tempo linear, não cíclico, marcado por acontecimentos únicos, era uma característica dos hebreus e dos persas zoroastristas que acabou sendo adotada também pelos cristãos. O nascimento de Cristo e o fim do mundo (apocalipse) são exemplos de demarcações do tempo que não poderiam se repetir. Paule Seux/hemis.fr/Agência France-Presse

zoroastristas: seguidores do zoroastrismo, religião dualista que crê na existência de duas divindades que representariam a dualidade entre o Bem (Ahura Mazda) e o Mal (Arimã). Foi fundada na antiga Pérsia pelo profeta Zaratustra (ou Zoroastro).

O portão de todas as nações, patrimônio mundial da Unesco localizado em Persépolis, no Irã, traz as figuras de lamassus, esculturas de criaturas antropozoomórficas, ou seja, com características humanas e animais. Estátuas produzidas em 510 a.C., aproximadamente. Foto de 2008.

O surgimento do calend‡rio crist‹o No começo do cristianismo ainda não se contava o tempo a partir do nascimento de Cristo. Isso só ocorreria algumas décadas após o fim do Império Romano do Ocidente, em 525 d.C. Naquela ocasião, Dionísio, o Exíguo (um monge que, na época, era abade de Roma), estabeleceu o ano em que Jesus teria nascido. Ele fez isso com base nas informações sobre a idade da cidade de Roma e em detalhes históricos do período do nascimento de Cristo. Com esses dados, Dionísio definiu o ano 1 do calendário cristão como o ano 754 da fundação de Roma. Posteriormente, em 1582, o papa Gregório XIII reformou o calendário, motivo pelo qual o calendário cristão ocidental é chamado gregoriano.

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Introdução

A Pedra do Calendário ou Pedra do Sol é uma gigantesca escultura asteca descoberta em 1790 na praça central da Cidade do México. Pesando 24 toneladas e medindo quase 4 metros de diâmetro, esse baixo-relevo foi interpretado como a representação da divisão do tempo para os astecas. A figura central simboliza um deus Sol em torno do qual estão representados os vinte dias do calendário sagrado, denominados vintenas. No total, seriam dezoito meses, e ao final do calendário haveria mais cinco dias reservados à meditação. Há outra hipótese sobre sua função original: seria um altar de sacrifícios humanos ao deus Sol, com uma representação da divisão asteca do tempo.

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Reprodução/Arquivo da editora

Divisão de tempo e poder No processo de expansão de um povo, sua forma de compreender, dividir e periodizar o tempo também é transmitida a outros povos. Para que ocorra essa transmissão, entretanto, não basta que exista determinada marcação do tempo: é preciso que ela esteja ligada aos indivíduos ou grupos sociais que detêm o poder, tanto no âmbito econômico e político como no religioso, e que esse poder perdure. O calendário gregoriano, por exemplo, foi adotado pelos povos europeus, que expandiram seu poder econômico e político por todo o globo, e tornou-se referência para vários outros povos. Os líderes chineses, por exemplo, adotaram o calendário gregoriano em 1912, por causa das relações comerciais com o Ocidente. No entanto, entre a população chinesa, continua valendo seu calendário tradicional, usado há mais de 5 mil anos. Outro exemplo de uso político da marcação do tempo foi a criação de um calendário pelos revolucionários franceses, no final do século XVIII, para demarcar o início de uma nova era com a Revolução Francesa. No entanto, ele deixou de ser adotado quando o grupo que o criou foi expulso do poder.

A Pedra do Calendário, também conhecida como Pedra do Sol, é um baixo-relevo produzido pelos astecas em cerca de 1300 a 1521. Alguns estudiosos acreditam que ele pode ser uma representação da divisão do tempo para esse povo. A escultura está exposta no Museu de Antropologia da Cidade do México.

Calendário republicano instituído após a Revolução Francesa de 1789. Com base no sistema decimal, foi aplicado no país a partir de 22 de setembro de 1792 e perdurou enquanto os revolucionários estiveram no poder. A construção do saber histórico

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O historiador francês Jacques Le Goff afirma que o calendário pode ser entendido como um recurso de controle do tempo, geralmente por parte dos poderosos. A conquista do tempo através da medida é claramente percebida como um dos importantes aspectos do controle do universo pelo homem. De um modo não tão geral, observa-se como numa sociedade a intervenção dos detentores do poder na medida do tempo é um elemento essencial do seu poder: o calendário é um dos grandes emblemas e instrumentos do poder; por outro lado, apenas os detentores carismáticos do poder são senhores do calendário: reis, padres, revolucionários. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990. p. 487.

A utilização do calendário gregoriano no continente americano resulta de um processo que teve início na conquista da América pelos europeus. Eles dominaram os povos nativos e suas culturas e escravizaram diferentes povos africanos, que foram transportados para a América. Esses atos de violência e exploração moldaram e marcaram as novas sociedades americanas. O poder passou a ser exercido, inicialmente, pelos descendentes dos colonizadores sustentados por instituições e mode-

Idade Antiga Da invenção da escrita, em aproximadamente 4000 a.C., até a desagregação do Império Romano do Ocidente, em 476 da Era Cristã.

Marcos Amend/Pulsar Imagens

Vladimir Wrangel/Shutterstock

PRÉ-HISTÓRIA

HISTÓRIA

BorisVetshev/Shutterstock

ANTES DE CRISTO (A.C.)

4000 a.C. Invenção da escrita

Pintura rupestre encontrada no Sítio Arqueológico da Lapa da Sucupira, Santana do Riacho, MG. Foto de 2015.

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Introdução

O suposto ano do nascimento de Jesus Cristo marca o início da Era Cristã.

Baixo relevo egípcio produzido durante o período ptolemaico (305 a.C.-30 a.C.) em Dendera, Egito.

DEPOIS DE CRISTO (D.C.)

Ano 1

A Basílica da Natividade foi construída no suposto local do nascimento de Jesus Cristo, em 326. Foto de 2016.

los europeus (políticos, jurídicos, policiais, educativos, religiosos, etc.). Por isso podemos dizer que o tempo (o calendário, a periodização) que utilizamos também é, até hoje, uma expressão da cultura do colonizador. Nesse processo de colonização, herdamos ainda uma divisão da História de acordo com os grandes marcos ou eventos valorizados pela história política e cultural da Europa ocidental. Essa divisão foi ampliada no final do século XIX, com a inclusão da Pré-História, o que formou a chamada periodização clássica (veja esquema abaixo). Podemos questionar os critérios utilizados nos recortes adotados por essa divisão clássica. A queda do Império Romano do Ocidente, por exemplo, não é um evento relevante para os chineses ou para as civilizações da América pré-colombiana. É importante, porém, ter em mente que as periodizações, embora facilitem o estudo da História, refletem determinado poder político, econômico e cultural que se expressa nas datas e nos temas selecionados para estudo. Trata-se, neste caso, de uma visão centrada nos interesses europeus – o eurocentrismo. Analisar criticamente o papel do eurocentrismo na história ocidental exige primeiro conhecê-lo historicamente. Ao longo desta obra, procuraremos destacar que a História é construção e reflete as opções dos historiadores em diferentes momentos.

eurocentrismo: visão de mundo que considera os valores, as referências, as línguas, etc., da Europa elementos fundamentais de leitura e construção do passado, atribuindo uma noção de exotismo, inferioridade e atraso às culturas não europeias.

Idade Média

Idade Moderna

Idade Contemporânea

De 476 até a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 1453.

De 1453 até 1789, data do início da Revolução Francesa.

De 1789 até os dias de hoje.

George Bernard/SPL/Latinstock

476

Apic/Getty Images

1453

Iluminura medieval ilustrando um torneio de cavaleiros em St. Inglevere, Calais, na França, 1390.

Allen.G/Shutterstock

1789

A Carta della Catena, de autoria desconhecida, apresenta um panorama da cidade de Florença, na Itália, em 1490.

Fotografia do bairro Chinatown, em Nova York, 2015.

A construção do saber histórico

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Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 1. O ensino de História passou por muitas transformações nos últimos cem anos. Por essa razão, os conteúdos que você estuda hoje na escola e a maneira como eles são ensinados diferem da experiência das gerações passadas. Confira isso fazendo o que se pede:

a) Converse com parentes ou conhecidos mais velhos sobre como foi o ensino de História que eles receberam na escola. Anote os depoimentos em seu caderno.

b) Com base nos relatos que escutou e nas informações oferecidas pelo texto deste capítulo introdutório, aponte três diferenças importantes entre a História ensinada hoje e aquela ensinada no passado.

2. Como vimos, a História é um conhecimento dinâmico, que está constantemente em construção. O que isso significa?

saísse para o ínvio oceano, pudesse encontrar seu caminho de regresso. E assim foi inventado o astrolábio, aperfeiçoado o compasso, e os navios da Renascença aventuravam-se cada vez mais longe, até o Atlântico. Os homens logo se acostumaram a navegar centenas de milhas distantes de seus lares. O príncipe Henrique depois fundou uma escola para navegadores. Mês após mês, os alunos dessa escola saíam para o mar e não mais se ouvia falar deles. Mas um dia, em 1486, Bartolomeu Dias voltou altivamente para Portugal e anunciou que havia dado meia-volta em torno da África. Como seus grandes sonhos se haviam realizado, Dias chamou o lugar onde os havia obtido de “Cabo da Boa Esperança”. Doze anos mais tarde, Vasco da Gama viajava para o Cabo da Boa Esperança. Aventurou-se mais distante ainda, de coração palpitante, até alcançar a Índia. E mais uma vez a comunicação se estabeleceu entre Oriente e Ocidente [...] THOMAS, Henry. As maravilhas do conhecimento humano: História, ciência e religião. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1941. v. I. p. 64-65.

3. Para se produzir conhecimento histórico é suficiente extrair das fontes primárias as informações que elas oferecem? Por quê?

a) Considerando o texto acima, que adjetivos você usaria para qualificar os navegadores portugueses?

4. O julgamento dos eventos do passado com base em valores ou regras do presente é um equívoco grave, que despreza as especificidades do tempo e do lugar estudados. Como se chama esse tipo de equívoco e como pode ser evitado?

b) No texto lido, quem podemos identificar como agentes da história, ou seja, quem faz a História?

5. O que significa dizer que o tempo histórico é composto de diferentes durações?

6. Para estudar História, usamos uma periodização baseada em grandes marcos da História europeia, como a queda de Constantinopla e a Revolução Francesa. Essa periodização vem sendo muito questionada, especialmente ao tratar de estudos de culturas e povos não europeus. Por quê?

Pratique 7. O texto que se segue é um trecho do livro As maravilhas do conhecimento humano: história, ciência e religião, de Henry Thomas publicado em 1941. Leia-o atentamente e depois faça o que se pede.

c) É possível afirmar que a concepção de História que está embutida nesse texto é eurocêntrica? Por quê? d) O texto de Henry Thomas afirma que dom Henrique, príncipe de Portugal, teria fundado uma escola de navegação. Trata-se da Escola de Sagres, sobre a qual o historiador Fábio Pestana Ramos, em entrevista concedida recentemente para o site português Público, afirma: Não há prova factual, como vestígios arqueológicos ou documentos originais, que possam comprovar a existência de uma escola em Sagres.

Fábio, autor da obra Por mares nunca dantes navegados, diz ainda que as citações sobre a suposta escola basearam-se em uma única fonte inglesa: [...] as citações são baseadas num único mapa de um pirata inglês que registrou algumas construções em Sagres na época, nada referente à existência de uma escola de navegação.

Henrique era um príncipe de um pequeno país, Portugal, e via, nas estrelas, que a futura glória do mundo estava no Ocidente. Amava entranhadamente as estrelas. Construiu observatórios para estudá-las, de modo que, quando um marinheiro

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Introdução

Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2015.

Com base na leitura desta Introdução, podemos dizer que Henry Thomas, ao atribuir na década de

8. Na rede social Café História, o historiador carioca José D’Assunção Barros escreve: [...] quando examinamos as fontes históricas, não podemos em nenhuma hipótese projetar categorias de pensamento da nossa época na mente das pessoas de uma outra época. Não podemos tentar enxergar um inglês da época digital em um homem da Inglaterra Puritana. Temos que entender uma outra época nos seus próprios termos quando estamos trabalhando ao nível das fontes [...]. Todavia, na hora de fechar a nossa análise, temos de retornar à nossa época. As perguntas do historiador começam na sua própria época. A partir destas perguntas ele ilumina uma outra época, tentando enxergá-la nas suas fontes; e finalmente, ao analisar estas fontes, depois de tentar compreender como viviam os homens daquele período de seu passado, ele volta à sua época para fechar a análise. Isto é História.

Analise uma fonte primária 10. Em março de 2003, o jornal Los Angeles Times publicou uma foto da Guerra do Iraque na qual um soldado britânico aparecia no meio de uma multidão portando uma arma engatilhada em uma das mãos e fazendo sinal com a outra para que um homem carregando uma criança se abaixasse para não ser alvejado pela artilharia inimiga (1). A foto, tirada pelo fotojornalista Brian Walski, era carregada de dramaticidade, mas não retratava uma cena de todo real. Poucos dias depois da sua publicação, o jornal lançou uma nota informando sobre a demissão do fotógrafo por ter adulterado digitalmente a foto original. Observe a seguir que a foto 1 é uma composição de elementos das fotos 2 e 3.

1

Brian Walski/Los Angeles Times

1940 os feitos dos navegantes aos conhecimentos desenvolvidos pela Escola de Sagres, faltou com a verdade? Justifique.

a) O autor discute no texto acima um dos mais graves equívocos que um historiador pode cometer. Identifique-o.

2

b) Imagine dois exemplos do equívoco discutido por José D’Assunção Barros e escreva-os.

9. Depois de ter estudado este capítulo introdutório e pensado sobre a produção do conhecimento histórico, forme um grupo com três ou quatro colegas e discutam

Brian Walski/Los Angeles Times

Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015.

Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado.

3

Companhia das Letras/Arquivo da editora

ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

1984 foi o último romance escrito por George Orwell. O livro narra a história de Winston, prisioneiro de uma sociedade controlada por um Estado opressor, fundado exclusivamente sobre o desejo do exercício do poder. Nesse futuro sombrio criado por Orwell, Winston enfrentará o sistema opressor ao qual está submetido, passando por diversas situações que vão da descoberta do amor à traição e à tortura.

a) Avalie que problema(s) o caso relatado acima levanta sobre o uso de fotografias como fonte histórica.

b) Em sua opinião, a possibilidade de adulteração de uma fotografia invalida seu uso como fonte histórica? A construção do saber histórico

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Brian Walski/Los Angeles Times

o possível significado da seguinte passagem do romance 1984, escrito pelo inglês George Orwell (1903-1950). Anotem suas ideias no caderno e apresentem-nas para o restante da turma.

UNIDADE

1

Nossa história mais remota A origem da humanidade, seu desenvolvimento e os primeiros tempos da vida em sociedade formam um imenso campo de pesquisas para historiadores e demais estudiosos. Constantes estudos nos mais diversos sítios arqueológicos e descobertas de novos fósseis mostram que o conhecimento a respeito desse tema pode sofrer transformações com o passar do tempo. Os capítulos desta Unidade buscam discutir aspectos gerais sobre os mais remotos agrupamentos humanos.

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Saber histórico

Discutindo a origem da humanidade Marcos Amend/Pulsar Imagens

Pinturas rupestres no Sítio Arqueológico da Lapa da Sucupira, em Santana do Riacho, Minas Gerais. Foto de 2015.

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1 As sociedades ágrafas

Ricardo Azoury/Pulsar Imagens

Mario Friedlander/Pulsar Imagens

Acervo do autor/Arquivo da editora

nômades: pessoas ou grupos que não têm local fixo de residência, que se deslocam constantemente de lugar para lugar. sedentarização: processo pelo qual as pessoas deixam de se deslocar/movimentar regularmente, ou seja, passam a ter um local fixo de moradia.

C

ientistas apontam que há mais de 100 mil anos os primeiros seres humanos organizavam-se em pequenos grupos, com pouco contato entre si. Viviam da caça, da pesca e da coleta. Deslocavam-se em busca de recursos naturais e tinham poucos objetos. Eram, portanto, grupos nômades. Milhares de anos depois, essas primeiras formas de organização social dariam pouco a pouco lugar a um processo de sedentarização e ao desenvolvimento de outras atividades, como a produção de instrumentos mais complexos e de objetos de cerâmica, a agricultura e a domesticação de animais. Entretanto, essas atividades não ocorreram simultaneamente em todas as regiões nem todos os povos as praticaram. Com a sedentarização e o cultivo agrícola, esses pequenos grupos se tornariam bem mais numerosos, chegando a reunir milhares de pessoas em aldeias e cidades. Durante muitos anos prevaleceu a ideia de que antes da invenção da escrita não existiu História. Esse período foi denominado Pré-História, expressão ligada à noção de que a História não poderia ser feita sem documentos escritos. Essa opinião, que se consolidou entre historiadores franceses e alemães principalmente na segunda metade do século XIX, constitui uma forma eurocêntrica de entender a história da humanidade, conforme vimos na Introdução. Recentemente, contudo, especialistas também passaram a reconhecer como fontes históricas os registros ágrafos (não escritos), como pinturas rupestres, esculturas, relatos orais e vestígios materiais. Além disso, como a escrita não surgiu ao mesmo tempo em todos os lugares e há alguns grupos que ainda hoje vivem sem escrita, essa divisão entre História e Pré-História mostrou-se ainda mais inconsistente. O termo “Pré-História” remete ao maior período da humanidade. Envolve centenas de milhares de anos – desde as origens dos primeiros seres humanos até a invenção da escrita –, enquanto o período posterior abarca pouco mais de 6 mil anos. No que se refere à América, o termo “Pré-História” tem designado em muitos estudos o período anterior à ocupação europeia. Embora essa designação continue a ser usada, devemos ter em mente suas limitações. Considerar, por exemplo, que o primeiro registro sobre as populações indígenas do Brasil foi a Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, é desconsiderar como fontes históricas os grafismos e os objetos, por exemplo, produzidos anteriormente por essas populações originárias e assumir uma visão eurocêntrica do conhecimento, como veremos adiante.

Atualmente, vestígios como ferramentas, cerâmicas e pinturas rupestres são considerados importantes documentos históricos. Na primeira imagem, em cima, pinturas rupestres no Sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada, no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí. Foto de 2014. No meio, cerâmica encontrada na região do Vale do Guaporé, na Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso. Foto de 2014. Ao lado, pinturas rupestres no Sítio Arqueológico da Lapa da Sucupira, em Santana do Riacho, Minas Gerais. Foto de 2015.

28

Saber histórico

A África não é uma parte histórica do mundo, não oferece qualquer movimento, desenvolvimento ou qualquer progresso histórico próprio. [...] o que entendemos propriamente por África é o espírito sem história, o espírito ainda não desenvolvido, envolto nas condições naturais.

Museu de Etnologia, Berlim/Album/akg-images/L

A noção de que haveria uma Pré-História caminha para a ideia de um progresso histórico. Segundo essa concepção eurocêntrica, conforme o tempo passa e as civilizações se sucedem, a humanidade evoluiria de estágios menos aperfeiçoados para situações de maior desenvolvimento. É como se existisse um roteiro, uma trajetória que devesse ser obrigatoriamente cumprida por todos os povos e sociedades. Dessa forma, a Pré-História corresponderia a um período em que a humanidade estaria ensaiando seus passos, em que ainda não se organizava em civilizações e engatinhava no domínio de tecnologias essenciais, como o uso do fogo e dos metais. Deve-se problematizar essa concepção, já que foi com esse olhar que os europeus, já no século XVI, consideraram-se superiores às demais sociedades humanas e justificaram a conquista de povos, nações, reinos e até de continentes inteiros. Essa dominação foi, muitas vezes, apresentada como um “favor” aos povos submetidos e uma “missão” dos conquistadores, já que serviria para “melhorá-los”, para “civilizá-los”. O discurso também se estendia para justificar a prática da violência, exploração, extermínio físico e cultural e escravização. Além disso, a ideia de superioridade constituiu uma base falsamente científica para a prática do racismo. De maneira ainda mais radical, a exemplo do filósofo Friedrich Hegel (1770-1831), chegou-se a conceber que a África subsaariana, por exemplo, não tinha história. Segundo Hegel, em afirmação de 1830:

atinstock

2 Uma falsa trajetória: do atraso cultural ao progresso

Representação de pássaro em relevo africano de bronze, de cerca de 1650. Benin, Nigéria.

Nico Tondini/ Robert Harding Heritage/Agência France-Presse

HEGEL, Wilhelm Friedrich. Introdução à história da Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1985. p. 316-392. (Coleção Os Pensadores).

Gravura rupestre encontrada na região de Kunene, na Namíbia. Foto de 2011. A gravura rupestre, diferentemente da pintura, foi esculpida na pedra e também pode ser chamada de petróglifo. Discutindo a origem da humanidade

29

predatórias: que promovem destruição. impactos ambientais: alterações sociais, econômicas e ecológicas no meio ambiente provocadas por atividades e ações humanas.

Delfim Martins/Pulsar Imagens

Para Hegel, “o que entendemos propriamente por África” correspondia à região além do Egito e ao sul do Saara, separada, portanto, da África mediterrânea do norte. As sociedades ditas “primitivas” eram capazes de produzir e preparar tudo de que necessitavam para viver com os recursos que a natureza lhes oferecia. Embora também tenham desenvolvido práticas predatórias e promovido impactos ambientais, seu convívio com o meio geralmente se fazia de maneira harmoniosa. Vale destacar que, hoje, o termo “primitivo” é considerado depreciativo, mas seu significado remete a “aquele que foi o primeiro a existir, que coincide com a origem”. Ao estudarmos sociedades diferentes da nossa, como já apontamos na Introdução, é importante nos mantermos abertos à compreensão de suas culturas, sem preconceitos ou julgamentos de valor. Afinal, se formos avaliar a sabedoria das sociedades europeias ocidentais, veremos que “progresso” nem sempre significou “evolução” positiva e que a humanidade cria ameaças à própria existência no planeta. A destruição do meio ambiente, a produção da miséria, da fome e da violência, as trocas pessoais baseadas na cultura de mercado e no consumismo, a constante ameaça das armas nucleares, entre outros desafios da atualidade, demonstram a necessidade de repensarmos nossos valores e nossa cultura. Diz o historiador brasileiro Alfredo Bosi: O que estaria errado na “religião do progresso” não é, evidentemente, a justa aspiração que todos os homens nutrem de viver melhor, mas os hábitos de dominação que esse desejo foi gerando por via de uma tecnologia destrutiva e de uma política de violência. Em outras palavras: a sequência dos tempos não produz necessária e automaticamente uma evolução do inferior para o superior. BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 22.

Vista aérea de trecho da Mata dos Cocais, em Teresina, no Piauí, com área desmatada para extração de areia. Foto de 2015.

A poluição e o acúmulo de lixo são duas das muitas consequências que o "progresso"pode acarretar. Nesta foto de 2015, ativista libanês retira lixo de um rio em Beirute, Líbano.

30

Saber histórico

ANWAR AMRO/Agência France-Presse

CAPÍTULO

1

Os primeiros agrupamentos humanos Boris-B/Shutterstock

Movimentação nos arredores do mercado de Mumbai, na Índia. Foto de 2015.

Hoje, vivemos em uma sociedade industrializada, com inúmeros recursos tecnológicos. A maior parte da população se concentra em grandes centros urbanos, onde há poluição, problemas com o lixo, com a falta de água, etc. A relação do ser humano com a natureza vem se deteriorando rapidamente, pois existe uma exploração desmedida dos recursos naturais, como o desmatamento de florestas, queimadas para criação de gado e a pesca predatória. Pensando nisso, reflita sobre como os primeiros humanos se relacionavam com o meio ambiente. 31

1 O estudo dos mais remotos vestígios da humanidade O que sabemos sobre os primeiros tempos da humanidade vem dos fósseis e objetos encontrados nas escavações paleontológicas, as quais ganharam maior impulso a partir do fim do século XIX. Os estudos dos vestígios encontrados nessas escavações originam análises e teorias que serão confirmadas, aprimoradas ou rejeitadas por descobertas e interpretações posteriores. Por meio desses vestígios, é possível analisar as organizações sociais, as interferências humanas no meio ambiente e as concepções das primeiras sociedades. Entretanto, essas pesquisas só foram intensificadas quando pesquisadores se convenceram de que os seres humanos tiveram ancestrais biológicos.

Isso ocorreu depois da assimilação do grande abalo no conhecimento científico causado pela publicação do livro A origem das espécies, de Charles Darwin (1809-1882), em 1859. Darwin foi um cientista inglês que propôs uma teoria da evolução segundo a qual as espécies evoluíram por seleção natural. De acordo com o darwinismo, ou evolucionismo, os seres vivos sofrem mutações genéticas; aqueles mais adaptados ao meio sobrevivem e deixam descendentes. Anteriormente, existiam apenas explicações mítico-religiosas (bíblicas, no caso das civilizações judaico-cristãs e mitológicas, no caso de povos africanos e indígenas, entre outras) para o surgimento da humanidade.

Acervo do autor/Arquivo da editora

fósseis: vestígios petrificados de seres vivos de épocas remotas que conservam suas características físicas essenciais. paleontológicas: referentes à Paleontologia, ciência que estuda a vida de todos os organismos que viveram na terra (animais, vegetais) e seu desenvolvimento no decorrer do tempo geológico, assim como a evolução primata -homem. O paleontólogo investiga pisadas, fósseis ósseos, entre outros vestígios, reunindo conhecimentos biológicos e geológicos.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Crânio masculino datado de cerca de 9 920 anos. Foto de 2014.

Onde e quando Início do Período Neolítico

Homo habilis Banco de imagens/Arquivo da editora

± 7 milhões de ± 4 milhões anos de anos

Surgimento dos hominídeos Surgimento do Australopithecus Início do Período Paleolítico Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

32

Capítulo 1

± 2 milhões de anos ± 3 milhões de anos

Homo erectus

± 300 mil a 200 mil anos

± 4 mil a.C.

Homo sapiens

± 10 mil a.C.

Homo sapiens sapiens

Surgimento da escrita

atenção! Não escreva no livro!

Para saber mais Everett Historical/Shutterstock

SOTK2011/Alamy/Latinstock

Sobre evolução

À esquerda, fotografia de Charles Robert Darwin, c. 1870-1880. À direita, Hebert Spencer, foto sem data.

No século XIX, época da supremacia econômica europeia e da expansão imperialista, ganhou força a doutrina racista do filósofo inglês Herbert Spencer, conhecida como darwinismo social. Segundo Spencer, a Teoria da Evolução de Darwin podia ser perfeitamente aplicada à evolução da sociedade: assim como ocorria uma seleção natural entre as espécies, com o predomínio dos animais e das plantas mais capazes, haveria uma seleção natural também na sociedade. O darwinismo social deturpava as ideias de Darwin, que sempre evitou extrapolar os princípios do mundo animal e vegetal para as sociedades humanas, e era usado para justificar uma enganosa superioridade de uns sobre outros nas sociedades europeias (ricos sobre pobres; vencedores sobre vencidos; dominadores sobre dominados), e entre sociedades distintas. Seguindo essa lógica, haveria uma evolução histórica das civilizações em etapas, cabendo às sociedades europeias o estágio mais avançado, que afirmava sua superioridade, a dos brancos, sobre os demais. No trecho a seguir, o historiador chileno Héctor H. Bruit comenta como o darwinismo social se relaciona com as teorias de Darwin. [...] a luta pela sobrevivência entre os animais correspondia à concorrência capitalista; a seleção natural não era nada além da livre troca dos produtos entre os homens; a sobrevivência do mais capaz, do mais forte, era demonstrada pela forma criativa dos gigantes da indústria, que engoliam os competidores mais fracos, em seu caminho para o enriquecimento. O sucesso dos negócios demonstrava habilidade superior de adaptação às mudanças; o fracasso indicava capacidade inferior. Por estas razões, a intervenção do Estado era prejudicial, já que interrompia o processo pelo qual a natureza impessoal premiava o forte e eliminava o fraco. BRUIT, Héctor H. O imperialismo. São Paulo: Atual, 1986. p. 9.

1. De que forma a teoria da evolução explica a perpetuação de espécies mais adaptadas aos seus meios? 2. Como o darwinismo social de Spencer utiliza a teoria da evolução para justificar a dominação de alguns grupos humanos sobre outros?

Os primeiros agrupamentos humanos

33

Muitos pesquisadores defendem que o planeta Terra está localizado em um universo formado há mais de 13,8 bilhões de anos. A expansão desse universo originou o Sistema Solar, onde nosso planeta foi formado há cerca de 4,6 bilhões de anos. De acordo com algumas teorias, a vida teria surgido na Terra há 3,6 bilhões de anos, aproximadamente. Com o passar do tempo, a evolução produziu centenas de milhares de espécies. Muitas delas desapareceram ao longo dos anos. Hoje, mais de 500 mil espécies vegetais e mais de 1 milhão de espécies animais foram identificadas. Novas espécies ainda são descobertas a cada ano. Entre os milhares de espécies que a evolução produziu estaria o ramo evolutivo dos hominídeos, separado dos outros primatas há cerca de 6 a 7 milhões de anos. Desse ramo, surgiram os gêneros Australopithecus (do latim australis, "do sul", e do grego pithekos, "macaco") e Homo, do qual fizeram parte o Homo habilis e o Homo sapiens, por exemplo. hominídeos: são divididos em prossímios e antropoides. Nestes últimos estão classificadas as famílias dos hominídeos (família humana) e a dos pongídeos (cujas espécies atuais são o gorila, o chimpanzé, o orangotango e o gibão). primatas: grupo de animais caracterizados, principalmente, pela capacidade de enxergar em três dimensões, por pés e mãos com cinco dedos articulados, unhas achatadas e formação complexa do cérebro.

Crânio fóssil de Toumai, encontrado na região do Chade, em 2001. Foto de 2013.

Muitos vestígios dessas espécies de hominídeos foram encontrados na África. No centro-norte do continente, mais exatamente na região do Chade, pesquisadores encontraram o crânio fóssil do mais antigo hominídeo conhecido até agora, datado entre 6 e 7 milhões de anos. Pertencia à espécie Sahelanthropus tchadensis e foi apelidado de Toumai. Na região que atravessa a Etiópia, o Quênia e a Tanzânia, também na África, foram descobertos outros fósseis de ancestrais humanos, como os do gênero Australopithecus, que viveu no continente desde pelo menos 4 milhões de anos e se diferenciava de outros primatas pela dentição semelhante à dos humanos atuais, pelo andar bípede e pela postura ereta. Também foram encontrados fósseis do gênero Homo, sobretudo das espécies Homo habilis (datada de cerca de 3 milhões de anos) e Homo erectus 34

Capítulo 1

(datada de cerca de 2 milhões de anos). Ali viveram, portanto, diversas linhagens paralelas de nossos ancestrais, que se entrelaçaram até o homem moderno. Existem fortes indícios de que os descendentes do Homo erectus foram os primeiros a povoarem outros continentes, há 1,8 milhão de anos. Essa teoria é sustentada pelos diversos fósseis dessa espécie encontrados em diferentes localidades, como Europa, Indonésia, China e Iraque. Jacques Dermathon/Agência France-Presse

Nossas origens

Gênero e espŽcie No sistema tradicional de classificação biológica, os seres vivos são agrupados, de acordo com certas características, em gêneros, espécies e subespécies. Assim, espécies que apresentam um conjunto importante de características em comum formam um gênero. No gênero Homo, por exemplo, teria havido diversas espécies, entre elas o Homo habilis, o Homo erectus e o Homo sapiens (nossa espécie). As espécies teriam subespécies, como o Homo sapiens sapiens, subespécie do Homo sapiens. Essa classificação tem sido bastante discutida e sofre constantes alterações.

Wang Yongji/Xinhua/Agência France-Presse

Arqueologistas descobrem relíquias da cultura Hongshan, do Período Neolítico chinês. Aohangi, China. Foto de 2012.

Fabien Bruggmann/Biosphoto/Agência France-Presse

Outras espécies do gênero Homo também percorreram grandes distâncias para além da África. Foi o caso da espécie Homo heilderbergensis, cujos fósseis foram encontrados na Europa e datados de 600 mil anos atrás. Estes, talvez, sejam os ancestrais da espécie Homo neanderthalensis, que existiu somente na Europa e no Oriente Médio, entre 135 e 30 mil anos atrás.

Crânio fóssil de Neandertal. Foto de 2014.

A espécie Homo sapiens, à qual pertencemos, surgiu há 200 mil anos, aproximadamente, na África, e, por volta de 160 mil anos atrás, iniciou sua dispersão. A princípio para o sul e o oeste do continente e, posteriormente, para o norte, até alcançar o oeste da Ásia. Fósseis do homem moderno, conhecido como Homo sapiens sapiens (subespécie do Homo sapiens), têm sido encontrados em diversas partes do mundo,

mas alguns pesquisadores afirmam que os mais antigos (até agora conhecidos) são os da África, que datam de cerca de 160 mil anos, ao passo que os de outros lugares teriam menos de 100 mil anos. Admitida essa origem africana do homem moderno, acredita-se que, há cerca de 100 mil anos, indivíduos Homo sapiens sapiens empreenderam uma migração que fez com que nossa espécie se espalhasse pelos outros continentes: Ásia, Europa, Oceania e América, sendo possível que tenha havido convivência, confronto ou relacionamentos com seres de outras linhagens do gênero Homo. São as marcas deixadas pelos primeiros Homo sapiens que possibilitam a conclusão de que o continente africano foi o berço da humanidade. Certas pesquisas genéticas, apoiadas em estudos de DNA, colaboram com essa versão de que “todos os indivíduos investigados descendem de um só ancestral – de uma única Eva –, que viveu na África entre 143 mil e 285 mil anos” (SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 58), tendo migrado para fora do continente e tido contato com as populações de Homo erectus na Ásia e Homo neanderthalensis na Europa. Essa teoria é conhecida como hipótese de origem única ou monogenismo. As teorias da origem humana suscitam muitas divergências entre os estudiosos, assim como a determinação de rotas migratórias e de datas – quanto a esta última polêmica, há os que defendem, com base em pesquisas genéticas, que a origem da “Eva africana” é datada de aproximadamente 500 mil anos. Os primeiros agrupamentos humanos

35

Migrações dos primeiros agrupamentos humanos O mapa a seguir mostra as rotas migratórias dos primeiros agrupamentos humanos e como eles se espalharam a partir da África.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Expansão humana a partir da África 0º 30 000 (?)

Círculo Polar Ártico 12 000

Mar de Bering

40000

OCEANO ATLÂNTICO

Trópico de Câncer

100000 70000

30000 (?)

Mar Arábico

Mar do Caribe ou das Antilhas

Mar das Filipinas

Golfo de Bengala

OCEANO PACÍFICO

Equador

0º 30000

OCEANO PACÍFICO

OCEANO ÍNDICO

Trópico de Capricórnio

1 990

Meridiano de Greenwich

50000

3 980

km

Principais ocorrências de:

Processo de expansão

Australopithecus ramidus

Área inicial de ocupação humana

Australopithecus afarensis

Área povoada até 40 mil anos atrás

Australopithecus africanus

Migrações até 40 mil anos atrás

Paranthropus boisei

Migrações a partir de 40 mil anos atrás

Paranthropus robustus

Possível migração pelo Pacífico

Homo habilis Adaptado de: FONTANA, Joseph. Introducción al estudio de la Historia. Barcelona: Crítica, 1999. p. 47.

Homo erectus Homo sapiens Homo neanderthalensis Homo sapiens sapiens

12000

Data provável da migração Ponte continental intermitente Máxima extensão da glaciação no Período Quaternário Limite de terras emersas durante a glaciação

Os mais antigos

Gênero

hominídeos bípedes

Australopithecus

Entre 7 milhões e 4,4 milhões de anos atrás viviam os mais antigos seres bípedes de que se tem notícia. Estudiosos afirmam que esses seres tinham características físicas e hábitos semelhantes aos dos chimpanzés: trepavam em árvores para fugir, coletavam frutos e sementes e não andavam sempre sobre os dois pés. Dentre os poucos fósseis encontrados dessa época, destacam-se os das espécies Sahelanthropus tchadensis e Ardipithecus ramidus.

Algumas espécies datadas de aproximadamente 4,4 milhões a 2 milhões de anos atrás tinham postura ereta, andavam sobre dois pés, e se comparados com as espécies anteriores tinham cérebros maiores e dentes menores. Essas características os diferenciam dos macacos. Vestígios indicam que algumas espécies podem ter usado pedras lascadas para remover carnes e tendões de ossadas de animais, para se alimentarem. Entre as várias espécies, destacam-se o Australopithecus afarensis e o Autralopithecus africanus.

36

Capítulo 1

Organizando o estudo das diferentes espécies As diferentes espécies de hominídeos foram agrupadas em gênero, de acordo com as semelhanças entre algumas de suas características físicas, como tamanho da mandíbula, dos dentes, dos ossos dos membros superiores e inferiores, etc. As condições ambientais são fatores importantes para explicar as diferentes características que existiam entre as espécies. Porém, há muitas dúvidas quanto à trajetória das espécies ao longo do tempo. Portanto, não é possível saber com

precisão se todos os gêneros são derivados de um mesmo tipo de ser. Além dos fatores ambientais, diversos estudiosos acreditam que cruzamentos entre espécies de gêneros diferentes, ocorridos em diferentes momentos e locais da África, também colaboraram para o surgimento de novas espécies. O gráfico a seguir mostra como diferentes espécies de hominídeos coexistiram no mesmo período.

Robson Kasé/Arquivo da editora

Algumas espŽcies de homin’deos Homo erectus Homo ergaster Homo habilis

Homo sapiens Homo neanderthalensis

Australopithecus africanus Ardipithecus ramidus/kadabba Australopithecus afarensis *

Sahelanthropus tchadensis

Paranthropus aethiopicus Paranthropus boisei Paranthropus robustus

7

6

5

4

3

* Também classificado como Praeanthropus africanus.

2

1

Hoje (em milhões de anos)

Fonte: NEVES, Walter A. E no princípio… era o macaco!. Estudos Avançados, São Paulo, 2006, v. 20, n. 58, p. 250. Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2015.

Gênero

Gênero

Paranthropus

Homo

Diversas espécies que viveram entre 2,7 milhões e 1,2 milhão de anos atrás eram semelhantes às do gênero Australopithecus, mas se distinguiam pela dentição e pelas mandíbulas, que indicam a capacidade de se alimentarem de raízes e folhas mais duras, típicas de ambientes com menos chuva. Fazem parte desse gênero as espécies Paranthropus robustus e Paranthropus boisei.

Neste gênero reúnem-se as espécies em que os braços e as pernas têm dimensões parecidas com as dos humanos modernos, indicando que a prática de trepar em árvores já não era adotada com frequência. Os vestígios mais antigos são de espécies de 2,4 milhões de anos atrás. São desse grupo as primeiras espécies que fabricaram ferramentas (Homo habilis) e as que se deslocaram para outros continentes (Homo ergaster, Homo heilderbergensis e Homo sapiens sapiens). Em 2015, na África do Sul, foram descobertos esqueletos de cerca de quinze indivíduos de uma possível nova espécie ancestral de ser humano desse mesmo grupo denominada Homo naledi.

Os primeiros agrupamentos humanos

37

A evolução do ser humano

7

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Sahelanthropus tchadensis (centro-norte da África)

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Representação de Toumai, da espécie Sahelanthropus tchadensis.

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Ardipithecus ramidus (leste da África) Representação de Ardi, nome atribuído ao fóssil de uma fêmea com cerca de 1,20 metro que viveu há aproximadamente 4,4 milhões de anos na Etiópia, África. Da espécie Ardipithecus ramidus, Ardi foi encontrada em 1992, e até 2001 foi tratada como o mais antigo hominídeo, superando Lucy, a fêmea do gênero Australopithecus.

Paranthropus robustus (sul da África)

Australopithecus africanus (leste/sul da África) Representação de Australopithecus africanus.

Homo habilis (leste da África) Representação de Homo habilis.

Australopithecus afarensis (leste/sul da África) Representação de Lucy, primeiro esqueleto quase completo de um Australopithecus, de 3 milhões de anos. Seu nome foi escolhido porque os arqueólogos estavam ouvindo a música "Lucy in the sky with diamonds", dos Beatles, no momento da descoberta.

38

Paranthropus boisei (leste da África) Representação de Paranthropus boisei.

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Homo sapiens sapiens

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(chegada à América do Sul)

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200 anos

Homo sapiens sapiens (Chegada à América do Norte, atravessando o estreito de Bering, entre o Alasca e a Sibéria, durante a última glaciação.)

Homo sapiens Cro-Magnon (Oriente Próximo, norte da África e Europa)

mil

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o 1,8 milhilãanos m 0 5 2

Ilustrações: Hector Gómez/Arquivo da editora

a

30

Representação de Homo sapiens sapiens.

Homo floresiensis (Indonésia) Representação de Homo floresiensis. Homo sapiens (savanas da África) Representação de Homo sapiens.

Homo erectus (África oriental) Representação de Homo erectus.

Homo ergaster (África do Sul) Representação de Homo ergaster ergaster,, os primeiros hominídeos a deixar a África. Fósseis foram encontrados no Oriente Médio e no Extremo Oriente (Homem de Java e Homem de Pequim). Indícios fósseis sugerem a manipulação do fogo, com fogueiras de acampamentos, há pelo menos 1,5 milhão de anos. O fóssil mais completo encontrado é o “Menino de Turkana”, achado no Quênia, na África, datado de 1,5 milhão de anos.

Homo neanderthalensis (Europa e Ásia ocidental)

39

2 Os agrupamentos humanos mais remotos Ao longo de milhões de anos, os hominídeos foram se adaptando fisicamente ao meio e se tornando mais hábeis com as mãos, o que propiciou a criação de ferramentas que facilitavam atividades como o preparo e o consumo de alimentos. O uso de ferramentas também desenvolveu a criatividade desses grupos de hominídeos, o que ampliou a cognição e a capacidade cerebral deles. O estudo dos instrumentos deixados pelos primeiros humanos foi um dos critérios adotados pelos estudiosos para estabelecer divisões em períodos. Convencionou-se que o Paleolítico, ou Idade da Pedra Lascada, foi o primeiro período da história da humanidade. Ele se iniciou há aproximadamente 2,7 milhões de anos e se estendeu até 10000 a.C. Os primeiros grupos humanos do período Paleolítico viviam em bandos e empregavam grande parte de seu tempo e energia em busca de alimentos. Esses grupos consumiam produtos extraídos diretamente da natureza por meio de coleta, caça e pesca. Essas atividades eram realizadas com instrumentos fabricados principalmente de lascas de pedra, ossos ou madeira.

Andre Dib/Pulsar Imagens

paleolítico: termo de origem grega que significa ‘pedra antiga’.

Gravura rupestre gravada com auxílio de instrumentos de pedra. É possível observar a presença de baixos-relevos nas figuras. Sítio arqueológico no leito do rio Ingá de Bacamarte, em Ingá, Paraíba. Foto de 2014.

40

Capítulo 1

Pesquisas recentes indicam que, no início desse período, homens e mulheres se dedicavam às mesmas tarefas básicas. Contudo, com o passar do tempo, para conseguir o alimento necessário de modo mais eficiente, as tarefas passaram a ser divididas conforme a idade, o sexo e as condições físicas dos membros do bando. Esse tipo de organização é conhecido como divisão natural do trabalho. Assim, quase sempre os homens se tornaram responsáveis pela fabricação de ferramentas, pela construção de tendas e pela caça e pesca. As mulheres ficaram encarregadas de coletar grãos, folhas, frutos, raízes, ovos, mel e insetos. Elas exerciam ainda várias atividades artesanais. Idosos e crianças também ajudavam, conforme suas forças permitissem. Os grupos humanos do Paleolítico ocupavam os lugares por períodos relativamente curtos. Eles deslocavam-se constantemente para encontrar novas áreas que lhes possibilitassem a sobrevivência, prevalecendo o nomadismo. Por isso, em geral habitavam abrigos provisórios, como grutas e cavernas, ou cabanas feitas de galhos de árvores e tendas de peles de animais. Podemos conhecer muitos aspectos da vida cotidiana das comunidades paleolíticas por meio das pinturas e gravações encontradas nas paredes de cavernas e em rochas a céu aberto – as pinturas rupestres. A arte rupestre sinaliza uma grande conquista de nossa espécie: a capacidade de representar concretamente seu pensamento e suas observações. Essa capacidade está na base da linguagem. A própria escrita pode ser considerada a “filha mais jovem” da arte. Em vários idiomas, como o japonês, o desenho das letras é uma arte. Inscrições e pinturas em rochas encontradas em grutas na França e na Espanha sugeriam que o desenvolvimento da capacidade do Homo sapiens sapiens de se expressar por símbolos datava de aproximadamente 40 mil anos atrás. No entanto, fragmentos de argila com inscrições simbólicas foram descobertos no sítio arqueológico de Blombos, na África do Sul. Contrariando as evidências anteriores, essas novas descobertas foram datadas de 77 mil anos. Assim, até onde os estudos indicam, desde pelo menos 77 mil anos atrás (e cerca de 30 mil anos antes que o Homo sapiens sapiens chegasse à Europa) os grupos humanos já produziam representações de arte, simbologia, pensamento abstrato e habilidades de aprendizagem. Segundo os parâmetros do homem moderno, essas representações são sinais de cultura e inteligência.

3 Do nomadismo ˆs sociedades sedent‡rias Na história da Terra ocorreram períodos de queda drástica de temperatura entremeados por ligeiro aquecimento. Em conjunto, esses períodos glaciais são denominados Era do Gelo, Idade do Gelo ou Era Glacial. A última glaciação iniciou-se há aproximadamente 100 mil anos, com temperaturas extremamente baixas, e terminou por volta de 13 mil anos atrás. Essa última glaciação ocorrida na Terra alterou as formas de vida existentes no planeta e também estimulou a migração de animais e seres humanos para lugares onde houvesse abundância vegetal. Isso favoreceu a ocupação de diversas regiões do globo e possibilitou a sedentarização de grupos humanos, ou seja, sua fixação à terra. O processo de sedentarização humana esteve associado à domesticação de animais e ao cultivo

de plantas, meios que promoveram mudanças profundas na história da humanidade. Tais práticas, adotadas pouco a pouco em diferentes partes do planeta, não substituíram a caça e a coleta, mas foram incorporadas ao repertório de meios de sobrevivência. Tidas como uma “revolução”, tais transformações caracterizam o período denominado Neolítico, ou Idade da Pedra Polida, que se estendeu de cerca de 10000 a.C. a 4000 a.C. Diversos grupos, porém, permaneceram nômades e adotaram outros modos de vida. De que forma ocorreu o domínio da agricultura? O texto a seguir contém informações que podem suscitar reflexões a respeito de como os historiadores têm abordado essa questão desde o século XIX e como ela tem sido vista em nossos dias.

Os historiadores acostumaram-se a separar a coleta e a agricultura como se fossem duas etapas da evolução humana bastante diferentes e a supor que a passagem de uma para a outra tivesse sido uma mudança repentina e revolucionária. Hoje, contudo, admite-se que essa transição aconteceu de maneira gradual e combinada. Da etapa em que o homem era inteiramente um caçador-coletor passou-se para outra em que começava a executar atividades de cultivo de plantas silvestres (limpava a terra, arrancava as ervas daninhas, aprendia a cultivar as plantas a partir das sementes) e de manipulação dos animais (reunião e proteção). Mas tudo isso era feito como uma atividade complementar da coleta e da caça. A passagem para a agricultura foi precedida da “domesticação” de plantas e animais – escolhendo as variedades mais interessantes para reproduzir e para cruzar mais adiante –, iniciando um processo de seleção artificial. Mas a domesticação não é mais que uma das condições da transição para a agricultura, que somente culminou quando se conseguiu obter uma dieta que proporcionasse todos os elementos nutritivos (cereais, carne e legumes) e que tornasse possível depender por completo do abastecimento de plantas e animais domesticados. FONTANA, Josep. Introducción al estudio de la Historia. Barcelona: Crítica, 1999. p. 90-91.

Camponesa em campo de plantação de mostarda nos arredores de Srinagar, na Índia. Foto de 2015.

Rouf Bhat/Agência France-Presse

Os primeiros agrupamentos humanos

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É possível afirmar que passar à agricultura e à pecuária como fonte principal de alimentação foi uma opção de vários grupos. Alguns pesquisadores defendem a teoria de que coube às mulheres decifrar o mistério da germinação e do crescimento das plantas, uma vez que eram as responsáveis pela coleta e estavam, portanto, mais familiarizadas com os ciclos e as características do mundo vegetal. A fixação desses grupos em áreas férteis nas margens de grandes rios foi um desdobramento da descoberta da agricultura e da criação de animais. Sequências de boas colheitas e, consequentemente, de boa alimentação durante longos períodos, levaram ao aumento da população, o que, por sua vez, demandou mudanças na organização social do grupo. Além disso, foi no Neolítico que os seres humanos aprimoraram o arco e a flecha e utilizaram largamente o fogo para cozinhar, espantar animais, iluminar as moradias e se aquecer. Ainda nesse período, os instrumentos foram aprimorados e passaram a ser mais eficientes e sofisticados, como o uso de pedra polida para a fabricação de instrumentos de defesa e de madeira na construção de moradias e canoas.

O melhor amigo do homem A domesticação de cães provavelmente teve origem no Neolítico. Os seres humanos devem ter se aproveitado da proximidade de lobos (Canis lupus) interessados em restos de comida e selecionado os mais adequados para ajudá-los na caça, no pastoreio e na guarda. Essa seleção artificial criou uma nova espécie, caracterizada por indivíduos muito diferentes entre si, conforme seu uso pelos humanos.

No continente africano foram encontrados inúmeros vestígios desse período, como instrumentos de pedra lascada e polida, machados, serras, lanças, arcos, flechas, arpões, anzóis, pictografias, vasilhames de barro, redes, etc. Tudo indica que a passagem das atividades de caça e coleta para as de produção de alimentos tenha acontecido bem cedo na região ao norte da linha do equador, provavelmente por volta de 8000 a.C., diferentemente do sul do Saara, onde a agricultura só foi difundida no início da Era Cristã.

As figuras humanas (principalmente femininas) e de animais são temáticas bastante comuns nas esculturas das mais antigas populações. Estaescultura da Vênus de Willendorf que você vê ao lado tem entre 22 e 24 mil anos. Encontrada na Áustria, é feita de pedra calcária, trabalhada com ferramentas de pedra pontiaguda.

A estatueta ao lado foi encontrada em escavação na cidade de Çatal Hüyük, na Anatólia. Com mais de 8 mil anos, ela representa uma mulher sentada em um trono. Os seios e o ventre fartos provavelmente estão associados ao nascimento e à fertilidade. Possivelmente ela é a representação de uma deusa-mãe, divindade feminina relacionada à proteção das colheitas. Nathan Benn/Ottochrome/Corbis/Latinstock

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Capítulo 1

Barbara Gindl/epa/Corbis/Latinstock

Agricultura, pecuária e fixação nas margens de grandes rios

Acredita-se que a origem do grupo banto esteja na região ao norte do rio Congo, nas atuais áreas de Camarões e da Nigéria. Por muitos séculos, esse povo, que vivia da caça, da pesca, da domesticação de animais, da agricultura de coivara e em permanente nomadismo, espalhou-se por áreas extensas da África subsaariana. Henri Lhote/Arquivo da editora

As grandes mudanças climáticas ocorridas em todo o continente africano nos últimos milênios antes da Era Cristã também influenciaram o quadro histórico geral, em especial nas áreas que hoje denominamos deserto do Saara. Esse deserto, que é o maior do mundo, comumente é usado por pesquisadores como marco para dividir o continente africano em duas grandes sub-regiões: a África setentrional (região ao norte do deserto do Saara); e a África subsaariana (região ao sul do deserto do Saara). Ao sul do Saara prevalecem ainda hoje os descendentes dos primeiros agricultores, falantes de línguas ligadas ao banto, denominação que designa uma origem linguística comum, possivelmente oriunda de um grupo de ancestrais africanos constituído nos últimos séculos antes de Cristo.

Pintura rupestre de cerca de 5500 anos, em Tassili de Ajer, no Saara Central, centro-oeste da Argélia. Durante o Neolítico, a região era de clima mediterrâneo e terras férteis, rica em fauna e flora.

Leituras O texto a seguir fala sobre diversos processos de deslocamento populacional ocorridos no continente africano entre 6000 a.C. e 500 a.C., aproximadamente. Leia-o com atenção e perceba de que forma se deu a ocupação das regiões norte e sudoeste do continente africano.

Deslocamento populacional na África Por volta de 6000 a.C., mais notadamente entre 2500 e 500 a.C., o clima começou a ter um progressivo ressecamento. Em consequência, enormes migrações foram se deslocando para o Norte, Sudoeste e Leste, abandonando a região [...]. Significativa parcela da população mais clara emigrou para o norte do deserto, dando origem à população mediterrânea, cuja língua (o berbere) estaria estruturada já por volta de 2000 a.C. Dela derivam os líbios, que ameaçaram o Egito faraônico; os habitantes do atual Marrocos; os ancestrais dos tuaregues do deserto, etc. A maioria da população negra, por sua vez, emigrou para o sudoeste. Até hoje, na África ocidental, grande número de povos (ussá, ioruba, ashanti) afirma descender de emigrantes vindos do nordeste do seu hábitat atual. As pinturas pré-históricas do maciço de Tassili (Argélia) representam máscaras quase idênticas às dos senufô da atual Costa do Marfim, assim como cerimônias ainda existentes entre os povos fulani que resistiram ao Islã. RODRIGUES, João Carlos. Pequena história da África Negra. São Paulo: Globo, 1990. p. 18-19.

Os primeiros agrupamentos humanos

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Utilização de metais e desenvolvimento da agricultura Em algumas regiões do planeta, ao final do Neolítico, percebe-se o emprego de metais como cobre, ferro e bronze na produção de diversos utensílios e armas, além de artefatos de pedra, madeira, ossos e barro (cerâmica). O emprego de metais, com o desenvolvimento e a utilização de técnicas de fundição, levou estudiosos a criar a denominação Idade dos Metais para se referir a esse período. Apesar da impossibilidade de estabelecer uma cronologia exata desses avanços, supõe-se que o bronze tenha sido utilizado em diversas áreas do Oriente já por volta de 4000 a.C. e tenha começado a ser usado na Europa e na região mediterrânea cerca de 2 mil anos depois. No desenvolvimento técnico aplicado na agricultura (com maior produção e consequente aumento populacional), alguns grupos familiares passaram a

Estado

bronze: liga metálica resultante da mistura de cobre e estanho. Oriente Próximo: nome que, antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), era dado às terras mais próximas da Europa, estendendo-se do mediterrâneo ao golfo Pérsico.

À esquerda, esculturas datadas da Idade dos Metais (século VI a.C.-século IV a.C.) encontradas em um sítio arqueológico perto de Delchevo, próximo da fronteira entre República da Macedônia e Bulgária. À direita, ídolo de terracota encontrado em Tessália, Grécia. Estudiosos estimam que a escultura foi produzida no começo da Idade dos Metais. DeAgostini/Getty Images

O conceito de Estado é muito importante em História. Significa a autoridade própria que organiza uma sociedade, que define regras para a convivência do conjunto das pessoas submetidas a essa autoridade e que faz com que essas regras sejam cumpridas, valendo-se de diversas instituições.

exercer domínio sobre outros, gerando sociedades ampliadas. A necessidade de garantir a defesa e a produção em áreas relativamente extensas, habitadas por várias aldeias ou grupos familiares (as tribos), levou às origens da organização de Estados. As grandes transformações ocorridas ao longo do Neolítico mudaram radicalmente as formas de convivência humana em algumas regiões do mundo. A posse coletiva, que até então prevalecia nas comunidades, passou a coexistir com situações de posse privada: os instrumentos e o fruto do trabalho, antes pertencentes a toda a comunidade, agora se tornavam exclusivos de cada pessoa, de famílias ou de grupos de famílias. Nesse período, surgiram novas organizações sociais, com a criação do Estado e o desenvolvimento da escrita – primeiro, ao que parece, no Oriente Próximo, no Egito e na Mesopotâmia.

Robert Atanasovski/AFP/Getty Images

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Capítulo 1

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 1. Durante todo o século XIX, historiadores consideravam legítimas apenas as fontes escritas. No entanto, a primeira forma de escrita só foi criada há aproximadamente 6 mil anos, quando nossa espécie já tinha milhares de anos de existência sobre a Terra. Além disso, nem todos os grupos humanos desenvolveram sistemas de escrita. Pensando nisso, responda: a) A ausência de escrita entre alguns povos significa que eles não têm História? Justifique sua resposta. b) De que maneira é possível estudar o passado dos grupos humanos ágrafos?

2. No século XIX, Charles Darwin desenvolveu uma teoria segundo a qual todos os seres vivos que hoje habitam o planeta são resultado de um longo processo de adaptação de espécies primitivas às transformações ambientais. Esse raciocínio, que se aplicava exclusivamente à evolução biológica, foi transferido por outros estudiosos à análise das sociedades humanas, dando origem ao darwinismo social. Explique como essa teoria serviu para justificar a dominação de determinados grupos e povos sobre outros.

3. De acordo com os vestígios fósseis, em que região do mundo os primeiros antepassados do gênero humano se originaram?

4. Os primeiros grupos humanos a habitarem o planeta não ocupavam moradias fixas, mas estavam permanentemente em movimento. Por que o nomadismo era uma condição de sobrevivência no Período Paleolítico?

5. Entre os estudiosos da Pré-História humana, há especialistas que questionam o uso do termo “revolução” para as transformações que marcam a passagem do Período Paleolítico para o Neolítico. Com base nisso e em seus conhecimentos, faça o que se pede. a) Identifique as transformações que ocorreram na passagem do Paleolítico para o Neolítico.

b) Por que o termo “revolução” pode ser considerado inadequado para caracterizar a passagem de um período para o outro?

Pratique 6. Leia atentamente o texto a seguir, escrito por Curtis W. Marean, professor de Arqueologia da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, e faça o que se

A espécie mais invasiva de todas Em algum momento posterior a 70 mil anos atrás, nossa espécie, Homo sapiens, saiu da África para começar sua inexorável propagação por todo o globo. Outras espécies de hominídeos tinham se estabelecido na Europa e na Ásia, mas apenas nossos ancestrais H. sapiens acabaram conseguindo se dispersar para todos os grandes continentes. [...] Paleoantropólogos debateram por muito tempo como e por que só humanos modernos conseguiram essa surpreendente façanha de propagação e dominância. Alguns especialistas argumentam que a evolução de um cérebro maior, mais sofisticado, permitiu que nossos ancestrais avançassem para novas terras e enfrentassem os desafios desconhecidos que encontraram ali. Outros sustentam que uma tecnologia inédita impulsionou a expansão da nossa espécie fora da África ao permitir que humanos modernos caçassem presas e liquidassem inimigos com uma eficácia sem precedentes. Um terceiro cenário postula que mudanças climáticas enfraqueceram as populações de neandertais e outras espécies arcaicas de hominídeos que ocupavam os territórios fora da África, permitindo que os humanos modernos conquistassem uma posição dominante e assumissem o controle de seus domínios. Mas nenhuma dessas hipóteses oferece uma teoria abrangente capaz de explicar plenamente a extensão do alcance dos H. sapiens. De fato, essas teorias têm sido apresentadas sempre como explicações para registros de atividade de H. sapiens em determinadas regiões, como a Europa Oriental. [...] Escavações que conduzi ao longo dos últimos 16 anos em Pinnacle Point, no litoral austral da África do Sul, somadas a avanços teóricos em ciências biológicas e sociais, recentemente me levaram a um cenário alternativo para explicar como o H. sapiens conquistou o mundo. Acredito que a diáspora ocorreu quando um novo comportamento social evoluiu em nossa espécie: uma propensão geneticamente codificada para cooperar com indivíduos não aparentados. O acréscimo dessa tendência única às avançadas habilidades cognitivas de nossos ancestrais permitiu que eles se adaptassem agilmente a novos ambientes. Isso também fomentou a inovação, dando origem a uma tecnologia revolucionária que mudou tudo: armas avançadas de longo alcance. Equipados assim, eles partiram da África, prontos para subjugar o mundo inteiro de acordo com sua vontade. [...]

pede adiante. Os primeiros agrupamentos humanos

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Força da natureza Com o acréscimo de armas arremessáveis e um comportamento hiperpró-social, nasceu um espetacular novo tipo de criatura, cujos membros formavam equipes que operavam, cada uma, como um único e insuperável predador. Nenhuma presa, nenhum inimigo estava seguro. [...] O surgimento dessa estranha combinação de matador e cooperador pode muito bem explicar por que, quando as condições glaciais voltaram a reinar entre 74 mil e 60 mil anos atrás, deixando grandes faixas da África inóspitas mais uma vez, as populações humanas modernas não se contraíram como antes. De fato, elas se expandiram na África do Sul e prosperaram com uma ampla variedade de ferramentas avançadas. A diferença foi que, dessa vez, os humanos modernos estavam equipados para responder a qualquer crise ambiental com conexões sociais flexíveis e tecnologia. Eles se tornaram os predadores alfa em terra e, por fim, também no mar. Essa capacidade de dominar qualquer ambiente foi a chave que finalmente lhes abriu a porta para migrarem da África para o resto do mundo. Grupos humanos arcaicos, incapazes de se unir e arremessar armas, não tinham a menor chance contra essa nova espécie. Cientistas vêm debatendo há tempos por que nossos primos neandertais foram extintos. Acho que a explicação mais perturbadora também é a mais provável: eles eram percebidos como concorrentes e como uma ameaça, e os humanos modernos invasores os exterminaram. Foi para isso que evoluíram. [...] A triste história dessas primeiras vítimas da engenhosidade e cooperação de humanos modernos, os neandertais, ajuda a explicar por que atos hediondos de genocídio e xenocídio ocorrem de vez em quando no mundo atual. Quando recursos e terras se tornam escassos, designamos os que não se parecem conosco, ou falam como nós, como “os outros”, e então usamos essa diferença para justificar o extermínio ou a expulsão deles para eliminar qualquer concorrência. A ciência revelou os gatilhos que acionam nossas inclinações “embutidas” para classificar pessoas como “outros” e tratá-las de modo temerário. Mas só porque o H. sapiens evoluiu para reagir à escassez desse jeito cruel não significa que estamos irremediavelmente “presos” a essa resposta. A cultura é capaz de substituir até os mais arraigados instintos biológicos. Espero que o reconhecimento de por que nos voltamos uns contra os outros em tempos de vacas magras nos permita superar nossos impulsos malévolos e seguir uma de nossas mais importantes diretivas culturais: “Nunca mais”. Adaptado de MAREAN, Curtis W. A espécie mais invasiva de todas. Scientific American Brasil. Ano 14, nº 160, São Paulo: Segmento. p. 27-34.

a) Qual o problema científico investigado e discutido por Curtis W. Marean no artigo? b) Quais as principais hipóteses citadas pelo autor para explicar o sucesso evolutivo do Homo sapiens? 46

Capítulo 1

c) Por que, para Curtis W. Marean, as hipóteses citadas não são suficientes para explicar o problema examinado? d) Qual é a nova hipótese levantada por Marean? e) Em que estudos essa nova hipótese proposta por Marean foi baseada? f) Ao final do artigo, Marean demonstra preocupação com a apropriação de sua hipótese para legitimar atitudes políticas das quais ele discorda. Que uso ele teme que seja feito de seus estudos?

7. O texto a seguir noticia descobertas recentes sobre o modo de vida dos grupos humanos do Período Paleolítico. Leia-o atentamente e faça o que se pede:

A dieta paleolítica original era cheia de carboidratos Você já deve ter ouvido falar da “dieta paleolítica” que se popularizou nos últimos anos. A ideia por trás dela é que seus adeptos devem comer apenas alimentos ingeridos por nossos ancestrais pré-históricos. Afinal, nossos corpos não teriam evoluído para comer alimentos processados, glúten, amido e outros tipos de carboidrato. Porém uma descoberta recente mostra que a dieta paleolítica original, aquela dos nossos ancestrais, tinha, sim, uma boa quantidade de carboidratos. Para começar, as fezes humanas mais antigas descobertas até o momento foram analisadas – e dados mostraram que os primeiros humanos comiam menos proteína animal do que acreditávamos. Da mesma forma, eles consumiam trigo e cevada durante o período paleolítico. E um novo estudo mostra que a evolução do nosso cérebro pode ter dependido em grande parte desses carboidratos. A pesquisa, publicada no periódico Quarterly Review of Biology, mostra que os amidos tiveram um papel importante na evolução cerebral. Claro que, no paleolítico, nossos ancestrais não tinham toda a variedade de pães que sua padaria oferece, mas eles se alimentavam de raízes, tuberosas e sementes. Tanto que os cientistas responsáveis pelo estudo listam a caça como um sinal de status menos do que uma necessidade pela carne. Algum tempo depois, com o domínio do fogo, humanos conseguiram cozinhar e digerir melhor estes amidos. E não apenas isso: milhões de anos atrás, nossos corpos evoluíram para produzir a enzima amilase, que permite que os amidos passem a ser digeridos em nossas bocas, com a saliva e a mastigação. Isso permitiu que a glicose em nossos organismos aumentasse e que fetos mais fortes e maiores fossem desenvolvidos – inclusive com cérebros maiores. Sem isso, é improvável que conseguíssemos as condições ideais para a evolução da espécie. A DIETA paleolítica original era cheia de carboidratos. Revista Galileu, 17 ago. 2015. Disponível em: . Acesso em: 6 nov. 2015.

a) A dieta paleolítica, que vem conquistando muitos adeptos desde 2011, prescreve a ingestão de alimentos que compuseram o cardápio de homens e mulheres que viveram há mais de 12 mil anos. Com base no texto e no que você aprendeu no capítulo sobre o modo de vida dos seres humanos durante o período Paleolítico, faça uma lista dos alimentos que compunham a dieta dos grupos humanos nesse período da Pré-História humana. b) Com base em seus conhecimentos de História, opine: é saudável adotarmos, hoje, a dieta dos nossos antepassados? Em sua argumentação, considere o estilo de vida dos seres humanos que viveram no Paleolítico e o que temos no presente. Fatores como atividade física, como obter o alimento, a relação com o meio ambiente, entre outros, devem ser levados em conta.

8. Observe o mapa abaixo, que mostra o deslocamento do povo banto pela África, e faça o que se pede.

Ri

o

r ge Ní

çFRICA

Congo Rio

Equador

Lago Vitória

OCEANO ATLÂNTICO

Trópico de Capricórnio

Deserto Floresta tropical

m Rio Za be

e

DESERTO DA NAMÍBIA

Rio Lim

DESERTO DE KALAHARI

o

Rotas migratórias (400 d.C.-1 100 d.C.)

Lago Niassa

p po

Rotas migratórias (500 a.C.-400 d.C.)

OCEANO ÍNDICO

z

Território de origem Rotas migratórias (3 000 a.C.-500 a.C.)

Lago Tanganica

Meridiano de Greenwich

Banco de imagens/Arquivo da editora

Migrações bantas (3000 a.C.-1100 d.C.)

R io Orange

640

1 280

km

Fonte: VANSINA, Jan. Paths in the Rainforest. Madison: University of Wisconsin Press, 1990.

a) Consulte um mapa atual da África e escreva o nome do país(es) que ocupa(m) a região originária dos bantos. b) Quantos séculos o processo de expansão banta durou? c) Com base nas informações do mapa, identifique o fator que pode ter impedido ou dificultado a expansão banta para o norte do continente. d) Com base em seus conhecimentos sobre o modo de vida dos bantos, que fator pode explicar esse contínuo deslocamento?

9. Leia o texto a seguir com atenção. Se perguntarmos “Quais foram as sociedades mais bem-sucedidas do mundo?”, tenderemos a pular para a pressuposição fácil e autolisonjeira de que a mudança é a marca do sucesso; as sociedades que alcançam sucesso, expansão e transformação ambiental espetaculares são saudadas como grandes civilizações e modelos a serem copiados, mesmo que tenham se enfraquecido e se desfeito em ruínas. Mas se a meta é a sobrevivência, as sociedades mais bem-sucedidas são realmente aquelas que mudaram menos – que preservaram as suas tradições e identidades intactas, ou que perpetuaram a sua existência limitando racionalmente a exploração de seu ambiente. As sociedades de mais longa duração – aquelas que resistiram com sucesso aos riscos da mudança – são as que ainda levam uma vida de saqueadores: os kung san ou bosquímanos da África do Sul, os aborígenes australianos, alguns povos da floresta raramente encontrados. FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Então você pensa que é humano? Uma breve história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 36.

• Responda: em que aspecto do texto o autor subverte a noção de “progresso” com a qual estamos acostumados? Os primeiros agrupamentos humanos

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Analise uma fonte primária 10. A fotografia ao lado foi produzida em um sítio arqueológico localizado no planalto da Anatólia, na Turquia. Observe-a com atenção e depois responda: a) Esse tipo de ocupação é característico de qual período da Pré-História? b) Que elementos da imagem e que característica das construções apresentadas nela você considerou para chegar a essa conclusão?

Os vestígios de um assentamento antigo são estudados no sítio arqueológico de Alaca Höyük, localizado na Turquia. Foto de 2009.

Articule passado e presente 11. Leia o texto a seguir e faça o que se pede.

Diminuir consumo de carne é essencial para reduzir aquecimento global, diz pesquisa Você provavelmente pensa que carros ou fábricas são os principais emissores de gases responsáveis pelo efeito estufa, como o CO2, mas uma pesquisa afirma que você está enganado. Segundo o estudo, realizado pela ONG inglesa Chatham House, a indústria pecuária é a maior responsável pela produção desses gases — ela emite mais que todos os aviões, carros, navios e trens do mundo —, e governos e entidades ambientais não agem para remediar esse problema por medo da reação negativa dos consumidores.“Prevenir um aquecimento catastrófico depende de lidar com o consumo diário de carne e laticínios, mas o mundo tem feito muito pouco”, afirmou ao jornal inglês The Guardian o autor principal do estudo, Rob Bailey. “Muito tem sido feito em relação a desmatamento e transporte, mas existe uma grande lacuna no setor pecuário. Há uma grande relutância em se engajar por causa da sabedoria popular de que não é função de governos ou da sociedade civil se intrometer nas vidas das pessoas e dizê-las o que devem comer”. O relatório mais recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas afirmava que uma mudança na dieta da população mundial pode diminuir de forma significativa as emissões de gases de efeito estufa – mesmo assim, uma pesquisa mundial revelou que a maioria das pessoas acha que os maiores geradores são os veículos. Emissões da indústria pecuária, geradas principalmente pelos arrotos e fe-

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Capítulo 1

Gianni Dagli Orti/The Art Archive /The Picture Desk/Agence France-Presse

zes de vacas e ovelhas, correspondem atualmente a 15% dos gases gerados no mundo. O apetite por carne tem crescido de forma elevada conforme a população mundial cresce e adquire maior poder aquisitivo. Seu consumo deve aumentar em 75% até 2050 — o de laticínios crescerá 60%, enquanto que o de cereais chegará a apenas 40%. O Brasil é o quarto maior consumidor do mundo, atrás de China, União Europeia e Estados Unidos. SOTO, Cesar. Diminuir consumo de carne é essencial para reduzir aquecimento global, diz pesquisa. IstoÉ, São Paulo, 5 dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 6 nov. 2015.

a) Atualmente o planeta vem enfrentando uma contínua elevação das temperaturas, cujas graves consequências (irregularidade no regime de chuvas, tormentas, derretimento das calotas polares, por exemplo) afetam profundamente a vida dos seres humanos, podendo até, futuramente, inviabilizá-la. Por essa razão, os cientistas têm chamado a atenção dos governos para a necessidade de adotar medidas que freiem essas alterações climáticas ou, ao menos, reduzam-nas. De acordo com a notícia acima, qual é a atividade humana com maior impacto sobre o clima? b) Essa atividade sempre foi praticada pelos grupos humanos?

c) É possível abandonar a atividade discutida acima sem prejuízos aos seres humanos? Para sustentar sua resposta, pesquise o assunto em livros e sites de nutrição. d) Que medidas poderiam ser tomadas para incentivar a redução da atividade em questão?

CAPÍTULO

2

Nossos ancestrais da América John Moore/Getty Images

Emigrantes subindo no topo de um vagão de trem de mercadorias na tentativa de atravessar a fronteira México-Estados Unidos e entrar no território estadunidense de forma ilegal. Cidade de Arriaga, México, 2013.

Não é de hoje que a espécie humana enfrenta grandes distâncias em busca de melhores condições de vida. Na atualidade, milhões de pessoas procuram deixar seu lugar de origem para fugir de guerras ou da miséria. Tentam vencer como podem o desafio de chegar aonde acreditam que terão uma vida melhor. Nos primórdios da humanidade, nossos ancestrais também se deslocavam. O que teria motivado o deslocamento de várias espécies humanas ao longo da chamada Pré-História? Como essas espécies se adaptaram aos locais onde se estabeleceram? 49

1 Como chegaram ao nosso continente A data aproximada do início da ocupação humana no continente que chamamos de América ainda é muito debatida entre os estudiosos. Não há consenso entre eles e são muitas as divergências. Para alguns estudiosos, essa ocupação foi iniciada há cerca de 20 mil anos, mas existem também pesquisadores que acreditam que ela teve início há cerca de 50 mil anos e outros, ainda, defendem a teoria de que ela ocorreu há mais de 100 mil anos. A polêmica envolve também as possíveis rotas de chegada dos primeiros grupos humanos ao continente americano. Acredita-se que as glaciações contribuíram para que grupos humanos paleolíticos abandonassem suas regiões de origem e chegassem ao continente. Estudos recentes sobre a diversidade de características biológicas e linguísticas entre os nativos da América reforçam as hipóteses de que o povoamento do continente inicialmente se deu por meio de sucessivas levas migratórias de caçadores-coletores. Segundo a teoria mais aceita, esses primeiros grupos teriam vindo da Ásia pelo estreito de Bering. Outros pesquisadores acreditam que a chegada aconteceu também por rotas marítimas e não somente pelo estreito de Bering. Entre esses estudiosos, há os que defendem a tese de que levas migratórias de habitantes da Austrália e das ilhas polinésias chegaram ao continente americano pelo oceano Pacífico. O mapa da página 36 apresenta essas teorias; observe-o novamente. Há ainda estudiosos que acreditam que a migração se deu pelo Atlântico, há mais de 100 mil anos, vinda da África. Segundo essa teoria, agrupamentos humanos atravessaram o Atlântico quando o nível do mar era bem mais baixo que o atual. Além disso, existiam diversas ilhas entre os dois continentes.

Essas teorias, no entanto, carecem de evidências suficientes para serem aceitas no meio científico. Levando em consideração a hipótese de que a ocupação humana do norte da América teve início há pelo menos 20 mil anos, ela teria se estendido para o sul da América, em direção à Patagônia, antes de 10 mil anos atrás. Com base na análise de ossadas e de outros vestígios, estudiosos consideram que os primeiros grupos humanos teriam percorrido alguns caminhos para chegar à região que viria a ser o território brasileiro. Um desses caminhos iniciava-se no litoral das atuais Colômbia e Venezuela, chegando à Amazônia. Um diferente trajeto saía dos Andes (em latitudes mais baixas). Outra possível rota é a entrada desses grupos pelo litoral. Eles poderiam ter vindo da Patagônia pelo oceano Pacífico em direção ao norte, ou ter saído do Caribe, entrando pelo litoral nordestino em direção ao Atlântico Sul. O pesquisador brasileiro Walter Neves e sua equipe defendem uma teoria que admite que os primeiros grupos humanos chegaram ao território americano em duas levas migratórias. Segundo esses estudiosos, a primeira leva, composta de hominídeos com traços que lembram os povos africanos e os aborígines da Oceania, teria ocorrido há cerca de 14 mil anos. O outro grande grupo, que chegou há cerca de 11 mil anos, se parece mais com os povos asiáticos, e está na base da composição étnica da maior parte dos grupos indígenas atuais da América. Saiba mais sobre as pesquisas de Walter Neves na página 52 deste capítulo.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Onde e quando Banco de imagens/Arquivo da editora

± 100 mil a 50 mil anos

Uma das hipóteses do início do povoamento da América. Serra da Capivara, Piauí. Datação mais aceita do início do povoamento da América.

Linha do tempo esquem‡tica. O espa•o entre as datas n‹o Ž proporcional ao intervalo de tempo.

50

Capítulo 2

± 20 mil anos

± 12 mil anos

Achados em Clóvis, (cidade dos Estados Unidos); teoria tradicional da mais antiga ocupação das Américas. Achados na Patagônia.

± 11,5 mil anos

Para saber mais O que o chão nos revela

Lucas Lacaz Ruiz/Fotoarena

A Arqueologia é a ciência que fornece as principais informações sobre os hominídeos que antecederam o Homo sapiens e sobre os grupos humanos já desaparecidos, tivessem eles ou não conhecimento da escrita. Essa ciência procura vestígios materiais da ação humana, que podem ser desde restos de fogueiras, ossos humanos ou peças de cerâmica até grandes edificações. Os arqueólogos estudam os objetos encontrados na tentativa de obter informações sobre quem os criou e como eles foram usados. Para isso, contam com vários métodos de análise, como a estratigrafia, a datação pelo decaimento do carbono-14 e a análise de DNA. Estratigrafia – Estudo da sequência das camadas de terra que vão se sobrepondo com o passar do tempo. De acordo com o local, a posição e a profundidade em que cada objeto ou resto humano é encontrado, a estratigrafia calcula há quanto tempo aproximadamente aqueles vestígios estão ali e de que modo estão relacionados a outros achados na mesma ou em outras camadas. Datação pelo decaimento do carbono-14 – No processo de fotossíntese ou no metabolismo, os vegetais e os animais captam da atmosfera certa quantidade do isótopo carbono-14, que passa a fazer parte de seus tecidos. Quando o ser morre, esse elemento captado dissipa-se pouco a pouco. Comparando a quantidade de carbono-14 de um fóssil com a quantidade desse isótopo que um ser vivo teria, é possível calcular sua idade com relativa precisão. Análise de DNA – A recuperação e o estudo do DNA de ossos e de outros tecidos que se decompõem mais lentamente abriram novas possibilidades de investigação para a Arqueologia. Com técnicas recentemente descobertas, copiam-se fragmentos de DNA de restos mortais bastante antigos graças à recuperação do DNA de ossos e dentes em bom estado de conservação. Com isso, pode-se entender a evolução do Homo sapiens, rastrear a trajetória das migrações mais antigas e investigar a origem de plantas e animais domésticos.

1. A descoberta do fóssil humano conhecido como Luzia é de vital importância para os estudos sobre a origem do ser humano americano, pois ele é considerado, até o momento, um dos fósseis humanos mais antigos da América. Levando em consideração os métodos citados, que informações podem ser obtidas por meio do estudo do crânio de Luzia?

2. Como os métodos de datação pelo decaimento do carbono-14 e análise de DNA permitem o estudo de características específicas sobre o achado de fósseis?

Em 2013, uma equipe de arqueólogos encontrou 34 sítios arqueológicos no entorno das obras de duplicação da rodovia dos Tamoios, na região de Paraibuna, São Paulo. As construções civis são grandes agentes destrutivos desses patrimônios, já que são poucas as empresas que buscam fazer vistorias arqueológicas nos terrenos antes de iniciar seus projetos.

Nossos ancestrais da América

51

Pontos de vista Como e quando o território americano começou a ser ocupado? Essa pergunta ainda gera grandes debates entre os pesquisadores. A teoria mais difundida afirma que os primeiros grupos humanos chegaram ao continente há cerca de 13 mil anos, quando a queda da temperatura do planeta criou imensas geleiras que ligavam a Ásia à América. Vindos da Sibéria, eles teriam atravessado o estreito de Bering em direção aos atuais Alasca e Canadá. Essa hipótese se baseia num vasto conjunto de objetos encontrados na cidade de Clóvis, no Novo México, Estados Unidos. Esses artefatos foram datados de aproximadamente 10 mil Ponta de lança da cultura Clóvis, cerca anos e pertenciam a povos caçadode 11 mil a.C., res-coletores. Estados Unidos. A descoberta da cultura Clóvis se tornou um mito fundador da Pré-História norte -americana, sendo amplamente difundida em livros, revistas e exposições. Entretanto, investigações mais recentes contestam a ideia de que o estreito de Bering foi o único caminho para a ocupação do continente. E é dentro desse contexto que destacamos os olhares divergentes de dois pesquisadores brasileiros sobre as origens humanas da América. Ismar Ingber/Pulsar Imagens

Na década de 1990, o pesquisador Walter Neves ficou mundialmente conhecido graças às análises que realizou em um crânio humano desenterrado na década de 1970, no sítio arqueológico de Lapa Vermelha, no estado de Minas Gerais. Neves e sua equipe descobriram que ele tinha cerca de 11500 anos e era, portanto, mais antigo que a cultura Clóvis. Eles batizaram esse crânio de Luzia. De acordo com suas pesquisas, Luzia se assemelhava mais aos povos africanos e aos aborígines da Oceania do que aos povos de origem asiática, chamados mongoloides. Como vimos na página 50, para Walter Neves, uma primeira leva de população, semelhante aos africanos e aborígines da Oceania, havia chegado à América há cerca de 14 mil anos. Assim, ele concluiu que o estreito de Bering não foi a única rota utilizada nas primeiras ondas migratórias humanas. Num artigo publicado em 1997, na Revista da USP, Neves propôs a seguinte explicação:

Considerando-se os últimos resultados de nossas pesquisas o cenário proposto nesta figura para o processo de povoamento da América tornase cada vez mais verossímil. Além da entrada em uma época relativamente recente de populações com morfologia nitidamente mongoloide, propomos uma etapa mais antiga de colonização, levada a cabo por povos com morfologia craniana distinta e, provavelmente, uma origem também distinta dos demais. Fonte: NEVES, Walter et al. O povoamento da América à luz da morfologia craniana. Revista da USP, São Paulo (34): 96-105, jun-ago 1997, p. 105. Disponível em: . Acesso em: 3 fev. 2016.

Em 2000, o pesquisador Richard Neave, da Universidade de Manchester, no Reino Unido, apresentou uma reconstituição do rosto de Luzia (ao lado). A imagem foi amplamente difundida pela imprensa brasileira e Luzia passou a ser vista como a “primeira mulher brasileira”. Criava-se, assim, um mito da origem remota do país.

52

Capítulo 2

: 1957 Nascimento ogo, ól bi : Formação arqueólogo e antropólogo ofessor do Profissão: pr ociências Bi de to Institu ade de rs da Unive id São Paulo

l/Folhapress

Walter Neves

Rafael Hupse

Carolina Biological/Visuals Unlimited/Corbis/Latinstock

Os caminhos do povoamento americano

Em 1973, a arqueóloga Niède Guidon iniciou suas pesquisas na Serra da Capivara, no estado do Piauí. Lá, ela descobriu dezenas de sítios arqueológicos ricos em pinturas rupestres. Mas foi a descoberta de artefatos de pedra lascada e vestígios de uma fogueira no sítio arqueológico de Pedra Furada que lançaram a pesquisadora no

Niède Guid

on

Hoje podemos afirmar que a entrada de Homo sapiens para o continente americano fez-se em vagas que, saindo de diferentes lugares, seguiram diferentes caminhos e que as primeiras devem ter entrado na América entre 10 mil e 100 mil anos atrás. A razão nos faz supor que um continente como o americano, que vai do polo norte ao polo sul, deve ter sido ocupado a partir de diversos pontos de penetração, que incluem também a via marítima. Não devemos esquecer que o nível do mar variou durante as diferentes épocas, caracterizadas por avanços e recuos das glaciações e que, em certos momentos, chegou até a 10 metros abaixo do nível atual, o que significa que um maior número de ilhas afloravam e a plataforma continental era bem mais ampla. Fonte: GUIDON, Niède. Arqueologia da região do Parque Nacional Serra da Capivara – Sudeste do Piauí. In: Revista Com Ciência. SBPC, 2003. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2015.

Andre Dib/Pulsar Imagens

Bruno Po

letti/Folhap ress

Nascimen to: 1933 Formação : arqueólo ga Profissão: Diretora d a Fundação Museu do Homem A mericano e do Parque Nacional Serra da C apivara, ambos no Piauí.

debate internacional. Em 1987, depois de anos de escavações, mais de seiscentos objetos foram encontrados. Segundo as análises feitas por Guidon e sua equipe, eles tinham cerca de 50 mil anos. Assim, as evidências levaram-na a afirmar que a ocupação do território teria aproximadamente 60 mil anos. Leia o trecho a seguir:

Pintura rupestre no sítio arqueológico Toca do Boqueirão da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, Piauí. O sítio faz parte do Parque Nacional Serra da Capivara, criado em 1979 para proteger um dos mais importantes patrimônios da Pré-História humana. Ele conta com cerca de 700 sítios arqueológicos com artefatos, esqueletos humanos e mais de 30 mil figuras rupestres. Desde 1991, o Parque é considerado patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Foto de 2013.

Nossos ancestrais da América

53

2 Diversidade de culturas

Para saber mais

Desenvolvimento agrário na Mesoamérica

Golfo do México

âncer Trópico de C

Mar do Caribe

515

1 030

OCEANO PACÍFICO

km Desenvolvimento da agricultura (7 000 a.C.-700 a.C.) Área de indícios mais antigos de prática agrícola Área da primeira expansão agrícola Área de expansão agrícola mais tardia

Golfo do Panamá 80º Principais cultivos 0º Feijão Abóbora Milho Amaranto Pimenta Batata-doce

Quinoa Tomate

BLACK, Jeremy (Org.). World History Atlas. London: Dorling Kindersley Book, 2008.

Mesoamérica: região do continente americano que compreende, aproximadamente, o sul do México e os territórios da Guatemala, de El Salvador, de Belize e parte da Nicarágua, de Honduras e da Costa Rica. Região andina central: refere-se à cordilheira dos Andes.

Os povos nativos da América

Museu Antropológico, México/Gianni Dagli Orti/ The Art Archive/ Other Images

Inúmeras populações nativas existiram no continente americano antes da chegada dos europeus no século XV. Esses povos são comumente chamados de povos pré-colombianos. Entre eles, destacam-se incas, astecas e maias, que desenvolveram grandes centros urbanos, reinos e até impérios. O auge da civilização inca ocorreu no século XVI, com a formação de um império que reunia cerca de 10 milhões de pessoas. De acordo com teorias recentes, seus ancestrais eram caçadores que fizeram a travessia da Ásia para o Alasca, ocuparam a região andina central e tornaram-se agricultores sedentários, com a domesticação de animais e a utilização de técnicas agrícolas avançadas. A riqueza de sua cultura é revelada em vários campos de atividade: arquitetura, metalurgia, arte cerâmica, organização política e social, tradições agrícola e alimentar, como o plantio e o consumo de batata, milho e cereais nativos como a quinoa. Os maias se estabeleceram por volta de 700 a.C., entre a América do Norte e a América Central, e alcançaram seu apogeu econômico e cultural entre os séculos III e X da Era Cristã. Por volta de 300 d.C., ocupavam as regiões dos atuais territórios do México, de Honduras e da Guatemala. Os astecas viveram inicialmente no noroeste do atual território Deus inca da agricultura decorado com milho mexicano e, no século XIV, ocuparam o planalto central do México. e abóbora, século XVI. O milho era considerado um alimento sagrado e foi a principal fonte de Dedicavam-se às práticas da guerra e ao desenvolvimento de técnisubsistência para os povos nativos da América. cas de cultivo do milho. Era utilizado também em trocas comerciais.

54

Capítulo 2

Banco de imagens/Arquivo da editora

Os dados sobre os primeiros povoadores são agrupados de acordo com a ocupação de regiões geográficas distintas, mesmo que não saibamos com plena certeza quais foram as rotas migratórias utilizadas. Pesquisas arqueológicas têm demonstrado que a América contou com civilizações que desenvolveram técnicas de agricultura, metalurgia e engenharia, além de sistemas de escrita, arte, organização social e política. Entre as sociedades americanas mais antigas com o maior número de artefatos descobertos e preservados estão as que povoaram a Mesoamérica e as que se estabeleceram na região andina central. Antes da chegada dos europeus, a América do Norte era ocupada por centenas de grupos nativos. Estudos indicam que mais de trezentas línguas diferentes eram faladas nessas terras. Esses povos ocupavam o território norte-americano do Atlântico ao Pacífico. Entre eles estavam os cheroquis, os iroqueses, os comanches e os apaches. Diversos nomes de regiões dos atuais Estados Unidos foram herdados de grupos indígenas, como Iowa, Dakota, Illinois, Missouri, etc.

Tradições

Diversidade cultural na Pré-História brasileira

Na Arqueologia usa-se o termo tradição para indicar um conjunto de práticas e técnicas de povos antigos que tenham características comuns, que persistem ao longo do tempo e que são registradas em determinada região ou contexto geográfico. Nas terras do atual Brasil, por exemplo, existiram várias tradições, cada uma identificada por um nome diferente. Vamos conhecer um pouco mais sobre algumas delas? Os pequenos mapas que acompanham os textos a seguir indicam os estados atuais em que essas manifestações ocorreram.

Acervo do autor/Arquivo da editora

Os artefatos de caça, as pinturas rupestres e os fósseis dos mais antigos habitantes do atual território brasileiro fazem parte dessa tradição. No atual estado do Piauí, no município de São Raimundo Nonato, foram encontrados vestígios dessa tradição datados de mais de 12 mil anos. Eles indicam que esses agrupamentos humanos caçavam grandes animais e tinham uma vida coletiva em cavernas. Porém, são poucas as informações de que dispomos sobre como esses grupos se organizavam. As pinturas rupestres dessa tradição representavam cenas mais lúdicas, como rituais de dança, caça e ritos cerimoniais. Embora existam desenhos rupestres de homens e mulheres, diferenciados pela representação dos órgãos sexuais, muitas figuras foram feitas sem distinção entre os sexos. Por isso, alguns estudiosos consideram que essas sociedades não eram patriarcais, permitindo que mulheres e homens compartilhassem de relativa igualdade. Tradição Nordeste

Mapas: Banco de imagens/Arquivo da editora

Na imagem, pintura rupestre no sítio arqueológico de São Raimundo Nonato, Piauí. Foto de 2014.

Tradição Agreste

patriarcais: sociedades ou relações dominadas por figuras masculinas, cabendo à mulher uma relação de subserviência perante figuras como pai, marido, etc.

Essa tradição existiu na mesma região da tradição Nordeste, há cerca de 10 mil anos. Seus povoadores criaram pinturas rupestres com cenas mais agressivas, frequentemente representando confrontos (talvez decorrente do aumento demográfico e de mudanças ambientais). Nossos ancestrais da América

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Mapas: Banco de imagens/Arquivo da editora

Tradição Humaitá

Composta de grupos dedicados à pesca, à caça e à coleta de raízes, moluscos e frutos silvestres. Também fabricavam objetos de pedra lascada e polida. Os registros mais antigos dessa tradição foram encontrados em Santa Catarina. São vestígios de fogueiras datados de mais de 8500 anos.

Tradições Umbu e Itararé

Na região Sul há também registros da tradição Umbu, datada de 12 mil anos e composta de caçadores-coletores, dedicados à fabricação de instrumentos de caça. Na mesma região, também foram encontradas evidências da tradição Itararé, de cerca de 1 500 anos, constituída por agricultores que construíam casas subterrâneas. Veja o boxe Leituras na página 58, que fala sobre o povo Xokleng.

crédito

Nessa tradição temos vestígios de povos pescadores e coletores com datação de mais de 5 mil anos. Alguns sambaquis encontrados nessa região atingem 10 metros de altura. Por meio da análise das camadas de matéria orgânica e inorgânica dessas formações, é possível estudar a vida material e cotidiana – a base alimentar, por exemplo – dessas populações.

Sambaqui localizado no Sítio Arqueológico de Laguna, Santa Catarina. Foto de 2014.

56

Capítulo 2

sambaquis: do tupi tamba, que significa ‘marisco’, e ki, ‘amontoamento’. Montes de conchas, esqueletos de peixes, pontas de flechas, machados, cerâmicas e materiais orgânicos que passaram por um processo de fossilização química em decorrência das chuvas e da ação do tempo. Localizam-se principalmente no litoral do sul do país.

Zig Koch/Pulsar Imagens

Tradição Sambaquiana

Alguns povos desenvolveram a confecção de objetos de pedra e, posteriormente, de cerâmica desde pelo menos 5 mil anos atrás. A cerâmica produzida na área da atual cidade de Santarém, no estado do Pará, foi classificada como tradição Santarém. Por volta do ano 1000, se sobressaiu a tradição Marajoara, como revelam os vestígios da cerâmica policromada (muitas cores) que produziram. Há cerca de 700 anos, a população da ilha de Marajó (Pará), berço dessa cultura, chegava a 100 mil habitantes, aproximadamente.

Fabio Colombini/Acervo do fotógrafo

Mapas: Banco de imagens/Arquivo da editora

Tradição Santarém e Marajoara

Urna funerária marajoara, originária da ilha de Marajó, Pará, c. 400-800 d.C. Foto de 2013.

Tradição Guarita

Estima-se que antes do ano 1000 cerca de 60 mil pessoas viviam nessa região. Essa tradição destacou-se pela produção de objetos cerâmicos cerimoniais, ou seja, utilizados em cerimônias e ritos como os de sepultamento. Na área que hoje corresponde ao estado do Acre, estão aproximadamente duzentos sítios arqueológicos.

Tradição Aratu/Sapucaí

Zig Koch/Natureza Brasileira

São vestígios que datam de antes do século VIII. Nessa tradição, destacam-se principalmente as cerâmicas utilitárias, como as utilizadas para preparo e consumo de alimentos.

Tradição Taquara

Os vestígios dessa tradição compreendem principalmente cerâmicas datadas de 5 mil a 300 mil anos.

Vasilhame cerâmico da tradição taquara. Os Itararé-Taquara são considerados possíveis ancestrais dos indígenas da família linguística Jê, como os Kaingang e os Xokleng. Nossos ancestrais da América

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Leituras O povo indígena Xokleng vive no oeste do atual estado de Santa Catarina. A presença dos Xokleng naquela área é bastante antiga: arqueólogos da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) encontraram vasos de cerâmica datados de 2860 a.C. associados à cultura Xokleng. Essa foi considerada a segunda descoberta mais antiga do Brasil (a primeira é de objetos da região amazônica, datados de 4000 a.C.). De acordo com o Instituto Socioambiental, atualmente há menos de 2 mil representantes dessa etnia. Para saber mais sobre a população Xokleng e sua antiga presença no território que hoje compreende o Brasil, leia o texto com atenção.

Xokleng

Reprodução Arquivo Histórico José Ferreira da Silva/Fundação Blumenau, SC.

No início da nossa era, os caçadores e coletores que até então tinham habitado o planalto do Brasil meridional foram substituídos por populações de agricultores cuja economia repousava sobre o cultivo do milho

e a exploração dos pinheirais típicos dos planaltos do sul do país. Além de instalar suas aldeias a céu aberto, esses novos grupos indígenas abriam grandes poços de até mais de 10 metros de diâmetro no solo, para serem usados como residências – provavelmente sazonais – ou armazenar os pinhões. Esse fruto, extremamente abundante na região, podia ser guardado durante meses e sabemos que, no século XIX, os pinhões participavam da base alimentar das populações Xokleng. A essas “casas subterrâneas” (de fato, apenas semienterradas) estão associadas várias estruturas cerimoniais, como aterros e muros circulares de terra, além de cemitérios em pequenos abrigos situados nas imediações das cachoeiras. Galerias artificiais teriam servido de refúgio durante as investidas dos inimigos Tupi-Guarani, que ocupavam as regiões mais baixas. JORGE, Marcos; RIBEIRO, Loredana; PROUS, André. Brasil rupestre: arte pré-histórica brasileira. Curitiba: Zencrane Livros, 2007. p. 152.

Na foto, mulheres e crianças do povo Xokleng, em Santa Catarina, em 1906. A dizimação desse povo ocorreu pelos ataques dos bugreiros (caçadores de indígenas) e por doenças respiratórias pós-contato com os colonos.

3 A chegada dos europeus Depois de milênios de ocupação do continente americano, período em que as mais diversas organizações sociais e culturais foram desenvolvidas (observe a linha do tempo na página seguinte), ocorreu o encontro entre as populações ameríndias e uma nova leva de conquistadores: os europeus. O quadro que os europeus encontraram ao chegar a essas terras era de expansão dos grupos Tupi-Guarani, que conquistaram e dizimaram grupos caçadores-coletores, como os povos sambaquianos, e ocuparam a maior parte da costa litorânea da região que viria a ser o Brasil. 58

Capítulo 2

A chegada dos europeus em fins do século XV significou o início do processo de destruição das populações americanas, embora muitos aspectos de suas culturas tenham sido incorporados às culturas miscigenadas que se formaram a partir desse contato. Os conquistadores europeus também tomaram conhecimento da batata, originária da região andina, e do milho, cultivado inicialmente na Mesoamérica, hoje uma das bases da alimentação de vários povos do mundo.

no atual território brasileiro O esquema a seguir é uma espécie de linha do tempo na qual estão representados: 1) o período provável da primeira ocupação humana de terras que mais tarde pertenceriam ao Brasil; 2) as primeiras ocorrências de arte rupestre e de outras manifestações culturais e econômicas dos povos que pouco a pouco povoaram o território brasileiro. Conforme vimos neste capítulo, observe as diferenças entre as regiões brasileiras em relação ao período de cada ocorrência.

Há mais de 12000 anos Primeiros vestígios comprovados de ocupação humana em terras brasileiras (Sudeste)

Luzia, o fóssil humano conhecido mais antigo da América, encontrado em Lagoa Santa, Minas Gerais. Franco Hoff/Pulsar Imagens

Há 8 000 anos Mais antigas manifestações de arte rupestre em terras brasileiras (Nordeste e Centro) Sambaquis fluviais (Sul)

Edu Lyra/Pulsar Imagens

Urna funerária marajó exposta no Museu de Marajó, em Cachoeira de Arari, Pará. Foto de 2012.

Há 5000 anos

Há 4 000 anos Sambaquis, pesca e coleta (litoral central e sul)

Há 2 000 anos

Tigela tupi-guarani utilizada em sepultamento. Encontrada em um sambaqui em Rio das Ostras, Rio de Janeiro.

Primeiras práticas agrícolas em terras brasileiras Fabio Colombini/Acervo do fotógrafo

Ricardo Azoury/Pulsar Imagens

Detalhe de pintura rupestre encontrada na Toca do Boqueirão da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, Piauí. Foto de 2011.

Fabio Colombini/Acervo do fotógrafo

Primeiros objetos de cerâmica (região amazônica)

Peça de cerâmica encontrada em sítio arqueológico em Calçoene, Macapá. Arqueólogos acreditam que comunidades viviam nessa região por volta de 1000 a 2000 anos atrás.

Sítio Arqueológico de Lagoa Santa, MG/ Arquivo da editora

Ocupação humana

Há 1000 anos Comunidades organizadas em grandes aldeias (Centro, Nordeste e Amazônia) Construções habitacionais subterrâneas (Sul) Ondas migratórias vindas do continente europeu desde o século XV

Batedor utilizado para lascar pedras ou para moer grãos e frutas. Encontrado em Rio das Ostras, Rio de Janeiro.

Nossos ancestrais da América

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atenção! Não escreva no livro!

Atividades Retome 1.

Quais são as duas principais hipóteses que explicam a ocupação humana do continente americano?

2. De acordo com os estudos dos fósseis encontrados nos sítios arqueológicos brasileiros, a população que ocupou o território onde hoje está o Brasil era etnicamente homogênea?

3. Como arqueólogos podem datar objetos encontrados em um sítio arqueológico? 4. A análise das pinturas humanas na superfície de rochas no sítio do Boqueirão da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, Piauí, sugere a existência, nos grupos de antigos habitantes das terras que hoje compreendem o Brasil, de uma condição de igualdade entre os sexos feminino e masculino. Cite dois indícios dessa hipótese.

5. Quando os europeus chegaram à costa brasileira, esta já não era habitada pelos povos dos sambaquis. Qual é a explicação para seu desaparecimento?

Pratique 6. De acordo com uma notícia publicada em 2015 no site da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, dois cientistas estudaram o material genético de dois bebês

Com base nessas informações faça o que se pede: a) Qual das duas linhagens se difundiu mais?

b) As descobertas feitas pelos pesquisadores da Universidade de Utah reforçam qual das hipóteses estudadas para explicar o povoamento da América?

sepultados há 11 500 anos. Eles foram encontrados em um sítio arqueológico no Alasca. De acordo com o estudo, as crianças são os antepassados mais antigos já encontrados das duas principais linhagens de povos nativos da América, identificadas pelas siglas B2 e C1. Analise atentamente o mapa a seguir.

Banco de imagens/Arquivo da editora

América: localização dos sepultamentos e vestígios das linhagens B2 e C1 50º O

Localização dos bebês estudados por Dennis O’Rourke e Justin Tackney Círculo Polar Ártico

gelo glacial (aproximadamente 11500 anos atrás)

Equador

OCEANO PACÍFICO

Trópico de Capricórnio

1 385

2 770

km

Fonte: Universidade de Utah. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2015.

Capítulo 2

Leia a seguir descrições dos traços culturais de alguns dos principais povos que ocuparam o Brasil antes da chegada dos europeus. Depois, associe em seu caderno essas descrições aos objetos correspondentes mostrados adiante.

A tradição Umbu é marcadamente caracterizada pela presença de pontas de projétil e de uma indústria lítica com lascas recompostas. [...] OCEANO ATLÂNTICO

60

7.

a) Tradição Umbu

Trópico de Câncer

Linhagem B2 Linhagem C1

c) As descobertas feitas pelos pesquisadores podem explicar o povoamento da região de Lagoa Santa, onde foram encontrados os restos de Luzia? Por quê?

Sua alimentação era baseada na caça e complementada com a coleta de frutos e raízes. Os artefatos desta tradição se caracterizam por serem lascados, com retoques por pressão. [...] As bolas de boleadeira são peças líticas finamente trabalhadas em pedra, possuindo na sua porção média um sulco que permite amarrar uma tira de couro ou de fibra vegetal. Poderiam ser de uma, duas ou três bolas. TRADIÇÃO Umbu. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2015.

b) Tradição Sambaquiana Sabe-se que os sambaquieiros, de norte a sul, eram pescadores, untavam conchas, construíam morros e ali enterravam seus mortos. Mas desde a função dos sambaquis até as habilidades manuais desses grupos, passando por rituais de sepultamento e de manejo de vegetais, há diferenças marcantes de uma região para outra. Por exemplo, no artesanato criado com a matéria dos sambaquis. Ao sul do Vale da Ribeira, em São Paulo, faziam esculturas de pedra, os chamados zoólitos, que chamam a atenção pelo polimento perfeito e pela quantidade de detalhes. Em algumas reproduções de peixes, distingue-se a espécie e até o sexo do bicho. Outros motivos mostram figuras geométricas ou rodas

dentadas. [...] No Rio de Janeiro, por sua vez, os grupos fabricavam lâminas de machado. No sítio Ilhote do Leste, na ilha Grande, Maria Cristina Tenório, arqueóloga do Museu Nacional, estima que teriam sido polidas mais de 200 mil pedras para servirem como lâminas. [...]. No Nordeste (Bahia, Pará e Maranhão), os escassos estudos feitos até agora encontraram cerâmicas. Os pesquisadores não sabem explicar, até hoje, por que só os grupos dessa região desenvolveram essa técnica. TORRES, Juan. Sambaquis: castelos de areia, conchas e mortos. Guia do estudante. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2015.

c) Tradição Tupi-Guarani

das pela técnica de acordelado. Partindo de uma base cônica, a artesã guarani ia sobrepondo e juntando roletes, através de pressões regulares do dedo polegar, em sentido perpendicular à borda, dando o formato e a dimensão desejados. Sua marca distintiva é o tratamento dado à superfície externa. Dentre as muitas variações e combinações, predominam a corrugada, escovada, ungulada e pintada (mono ou policrômica). TRADIÇÃO Tupi-Guarani. Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2015.

Gerson Gerloff/Pulsar Imagens

Escultura de pedra representando um peixe encontrada em sambaqui. Foto de 2005.

Reprodução/Museu Antropológico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

Pontas de projétil de pedra lascada, próprias da tradição Umbu. Foto de 2013.

Cesar Barreto/Museu Nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.

tetraktys/Acervo do fotógrafo

A cultura material dos Guarani pré-históricos que aqui se estabeleceram é vasta e diversificada. Parte dela, constituída por fragmentos cerâmicos provenientes de vasilhas usadas no dia a dia dessas populações, tem sido recuperada pela arqueologia. A análise desses fragmentos é importante porque, mediante técnicas de laboratório, pode-se reconstituir a forma do recipiente cerâmico e, por comparação, relacionar esses fragmentos com recipientes inteiros encontrados. As vasilhas cerâmicas variam muito de tamanho e forma, tendo sido, quase todas, confecciona-

Urna mortuária utilizada pelos índios da etnia Guarani. Foto de 2013. Boleadeira, instrumento de caça trabalhado em pedra. Foto de 2012. Nossos ancestrais da América

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Analise uma fonte primária 8. Observe atentamente a imagem a seguir e, em seu André Dib/Pulsar Imagens

caderno, faça o que se pede.

Pintura rupestre datada de entre 9 mil e 10 mil anos encontrada no sítio arqueológico de Xique-Xique I, Carnaúba dos Dantas, Seridó, Rio Grande do Norte.

a) Descreva a imagem. b) A imagem sugere a prática de alguma atividade? Explique. c) É possível saber, hoje, o significado da pintura feita pelos antigos habitantes da região de Seridó? Justifique.

9. Leia a seguir uma matéria sobre a depredação dos sítios arqueológicos do Rio Grande no Norte e faça o que se pede. O RN tem 178 sítios arqueológicos cadastrados e tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O número oficial nem de longe reflete a riqueza do “real patrimônio” do Estado. Apenas em Santana do Matos, município da região do Seridó, onde existem dois sítios cadastrados, foram encontradas mais de 80 áreas com vestígios dos grupos pré-históricos que habitaram o que hoje corresponde ao território potiguar. As pesquisas no município foram lideradas pelo arqueólogo Valdeci dos Santos Jr., em parceria com o pesquisador Gilson Luiz da Silva.

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Capítulo 2

Santana do Matos não é a única cidade com um tesouro debaixo do chão. Carnaúba dos Dantas, Apodi e praticamente toda a região do Seridó são férteis em vestígios, como ossos humanos, ferramentas, cerâmica, armas e pinturas rupestres. As datações mais antigas são de 10 mil anos atrás. Embora não tenham atraído a atenção do poder público e da iniciativa privada, os artefatos vêm sendo objeto de interesse de alguns poucos pesquisadores e “comerciantes” do mercado clandestino desde a década de 70. Quando não caem nas graças desse seleto público, as peças arqueológicas são furtadas ou mesmo depredadas. Em Santana do Matos, na Serra do Urubu, e em outras localidades, há rochas com pinturas de grupos pré-históricos literalmente pichadas. Pessoas da própria comunidade fizeram outros desenhos na pedra e chegaram inclusive a grafar seus nomes, com a data da inscrição e até telefones. Em outros casos, aventureiros coletam artefatos como ossos e ferramentas para coleções particulares e venda no mercado clandestino. Há ainda um tipo de depredação mais cruel. Empresas de mineração e realizadoras de obras de grande porte já foram responsáveis por destruir sítios inteiros. Segundo o Iphan, há 10 anos, uma mineradora explodiu um conjunto de rochas com inscrições em Parelhas. LIRA, Isaac. Sítios arqueológicos depredados. Tribuna do Norte. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2015.

a) Que vestígios da pré-história brasileira podem ser encontrados nos sítios arqueológicos do Rio Grande do Norte? b) De acordo com a notícia, que ameaças colocam em risco o patrimônio arqueológico do Rio Grande do Norte? c) Como a destruição do patrimônio arqueológico potiguar afeta as pesquisas acadêmicas sobre nosso passado?

d) Forme um grupo com mais dois ou três colegas e façam uma pesquisa sobre os sítios arqueológicos existentes em sua cidade ou estado. Procurem mapeá-los e se informar sobre sua importância e seu estado de preservação. e) Depois, com base nas informações obtidas, escrevam uma matéria jornalística sobre a preservação do patrimônio arqueológico nos sítios arqueológicos pesquisados. Caso seja possível, visitem um desses sítios e fotografem-no.

Articule passado e presente 10. A origem do homem americano ainda provoca acirrados debates entre pesquisadores. Além das análises de fósseis e vestígios arqueológicos, as pesquisas genéticas também têm desempenhado um importante papel no estudo sobre o povoamento do continente. Leia mais sobre o assunto no texto a seguir e faça o que se pede.

Ancestrais de índios viajaram 7 000 km pelo mar, e ninguém sabe como Eram os botocudos polinésios? Geneticamente falando, pelo menos dois indivíduos desses índios praticamente exterminados no século XIX eram, sim, parentes de habitantes de ilhas do Pacífico a mais de 7 000 km de distância. Mas ninguém sabe como nem por quê. O mistério volta a aumentar com um artigo do grupo de Sergio Danilo Pena, da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], publicado em novembro no periódico Current Biology. Novas análises de DNA eliminaram as duas hipóteses menos implausíveis para explicar a presença desses genes por aqui. Sabe-se agora que eles não são descendentes de escravos de Madagáscar trazidos ao Brasil entre 1817 e 1843, quando navios negreiros tentavam evitar as patrulhas britânicas na costa oeste da África capturando-os no Leste. Nem de escravos polinésios levados ao Peru na década de 1860. Sobram as mais improváveis, quase impossíveis de provar: uma segunda entrada do homem nas Américas, anterior à mais aceita, há 12-14 mil anos, e migração direta de polinésios pelo Pacífico antes da chegada de europeus. “Acho que está na hora de ser humilde e declarar ignorância”, afirma Pena. Não é uma frase usual da parte de pesquisadores. Crânios A origem do povo botocudo é tão intrigante quanto sua aparência, marcada pelos lábios e orelhas alargados com discos de madeira. Uma eficaz “guerra justa” foi movida contra suas aldeias em Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, no século 19, por ordem de dom João 6º. Aldeias da etnia também conhecida como “aimorés”, que resistia ferozmente à assimilação, desapareceram sem deixar muitos registros. Sobreviveu, no entanto, uma coleção de três dezenas de crânios de botocudos na coleção do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Deles saíram os dentes que tiveram o DNA extraído para análise e renderam uma série de três artigos desconcertantes da equipe da UFMG, tendo Pena e sua aluna Vanessa Faria Gonçalves entre os autores principais. O primeiro trabalho saiu em 2010 no periódico Investigative Genetics. Debruçou-se sobre o DNA mitocondrial, uma diminuta fração dos genes que só as mães transmitem para filhas e filhos. A comparação do material extraído dos dentes de 14 crânios botocudos com moradores atuais da cidade de Queixadinha (MG) identificou variantes genéticas incomuns partilhadas entre eles. Concluiu-se que deixaram descendentes entre os mineiros. O segundo artigo, de 2013, foi publicado na americana PNAS. Novo exame do DNA mitocondrial revelou que 2 daqueles 14 indivíduos, do sexo masculino, tinham marcadores característicos de populações polinésias. A descoberta concordava, assim, com análises do formato dos crânios botocudos que sugeriam um parentesco com populações da Oceania. É esse também o caso de Luzia, o mais famoso esqueleto dos sítios arqueológicos de Lagoa Santa (MG). […] Em primeiro lugar, quase todo o DNA parece ter origem polinésia, o que exclui a possibilidade de miscigenação com ameríndios. Depois, a datação dos crânios mostra que os dois botocudos morreram antes do tráfico de escravos malgaxes no século 19. “Toda essa discussão presume que dois crânios polinésios não possam ter sido acidentalmente incluídos na coleção do Museu Nacional”, diz Pena. Não há evidência disso: “Os crânios estavam identificados como botocudos por escrito, com tinta, na própria calota craniana”. GLEISER, Marcelo. Ancestrais de índios viajaram 7000 km pelo mar, e ninguém sabe como. Folha de S.Paulo, São Paulo, 9 dez. 2014. Disponível em: . Acesso: 18 fev. 2016.

a) De acordo com a notícia, que fontes de pesquisa foram usadas para determinar a ancestralidade dos índios botocudos? b) Qual foi a conclusão dos pesquisadores? c) Os resultados das pesquisas realizadas pela UFMG corroboram ou contrariam os estudos feitos por Walter Neves, pesquisador da Unicamp, sobre os fósseis dos antigos habitantes da região de Lagoa Santa (MG)?

d) Com base na notícia, descreva os passos necessários para que seja formulada uma teoria científica para explicar a ocupação das Américas. Nossos ancestrais da América

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Enem e vestibulares

atenção! Não escreva no livro!

Enem

II. Alguns homens primitivos, hoje extintos, descendem dos macacos antropoides. III. Na história evolutiva, os homens e os macacos antropoides tiveram um ancestral comum. IV. Não existe relação de parentesco genético entre macacos antropoides e homens.

1. Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia várias vezes destruída. Quem a [reconstruiu tantas vezes?

Hilobatídeos

Hominídeos

Pongídeos

Milhões de anos

Em que casas da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros, na noite em que a

5

[Muralha da China ficou pronta? A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.

Símios do Novo Mundo

Orangotango Gorila Chimpanzé Homem Símios do Gibão Velho Mundo

10

Australopithecus

Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os césares? BRECHT, B. Perguntas de um trabalhador que l•. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2015.

15 Ramapithecus 25 Dryopithecus

Partindo das reflexões de um trabalhador que lê um livro de História, o autor censura a memória construída sobre determinados monumentos e acontecimentos históricos. A crítica refere-se ao fato de que:

a) os agentes históricos de uma determinada sociedade deveriam ser aqueles que realizaram feitos heroicos ou grandiosos e, por isso, ficaram na memória. b) a História deveria se preocupar em memorizar os nomes de reis ou dos governantes das civilizações que se desenvolveram ao longo do tempo. c) os grandes monumentos históricos foram construídos por trabalhadores, mas sua memória está vinculada aos governantes das sociedades que os construíram.

d) os trabalhadores consideram que a História é uma ciência de difícil compreensão, pois trata de sociedades antigas e distantes no tempo.

e) as civilizações citadas no texto, embora muito importantes, permanecem sem terem sido alvos de pesquisas históricas.

2. O assunto na aula de Biologia era a evolução do homem. Foi apresentada aos alunos uma árvore filogenética, igual à mostrada na ilustração, que relacionava primatas atuais e seus ancestrais.

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35

50

Mamíferos insetívoros Árvore filogenética provável dos antropoides

Analisando a árvore filogenética, você pode concluir que:

a) todas as afirmativas estão corretas. b) apenas as afirmativas I e III estão corretas. c) apenas as afirmativas II e IV estão corretas. d) apenas a afirmativa II está correta. e) apenas a afirmativa IV está correta.

3. Segundo a explicação mais difundida sobre o povoamento da América, grupos asiáticos teriam chegado a esse continente pelo estreito de Bering, há 18 mil anos. A partir dessa região, localizada no extremo noroeste do continente americano, esses grupos e seus descendentes teriam migrado, pouco a pouco, para outras áreas, chegando até a porção sul do continente. Entretanto, por meio de estudos arqueológicos realizados no Parque Nacional Serra da Capivara (Piauí), foram descobertos vestígios da presença humana que teriam até 50 mil anos de idade. Validadas, as provas materiais encontradas pelos arqueólogos no Piauí:

a) comprovam que grupos de origem africana cruzaram o oceano Atlântico até o Piauí há 18 mil anos.

Após observar o material fornecido pelo professor, os alunos emitiram várias opiniões, a saber:

b) confirmam que o homem surgiu primeiramente na América do Norte e, depois, povoou os outros continentes.

I. Os macacos antropoides (orangotango, gorila e chimpanzé e gibão) surgiram na Terra mais ou menos contemporaneamente ao homem.

c) contestam a teoria de que o homem americano surgiu primeiro na América do Sul e, depois, cruzou o estreito de Bering.

Unidade 1

d) confirmam que grupos de origem asiática cruzaram o estreito de Bering há 18 mil anos.

No que refere ao fato histórico e à produção do conhecimento histórico, é correto afirmar que:

e) contestam a teoria de que o povoamento da América teria iniciado há 18 mil anos.

a) o fato histórico não tem que ser, necessariamente, um grande acontecimento; ele também se faz no cotidiano das pessoas. Marcelo Leite/Folhapress

4.

b) a missão do historiador é, a partir dos documentos primários; estabelecer os fatos históricos e estudá-los em sua linearidade. c) o trabalho do historiador é mostrar os fatos como realmente ocorreram, não cabendo uma abordagem crítica. d) a nova História tem-se preocupado, basicamente, em gerar uma produção histórica objetivando contestar a interpretação marxista da História.

e) a história marxista enfoca fatos históricos protagonizados por “Heróis”, reforçando a ideologia da classe dominante.

6. (Ufscar-SP) Aconteceu num debate, num país europeu. Da assistência, alguém me lançou a seguinte pergunta: — Para si o que é ser africano? Falava-se, inevitavelmente, de identidade versus globalização. Pintura rupestre da Toca do Pajaú (PI). Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2015.

Respondi com uma pergunta:

A pintura rupestre acima, que é um patrimônio cultural brasileiro, expressa

— E para si o que é ser europeu? O homem gaguejou. Ele não sabia responder. Mas o interessante é que, para ele, a questão da definição de

a) o conflito entre os povos indígenas e os europeus durante o processo de colonização do Brasil.

uma identidade se colocava naturalmente para os africa-

b) a organização social e política de um povo indígena e a hierarquia entre seus membros.

questão ao espelho.

c) aspectos da vida cotidiana de grupos que viveram durante a chamada pré-história do Brasil. d) os rituais que envolvem sacrifícios de grandes dinossauros atualmente extintos.

e) a constante guerra entre diferentes grupos paleoíndios da América durante o período colonial.

nos. Nunca para os europeus. Ele nunca tinha colocado a

COUTO, Mia. In: HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea, 2005.

Segundo o texto, o autor

a) valoriza a ideia de que existe uma identidade natural entre os povos europeus, favorecendo a globalização. b) denuncia a ideia genérica, presente entre os europeus, de que há uma suposta identidade natural entre os africanos.

Vestibulares 5. (UFCE) A História humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Ferreira Gullar

c) lembra o fato de que a Europa tem uma história de tendência à globalização, em função da ausência de conflitos entre seus Estados-nação. d) defende a existência de uma essência natural do que é ser europeu e do que é ser africano. e) indica os valores culturais e nacionais europeus e africanos como fundadores do processo de globalização.

Enem e vestibulares

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7. (Unioeste-PR) Sobre a História, enquanto disciplina, é incorreto afirmar que

a) construir a história é uma tarefa de investigação e o historiador a faz mediante o estudo desinteressado e neutro dos vestígios que documentam a atividade humana. b) o historiador formula as perguntas a serem feitas aos documentos selecionados e ele o faz com base em sua cultura e suas escolhas.

c) muitos historiadores, até meados do século XX, privilegiavam o estudo do documento escrito e davam preferência aos documentos oficiais. d) os documentos escritos ainda são considerados fontes fundamentais para a compreensão dos fatos, mas, nas últimas décadas, a noção de documento se ampliou. e) o estudo das fontes e a crítica dos documentos são partes fundamentais do processo de investigação histórica.

8. (UEG-GO) Grande parte da presença humana na Terra é explicada pelos historiadores tendo como referência o termo “pré-história”. Sobre esse período, discorra sobre os seguintes tópicos:

a) o significado da revolução neolítica; b) as limitações conceituais do termo “pré-história”.

9. (UFPB) As relações entre as explicações míticas e as científicas encontram, na origem da espécie humana, um dos pontos fundamentais e controvertidos.

Sobre tais explicações, leia as afirmativas. I. O livro do Gênesis estabelece, sobretudo para as tradições religiosas judaico-cristãs, o mito do Éden, no qual viviam Adão, criado por Deus e feito à sua semelhança, e Eva, criada também por Ele a partir de uma costela de Adão. Desse casal, descenderiam todos os homens. Os partidários dessa explicação são chamados de criacionistas. II. O livro “A Origem das Espécies”, de autoria do naturalista inglês do século XIX, Charles Darwin, estabelece, nas tradições modernas, a consolidação de uma explicação científica sobre o aparecimento da vida e o surgimento do ‘Homo Sapiens’, que seria resultado das mutações genéticas adaptativas de símios. Essa explicação ficou conhecida como evolucionista. III. O conhecimento histórico, baseado nas concepções científicas, demarca o aparecimento da espécie humana no período Paleolítico ou Idade da Pedra Lascada, ao que se segue o período Neolítico 66

Unidade 1

ou Idade da Pedra Polida e depois o período da Idade dos Metais, que, reunidos, compõem a chamada “PRÉ-HISTÓRIA”. Está(ão) correta(s): a) apenas I

d) apenas II e III

b) apenas II

e) I, II e III

c) apenas I e II

10. (Ufscar-SP) [...] Pré-História do Brasil compreende a existência de uma crescente variedade linguística, cultural e étnica, que acompanhou o crescimento demográfico das primeiras levas constituídas por poucas pessoas [...] que chegaram à região até alcançar muitos milhões de habitantes na época da chegada da frota de Cabral. [...] não houve apenas um processo histórico, mas numerosos, distintos entre si, com múltiplas continuidades e descontinuidades, tantas quanto as etnias que se formaram constituindo ao longo dos últimos 30, 40, 50, 60 ou 70 mil longos anos de ocupação humana das Américas. FUNARI, Pedro Paulo; NOELI, Francisco Silva. Pré-História do Brasil, 2002.

Considerando o texto, é correto afirmar que a) as populações indígenas brasileiras são de origem histórica diversa e, da perspectiva linguística, étnica e cultural, se constituíram como sociedades distintas.

b) uma única leva imigratória humana chegou à América há 70 mil anos e dela descendem as populações indígenas brasileiras atuais. c) a concepção dos autores em relação à Pré-História do Brasil sustenta-se na ideia da construção de uma experiência evolutiva e linear.

d) os autores descrevem o processo histórico das populações indígenas brasileiras como uma trajetória fundada na ideia de crescente progresso cultural. e) na época de Cabral, as populações indígenas brasileiras eram numerosas e estavam em um estágio evolutivo igual ao da Pré-História europeia.

11. (UFPI) Nas últimas décadas o Piauí vem figurando como um tema obrigatório nas discussões sobre o primitivo povoamento do território americano, o que decorre, principalmente, dos achados arqueológicos da Serra da Capivara, no município piauiense de São Raimundo Nonato. Sobre esse assunto, assinale, nas alternativas a seguir, aquela que está incorreta: a) Os municípios de São Raimundo Nonato, no Piauí, e de Central, na Bahia, detêm os mais antigos vestígios da presença humana na região nordeste.

b) O acervo arqueológico de São Raimundo Nonato é administrado pela FUMDHAM - Fundação Museu do Homem Americano. c) A arqueóloga Niéde Guidon, personalidade mais conhecida entre os profissionais que atuam junto ao acervo arqueológico de São Raimundo Nonato, tem protagonizado, ao longo dos anos, vários conflitos e polêmicas com o governo do Piauí, com órgãos federais como o Ibama e até mesmo com nativos do município de São Raimundo Nonato.

d) Os achados arqueológicos de São Raimundo Nonato, no Piauí, assim como aqueles encontrados na Bahia, impõem uma revisão das teorias sobre o povoamento da América e não deixam dúvidas quanto à natureza autóctone do homem americano.

e) Hoje, apesar de ainda ser forte a tese do povoamento da América ter-se dado através do Estreito de Behring, os estudiosos, a partir de acervos arqueológicos como os do Piauí, consideram seriamente a hipótese de múltiplas correntes de povoamento. Quanto à data da chegada dos primeiros povoadores, ainda há muitas controvérsias, não estando, em rigor, nada definitivamente estabelecido.

12. (Fuvest-SP) Há cerca de 2000 anos, os sítios superficiais e sem cerâmica dos caçadores antigos foram substituídos por conjuntos que evidenciam uma forte mudança na tecnologia e nos hábitos. Ao mesmo tempo que aparecem a cerâmica chamada itararé (no Paraná) ou taquara (no Rio Grande do Sul) e o consumo de vegetais cultivados, encontram-se novas estruturas de habitações. Adaptado de: PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros. A pré-história do nosso país. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 49.

O texto associa o desenvolvimento da agricultura com o da cerâmica entre os habitantes do atual território do Brasil, há 2000 anos. Isso se deve ao fato de que a agricultura a) favoreceu a ampliação das trocas comerciais com povos andinos, que dominavam as técnicas de produção de cerâmica e as transmitiram aos povos guarani. b) possibilitou que os povos que a praticavam se tornassem sedentários e pudessem armazenar alimentos, criando a necessidade de fabricação de recipientes para guardá-los. c) proliferou, sobretudo, entre os povos dos sambaquis, que conciliaram a produção de objetos de cerâmica com a utilização de conchas e ossos na elaboração de armas e ferramentas.

d) difundiu-se, originalmente, na ilha de Fernando de Noronha, região de caça e coleta restritas, o que forçava as populações locais a desenvolver o cultivo de alimentos. e) era praticada, prioritariamente, por grupos que viviam nas áreas litorâneas e que estavam, portanto, mais sujeitos a influências culturais de povos residentes fora da América.

13. (UFMT – Adaptada) No Brasil, as questões relacionadas às etnias indígenas trazem à tona diversos problemas. Sobre a temática, assinale a afirmativa incorreta. a) A ocupação de grandes extensões de terras em território mato-grossense com o objetivo de implantar atividades agropecuárias fez com que algumas etnias indígenas perdessem parte de seus territórios, diminuindo a antiga área de perambulação e provocando uma correspondente diminuição na disponibilidade de recursos alimentares naturais. b) Os territórios dos povos Cinta-Larga, Zoró, Gavião e Suruí, nos estados de Rondônia e Mato Grosso, vêm sendo explorados por firmas madeireiras que denotam pouca preocupação com a conservação ambiental. c) No território brasileiro não existem índios vivendo em isolamento haja vista que, desde 1997, a Fundação Nacional do Índio (Funai) adotou uma política de intensificar o contato, fato que contribuiu também para reduzir as taxas de mortalidade relacionadas às doenças tropicais e à má alimentação. d) Parcela da etnia Paresí e da etnia Nambikwara passou por significativa desestruturação comunitária quando parte dos homens dessas aldeias se deslocou para a região de Comodoro (MT) a fim de explorar a venda ilegal de madeira.

e) Os índios do Acre e do Amazonas, para sobreviver, se refugiam em pontos remotos da mata, mantendo alguns hábitos inalterados, e, sem acesso à saúde pública e de qualidade, estão sujeitos à malária, às verminoses e a outras doenças.

14. (PUC-SP) ... o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. ANDRADE, Carlos Drummond de. Mãos dadas, 1940.

Se o presente é o tempo do poeta, resta ao historiador somente o tempo passado? Justifique sua resposta, procurando discutir as relações que a História ou o historiador pode estabelecer entre presente e passado.

Enem e vestibulares

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UNIDADE

2 Civilizações antigas Após a sedentarização dos primeiros agrupamentos humanos durante o Neolítico, as primeiras cidades e civilizações das quais temos notícias surgiram, próximas às margens de rios perenes e seus vales férteis. Essas civilizações estabeleceram uma organização política, social e religiosa, criaram os primeiros sistemas de escrita e as primeiras leis. Sabemos que dominaram, também, conhecimentos avançados em Matemática, Astronomia e Medicina. Nos capítulos desta Unidade, vamos conhecer os principais aspectos de algumas civilizações antigas e o seu legado.

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Saber histórico

Pensando sobre as diferentes civilizações antigas suronin/Shutterstock

Grande Templo de Ramsés II em Abu Simbel, Egito, construído no século XIII a.C. Foto de 2015. 69

1 Estudando a Antiguidade cidades-Estado: cidades independentes em termos de economia, organização social e poder político, com estruturas de Estado próprias. Museu Cernuschi, Paris/ The Art Archive/Other Images

Vaso em bronze do século IX a.C. representativo da arte da dinastia chinesa Chou.

Museu Nacional do Irã, Teerã/Bridgeman Images/Keystone

D

urante a transição entre o período Neolítico e a Antiguidade diversos grupos humanos começaram a viver em cidades, muitas das quais dariam origem a cidades-Estado, reinos e impérios. A Antiguidade ou Idade Antiga corresponde ao período que se estende da invenção da escrita, por volta de 4000 a.C., até a desagregação do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Tradicionalmente, a Antiguidade é dividida em: Antiguidade oriental e Antiguidade clássica (ou ocidental). A Antiguidade oriental envolve as civilizações dos antigos egípcios, dos povos da Mesopotâmia, dos hebreus, persas e fenícios, entre outros. A Antiguidade clássica se refere às civilizações grega e romana. Conforme foi visto na Introdução e no Capítulo 1, é possível observar que a historiografia muitas vezes tende a um olhar eurocêntrico, considerando apenas alguns povos em suas divisões e abordagens e descartando diferentes civilizações da África, da Ásia e da América. As primeiras cidades se formaram como resultado da expansão de aldeias e de outros assentamentos humanos do Período Neolítico. Entretanto, esse processo não ocorreu da mesma forma nem ao mesmo tempo em todo o planeta. Como evidência disso, estudaremos alguns exemplos relacionados aos povos da Ásia, América, África e Europa. Serão recortes baseados em pesquisas que devem ser vistos como peças de um quadro histórico muito mais amplo e diverso. Peças que poderão ser ampliadas com base em suas próprias pesquisas e na troca de ideias com seus colegas de turma, amigos e professores. Antes, porém, algumas considerações são importantes acerca da forma como foram construídas as interpretações sobre essas experiências tão antigas.

As fontes de informa•‹o

Lucas Lacaz Ruiz/Fotoarena

Ríton de ouro (recipiente para bebida) em forma de leão alado. Produzido no Império Persa entre 550 a.C. e 330 a.C.

Os vestígios que os historiadores utilizam em seus estudos geralmente são classificados em dois tipos: voluntários e involuntários. Ambos compõem as evidências que tornam possível interpretar e reinterpretar o passado. Os documentos voluntários são produzidos com o objetivo de registrar informações sobre pessoas ou instituições. É o caso de uma certidão de nascimento, por exemplo. Os documentos involuntários, por sua vez, foram produzidos com outra finalidade, mas mesmo assim podem ajudar a conhecer aspectos da sociedade em que circularam. Uma rocha em que cenas domésticas ou de guerra estão gravadas, ou uma manta cuja finalidade era envolver os mortos são exemplos de documentos involuntários.

Arqueólogo trabalhando em sítio encontrado na cidade de Paraibuna, São Paulo. Foto de 2013.

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Saber histórico

Pedra de Roseta O bloco de basalto encontrado no Egito, em 1799, tem inscrições em duas línguas, egípcio e grego, além de três sistemas de escrita. Dois desses sistemas eram de origem egípcia, o hieróglifo e o demótico (escrita utilizada pelos antigos egípcios em textos cotidianos), e o terceiro, com caracteres gregos. Por conter escritas egípcia e grega, favoreceu a decifração dos hieróglifos. Adam Woolfitt/Robert Harding Heritage/AFP

Ao analisar documentos escritos, muitas vezes é necessário decifrar e traduzir as inscrições contidas neles. Um caso exemplar de trabalho dessa natureza foi aquele empreendido pelo francês Jean-François Champollion (1790-1832), que decifrou os hieróglifos a partir das inscrições contidas na Pedra de Roseta, por volta de 1822. A análise de artefatos, por sua vez, também exige técnicas especiais e, muitas vezes, envolve outras ciências, como Arqueologia, Química, Física, Geografia e Antropologia. O estudo de materiais sem escrita nos permite conhecer outros aspectos da sociedade, como hábitos cotidianos e atividades ritualísticas. Esses artefatos também possibilitam o estudo dos membros da sociedade que não deixaram registros escritos. A valorização desse tipo de fonte de pesquisa, desde o final do século XIX, vem ajudando a ampliar o conhecimento histórico e cultural a respeito de povos que já foram extintos.

Desde 1802 a Pedra de Roseta pertence ao acervo do Museu Britânico, onde está exposta. Foto de 2015.

Zev Radovan/Coleção particular/Bridgeman Images/Keystone

hieróglifo: palavra de origem grega (hierós, 'sagrado'; e glýphein, 'escrita') que denomina a escrita usada pelos antigos egípcios em documentos sagrados, paredes de templos e túmulos. Junto com a escrita cuneiforme, os hieróglifos são considerados o mais antigo sistema organizado de escrita do mundo. Eles foram usados por mais de 3500 anos e a inscrição mais recente data de 394.

Par de sandálias datado do século I, encontrado na região do atual Israel. O artefato foi encontrado na fortaleza de Massada. Segundo relatos do historiador romano Flavio Josefo, essa fortaleza foi ocupada por judeus que resistiram à presença dos romanos na região. Esse fato dá pistas sobre hábitos de uma comunidade que ficou ali refugiada, seus gostos estéticos, a capacidade de manusear o couro e os meios que empregavam para ter acesso a esse material. Estudando aspectos da geografia e das condições ambientais, o historiador pode ainda estimar a real necessidade que os antigos ocupantes da fortaleza tinham de proteger os pés para pisar no solo daquele lugar. Pensando sobre as diferentes civilizações antigas

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2 Civilização

etnocentrismo: visão de mundo de quem considera a sua etnia ou nacionalidade superior ou mais importante do que as demais.

Para vários historiadores do século XIX, civilização era um conceito que se referia a um estágio avançado da cultura humana, em oposição ao estado de barbárie ou selvageria. Esse conceito fazia parte da ideia de progresso que prevalecia no Ocidente. Industrialização, dinamismo tecnológico e conquista de áreas coloniais eram outros conceitos que também faziam parte dessa ideia de progresso. Essa ideia de civilização era um reflexo do etnocentrismo, que considerava a Europa um modelo a ser seguido. Nesse contexto do século XIX, historiadores e estudiosos produziram versões eurocêntricas sobre o passado. Exemplo disso é o olhar expresso sobre a sociedade hindu no texto a seguir, que desconsidera que a Índia tinha sua própria história e produzira sua peculiar maneira de registrar o passado, com genealogias, biografias de monarcas, crônicas de dinastias e famílias dirigentes, entre outros elementos. James Mill escreveu em 1818 que não havia obras históricas na literatura dos indianos “porque não tinham alcançado o ponto de maturidade intelectual que permite começar a entender o valor de registrar o passado como guia para o futuro”. Hegel acrescentaria “que uma civilização de três mil anos, como a da Índia, que não foi capaz de escrever a própria história é incapaz de evoluir culturalmente”. Era evidente que os indianos precisavam de tutela para sair da estagnação.

Theo Szczepanski/Arquivo da editora

FONTANA, Josep. A história dos homens. Bauru: Edusc, 2004. p. 28.

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Saber histórico

Atualmente, “civilização” equivale ao produto material e cultural do trabalho humano e às transformações da natureza que ele promove. Refere-se especialmente às organizações sociais, políticas e simbólicas construídas pelo ser humano. Dessa forma, todas as culturas humanas podem ser consideradas civilizadas, sem que seja preciso compará-las à civilização ocidental. Essa perspectiva rompe com a visão evolucionista e eurocêntrica construída durante o período de conquistas pelos europeus e estabelece parâmetros para o estudo e a compreensão de outras civilizações desenvolvidas ao longo da História. Eventos como o extermínio de milhões de pessoas promovido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o lançamento de bombas atômicas sobre as cidades japonesas Hiroxima e Nagasáqui, em 1945, realizado pelos norte-americanos, bem como a corrida armamentista nuclear, protagonizada por povos “avançados” e “civilizados” durante o período da Guerra Fria, no século XX, mostraram que a associação de “civilização” com valores “superiores” e humanistas não era tão verdadeira como se pensava até então. Em outras palavras, civilização não é um estágio mais avançado que todos os povos teriam necessariamente de alcançar, como se fossem pessoas que passam por fases de crescimento e amadurecimento. Não é possível comparar as transformações das sociedades humanas com a evolução das espécies ou com o crescimento dos seres vivos. O que existe são diferentes culturas, que não podem ser comparadas, como se umas fossem classificáveis como melhores ou piores, ou mais ou menos “avançadas” do que outras.

É impossível representar todos os aspectos de uma civilização somente por uma imagem. Afinal, o termo engloba os modos de vida de um povo, e tudo o que a isso se relaciona: a língua e a escrita, os rituais, o jeito de pensar, as práticas de cultivo agrícola, os objetos e as instituições sociais, políticas e simbólicas. Nesta página, você pode observar, manifestações de duas civilizações que existiram em épocas e locais diferentes. David Bernstein Collections, Nova York, EUA/Werner Forman Archive/Bridgeman Images/Keystone

Luisa Ricciarini/Leemage/AFP

Detalhe de um manto do povo Paraca, datado do século I a.C. Esse povo viveu no litoral do atual Peru, entre 800 e 100 a.C. Dominava técnicas agrícolas e de irrigação, além da tecelagem e de bordados. Os estudos dos mantos usados em rituais funerários, encontrados envolvendo múmias, têm ajudado a compreender o sentido que atribuíam à morte.

Ruínas do Templo dos Obeliscos, datadas de 1600 a.C. Localizado no atual Líbano, mas foi construído à época da civilização fenícia. O nome do templo, de caráter religioso, vem da presença de mais de trinta obeliscos, construções de pedra em forma de ogiva. Pensando sobre as diferentes civilizações antigas

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Oriente Próximo e Oriente Médio: Mesopotâmia e Egito

Daniel Kalker/dpa/Corbis/Latinstock

Dedicado à deusa babilônica Ishtar e construído aproximadamente em 575 a.C., o Portal de Ishtar foi o oitavo portal da cidade mesopotâmica da Babilônia. Sua reconstrução, com material colhido das escavações, encontra-se no Museu do Pergamon, em Berlim, Alemanha. Há outras partes do portal em diversos museus do mundo: Istambul, Detroit, Paris (no Museu do Louvre), Nova York, Chicago, etc. Na foto, réplica erguida no local original, na região da antiga Babilônia, 100 km ao sul de Bagdá, no Iraque. Foto de 2015.

Antes de iniciarmos os estudos sobre Mesopotâmia e Egito, é importante destacar que, apesar das críticas ao eurocentrismo, muitas vezes nós continuamos a carregar algumas construções herdadas dessa visão tradicional e eurocêntrica da História. É o caso dos termos “Oriente Próximo” e “Oriente Médio”, denominações de regiões a leste da Europa que indicam se tais localidades estão próximas ou distantes do continente europeu. A Mesopotâmia se encontrava no território que hoje é ocupado pelo Iraque e pelo Irã. Ainda é forte a crença de que foi nessa região que surgiu a vida urbana, embora descobertas recentes tenham encontrado cidades ainda mais antigas do que as mesopotâmicas. No final do século XIX, a região era dominada pelo Império Turco Otomano, aliado da Alemanha, que, como todas as potências europeias na época, procurava expandir seu território ou sua influência sobre a África e a Ásia. Por isso os primeiros estudiosos das civilizações que ocuparam a região foram principalmente alemães, que fizeram escavações sistemáticas entre 1899 e 1917 (o Portal, ou Porta, de Ishtar, importante monumento mesopotâmico, foi levado para a Alemanha a fim de ser reconstruído e até hoje está em Berlim). Em 1920, após a Primeira Guerra Mundial e o esfacelamento do Império Otomano, a Mesopotâmia passou ao domínio inglês.

As escavações do fim do século XIX foram estimuladas pela decifração da escrita cuneiforme, encontrada em tábuas de argila no início daquele mesmo século. Isso possibilitou também o conhecimento sobre persas e fenícios, civilizações com 74

Saber histórico

protetorado: é um Estado posto sob a autoridade de outro. David Cole/Alamy/Glow Images

as quais os povos mesopotâmicos mantinham relações. O estudo dos caracteres cuneiformes permitiu aos pesquisadores, ainda, analisar textos legais, contratos de propriedade, produção e comércio, entre outros documentos. A civilização egípcia povoa a imaginação do Ocidente há cerca de três séculos. Está presente em referências arquitetônicas, filmes e desenhos animados. O Egito contemporâneo, localizado no nordeste da África, adquiriu papel estratégico a partir de 1869, por oferecer aos europeus passagem terrestre e marítima, pelo canal de Suez, para a Ásia. No final do século XVIII, Napoleão Bonaparte (1769-1821) ocupou o Egito para enfraquecer militar e comercialmente sua maior rival, a Inglaterra, controlando rotas comerciais terrestres e dificultando o domínio inglês da Índia. A expedição militar de Napoleão, que encontrou a Pedra de Roseta, já mencionada, durou de 1798 a 1801. Essa expedição contou com um grande número de estudiosos, que fizeram, pela primeira vez, um levantamento de informações e de objetos da antiga civilização local. Posteriormente, a Inglaterra, consolidada como maior potência econômica e militar do século XIX, foi impondo seu poder e influência sobre o Egito, até finalmente instalar funcionários ingleses em postos-chave do governo egípcio. Minada a soberania do país, o Egito tornou-se protetorado britânico em 1914. Nesse período, estudiosos ingleses foram os principais responsáveis pelas pesquisas arqueológicas em território egípcio.

A época da colonização e dominação das potências europeias sobre nações asiáticas e africanas foi também o período da transferência de diversos objetos históricos e arqueológicos desses povos antigos para os principais museus da Europa, especialmente da Inglaterra, da França, da Alemanha e do Vaticano. A foto, de 1922, registra a abertura da tumba do faraó Tutancâmon, em Luxor, no Egito, uma das descobertas mais importantes dessa época, feita pela equipe dos ingleses lorde Carnavon e Howard Carter. Pensando sobre as diferentes civilizações antigas

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O Extremo Oriente: êndia e China

Vmenkov/Acervo do fotógrafo

Réplica de um ba chuan construída em tamanho real. O navio tem cerca de 63 metros de comprimento e está exposto em Najing, China. Foto de 2011.

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Saber histórico

Por muito tempo, o Extremo Oriente não passava de uma nota de rodapé em grande parte dos livros de História Geral, que se dedicavam apenas às civilizações antigas mais próximas da Europa. Mesmo assim, alguns historiadores perceberam que aquela História “Geral” estava deixando de lado grandes grupos humanos para os quais a Europa dava pouca ou nenhuma importância até poucos séculos antes. Hoje, essa questão não pode ser mais ignorada, já que a maior parte da população mundial – e uma parte cada vez mais expressiva da economia planetária – está nos países da Ásia. Conhecer a origem de alguns desses povos nos ajuda a compreender melhor o mundo em que vivemos, bem como a olhar a experiência humana de ângulos diferentes daqueles com que estamos acostumados. Vamos ilustrar esse desinteresse da maioria dos historiadores por povos que não tinham relação direta com a Europa com um exemplo que ocorreu no século XV. Por volta do ano 1400, o imperador chinês Zhong Di (1360-1424), da dinastia Ming, liderava um poderoso império cuja organização política era distinta da que existia na Europa, onde os povos estavam divididos em reinos com seus feudos, aldeias e pequenas cidades. Por ordem do poderoso imperador, foram construídos cerca de 300 ba chuans, navios gigantescos para a época, com aproximadamente 150 metros de comprimento. Nesse período, os chineses haviam aprimorado as técnicas de guerra e de navegação, entre outras. Uma frota desses navios de guerra partiu de Nanquim em 1421, atravessou o oceano Índico e passou pela costa da África, chegando até a porção sul do continente, já no Atlântico. Essa viagem percorreu o dobro da distância da viagem em que Colombo (1451-1506) chegaria à América, realizada setenta anos depois. Portanto, essa armada de ba chuans conseguiu fazer uma viagem de circum-navegação antes dos europeus.

Por que a viagem dos chineses parece uma grande novidade para nós, que nos acostumamos com a ideia de que os europeus foram os primeiros conquistadores a chegar ao continente americano? O importante é percebermos que, além de desconhecimento das e/ou desconsideração pelas culturas alheias, existiu também entre os historiadores europeus um profundo desejo de contar a história como se nada houvesse de mais antigo ou de mais importante que a Europa antes do século XVI. Para ir além dessa visão centrada nos acontecimentos europeus, o estudo da Antiguidade aqui proposto inclui a Ásia, representada pela China e pela Índia. Obviamente outras civilizações significativas existiram nessa parte do mundo ao longo dos últimos 5 mil anos.

América e África

Ruínas da cidade de Gedi, localizada no Malindi, Quênia. Foto de 2011. Thomas Cockrem/Alamy/Glow Images

Antigos livros brasileiros de História começavam com a chegada dos espanhóis e portugueses à América. Com isso, afirmavam implicitamente a ideia de que os europeus haviam trazido a História ao continente e que antes disso existiria apenas uma Pré-História pouco interessante. Essa visão deixava de lado civilizações e experiências humanas, desconsiderando suas histórias. Aos poucos, arqueólogos e historiadores estão recuperando o passado dos grupos que viviam como caçadores-coletores nômades, das aldeias que começavam a experimentar a agricultura e das civilizações que haviam erguido grandes cidades na América antes da chegada de Colombo. Vimos que a História tradicional do Ocidente era marcada por uma visão eurocêntrica que considerava irrelevante a história de outras regiões. Esse olhar foi impulsionado desde a Antiguidade, época em que a região mediterrânea era considerada o centro do mundo. A partir de então, a África passou a ser vista como um território distante, de menor importância. Ao estudar culturas antes vistas como “secundárias”, colabora-se para o entendimento de que a história dos continentes americano e africano é rica e diversificada.

Pensando sobre as diferentes civilizações antigas

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Antiguidade clássica: Grécia e Roma

Manuel Cohen/AFP

As civilizações grega e romana são consideradas a base histórica e cultural do que hoje chamamos de Ocidente. Das civilizações antigas, essas são as mais acessíveis aos pesquisadores porque muitas fontes escritas e ruínas foram preservadas. Mas outro fator explica por que conhecemos melhor Grécia e Roma do que todas as outras civilizações antigas. A História moderna surgiu na Europa por volta do século XVIII, e as primeiras buscas por origens feitas pelos colecionadores, eruditos e escritores de então se referiam ao legado das civilizações europeias antigas: Grécia e Roma. O próprio fato de serem civilizações importantes na origem do cristianismo, religião fundamental para entender a história europeia ocidental, também foi um incentivo a essas pesquisas, somado ao fato de que estudiosos e ordens religiosas cristãs ajudaram a preservar boa parte das obras da cultura clássica. Juntando experiências históricas tão diversas como essas que mencionamos neste Saber histórico, você poderá entender de forma mais ampla o surgimento das cidades, o domínio crescente sobre a natureza, a formação de cidades-Estado, reinos e grandes impérios, a complexidade crescente da arte e da cultura, o aprimoramento das regras de convivência — em síntese, as bases mais remotas do mundo em que vivemos.

Vista de parte do Fórum Romano, espécie de praça localizada no centro da cidade de Roma, Itália, que conta com diversas construções públicas. Uma dessas construções é o Templo de Saturno, que aparece ao centro da imagem. Foto de 2015.

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Saber histórico

CAPÍTULO

3

O Crescente Fértil e a Pérsia Andre Dib/Pulsar Imagens

Foto aérea da cidade de Boa Vista, Roraima, de 2014. O traçado urbanístico, em forma de leque, foi desenvolvido para que o antigo povoado e sede de uma fazenda de gado do século XIX atendesse a uma nova finalidade: a de capital do Território Federal do Rio Branco, criado em 1943.

Em geral, as cidades se formaram e se desenvolveram em função de diferentes fatores, como a existência de recursos naturais propícios para a sobrevivência de seus habitantes e a implantação de espaços de governança, de aprendizado, de templos religiosos. Uma cidade até poderia se formar em áreas próximas a lugares considerados sagrados. E a cidade onde você vive? Quais fatores contribuíram para a formação e para o desenvolvimento dela? 79

1 Dos grupos nômades às cidades As mais antigas cidades surgiram entre 8 mil anos e 10 mil anos atrás. Em 1800, há pouco mais de 200 anos, a taxa mundial de urbanização era de aproximadamente 2%. Segundo dados da ONU, essa taxa de urbanização mundial em 2014 era de cerca de 54% e estima-se que em 2050 chegará a mais de 66%. No Brasil essa taxa já é hoje superior a 85%, bem maior que a da Europa, que é de 75%. E como teriam surgido as primeiras cidades? O texto abaixo aponta algumas teses sobre isso: Em seu clássico A cidade na Hist—ria, Lewis Mumford defende algumas teses fascinantes sobre a origem das cidades. Entre outras, afirma que a cidade dos mortos (necrópolis) antecedeu a cidade dos vivos (pólis). As verdadeiras fundadoras de cidades e civilizações teriam sido as mulheres, que cultuavam seus mortos em lugares aos quais, mesmo em períodos de nomadismo, voltavam com regularidade, erguendo santuários para aqueles que haviam partido deste mundo. As mulheres ainda procuravam lugares seguros e protegidos para dar à luz, lugares esses simbolizados pelo círculo, remetendo à cidade com muralhas. A cruz, a grade ou o tabuleiro representariam de forma mais imediata as ruas da cidade e, metaforicamente, a ousadia, o expansionismo dos homens, sua atitude conquistadora e guerreira. Por isso, não surpreende que os hieróglifos de mulher, casa e cidade se confundem.

Como vimos, em diversos locais e em momentos distintos certos agrupamentos humanos começaram a trocar a caça e a coleta pela pecuária e pela agricultura. Com essas novas atividades, já não precisavam se locomover constantemente em busca de alimento. Tornaram-se sedentários, isto é, estabeleceram moradias fixas. Isso não significa que a mudança tenha sido repentina, ou que as atividades de caça e coleta tenham sido totalmente eliminadas. Especialistas concordam que essas diferentes atividades (caça, coleta, domesticação de animais e agricultura) conviveram, mas aos poucos a fixação à terra tornou-se predominante. No Neolítico, com a sedentarização e o desenvolvimento da agricultura, formaram-se aldeias. Graças à conservação e armazenagem de gêneros alimentícios, tornou-se possível ter alguma segurança diante do risco de más colheitas. Além disso, a produção agrícola e a criação de animais permitiam alimentar aqueles que não trabalhavam diretamente no campo. Como nem todos precisavam dedicar-se à agricultura, as atividades se diversificaram e ampliou-se a separação entre os espaços rural e urbano. Boas colheitas dependiam da irrigação do solo. Por isso, era comum que essas comunidades se localizassem perto de rios que tinham fluxo abundante de água, pelo menos durante parte do ano.

FREITAG, Bárbara. Utopias urbanas. Conferência de encerramento do IX Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia, em 2001. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2015.

Onde e quando

Banco de imagens/Arquivo da editora

Formação de dois reinos: Alto e Baixo Egito

Unificação do Alto e Baixo Egito

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Cananeus e hebreus Domínio do Egito na Palestina pelo Reino de Dominação Indo-europeus no Hegemonia Kush da Núbia romana planalto do Irã de Tiro Guerras sobre a Primeiro Império Médicas Palestina Babilônico

± 4000 a.C. ± 2500 a.C. ± 3500 a.C. ± 3200 a.C. ± 2000 a.C a 1595 a.C.

Formação das primeiras cidades-Estado sumérias

Hegemonia de Biblos

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

80

Capítulo 3

± 1500 a.C.

Hegemonia de Sídon

± 926 330 612 a.C. a.C. a.C. ± 1100 a.C. ± 800 a.C. 490 a.C.

Cisma: Israel e Judá

Segundo Império Babilônico Império Persa é conquistado por Alexandre Magno

70 a.C.

Jason Quinlan/Catalhoyuk Research Project

Estima-se que as aldeias do Neolítico começaram a ser formadas há cerca de 11 mil anos. Uma delas, a de Çatal Hüyük, foi descoberta na década de 1960, em escavações na Turquia. Calcula-se que ela tenha existido há cerca de 10 mil anos e que reuniu de 5 mil a 10 mil habitantes. Em escavações recentes, pesquisadores iugoslavos encontraram, na atual Sérvia, um conjunto de vilas do Neolítico denominado Lepenski Vir. Estimase que ele tenha existido há 8,5 mil anos. A existência de aldeias e cidades de períodos mais recentes (desde cerca de 4 mil anos atrás) foi registrada também em regiões da Índia, da China, do Egito e da América. Escavações em Çatal Hüyük, na atual Turquia. Foto de 2013.

2 Das cidades aos reinos e impérios Neste e nos próximos capítulos, abordaremos aspectos de algumas civilizações da Antiguidade. Longe de pretender esgotar o assunto, queremos apenas evidenciar alguns sinais da trajetória humana nesse período, marcado pela formação de cidades em diferentes lugares do mundo. Com elas, novas atividades ganhavam vida. Nas cidades estavam as construções públicas (ruas, pontes, templos, praças), o comércio (mercados e portos) e a sede do governo (palácios). Geralmente eram cercadas por muralhas, demarcando seus limites com o campo da agricultura e do pastoreio. As muralhas também protegiam as cidades de invasões e ataques.

A civilização mesopotâmica A Mesopotâmia situa-se no Oriente Médio, entre os rios Tigre e Eufrates, na região conhecida como Crescente Fértil. Como o nome sugere, trata-se de uma região fértil, embora localizada em meio a montanhas e desertos. Mesopotâmia vem do grego (meso = meio; potamos = água) e significa “terra ou região entre rios”. Crescente FŽrtil: região de terras férteis formada por um arco semelhante à Lua em quarto crescente e que vai do Egito ao norte do golfo Pérsico, passando pela costa oriental do mar Mediterrâneo e por toda a Mesopotâmia.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Crescente Fértil 30º L M

on te s

Rio Eufra te

Mar Mediterrâneo

Rio Tigre

DESERTO DA ARÁBIA

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Rio Nilo

30º N

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Crescente Fértil Mar Vermelho

230

460

Mesopotâmia

km

Adaptado de: ALBUQUERQUE, M. M. de; REIS, A. C. F.; CARVALHO, C. D. de. Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: Fename, 1979. p. 73.

O Crescente Fértil e a Pérsia

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Aspectos da economia, sociedade e cultura na Mesopotâmia

Ao longo de milhares de anos, cidades-Estado, reinos e impérios foram formados. Durante todo esse período, a agricultura foi a principal atividade econômica praticada pela população da Mesopotâmia, mas o comércio e o artesanato também tiveram um desenvolvimento significativo. Nas primeiras cidades estabelecidas na região mesopotâmica, emergiram lideranças com a responsabilidade de cuidar dos canais de irrigação, da justiça e da burocracia. Não havia separação entre a vida prática, do dia a dia, e a vida religiosa. Todos prestavam serviços aos deuses e à administração locais, aumentando o poder das duas principais instituições mesopotâmicas: o templo e o palácio. Cabia a elas a maior parte das terras, além da responsabilidade de cuidar da tributação e da redistribuição dos excedentes agrícolas. Nos diferentes reinos e impérios que ali se formaram, a estrutura social tinha em seu topo uma elite que controlava a parcela da população submetida ao trabalho compulsório. Essa elite, independentemente da etnia, dominava os grupos sociais por meio de um governo despótico, centralizado e teocrático, ou seja, associava-se a autoridade do governante à religiosidade. Quanto aos escravos, seu número foi bastante elevado em certos períodos, principalmente sob o Império Assírio.

ESSAM AL-SUDANI/Agência France-Press

Quanto à organização socioeconômica, há grandes semelhanças entre as civilizações que floresceram na Mesopotâmia e no Egito, que estudaremos a seguir. Entretanto, algumas diferenças geográficas influenciaram o desenvolvimento de ambas. Situado entre dois desertos no nordeste da África, o território ocupado pelos egípcios estava sob um relativo isolamento geográfico, o que lhes possibilitou longos períodos de estabilidade política. A Mesopotâmia, por sua vez, é ainda hoje uma região aberta a invasões. Além disso, o regime de cheias dos rios Tigre e Eufrates não é regular. Na região banhada por eles, inundações violentas e períodos de seca são frequentes. Os primeiros vestígios de sedentarismo humano na Mesopotâmia datam de aproximadamente 10000 a.C. Com o crescimento populacional e a formação dos primeiros núcleos urbanos da região, foi desenvolvido um complexo sistema hidráulico, que tornou possível a drenagem de pântanos e a construção de diques e barragens, destinados a evitar inundações e armazenar água para épocas de seca. O sucesso das atividades produtivas levou à formação de grandes cidades com mais de mil habitantes, como Uruk, já por volta de 4000 a.C. Essas cidades tinham principalmente função militar. Elas protegiam a riqueza gerada pela agricultura e exerciam o controle político da região.

Sítio arqueológico de Uruk, situado na região sudeste da antiga Mesopotâmia, em 2010.

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Capítulo 3

despótico: relativo a despotismo, forma de governo baseada no poder absoluto e arbitrário de um único governante. teocrático: forma de governo no qual o poder político está baseado no poder religioso ou no qual o governante é considerado um deus ou um representante de Deus ou dos deuses.

A religião mesopotâmica servia de ligação entre a população e os governantes. Os sacerdotes (templo) tinham importante função política e o governante (palácio) era considerado um representante dos deuses. Os povos da antiga Mesopotâmia eram politeístas, ou seja, adoravam vários deuses, que representavam forças da natureza. Acreditavam que esses deuses – que habitariam os zigurates, templos em forma de pirâmides – podiam interferir em sua vida, causando o bem e o mal. Ishtar, deusa da chuva, da primavera e da fertilidade, era particularmente importante (ver foto do Portal de Ishtar na página 74). Havia também deuses próprios de cada cidade. Além de morada dos deuses, os zigurates abrigavam celeiros e oficinas. Serviam também de torres de observação dos céus. Ali eram feitos cálculos do movimento de planetas e estrelas.

Richard Ashworth/Robert Harding Heritage/AFP

Por meio da observação do céu, os mesopotâmicos desenvolveram os princípios da Astronomia e da Astrologia, além de elaborarem um calendário que dividia o ano em doze meses e a semana em sete dias. Na região mesopotâmica, despontaram muitos sábios, responsáveis, dentre outras coisas, pelo desenvolvimento dos cálculos algébricos, pela divisão do círculo em 360 graus e pelo cálculo da raiz quadrada e cúbica dos números. As primeiras obras arquitetônicas nas quais foi introduzido o uso de arcos e a decoração em baixo-relevo também estão em cidades da Mesopotâmia. Destaca-se, ainda, o surgimento de poemas e narrativas épicas, como A epopeia de Gilgamesh. Esse texto, considerado por alguns estudiosos a narrativa escrita mais antiga de que se tem notícia (c. 2000 a.C.), conta as aventuras do lendário rei sumério Gilgamesh, de Uruk. Em um dos episódios, o texto apresenta a narrativa do dilúvio, recorrente em muitas culturas. O mesmo episódio, por exemplo, está presente no Antigo Testamento, que faz parte da Bíblia, livro sagrado de judeus e cristãos.

Zigurate de Ur, em Nasiriya, no atual Iraque. Foto de 2015. Construído em homenagem ao deus da Lua, Nanna, entre 2113 e 2096 a.C., o Zigurate de Ur é o mais bem conservado da Mesopotâmia. narrativa do dilúvio: narrativa mítica presente em diversas culturas em que uma ou várias divindades enviam uma grande inundação para destruir a civilização. A maioria dessas narrativas conta com uma espécie de herói que representa a vontade de sobrevivência da humanidade.

Evolução política No fim do Neolítico, diversas cidades já haviam sido criadas na Mesopotâmia, todas elas autônomas e habitadas por sumérios,, povo oriundo do vizinho planalto do Irã. Ur, Nipur e Lagash, além da já citada Uruk, foram os principais centros urbanos (veja a planta de Nipur a seguir).

Jörg Kantel/Coleção particular

Planta da cidade sumeriana de Nipur, feita em tábua de argila (c. 1600 a.C.). Abaixo, reprodução da planta com identificação dos principais pontos.

7 3

15 8

9

1 e 2

5 2

3

Santuário

4

Parque

5

Rio Eufrates

6

Grande Recinto (talvez do palácio real)

10 1 11 6 14 13

4

Templos

7 e 8 Canais 9 a 15 Portos

12

Adaptado de: BARBERIS, Carlo. Storia Antica e Medievale. Milão: Casa Editrice G. Principato S.p.A., 1997. p. 37. v. 1.

O Crescente Fértil e a Pérsia

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Leituras O texto a seguir trata da origem do sistema de escrita criado pelos povos mesopotâmicos. Leia-o com atenção.

Dos pictogramas à escrita cuneiforme A escrita mesopotâmica inicial empregava pictogramas, associando uma forma ou imagem a cada palavra ou ideia, semelhante ao que ocorria no sistema egípcio de hieróglifos. Essa escrita, chamada de “Uruk IV”, descoberta ao sul da Mesopotâmia, data de 3000 a.C. As inscrições encontradas eram principalmente listas de cabeças de gado e de equipamentos agrícolas. Por volta de 2500 a.C., o sistema de escrita aproximou-se de uma representação das palavras, com símbolos gravados na argila feitos com um caniço cortado ou estilete. Esse sistema era capaz de representar não apenas palavras isoladas, mas também valores fonéticos – ou seja, as formas podiam representar sons. Com o tempo, os símbolos cuneiformes foram simplificados e convencionados, o que facilitou sua representação em diferentes línguas. RATHBONE, Dominic. História ilustrada do mundo antigo. São Paulo: Publifolha, 2011. p. 96.

Por volta de 2400 a.C., o povo acádio, que já vinha se introduzindo na região havia algum tempo, dominou a Mesopotâmia, incorporou a cultura dos sumérios e manteve a supremacia por, aproximadamente, três séculos. Entre os vários reis dessa etnia destacou-se Sargão I, que estendeu os domínios acádios do Golfo Pérsico à região do atual Líbano, às margens do mar Mediterrâneo. Porém, contínuas invasões estrangeiras desestabilizaram o Império Acádio, por volta de 2230 a.C. Ao enfraquecimento do poder central, seguiu-se mais à frente a predominância sumeriana do poder de Ur (2112 a.C.-2004 a.C.), que sucumbiu após novas invasões. Revoltas de povos dominados e a invasão dos amoritas, povo proveniente da região noroeste, entre o rio Eufrates e o território da atual Síria, alteraram a suprema84

Capítulo 3

cia política na região. A partir de 1950 a.C., uma sucessão de reis amoritas deu origem a uma nova dinastia. Hamurabi (c. 1810 a.C.-1750 a.C.) foi o governante amorita de maior destaque. Entre 1792 a.C. e 1750 a.C., ele manteve uma extensão territorial que ia do golfo Pérsico até a Assíria sob seu domínio, formando o que ficou conhecido como Primeiro Império Babilônico. Durante esse período, a cidade de Babilônia, capital do império, tornou-se um dos principais centros urbanos e políticos da Antiguidade. Sob seu reinado, Hamurabi estabeleceu um código de leis escritas buscando unificar a legislação. O Código de Hamurabi determinava penas para delitos domésticos, comerciais, ligados à propriedade, à herança, à escravidão e a falsas acusações. As punições se baseavam na lei de talião, que pregava o princípio do “olho por olho, dente por dente”. Assim, elas deveriam ser, na medida do possível, semelhantes aos delitos cometidos, embora pudessem variar conforme a posição social e econômica da vítima e do infrator. Para um ladrão, por exemplo, a pena era ter uma das mãos cortada. Veja alguns destaques do código de Hamurabi na página ao lado. Ao declínio do Primeiro Império Babilônico seguiram-se invasões de diversos povos. Observe no mapa da página ao lado a localização de alguns desses povos. Os assírios, conhecidos por seu forte caráter militar, chegaram a fundar um império que durou de 1307 a.C. a 609 a.C. Já os caldeus, fundadores do Segundo Império Babilônico, ficaram famosos pelas seguidas conquistas e pelo gover-no de Nabucodonosor (604 a.C.-561 a.C.), com suas obras urbanas na Babilônia. Esse poderio não foi capaz de conter as tropas dos conquistadores persas comandadas por Ciro, o Grande (c.559a.C.-529a.C.). No século VI a.C., a Babilônia foi integrada ao Império Persa. Bridgeman Images/Keystone

As cidades eram governadas por patesis, misto de chefes militares e sacerdotes que exerciam o controle sobre a população, cobrando impostos e administrando as obras hidráulicas. Os sumérios criaram a escrita cuneiforme, para registrar suas transações econômicas.

Relevo do século IX a.C. retratando um encontro entre o rei assírio Salmanaser III (que governou entre 859 a.C. e 824 a.C.) e um babilônico.

Artigos do Código de Hamurabi

O Código de Hamurabi, em escrita cuneiforme, foi esculpido em um bloco de rocha. Em sua parte superior, há uma representação de Hamurabi em frente ao deus sumeriano do Sol. Atualmente, faz parte do acervo do Museu do Louvre, em Paris, na França. Foto de 2011.

Museu do Louvre, Paris/Erich Lessing/Album/Latinstock

Art. 200. Se um homem arrancou um dente de um outro homem livre igual a ele, arrancarão o seu dente. Art. 201. Se ele arrancou o dente de um homem vulgar, pagará um terço de uma mina de prata. Art. 229. Se um pedreiro edificou uma casa para um homem, mas não a fortificou e a casa caiu e matou o seu dono, esse pedreiro será morto. Art. 230. Se causou a morte do filho do dono da casa, matarão o filho desse pedreiro. Art. 231. Se causou a morte do escravo do dono da casa, ele dará ao dono da casa um escravo equivalente. Art. 232. Se causou a perda de bens móveis, compensará tudo que fez perder. Além disso, porque não fortificou a casa que construiu e ela caiu, deverá reconstruir a casa que caiu com seus próprios recursos. Código de Hamurabi. Bauru: Edipro, 1994. p. 36 e 38. (Clássicos).

mina: medida de peso equivalente a cerca de 500 gramas.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Povos da Mesopotâmia do IV ao II milênio a.C. Mar Cáspio Principais cidades-Estado entre 2900 a.C. e 2390 a.C.

Mardos Cáspio Unificação sumérios por volta de 2380 a.C. Império dos acádios e principais cidades (entre 2375 a.C. e 2200 a.C.) Império Sumério de Ur (aproximadamente entre 2112 a.C. e 2004 a.C.) Império Babilônico de Hamurabi (1792 a.C. a 1750 a.C.)

Karkemish Nínive

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115

230

km

30º N

40º L

Golfo Pérsico Adaptado de: ATLANTE storico de Agostini. Novara: Istituto Geografico de Agostini, 2005. p. 4.

O Crescente Fértil e a Pérsia

85

atenção! Não escreva no livro!

Atividades Retome 1.

Com o propósito de estudar as civilizações antigas, os historiadores se debruçam sobre dois tipos de vestígios deixados pelas pessoas que viveram no passado: os voluntários e os involuntários. Qual é a diferença entre eles?

2. A Pedra de Roseta, encontrada por uma expedição científica e militar francesa no Egito em 1799, foi um dos achados arqueológicos mais importantes para os futuros estudos sobre a antiga civilização egípcia. O que é a Pedra de Roseta e por que ela é tão importante?

3. Em todas as principais cidades da Mesopotâmia, dois edifícios se destacavam e dominavam a paisagem: o palácio e o zigurate. Quais eram as funções do zigurate?

Pratique

pela sua “função globalizante”. A Europa pode ter sido, de modo consistente e por longo tempo, um recanto atipicamente arriscado do planeta – mas as aventuras em que ela se lançou em mais de dois milênios de história “mostraram-se decisivas para o conjunto da humanidade”. Com efeito, tentem imaginar a história do mundo sem a presença da Europa. BAUMAN, Zygmunt. Europa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. p. 14-15.

a) Para Bauman, que papel a Europa desempenhou na formação do mundo contemporâneo? b) Releia o tópico “Civilização”, na seção Saber histórico que antecede este capítulo, p. 72, e estabeleça uma relação entre a avaliação feita por Bauman e a seleção e organização dos currículos escolares de História.

5. A imagem abaixo é uma reconstituição gráfica da ci-

4. Leia o trecho abaixo, extraído do livro Europa, escrito pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Depois, faça o que se pede:

Museu Real de Ontário, Canadá/© 2013 Byzantium 1200

Como Denis de Reugemont decisivamente afirmou, a Europa descobriu todas as terras do planeta, mas nenhuma delas jamais descobriu a Europa. Ela dominou sucessivamente todos os continentes, mas nunca foi dominada por nenhum deles. E ela inventou uma civilização que o resto do mundo tentou imitar ou foi compelido pela força a reproduzir, mas o processo inverso nunca aconteceu (pelo menos até agora). Todos esses são os “fatos duros” de uma história que nos trouxe, juntamente com o resto do planeta, ao lugar que todos nós compartilhamos hoje em dia. Pode-se definir a Europa, sugere De Reugemont,

Templo de Marduk

dade da Babilônia sob o reinado de Nabucodonosor. Observe como a cidade foi organizada e distribuída pelo terreno. Identifique os principais edifícios, observando sua localização e posição em relação às construções vizinhas. Fique atento aos limites da cidade e ao que há além deles. Em seguida, responda às questões.

a) Quais são as principais construções da cidade? b) O que diferencia essas construções das demais? c) O que você pode reconhecer para além das muralhas da cidade? d) Com base no que vemos na reconstituição da cidade, podemos inferir se a região estava sujeita a ameaças externas ou se era segura e pacífica? Por quê? e) A planta da Babilônia nos oferece pistas acerca do tipo de governo que existia na cidade? Justifique.

rio Eufrates

muralhas externas

Zigurate Portão de Ishtar

Palácio real muralhas internas

86

Capítulo 3

Essa reconstrução da cidade antiga da Babilônia foi criada para uma exposição sobre a Mesopotâmia exibida no Museu Real de Ontário em 2013.

Algumas décadas atrás estudiosos afirmavam que tal fixação ao longo do rio Nilo havia sido possível com a incorporação de realizações neolíticas (agricultura e domesticação) advindas de experiências da região mesopotâmica, levadas para o norte do Egito. Essa hipótese para explicar a fixação de populações ao longo do Nilo recebeu o nome de hipótese oriental. Mais recentemente, vários arqueólogos e historiadores começaram a defender outra ideia: a fixação ao longo do rio Nilo teria ocorrido em razão de realizações dos próprios povos africanos da região. Essa é, portanto, a hipótese africana que explica a origem egípcia. Estudiosos destacam também que a escrita e as mais típicas tradições culturais e políticas do Antigo Egito se originaram no próprio continente africano, em épocas anteriores, no sul do Egito. Com o aumento populacional no Neolítico, tornaram-se necessárias obras hidráulicas, como a construção de diques e canais, para o cultivo agrícola. Segundo pesquisas arqueológicas e históricas, a organização do trabalho às margens do Nilo, a construção de diques e outras obras foram realizadas inicialmente pelas coletividades locais e regionais conhecidas como nomos. Mais tarde, ficaram a cargo de uma estrutura governamental mais complexa e os nomos transformaram-se em regiões administrativas, econômicas e religiosas do Egito antigo. Os governantes dos nomos eram chamados de nomarcas. Rio Nilo (extensão de 6,7 mil quilômetros) E U R O P A Maadi Gerzea

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Á S I A

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International Space Station (ISS)/NASA

hœmus: matéria orgânica depositada nas margens dos rios; espécie de adubo natural.

Rio Nil

Há 20 000 anos o mundo passava pela Idade do Gelo (Era Glacial), com grandes áreas encobertas por geleiras, como o norte da Europa, a América e a Ásia. Alguns estudiosos apontam que, nessa época, existia um grande lago no nordeste da África que englobava boa parte da área desértica que se estendia até o atual Nilo. Mudanças climáticas importantes ocorridas entre 15 000 e 10 000 anos atrás recuaram as geleiras e transformaram essa região, fazendo o grande lago recuar para o leito do rio Nilo. Nesse processo, os remotos “colonos” neolíticos seguiram as transformações naturais e fixaram-se ao longo do rio Nilo. A civilização egípcia floresceu às margens do rio Nilo, no extremo nordeste da África, em região desértica. Graças à proximidade do rio, os egípcios se beneficiaram de seu regime de cheias. Durante certos meses do ano, abundantes chuvas na nascente do rio, ao sul, provocavam o transbordamento das águas. O consequente depósito de húmus fertilizava suas estreitas margens. Ao final do período de cheias, o rio voltava ao leito normal e as margens, naturalmente fertilizadas, tornavam possível uma rica agricultura.

Banco de imagens/Arquivo da editora

A civilização egípcia

Nagada Hieracômpolis

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Rio Nilo

Trópico de Câncer

Á F R I C A

Vista noturna da região do vale do rio Nilo obtida por satélite em 2010. A grande concentração de luzes indica a ocupação dessa área.

0 OCEANO ATLÂNTICO

640 km

1 280

Lago Vitória

OCEANO ÍNDICO 50º L

Adaptado de: DUBY, G. Atlas histórico mundial. Madri: Debate, 1989. p. 6.

O Crescente Fértil e a Pérsia

87

Vários estudiosos afirmam que o Estado egípcio foi precedido por intensa urbanização. Entre os indícios mais antigos segundo os estudos arqueológicos estão os sítios arqueológicos de Maadi e Gerzea, ao norte, e os de evolução urbana mais acentuada são os de Nagada e Hieracômpolis, ao sul (ver mapa na página anterior). A atuação dos nomarcas, a expansão das atividades agrícolas, graças às obras de irrigação e drenagem, e as seguidas disputas regionais contribuíram para a união dos nomos. Esse processo originou, perto de 3500 a.C., dois reinos: o do Alto Egito, ao sul, e o do Baixo Egito, ao norte, na região do delta do Nilo. Séculos depois, aproximadamente em 3200 a.C., deu-se a unificação do Estado egípcio, o primeiro reino unificado de que se tem conhecimento. Acredita-se que

um chefe do Alto Egito uniu os dois reinos, subordinando os cerca de quarenta nomos e tornando-se o primeiro fara—. Há dúvidas sobre seu nome, tendo sido mais comumente atribuídos os nomes Menés ou Narmer (em grego). O nome Menés aparece em alguns registros, como a Lista Real de Abydos e o Papiro de Turim, mas sua existência, assim como sua identidade como Narmer, não foi confirmada por nenhum achado arqueológico. Inicialmente, a cidade de Tínis foi a sede do novo Estado, e mais tarde, Mênfis. faraó: termo de origem egípcia que significa 'casa grande' ou 'grande morada'. Inicialmente, denominava o palácio do rei; depois passou a denominar o título dos reis. É importante destacar que a palavra só passou a ser usada a partir do Novo Império (depois de 1580 a.C.).

Leituras Muitos estudiosos apontam a cidade de Hieracômpolis, cuja formação ocorreu por volta de 3800 a.C., como ponto de partida para a unificação do Estado egípcio.

A hipótese Pan-Africana […] a civilização egípcia teve suas raízes na própria África, e não necessariamente por influência da Mesopotâmia. Essa é a hipóteses que aqui chamamos de Hipótese Pan-Africana. Nessa série de novas investigações, o sítio da antiga Hierakonpolis – do grego polis (cidade) e hierakon (falcão) – tem se mostrado como um dos mais importantes. Chamado pelos egípcios de Nekhen, o local sempre foi associado pelos especialistas ao nascimento da monarquia e do Estado faraônico. Diversos objetos ali prospectados testemunham que os primeiros faraós tinham ligações com o local. […] Outro objeto depositado em Hierakonpolis é uma cabeça que, segundo muitos, seria do faraó Narmer, o fundador da I Dinastia […]. Chamam particular atenção os traços da figura, muito próximos daqueles de alguns grupos dos africanos negros. Os pan-africanistas, inclusive, seguidamente apresentam essa cabeça como sendo uma das evidências que os egípcios pertenciam à raça negra. Essa, aliás, é uma das controversas questões sobre a civilização egípcia. A que raça os egípcios pertenceram? Uma pergunta que está longe de ser resolvida.

A imagem ao lado mostra uma das faces da Paleta de Narmer, um alto-relevo de 63 centímetros, possivelmente uma placa cerimonial egípcia. Encontrada em 1898 pelo britânico James Quibell em escavações realizadas em Hieracômpolis, antiga cidade do Alto Egito. Seus relevos representam a unificação do Alto e do Baixo Egito e o primeiro faraó e rei unificador. O faraó agarra pelos cabelos um homem ajoelhado a seus pés, que simbolizaria o inimigo, as regiões conquistadas.

88

Capítulo 3

We r Mu ner Fo seu r Eg’p man A cio, rchiv Cair e/G o, E low gito Ima ges . /

DOBERSTEIN, Arnoldo W. O Egito antigo.. Porto Alegre: Edipurs, 2010. p. 9 e 44.

Aspectos da economia, sociedade e cultura

papiro: planta com a qual se fazia um papel de mesmo nome; também era utilizado na fabricação de cestos e redes, além de servir de alimento. Suronin/Shutterstock

Ao longo dos milhares de anos da história antiga egípcia, prevaleceu a servidão coletiva. Portanto, os camponeses eram obrigados a realizar grandes obras de irrigação coordenadas pelo Estado, além de construir depósitos para armazenagem, templos, palácios e monumentos funerários. Esses trabalhos eram feitos quase sempre na época das cheias do Nilo, quando as atividades agrícolas eram interrompidas temporariamente. O Egito era grande produtor de cereais, em especial trigo, algodão, linho e papiro. Havia criações de cabras, carneiros e gansos, e o rio oferecia a possibilidade da pesca. Praticava-se o artesanato e a produção de tecidos e vidros. A construção naval também era significativa. A organização da sociedade era bastante rígida. Com o início do período dinástico – o Império Egípcio –, a partir da unificação, o faraó passou a concentrar todos os poderes e a maior parte das terras, sendo considerado um deus vivo. Tratava-se, portanto, de uma monarquia teocrática. O governante se impunha como senhor supremo do Egito, exercendo o papel de chefe de um

Estado centralizado. Controlava a economia, com funcionários que administravam templos, terras, pessoas, barcos, rebanhos e cobravam tributos e trabalhos. Os nomarcas, que acumulavam grandes riquezas e tinham importante poderio regional, disputaram em alguns momentos esse poder com os faraós. Mas acabaram se tornando representantes do poder central, administrando aldeias e cidades, arrecadando impostos e fazendo cumprir as decisões do faraó. Logo abaixo dos nomarcas na hierarquia estavam os sacerdotes, os grandes burocratas (funcionários do Estado) e os chefes militares. Em seguida, vinha a baixa burocracia, formada pelos escribas, conhecedores da complexa escrita hieroglífica e responsáveis pelos registros administrativos. Nessa camada intermediária também estavam os comerciantes, que ganharam mais expressão no período conhecido como Novo Império. Esse período iniciou-se com o fortalecimento do Egito após a expulsão dos hicsos, um povo invasor que dominou boa parte da região antes de 1580 a.C.

Estátuas no templo de Ramsés III, localizado no complexo de templos de Karnak, cuja construção teve início em 2200 a.C., em Luxor, Egito. Ramsés III é considerado pelos historiadores o último faraó a exercer grande autoridade sobre todo o Egito antigo. O Crescente Fértil e a Pérsia

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A base da sociedade egípcia era formada pela grande massa de camponeses. Ao lado dos artesãos, eles tinham de pagar tributos e servir ao faraó, por meio do trabalho compulsório em campos, oficinas, minas e obras públicas. Eventualmente, havia também escravos, capturados nas guerras, embora essa categoria social não tivesse grande importância no sistema econômico egípcio. Faraó

Nomarcas Sacerdotes Alta burocracia e chefes militares

Camponeses e artesãos Escravos

Reprodução/Museu do Louvre, Paris/De Agostini Picture Library/The Bridgeman/Keystone

Colheita de uvas para a produção de vinho em pintura egípcia feita na tumba de Khaemuese, na cidade de Tebas. O afresco destaca a colheita cuidadosa dos cachos de uva. A atividade era acompanhada por um fiscal e um sacerdote, que recolhiam e registravam a oferenda à deusa Renenutet, representada na forma de serpente. Depois da colheita, a uva era esmagada e passava para a fase de fermentação. No final, o vinho era armazenado em ânforas de barro. A bebida principal dos antigos egípcios, entretanto, era a cerveja, produzida da cevada.

90

Capítulo 3

Rodval Matias/Arquivo da editora

Escribas Comerciantes

Reprodução/Museu Nacional, Cairo

A religião egípcia foi muito importante na cultura e para a manutenção da ordem social hierarquizada existente. O culto era politeísta. Alguns dos deuses eram Amon-Rá, Osíris, Ísis, Set, Hórus, Anúbis e Ápis. Durante o governo do faraó Amenófis IV (1377 a.C.-1358 a.C.) foram realizadas profundas reformas políticas e religiosas. Templos foram fechados e bens, confiscados. Ao mesmo tempo, o culto monoteísta ao deus Aton, representado pelo círculo solar, foi crescendo e substituindo o politeísmo tradicional centrado principalmente no deus Amon-Rá. O próprio faraó teve seu nome mudado para Akhenaton (Ech-n-Aton = "aquele que adora Aton"), e foi fundada uma nova capital próxima de Tebas, chamada Ahketaton ("horizonte do disco solar"). A longo prazo, porém, essas reformas não vingaram, aparentemente por causa da força das crenças tradicionais e da impopularidade da nova religião. Com a morte de Amenófis IV e sua sucessão por Tutancâmon, a religião tradicional politeísta foi restabelecida. Neste relevo do século XIV a.C., os raios do deus Sol Aton iluminam o faraó Amenófis IV, sua esposa Nefertite e seus três filhos.

monoteísta: religião que acredita em um único deus.

Para saber mais Christian Larrieu/The Bridgeman/Keystone

Mumificação Como os egípcios acreditavam em vida após a morte e no retorno da alma ao corpo, cultuavam os mortos e desenvolveram técnicas de mumificação para conservar cadáveres. Os corpos eram colocados no túmulo junto com tudo o que seria utilizado no retorno à vida, como alimentos, utensílios, joias e objetos pessoais. No caso dos faraós, os corpos mumificados ficavam protegidos nas pirâmides, imensas construções repletas de pasVasos canopos (urnas em que se guardavam órgãos do morto sagens e câmaras para impedir a ação de saqueapós a mumificação) decorados com os quatro filhos do deus do céu Hórus. Cada órgão era depositado em um vaso independente: adores de túmulos. Amset para o estômago e os intestinos; Duatmufed para os Para mumificar um corpo, geralmente se repulmões; Kebehsenuf para o fígado; e Hapi para os órgãos tiravam os principais órgãos internos, que eram menores. Os vasos da foto foram feitos entre 1069 a.C. e 945 a.C. tratados e colocados em recipientes chamados de vasos canopos. O coração, considerado o centro da inteligência e da força, era mantido no corpo. Em seguida, o corpo era coberto por um tipo de sal e deixado durante quarenta dias para desidratar. Depois, era embrulhado em camadas de linho embebido em diversas substâncias e coberto de resina. Os corpos se preservavam por milhares de anos. A mumificação ampliou o conhecimento dos egípcios antigos sobre a anatomia humana. Conhecedores dos órgãos internos e de sua localização, seus “médicos” puderam realizar intervenções cirúrgicas e tratar fraturas, doenças do estômago e do coração.

1. Quais eram os cuidados tomados pelos egípcios em relação aos mortos? Como esses cuidados se relacionam com o achado de múmias, mais de mil anos depois, em perfeito estado de conservação?

2. Como o processo de mumificação está relacionado ao avanço da Medicina entre os antigos egípcios?

O Crescente Fértil e a Pérsia

91

pério (c. 2000 a.C.-1580 a.C.) e o Novo Império (c. 1580 a.C.-25 a.C.). Em seus quase 3 mil anos de história de revoltas, conquistas e invasões estrangeiras, o Egito foi governado por faraós de 26 dinastias. O declínio final do império se deu com a invasão dos persas em 525 a.C. Comandados por Cambises (?-522 a.C.), os persas derrotaram os egípcios na Batalha de Pelusa e conquistaram a região. A partir daí, o Egito foi dominado por vários povos durante quase 2 500 anos, tendo se tornado inicialmente província do Império Persa, território que posteriormente foi ocupado por macedônios, romanos e árabes. Como você verá, essas últimas invasões tiveram grande efeito sobre a cultura egípcia, sobretudo o domínio macedônico, que abriu caminho para as ideias gregas. Esse domínio instaurou no Egito uma dinastia de origem macedônica, chamada ptolomaica ou lágida. Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.), uma das personagens famosas da história antiga, pertenceu a essa dinastia. Ela ocupou o trono depois da morte do pai, Ptolomeu XII (117 a.C.-51 a.C.), e governou até sua morte, em 30 a.C. O filho de Cleópatra com o ditador romano Júlio César (100 a.C.-44 a.C.) foi o último rei ptolomaico. Depois desse período, o Egito caiu sob o domínio romano e, posteriormente, árabe – domínios que introduziram elementos culturais cristãos e muçulmanos, respectivamente. Mais tarde, o Egito transformou-se em domínio dos turcos e, no século XIX, dos ingleses.

As técnicas desenvolvidas para a construção de templos religiosos e funerários (as pirâmides, por exemplo) e de obras hidráulicas, significaram um grande avanço da arquitetura e da engenharia. O interesse em ciência demonstrado pelos egípcios é bastante claro em seus estudos de Astronomia, que resultaram na criação de um calendário solar composto de doze meses de trinta dias. A arte egípcia tinha evidente conotação religiosa. A pintura, destinada à representação de deuses, faraós e da nobreza em geral, caracterizava-se pela falta de perspectiva: tudo era representado no mesmo plano, sem ideia de profundidade. Na escultura, muitas vezes monumental, as linhas eram rígidas e simétricas. Na literatura, cultivava-se a poesia; uma das peças mais famosas foi o Hino ao Sol, composto por Amenófis IV. A escrita egípcia desenvolveu-se de três formas: • a hieroglífica, que era a mais antiga; considerada sagrada, era composta de mais de seiscentos caracteres; • a hierática, uma simplificação da hieroglífica; • a demótica, mais recente e popular, formada por cerca de 350 sinais.

Os per’odos da hist—ria eg’pcia Tradicionalmente, a longa história egípcia tem sido dividida didaticamente em três grandes períodos: o Antigo Império (c. 3200 a.C.-2300 a.C.), o Médio Im-

Banco de imagens/Arquivo da editora

Invasões no Egito antigo 45º L

Mar Cáspio

ÁSIA MENOR

DESERTO DO SAARA

Heracleópolis

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Gizé

Jerusalém Gaza Tânis Heliópolis Mênfis Monte Sinai

30º N

Golfo Pérsico

DESERTO DA ARÁBIA

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Alto Egito

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Região fértil

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Assírios 670 a.C.

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Mar Arábico

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Limite do Antigo Império Limite do Médio Império Limite do Novo Império Extensão máxima do Novo Império (1580 a.C. a 1085 a.C.) Pirâmides

Babilônia

Mar Morto

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Macedônios 332 a.C. Romanos 30 a.C.

355

710

km

Adaptado de: BRANCANTI, Antonio. I popoli antichi. Firenze: La Nuova Italia, 1997. p. 34; BARBEIRO, Heródoto. História: de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2004. p. 33.

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Capítulo 3

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome

9. No Egito antigo, o faraó era considerado um deus; na

6. As civilizações egípcia e mesopotâmica se desenvolveram às margens de rios perenes (Nilo, Tigre e Eufrates). Todavia, as condições físico-geográficas das regiões ocupadas pelos egípcios e pelos povos da Mesopotâmia eram diferentes em muitos aspectos. Compare-as.

Mesopotâmia, o monarca representava uma divindade e governava em seu nome. Em ambos, os reis concentravam plenos poderes e os sacerdotes tinham autoridade e prestígio. Nomeie essa forma de governo predominante nas civilizações do Antigo Oriente.

7. O grande reino do Egito formou-se como resultado de um longo processo político, iniciado ainda no Período Neolítico. Descreva-o.

10. Elabore uma representação gráfica da sociedade egípcia, identificando as diferentes camadas sociais, os grupos que as constituíam, bem como a função exercida por cada um deles.

8. Em muitas civilizações do Antigo Oriente, a popu-

11. A partir do século VI a.C. a cultura egípcia passou por

lação camponesa estava submetida a um regime de trabalho conhecido como servidão coletiva. O que isso significa?

profundas transformações. Durante o reinado de Cleópatra, no século I a.C., a monarquia egípcia já se apresentava descaracterizada. Qual foi a causa dessas mudanças?

Analise uma fonte primária 12. A imagem ao lado é uma escultura feita em um único bloco de granito, mede 2,30 metros e foi escavada na antiga cidade de Tanis, capital de Egito durante as Dinastias XXI e XXII. Foi produzida entre 1293 a.C. e 1185 a.C. e, quando encontrada, faltava-lhe o rosto do falcão, que foi feito em outra pedra e encontrado posteriormente, separado do conjunto. A personagem agachada é Ramsés II.

a) Descreva a escultura: cor, textura, tamanho, aspecto e posição das figuras esculpidas, etc.

/D

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b) Em sua opinião, a confecção dessa escultura foi fácil ou difícil? Justifique sua resposta. /S

EA

c) Para interpretar a imagem, investigue:

an .V tin

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• Quem foi Ramsés II? • O falcão é uma representação do deus Horus.

O que você consegue descobrir a respeito dessa divindade?

d) Detenha sua atenção na figura maior: olhe seu tamanho e postura. Como você a interpreta?

e) Observe a figura menor. Veja o que ela está fazendo, que aparência apresenta e quais objetos estão associados a ela. Como Ramsés II foi representado pelo escultor? f) Pense no que você já sabe sobre a cultura egípcia. Por que o escultor pode ter associado a figura real à ave? g) Qual pode ter sido a intenção do artista ao elaborar a escultura? Defenda sua hipótese com argumentos.

Estátua de Ramsés II como criança. Atrás dele, representação do deus Horus.

O Crescente Fértil e a Pérsia

93

Hebreus, fenícios e persas Na região do Crescente Fértil, além das margens dos grandes rios (Nilo, Tigre e Eufrates) também se desenvolveram diversos povos vizinhos aos egípcios e mesopotâmicos, com destaque para os hebreus, fenícios e, mais ao leste, os persas. Estes foram responsáveis por diversos legados à cultura ocidental.

Os hebreus

de época que não seja o Antigo Testamento. Além disso, muitos historiadores afirmam que a religião monoteísta de Jeová só surgiu muito depois da época dos patriarcas. Segundo o relato bíblico, crescentes dificuldades econômicas fizeram com que muitos hebreus migrassem para o Egito. A princípio, essa ocupação foi pacífica, mas, posteriormente, eles foram escravizados pelos egípcios. Séculos depois, eles fugiram do Egito sob a liderança do profeta Moisés. Durante a fuga, conhecida como Êxodo, Deus teria ditado a Moisés os Dez Mandamentos, um conjunto de leis que foi registrado em duas pedras. Após 40 anos de jornada pelo deserto, os hebreus chegaram à Palestina, já sob a liderança de Josué. A presença dos hebreus no Egito e o Êxodo não são confirmados por outras fontes que não a própria Bíblia. Tais passagens bíblicas têm uma cronologia bastante duvidosa, seja por conterem indicações contraditórias, seja pela sua confrontação com outras fontes históricas, constituindo objeto de diferentes interpretações. Na época do Êxodo, os hebreus estavam organizados em tribos lideradas pelos juízes, chefes militares com atribuições religiosas. Ao chegar à Palestina, eles con-

Os hebreus se destacam por terem sido o primeiro povo a adotar o monoteísmo ético, religião que prega a existência de um só Deus e que exige um comportamento ético das pessoas, ou seja, que ajam de maneira correta e justa. Tal atuação é fundamento presente na religião de mais de 2 bilhões de pessoas atualmente, como judeus, muçulmanos e cristãos. Muitas das informações de que dispomos sobre o povo hebreu são provenientes da Bíblia, mais especificamente do Antigo Testamento. No texto sagrado para cristãos e judeus, dados históricos misturam-se com relatos míticos e religiosos. Estudos linguísticos, arqueológicos e textos não bíblicos dialogam com essas representações bíblicas. Stringer/Anadolu Agency/AFP Inicialmente, os hebreus habitavam a cidade de Ur, no sul da Mesopotâmia (localize a cidade no mapa da página 85). Seu primeiro grande líder teria sido Abraão, considerado seu primeiro patriarca (chefe de clã). Abraão pregava uma nova religião, monoteísta. O Deus único, Javé (também chamado Iahweh ou Jeová), teria prometido a ele e seus descendentes uma terra onde “jorraria leite e mel”. A promessa teria levado Abraão a conduzir os hebreus até a Palestina, região do atual território de Israel, também conhecida como Canaã. Lá, os hebreus se estabeleceram por volta de 2000 a.C., após derrotarem os habitantes locais, os cananeus. Segundo a Bíblia, Abraão foi sucedido pelos patriarcas Isaac e Jacó, e dos herdeiros deste último descenderam os grupos familiares originais, chamados de “as 12 tribos de Israel”. É importante ressaltar, contudo, Mural grafitado no estádio de Nablus, na Cisjordânia. Pintado por mais de 25 que nenhum desses patriarcas é men- artistas palestinos, o projeto procurou retratar mais de 3500 anos de história da cionado em qualquer outro documento Palestina em sua extensão. O mural finalizado foi batizado de "Aqui está Canaã". Foto de 2013.

94

Capítulo 3

quistaram a cidade de Jericó e venceram os filisteus, povo que ocupava o litoral da região (observe no mapa abaixo). Por volta de 1010 a.C., ocorreu a unificação das tribos sob a liderança de Saul (c. 1095 a.C.-1004 a.C.), que se tornou o primeiro rei dos hebreus. Davi (c. 1040 a.C.-970 a.C.), sucessor de Saul, lançou as bases para a formação de um Estado hebraico efetivo, com governo centralizado, exército permanente e organização burocrática. Jerusalém tornou-se capital do reino de Israel. Sob o comando de Salomão (?-931 a.C.), filho de Davi, o Estado hebraico atingiu seu apogeu, com grande desenvolvimento comercial. Para os cultos foi construído um grande templo dedicado a Jeová: o Templo de Jerusalém (conhecido como Templo de Salomão). Entretanto, o Estado unificado não sobreviveu à morte de Salomão. Logo surgiram disputas pela sucessão, que resultaram na divisão dos hebreus em

Banco de imagens/Arquivo da editora

A região da antiga Palestina

dois reinos: o de Israel, com capital em Samaria, e o de Judá, com capital em Jerusalém. A consequência imediata da divisão foi a invasão estrangeira, inicialmente pelos assírios e mais tarde, no século VI a.C., por Nabucodonosor, rei da Babilônia. Depois de saquear Jerusalém e destruir o Templo de Salomão, Nabucodonosor escravizou um grande número de hebreus e levou-os para a Mesopotâmia. Em 539 a.C., porém, os persas, chefiados por Ciro, o Grande, conquistaram a Babilônia e libertaram os hebreus escravizados, que puderam então retornar à Palestina. Os últimos invasores da Palestina na Antiguidade foram os macedônios e, a seguir, os romanos. A resistência à ocupação romana, em 70 d.C., foi reprimida brutalmente. Jerusalém foi destruída e os hebreus se dispersaram por outras regiões. Esse movimento, conhecido como diáspora, se estendeu por centenas de anos.

Gali Tibbon/Agence France-Presse

35º L

Rio Jordão

Mar da Galileia

Mar Mediterrâneo Jerusalém

Mar Morto 31º N

55 km

110

Israel sob o governo do rei Davi (1006 a.C.-966 a.C.) Filisteus Fenícios

Adaptado de: DUBY, G. Atlas histórico mundial. Madri: Debate, 1989. p. 8.

O Muro das Lamentações se localiza na cidade de Jerusalém. Trata-se da única parte do Templo de Salomão que resistiu aos ataques do imperador romano Tito à cidade, em 70 d.C. É um lugar considerado sagrado pelos descendentes dos hebreus, os judeus. Durante anos, as mulheres foram proibidas de frequentar o local. Em janeiro de 2016, o governo de Israel estabeleceu uma área mista onde elas poderiam fazer suas preces. Na foto, mulher levanta uma Torá, livro com as escrituras sagradas do judaísmo, junto ao Muro. Foto de 2016. O Crescente Fértil e a Pérsia

95

Fenícios e persas A Fenícia situava-se no norte da Palestina, onde se localiza atualmente o Líbano (veja o mapa da página 95). Foi ocupada antes de 3000 a.C. por povos semitas que, além de desenvolverem a agricultura, destacaram-se no comércio marítimo. Também desenvolveram o artesanato e a produção de tecidos e de corantes. Os fenícios estavam organizados em cidades-Estado, como Biblos, Sidon e Tiro. Em seu apogeu, eles chegaram a estabelecer rotas comerciais por todo o Mediterrâneo e foram até o litoral Atlântico do norte da África (observe o mapa a seguir). Instalaram povoados e cidades em várias regiões no Mediterrâneo, verdadeiros entrepostos comerciais, como a cidade de Cartago, no norte da África. Ao mesmo tempo, deram contribuições originais à humanidade. A principal delas foi a criação de um alfabeto fonético simplificado, composto de 22 letras, que, incorporado pelos gregos e romanos, serviu de base para o alfabeto ocidental atual. Os fenícios cultuavam vários deuses. Os mais importantes eram Baal, associado ao Sol, e Astarteia, simbolizada pela Lua e que representa a fecundidade.

Máscara funerária fenícia, datada do século VII a.C. Foto de 2009.

The Art Archive/ Museu Nacional de Beirute, Líbano/Gianni Dagli Orti/AFP

Banco de imagens/Arquivo da editora

O comércio fenício em 1000 a.C. 45º N

Mar Negro Córsega Alália Olisipo

Cádiz

Sagunto Ilhas Baleares

Thasos Sardenha

Mar Egeu

Cagliari Calpe Abdera Cartagena

Atenas

Palermo

Tânger Cartena Icósio

Ilha de Utica Hipona Cartago Pantelleria Malta

Rodes Citera

Mar

Creta Cnossos Cidônia Gortina

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Tacape

Ugarit Arado Simyra Chipre Biblos Amatus Sídon Beirute Acco Tiro Jopé Cítio

o Gaza

Sabrata Dea

Fenícia

Gado

Prata

Cereais

Produtos exóticos

Cobre

Marfim

Vinho

Ébano

Molusco

Estanho

Ouro

Capítulo 3

Escravos

270 km

540 20º L

ho

Azeite

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Perfume

DESERTO DA ARÁBIA

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Ferro

EGITO

Pelusa

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96

Algodão

Leptis

Sais

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Colônias fenícias Rotas comerciais fenícias Produtos e matérias-primas importados pelos fenícios

Cirene

Adaptado de: KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas of World History. New York: Anchor Books, 1974. p. 38.

Os mercadores fenícios – maiores comerciantes, marinheiros e exploradores do mundo antigo – buscavam e levavam mercadorias por toda a bacia do Mediterrâneo.

Vivendo naquele tempo

Navegando com os fen’cios Os fenícios foram excelentes navegadores e desenvolveram uma cultura marítima muito sofisticada para a época, que incluía a construção de navios, técnicas naúticas e conhecimentos sobre o meio marinho e as regiões costeiras. Exploraram todo o Mediterrâneo, as praias do mar Vermelho e do mar Egeu e a costa do oceano Atlântico. Os conhecimentos de astronomia permitiram aos fenícios navegar durante a noite, orientando-se por meio das estrelas. Muitos deles viviam do comércio marítimo, como marinheiros, comerciantes, soldados e remadores. Havia também exímios carpinteiros que construíam os navios, e artesãos que cuidavam de sua manutenção em terra.

Os navios fenícios eram feitos de madeira, com velas e uma estrutura variada de remos. O número de remadores variava conforme o tipo de embarcação. Nos navios comerciais, havia espaço destinado às mercadorias; os de guerra contavam com maior número de remadores e um corredor central onde ficavam os soldados. Um navio desses poderia levar 150 remadores e 200 soldados. As viagens duravam meses, e os fenícios ancoravam em diferentes portos para vender e comprar mercadorias. Ao longo das expedições, construíram grandes habitações, espalhadas pela costa do Mediterrâneo, que abrigavam os marinheiros e comerciantes quando não havia condições climáticas para a navegação. Assim, procuravam evitar os naufrágios, que prejudicavam suas atividades comerciais.

A preocupação com a velocidade, o espaço reduzido para armazenar produtos comerciais e a presença de uma saliência pontuda na proa, chamada aríete, indicam também que se tratava de um navio com finalidades militares, utilizado para proteger as embarcações comerciais e para atacar piratas.

Rodval Matias/Arquivo da editora

O desenho abaixo representa um barco fenício denominado birreme. Seu modelo foi, posteriormente, copiado e aprimorado pelos gregos e pelos romanos.

A existência de duas séries de remos combinada com a amplitude da vela apontam que esta embarcação conseguia atingir uma velocidade elevada em relação a outros navios do período.

O Crescente Fértil e a Pérsia

97

Apesar da pobreza do solo, o planalto iraniano foi ocupado desde o sexto milênio antes da Era Cristã. Por volta de 2000 a.C. a região recebeu grandes levas de populações indo-europeias. Nela, a leste do rio Tigre, se formaria outra civilização, que chegaria a dominar a própria Fenícia, o Egito e populações indo-euroa Mesopotâmia. Essa peias: povos originácivilização – a Pérsia – rios da Ásia central que seria responsável por um migraram para a Índia, para o planalto iraniados maiores impérios do no e para a Europa. mundo antigo. Ciro (c. 580 a.C.-530 a.C.), o Grande, rei persa, unificou o território e submeteu os povos vizinhos, os medos. Em sua expansão, os persas ocuparam a Mesopotâmia, a Palestina e a Fenícia e chegaram ao Egito, à Ásia Menor (no Ocidente) e à Índia (no Oriente). Ciro, o principal conquistador, foi bastante hábil ao se aliar às elites locais dos territórios conquistados, em vez de simplesmente submetê-las ao seu domínio. Desse modo, garantiu relativa estabilidade a um vasto império. Seu filho e sucessor, Cambises (?-522 a.C.), conquistou o Egito, após a vitória na Batalha de Pelusa (525 a.C.). O período de maior florescimento persa ocorreu no reinado de Dario I (550 a.C.-484 a.C.). Durante seu governo, que durou de 524 a.C. a 484 a.C., dividiu o

império em províncias, as satrapias. Encarregados de cobrar os impostos, os sátrapas (governadores) eram fiscalizados por inspetores oficiais, conhecidos como “olhos e ouvidos do rei”. Dario mandou construir estradas que ligavam os principais centros urbanos do império (Susa, Pasárgada, Persépolis), criou um eficiente sistema de correios, para maior controle das províncias, e implantou uma unidade monetária chamada dárico. No Império Persa, assim como entre outros povos da Antiguidade oriental, a população prestava serviços obrigatórios ao Estado, em regime de servidão coletiva. O poder do imperador era garantido por seu numeroso exército, mantido com propósitos expansionistas. A existência desse exército, porém, não impediu o fracasso dos ataques à Grécia comandados por Dario I e seu sucessor, Xerxes I (519 a.C.-465 a.C.). Durante quase todo o século V a.C., gregos e persas se enfrentaram em conflitos que se tornaram conhecidos como Guerras Médicas – nome que faz referência ao povo medo, da Pérsia – ou Guerras Greco-Pérsicas. Em seu expansionismo, os persas haviam dominado as cidades gregas da Anatólia, na atual Turquia, o que prejudicou o comércio da Grécia com o Oriente. Os gregos lutavam pela independência dessas cidades.

Mar de Aral

MACEDÔNIA TRÁCIA

Mar Negro Bizâncio Sinope Faside Dascílio CAPADÓCIA LÍDIA Ancara Trebizonda Sardes FRÍGIA Melitene Mileto ARMÊNIA Faselis CILÍCIA Rio

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Mar Cáspio

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Banco de imagens/Arquivo da editora

Império Persa

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Início do Império Persa (558 a.C.) Conquistas de Ciro (558 a.C. a 528 a.C.)

Mar Arábico

Conquistas de Cambise (530 a.C. a 522 a.C.) Conquistas de Dario (522 a.C. a 486 a.C.) Estrada Real do Império Persa

98

Capítulo 3

Adaptado de: KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas of World History. New York: Anchor Books, 1974. p. 44.

Para saber mais A ausência na narrativa histórica daqueles que não ocupavam cargos governamentais, que não comandavam exércitos e não eram responsáveis pelas “grandes decisões históricas”, fossem homens, fossem mulheres, é uma herança de uma antiga e criticada visão histórica. Essa visão tradicional valorizava os “grandes personagens” e “os grandes feitos”. Os historiadores atuais têm pesquisado fontes que apresentem indícios desses personagens escondidos e esquecidos. O caso das mulheres nas sociedades do Antigo Oriente é um bom exemplo. Embora a condição feminina nessas sociedades tenha variado de acordo com a época, o lugar e a posição social ocupada pelas mulheres, ela nunca foi de igualdade em relação à do homem. Em geral, as mulheres estavam submetidas à autoridade masculina e deviam mostrar submissão ao marido. Os casamentos eram arranjados pelos pais dos noivos, às vezes quando estes ainda eram crianças, como forma de unir interesses e propriedades. A mulher deveria ser fiel ao marido, e o adultério feminino era punido com severidade. O homem, ao contrário, poderia ter mais de uma mulher, desde que houvesse condições financeiras para mantê-las.

Apesar de ocupar posição secundária à do homem, as mulheres podiam herdar propriedades e, no caso do falecimento do esposo, tornar-se chefe da casa e gerir negócios. Podiam também se divorciar e se casar novamente. Várias mulheres de condição social mais elevada recebiam educação formal e aprendiam a ler e escrever, mas a maioria era educada apenas para exercer as funções domésticas e para a maternidade. Para os povos que habitaram a região da Antiga Mesopotâmia, o principal papel feminino era ser mãe. Por isso, as mulheres estéreis eram repudiadas pelos maridos e a prostituição, muitas vezes, era a única opção que lhes restava. A prostituição era aceita como atividade normal e nenhum julgamento moral recaía sobre ela. Era também comum uma forma de prostituição sagrada realizada por sacerdotisas. No Egito, houve casos de mulheres que se tornaram governantes, como ocorreu com Hatshepsut no século XV a.C., e Cleópatra VII, no século I a.C.

BibleHistory Online/Arquivo da editora

As mulheres no Antigo Oriente

Este relevo comemorativo foi feito entre os séculos VIII e VII a.C. e é uma das poucas peças arqueológicas do Antigo Oriente em que mulheres aparecem representadas em seu cotidiano doméstico. Nela vemos uma figura feminina tecendo com um carretel, enquanto uma serva a refresca com um abanador. A serviçal é representada em tamanho menor do que a personagem central ou porque o artista quis mostrar a diferença de hierarquia entre elas ou porque se trata de uma criança. O relevo foi feito num tipo de pedra típico da região de Susa, na Pérsia.

Apesar de ter incorporado muitos conhecimentos de outros povos, como a escrita cuneiforme, de origem mesopotâmica, a cultura persa teve características próprias. Sua religião era basicamente dualista, fundada na crença em duas divindades antagônicas principais: Ormuz-Mazda, deus do bem, da luz e do mundo espiritual, e Arimã, deus do mal e das trevas. O imperador seria o representante do bem na Terra, o que mostra o forte vínculo da religião com as estruturas de poder.

A religiosidade popular, entretanto, distinguia-se da oficial. Incluía várias divindades, muitas delas adotadas no contato com outros povos. Em geral, os persas também admitiam a vida após a morte e o advento de um Messias à Terra, um salvador que, assim como na religião judaica, libertaria os justos. Os princípios dessa religião, chamada de zoroastrismo, estavam no livro sagrado Zend-Avesta, que teria sido escrito por um personagem lendário: Zoroastro, também denominado Zaratustra. O Crescente Fértil e a Pérsia

99

Dialogando com a

Geografia

No mundo contemporâneo, essa relação entre o campo e a cidade se alterou radicalmente. Em 2014, mais da metade da população mundial morava em cidades e estima-se que em 2050, 66% dos habitantes do planeta viverão nos centros urbanos. Nessa seção vamos considerar alguns aspectos relacionados ao crescimento das grandes cidades e da população urbana no planeta. O trecho a seguir aborda as transformações recentes de algumas cidades indianas.

A questão urbana no mundo contemporâneo

Nos últimos anos, tem se debatido se mais vida urbana deve ser algo a se lastimar ou a comemorar. A urbanização pode causar o rápido surgimento de favelas, espaços sem saneamento onde as doenças epidêmicas podem se alastrar, a exploração é desenfreada e as ameaças físicas estão à espreita, porque não há lei, e a ordem fica a cargo de gangues criminosas. Mas a vida na cidade também pode oferecer oportunidades de trabalho, acesso a serviços de saúde, planejamento familiar, escolas e mais abertura econômica para as mulheres. Fomentar as oportunidades sem deixar de minimizar os danos e dificuldades são os principais desafios do desenvolvimento nas transições urbanas de hoje. As tendências urbanas, porém, não são as mesmas em todos os locais. Na Índia, por exemplo, as estatísticas demonstram que as populações tradicionais dos centros urbanos estão encolhendo, enquanto as áreas periféricas se expandem. Mumbai é frequentemente citada como principal exemplo desse fenômeno. Os [...] números do censo de 2011 mostram que [...] a centenária cidade de Thane, situada a 43 quilômetros a nordeste de Mumbai, deixou de ser um subúrbio de classe média para abrigar uma grande população de favelados que não para de aumentar. Thane é hoje residência de 9,84% da população do estado – 11 milhões, em termos numéricos. Trata-se de um salto no crescimento de quase 36% em uma década. Já a cidade de Mumbai propriamente dita, com 3,14 milhões de pessoas, registrou uma taxa negativa de crescimento de 5,75% no mesmo período. Amitabh Kundu, doutor em economia [...] afirma que algumas das maiores cidades indianas estão vi-

100

Capítulo 3

LMspencer/Shutterstock

Neste capítulo, estudamos a importância das primeiras cidades para a organização política e econômica das civilizações da Mesopotâmia e do Império Egípcio. Vimos também que a maior parte da população do mundo antigo vivia no campo, exercendo atividades agrícolas e de pastoreio, enquanto os pequenos núcleos urbanos eram ocupados principalmente por artesãos, funcionários reais e sacerdotes.

Mercado de rua no centro de Mumbai, Índia. Foto de 2016.

vendo o que ele chama de “periferalização degenerativa”. Trata-se de fenômeno pelo qual as pessoas são compelidas a deixar a cidade em razão do alto custo de vida e escassez de empregos que ofereçam salários decentes, para viver em assentamentos improvisados na periferia das áreas metropolitanas. Nesses assentamentos periféricos, as pessoas perdem tanto as vantagens da vida rural como as da urbana. [...] A alteração do equilíbrio social nas cidades indianas é ponto importante a ser estudado por demógrafos e economistas, porque 410 milhões do 1,2 bilhão de pessoas do país já vivem abaixo da linha da pobreza. Isto representa um terço de toda a população carente do mundo, segundo o Banco Mundial que também ressalta que a disparidade de renda na Índia está aumentando. UNFPA. Relatório sobre a situação da população mundial 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2015.

Favelas: desafio para a melhoria das condições de vida

Lutas políticas na cidade: o transporte urbano no Brasil

A parcela da população urbana mundial que vive em favelas vem diminuindo pouco a pouco: de 39%, em 2000, caiu para 33%, em 2010. O gráfico abaixo nos mostra dados a respeito desse tema. Porém, o número absoluto de pessoas vivendo em favelas vem aumentando. Os poderes públicos precisam organizar ações de melhorias nesses locais, como saneamento básico, calçamentos, postos de saúde, além de garantir acesso à educação e ao lazer para essas pessoas.

Em 2005, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi organizado o Movimento pelo Passe Livre (MPL), que lutava pelo direito dos estudantes de não pagarem tarifas no transporte público. Em 2013, o MPL liderou manifestações nas principais cidades do país, surpreendendo a imprensa e os governos estaduais e federal. Os jovens exigiam o congelamento da tarifa de ônibus e metrô (em torno de 3 reais), evitando o aumento anunciado em várias cidades e estados. As manifestações foram reprimidas pela polícia, e as imagens da violência difundidas pelas redes sociais e pela imprensa provocaram a indignação de muitos brasileiros.

Robson Kasé/Arquivo da editora

População vivendo em favelas urbanas e proporção da população urbana que vive em favelas, nas regiões em desenvolvimento, 1990 a 2010.

Thomas Tebet/FramePhoto/Folhapress

População em favelas (em milhões) 900

Proporção de população urbana em favelas (porcentagem) 60

800 50 700

46,1

600

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32,7

300

30

20

200 10 100 0

0 1990

1995

2000

Porcentagem de população urbana vivendo em favelas

2005

2007

2010

População em favelas

UNFPA. Relatório sobre a situação da população mundial 2011. Disponível em: . Acesso em: 8 dez. 2015.

Manifestantes protestam contra o aumento das tarifas do transporte público em São Paulo, 2013.

Atividades 1. Retome os dados estatísticos e as informações sobre as condições das cidades na Índia apresentados no texto da UNFPA. Organize esses dados e informações em um esquema visual.

2.Observe o gráfico que mostra a população vivendo em favelas urbanas. Refaça esse gráfico, utilizando outra estrutura para representar as mesmas informações. Pode ser em forma de gráfico de barras ou de área.

3. Sob organização do professor, debata com os colegas da classe as seguintes questões: a) Quais são os principais problemas urbanos no mundo contemporâneo? b) Como esses problemas afetam a cidade ou a comunidade onde vocês vivem? c) Quais são as formas de ação política que vocês conhecem nos espaços urbanos ondem vivem?

O Crescente Fértil e a Pérsia

101

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 13. Entre os povos que habitaram a região identificada hoje como Crescente Fértil, foram os hebreus que deixaram marcas mais profundas na cultura ocidental. Que elemento da religião hebraica está na base dos valores cultivados no Ocidente?

14. A Bíblia é a principal fonte para os estudos da história dos hebreus. Porém, essa fonte apresenta alguns inconvenientes e o historiador precisa estar atento a eles quando desenvolve suas pesquisas. Identifique essas inconveniências e discuta o que pode ser feito para contorná-las.

15. De acordo com os relatos bíblicos, a história do povo de Israel foi marcada pela disputa por terras na atual Palestina. O que explica o interesse dos hebreus por essa região do planeta?

16. Elabore um texto sobre o processo de centralização política dos hebreus.

17. A despeito do esforço empreendido na unificação das tribos hebraicas sob um único Estado, a centralização política teve vida curta, não subsistindo à morte do rei Salomão. O que explica sua curta duração?

18. A Diáspora, um dos episódios mais marcantes da história hebraica, foi a dispersão dos judeus pelo sul da Europa, Ásia Menor e África a partir do ano 70 d.C. O que ocasionou esse deslocamento?

Leia atentamente o texto para compreender melhor o significado dessa expressão bíblica.

[...] Os antigos semitas, sabemos bem disso, nunca procuraram, em seu politeísmo, a multidão dos deuses: na Mesopotâmia, para fazer com que a aceitassem, foi preciso nada menos do que a poderosa influência suméria: cerca de mil, se não um pouco mais, dos deuses da religião deles têm um nome sumério! O “Deus dos Pais” era então apenas a designação coletiva dos deuses, em quantidade provavelmente bastante modesta, adorados pelos primeiros israelitas. Não temos muitos detalhes em relação a eles, mas poderíamos hipoteticamente afirmar seus nomes com verossimilhança, na medida em que sabemos que eram mais ou menos comuns a todos os antigos semitas. Somos, portanto, forçados a supor que os primeiros israelitas – antes da chegada de Moisés, a começar, naturalmente pelo Pai deles, Abraão em pessoa – eram politeístas e compartilhavam uma religiosidade comum com os outros semitas e não semitas do Oriente Médio, e que, se eles mudaram de religião, abandonando todo um panteão de divindades antropomórficas por uma única, que absolutamente não o era, e apenas por Javé, foi pela intervenção de Moisés. BOTTÉRO, Jean. No começo eram os deuses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 251-252.

19. Os persas fundaram um dos maiores e mais importantes impérios da Antiguidade. Para a expansão de suas fronteiras, foi relevante a estratégia empregada por Ciro I. Descreva-a.

20. O Império Persa sob o governo de Dario I alcançou significativa eficiência administrativa. Qual foi a estratégia lançada pelo soberano para conseguir uma administração bem-sucedida?

Pratique 21. O texto a seguir foi extraído do livro No começo eram os deuses, do historiador Jean Bottéro, e é parte da investigação que o autor faz para compreender o significado do termo “Deus dos Pais”, usado no Antigo Testamento para fazer referência ao que seria Javé, o Deus hebraico. 102

Capítulo 3

Com base no texto e na sua leitura do capítulo, responda:

a) De acordo com o que você estudou sobre os hebreus, o que diferenciou esse povo dos demais povos semitas que habitaram a antiga Mesopotâmia?

b) O elemento que diferencia os hebreus dos demais povos semitas pode ser identificado na cultura hebraica desde suas origens? Explique. c) Em que momento da história hebraica se afirma o principal elemento da identidade desse povo?

Analise uma fonte primária 22. Observe o objeto a seguir. No fragmento, estão representados os fenícios, identificados pelas toucas pontudas.

Detalhe da decoração da porta do Palácio de Balawat, no Iraque. As figuras em relevo foram gravadas em placas de bronze datadas do século IX a.C. durante o reinado do rei assírio Shalmaneser III.

De Agostini Picture Library/G. Dagli Orti/ Bridgeman Images/Keystone

a) O que os fenícios estão fazendo? b) Além das toucas, que outro elemento da imagem pode ajudar na identificação dos fenícios? Por quê? c) Levante uma hipótese para explicar por que um rei assírio mandaria gravar na porta de seu palácio uma imagem como essa. Qual pode ter sido a intenção do monarca?

Articule passado e presente 23. Forme um grupo com três ou quatro colegas de sala. Leiam novamente a abertura do capítulo e os questionamentos que ela traz. Depois, relacionem os elementos que vocês consideram definidores de uma cidade antiga. A seguir, procurem identificá-los no lugar onde vocês moram. a) Os mesmos elementos do passado ainda podem ser encontrados nas cidades do presente? b) Que mudanças foram observadas? O que mudou para melhor? E para pior? c) Como seria a cidade ideal para vocês? d) Inspirados pela resposta da questão anterior, planejem uma cidade ideal. e) Em uma folha de papel pardo grande (entre 1 e 2 m²) façam uma planta da sua cidade ideal. Para isso, vocês podem usar colagem ou desenho. Identifiquem os locais da planta com legendas e apresentem-nas aos demais colegas.

T photography/Shutterstock

Vista de Ouro Preto, Minas Gerais, fundada em 1711. O município cresceu em função de sua disposição geográfica e não foi planejado como muitas cidades brasileiras. Foto de 2008.

O Crescente Fértil e a Pérsia

103

CAPÍTULO

4

Outros povos da Antiguidade Hung Chung Chih/Shutterstock

A Muralha da China, com seus 3 460 km de extensão e mais de 2 800 km de ramificações, não foi erguida de uma só vez nem sob um único governante. Entre 230 a.C.-220 a.C., sob a dinastia Ch’in, diversos trechos de antigas muralhas foram unidos para proteger territórios recém-unificados. Na foto, turistas visitando um trecho da muralha. Pequim, China, foto de 2015.

Há milhares de anos muralhas são erguidas para proteger cidades e seu povo, demarcar fronteiras e fortalecer seus habitantes diante do inimigo. Ao mesmo tempo que separam uma área de outra, trazem a ideia de pertencimento aos que são protegidos por elas, que têm a pretensão de se isolar do mundo que está além dos muros. Muralhas ainda são úteis nos dias de hoje? O que ameaça as sociedades e como elas se protegem? 104

Capítulo 4

1 Diversidade de povos e civilizações Trabalhou-se até aqui com a cultura e a história de povos que a historiografia eurocêntrica tradicionalmente considerava como os responsáveis pela origem da civilização ocidental. Para esses historiadores, foi entre os povos antigos da Mesopotâmia, do Egito e do Oriente Médio que se formaram as mais antigas formas de escrita, os primórdios da vida urbana, a institucionalização dos primeiros códigos jurídicos, os traços das mais antigas práticas religiosas, além dos sinais dos primeiros governos centralizados e de caráter dominador sobre diferentes etnias. No entanto, à medida que a expansão imperialista de nações da Europa e dos Estados Unidos se intensificava entre os séculos XIX e XX, arqueólogos e historiadores também redefiniam pesquisas e formas de inter-

pretar o passado, favorecidos pela aproximação com culturas pouco conhecidas ou totalmente desconhecidas. Esse processo estimulou a revisão de antigas convicções sobre o passado da humanidade, resultando na ampliação do conhecimento sobre a condição de vida do ser humano em diferentes cenários e circunstâncias. Daremos destaque neste capítulo a algumas civilizações antigas que existiram na Ásia, na América e no continente africano. Entre elas, civilizações que floresceram antes, na mesma época, ou posteriormente às civilizações que se desenvolviam no Egito e na Mesopotâmia.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

2 A Índia na Antiguidade Escavações e pesquisas vêm ampliando os conhecimentos sobre a história da Índia na Antiguidade. Muitos sítios arqueológicos localizados no vale do rio Indo, estudados principalmente desde a década de 1 920, mostraram que os povos denominados “civilizações do Indo” se estendiam muito além do vale desse rio. A continuidade dos estudos arqueológicos aponta indícios culturais de grandes assentamentos humanos desde o VIII milênio a.C., espalhados nos férteis vales do rio Indo e de seus afluentes, região entre os atuais territórios da Índia e do Paquistão. Alguns deles se transformaram em importantes centros urbanos, como você verá a seguir.

Onde e quando

Harappa e Mohenjo-Daro

Mohenjo-Daro e Harappa. Assim se chamavam duas importantes cidades construídas antes de 3000 a.C. no vale do rio Indo, em região hoje pertencente ao Paquistão. Elas estavam a 600 quilômetros de distância entre si e são expressão da primeira grande civilização que floresceu na região: a civilização Harappa. Os vestígios arqueológicos encontrados revelam que essas duas cidades contavam com canalização de água e esgoto até nas casas mais humildes. Havia também casas de banho públicas.

Surgimento do budismo

China Imperial

Ínício da civilização de Teotihuacán

± Século XV a.C.

± Século XXII a.C. a século III a.C.

± Século XII a.C. a ± século IV a.C.

Antes de 3000 a.C.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Civilização Harappa

Século VI a.C.

Dinastias antigas da China Domínio ariano na Índia

Século III a.C. a século XX d.C.

Civilização olmeca na América

Civilização zapoteca

Kush com capital Napata

± Século XX a.C. a século XVII a.C.

± Século II a.C. ± Século V a.C. a século VII d.C.

Comunidades núbias do Nilo formam a unidade Kushita com capital em Kerma

Século VIII a.C. a século VII a.C.

± Século VIII a.C. a século III a.C.

Kush domina o Egito Faraós negros

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

Outros povos da Antiguidade

105

The Art Archive/Other Images/MuseuNacional, Karachi, Paquistão.

Suronin/Shutterstock

Acima, selo representando elefante e monogramas, proveniente de Mohenjo-Daro, datado entre 2500 a.C. e 2000 a.C.

Ruínas de Mohenjo-Daro em foto de 2015.

As construções, de tijolo cozido, eram distribuídas de maneira uniforme e organizadas em ruas cujo traçado lembrava um tabuleiro de xadrez. Esses indícios sugerem que Mohenjo-Daro e Harappa foram erguidas segundo um rigoroso planejamento urbano. Tais aspectos também foram notados em cidades menores localizadas ao sul e a leste delas, pertencentes a essa civilização, que se estendeu por um território de mais de 1,3 milhão de km2.

Muitos objetos desta civilização já foram encontrados e analisados. Há uma variedade de artefatos feitos em cerâmica, cobre, marfim, lápis-lazúli, etc. Também foram encontrados objetos típicos desses povos na Mesopotâmia, o que levou pesquisadores a concluírem que havia trocas comerciais entre os habitantes das duas regiões.

nômades da estepe

M E S O P O TÂ M I A

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Banco de imagens/Arquivo da editora

Primeiras civilizações da Índia (do Período Neolítico à Antiguidade)

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Limite aproximado da civilização do rio Indo Limite da influência da civilização suméria

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Civilização do Indo Núcleo de cultura neolítica pré-indiana Influência da civilização de Harappa

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Invasões de arianos Núcleos urbanos Neolítico (Idade do Cobre) Pré-harappiano Harappiano

370

740

km 90º L

Adaptado de: DUBY, Georges. Grand atlas historique. Paris: Larousse, 2004. p. 240.

106

Capítulo 4

Civilização védica

Aspectos da religiosidade

Ainda não se sabe como a civilização Harappa desapareceu, após ter existido por, aproximadamente, mil anos, entre 2550 a.C. e 1550 a.C. Supõe-se que isso tenha ocorrido devido a deslocamentos humanos em massa motivados por secas ou terremotos. Tradicionalmente se apontava que o desaparecimento decorreu da chegada de arianos à região, o que favoreceu o desenvolvimento de outra cultura ao longo dos séculos seguintes. Os arianos eram povos seminômades, de origem indo-europeia. Da tradição Harappa, adotaram a agricultura. Falavam o sânscrito e dominavam a escrita, tendo deixado obras literárias e filosóficas. Os hinos e preces dos Vedas, considerado o primeiro livro sagrado da História, são de origem ariana com tradições de povos locais. A palavra “vedas” significa “conhecimento” e é usada para identificar essa civilização: védica. A civilização védica está na base histórica da Índia como hoje a conhecemos. Sua cultura foi compartilhada pelos diversos reinos que se formaram na península indiana. Caracterizava-se pela religião – o bramanismo e, posteriormente, o hinduísmo – e pela forma de organização social – o sistema de castas.

O hinduísmo é uma religião politeísta, com a adoração de várias divindades, inclusive animais, e a crença na reencarnação. Seus ensinamentos foram transmitidos oralmente, de geração em geração, por muitos séculos, até serem registrados por escrito nos versos que compõem os Vedas, possivelmente compilados entre 1 500 a.C. e 900 a.C. Os seguidores do hinduísmo têm como objetivo principal a plena purificação – o nirvana –, que poria fim ao eterno ciclo de nascimento, morte e reencarnação. Com o passar do tempo, o bramanismo incorporou deuses e crenças, dando origem ao hinduísmo, uma religião mais complexa. Entre as principais divindades do bramanismo estão Brahma, arquiteto do Universo; Vishnu, deus da conservação; e Shiva, deus da destruição. O domínio dos guerreiros (xátrias) e dos sacerdotes (brâmanes) sobre os demais grupos sociais indianos estabeleceu o sistema de castas. Nesse sistema, uma pessoa já nascia em uma casta, ou seja, em uma posição social, e nela permaneceria por toda a vida. Os indivíduos só podiam se casar com membros da sua casta. Além disso, os membros de cada grupo deveriam desempenhar funções específicas na sociedade.

Coleção particular/Album/ akg-images/Latinstock

indo-europeia: referente a indo-europeu, conjunto de povos nômades da Europa e da Ásia que, embora dotados de certa unidade linguística (línguas indo-europeias), não formavam uma unidade política, étnica e geográfica. Ao que parece, localizavam-se, desde o quarto milênio a.C., ao norte do mar Negro. Por volta do terceiro milênio antes da Era Cristã, iniciaram uma série de migrações, fragmentando-se em vários grupos linguísticos. Alguns grupos migraram para a Ásia (armênios, indo-iranianos, etc.), outros permaneceram na Europa (eslavos, celtas, itálicos, gregos, germânicos, etc.). castas: grupos sociais rigidamente fechados, de caráter hereditário e ligados a determinadas profissões, como a casta dos guerreiros na Índia (xátrias).

Estatuetas de bronze representando Vishnu e suas esposas Bhu (a Deusa da Terra) e Lakshmi ou Shri (Deusa da Beleza e da Prosperidade), encontradas em Tamil Nadu, Índia, por volta do ano 1000. Outros povos da Antiguidade

107

Leituras Na atualidade, historiadores e demais estudiosos vêm constantemente debatendo e criando novas interpretações acerca da história da Índia na Antiguidade. Os debates levam em conta principalmente as evidências arqueológicas da região, mas em suas análises também são utilizados conceitos como rupturas, permanências e transformações. O texto a seguir, da historiadora brasileira Flávia Bianchini, trata da questão da “invasão ariana”, um dos temas mais discutidos pelos profissionais que estudam a Índia antiga.

Origem da civilização indiana

crito védico se originaram na civilização do vale do Indo, não vindo de fora; • alegam que quase todas as mudanças ocorridas no vale estão relacionadas a mudanças geológicas e não a invasões; • afirmam que não existem indícios arqueológicos de qualquer invasão. [...] É perceptível que as controvérsias acerca da história da civilização do Indo-Sarasvati estão longe de se esgotar. Ainda há muitos sítios arqueológicos para serem explorados e muitas cidades a serem descobertas. Nunca se atingiu as camadas mais profundas de Mohenjo-Daro devido ao solo pantanoso e às infiltrações de água. Na medida em que esse processo de descobrimento se realizar a história será revista muitas vezes. Uma conclusão a que podemos chegar é que a invasão ariana de fato não aconteceu, que ocorreram muitas mudanças geológicas que desencadearam mudanças extremas na região, e consequentemente no povo que ali vivia. Não há ainda respostas definitivas para uma série de questionamentos. Talvez no futuro possamos obter respostas mais fidedignas acerca da cultura e civilização do Indo-Sarasvati que, de certo modo, mesmo após tantas outras invasões – persa, grega, muçulmana – continua viva na civilização indiana atual. BIANCHINI, Flávia. A origem da civilização indiana no vale do Indo-Sarasvati: teorias sobre a invasão ariana e suas críticas recentes. p. 57-108. In: GNERRE, Maria Lúcia Abaurre; POSSEBON, Fabrício (Org.). Cultura oriental: língua, filosofia e crença. v. 1. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2012. p. 96 e 106.

CM Dixon/Print Collector/Getty Images

[...] No entanto, as descobertas arqueológicas exigem que se leve em conta a civilização que existiu, aparentemente de forma contínua, desde   anos (ou mais) antes da Era Cristã. O grupo de pesquisadores contrários à hipótese da “invasão ariana” possui argumentos que se relacionam a alguns pontos centrais, […] mas vejamos novamente os principais, para facilitar a compreensão da controvérsia. Esses pesquisadores: • alegam a continuidade cultural e religiosa desde a fase do vale do Indo-Sarasvati até o hinduísmo atual; • apontam as escrituras (Vedas, Puranas, etc.) como prova da antiguidade da tradição indiana; buscam na arqueologia, principalmente pela • cidade de Mehrgahr, provar a continuidade cultural desde Mehrgahr até Mohenjo-Daro, Harappa e o hinduísmo atual;

• alegam que a cultura védica junto com o sâns-

Carroça puxada por bois. Escultura em terracota da civilização Harappa produzida entre 3000 a.C. e 2500 a.C.

108

Capítulo 4

val

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Segundo o olhar religioso do bramanismo, as castas teriam se originado de diferentes partes do corpo de Brahma: os brâmanes seriam oriundos da cabeça; os xátrias, dos braços; os vaixás, das pernas; e os sudras, dos pés. Brâmanes No topo da sociedade estavam os brâmanes, sacerdotes que domina-vam o conhecimento e a ordem política. Logo abaixo ficavam os xátrias, guerreiros, seguidos dos vaixás, comerciantes e artesãos. Mais abaixo estavam os sudras, trabalhadores em geral, obrigados a servir às três castas superiores, pagando-lhes impostos. Na parte mais baixa da pirâmide social ficavam os “sem casta”, os párias, considerados impuros e denominados “intocáveis”, pois não eram oriundos do corpo de Brahma. A eles cabiam os trabalhos degradantes, que envolviam contato com excrementos e sangue, como queimar cadáveres e limpar latrinas. Xátrias No século VI a.C., surgiu na cultura indiana uma doutrina que se opôs à sociedade de castas, o budismo, criada pelo príncipe Sidarta Gautama. Segundo a tradição, Sidarta teria abandonado todo luxo e poder e se engajado em uma caminhada mística que o Vaixás levou à iluminação. O budismo pregava a igualdade entre os seres humanos e afirmava que cada pessoa deveria buscar a supressão dos desejos, alcançando assim a iluminação e tornando-se um buda (“iluminado”). Com disciplina moral, meditação e sabedoria, o budista exercitava a preservação da vida e a moderação. Párias = os “sem casta”, considerados “intocáveis”. Após ganhar muitos adeptos na Índia, o budismo conquistou seguidores de outros reinos e povos, principalmente no Extremo Oriente e no Sudeste Asiático, como no Japão, China, Vietnã e Laos. Atualmente, conta com mais de 370 milhões de adeptos, dos quais apenas cerca de 10 milhões estão na Índia. ivo

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Luca Tettoni/Robert Harding Heritage/AFP

Escultura de Buda datada do século V, relacionada ao Império Gupta. Conforme a simbologia tradicional, cada elemento presente nas estátuas de Buda possui um significado: a cabeça está relacionada com sabedoria; o círculo acima da cabeça são seus ensinamentos; as mãos se posicionam em gesto de pregação; as pernas, com a postura de meditação; na parte mais abaixo da escultura, os primeiros discípulos de Buda.

Sudras

Outros povos da Antiguidade

109

Leituras O texto a seguir mostra por que a vaca é considerada um animal sagrado por alguns seguidores do hinduísmo. Destaca, também, aspectos do debate atual, que indica que essa tradição não é necessariamente um consenso entre os hinduístas.

Por que a vaca é sagrada na Índia?

Disponível em: . Acesso em: 1o dez. 2015. Radiokafka/Shutterstock

A tradição nasceu com o hinduísmo. Os Vedas [...] comentam a fertilidade do animal e o associam a várias divindades. Outra escritura hinduísta fundamental, o Manusmriti, compilado por volta do século I a.C., também enfatiza a importância da vaca para o homem. Nos séculos seguintes, foram criadas leis elevando gradualmente o status religioso bovino. No sistema de castas que ainda vigora na sociedade indiana, a vaca é considerada mais “pura” até do que os brâmanes

[...] – por isso não pode ser morta nem ferida e tem passe livre para circular pelas ruas sem ser incomodada. O leite do animal, sua urina e até mesmo suas fezes são utilizados em rituais de purificação. A adoração, no entanto, não é unanimidade entre os hindus e suscita debates inflamados no país. Em seu livro The Myth of Holy Cow (O mito da vaca sagrada, em tradução para o português), o historiador indiano Dwijendra Narayan Jha, da Universidade de Délhi, sustenta a tese de que o hábito de comer carne era bastante comum na sociedade hindu primitiva e condena o “fundamentalismo em torno da santificação do animal”, imposto pelos principais grupos religiosos da Índia. [...]

Na foto, vacas nas ruas de Jaisalmer, na Índia. O animal circula livremente no país. Foto de 2015.

Política, economia e diferentes dinastias Entre os vedas, o centro da ordem política eram as cidades-Estado. Ao se expandirem, formavam pequenos reinos governados por chefes políticos denominados rajás (do sânscrito rajan = rei). Embora muitas vezes

se envolvessem em disputas regionais, os reinos se uniam sob o comando de um líder central, o marajá (do

sânscrito maha raj‡ = grande rei), quando estavam

diante de uma ameaça maior. 110

Capítulo 4

Entretanto, por volta de 500 a.C. os persas conquistaram a região do rio Indo, que se converteu em uma satrapia (província) do Império Persa. Depois de dois séculos sob domínio persa, a região do Indo foi anexada por Alexandre Magno (356 a.C.-323 a.C.), também conhecido como Alexandre, o Grande, rei da Macedônia que governou de 336 a.C. a 323 a.C. O domínio macedônico, contudo, acabou logo após a morte de Alexandre, quando seu império foi dividido. Pouco depois, os reinos indianos se reunificaram sob a dinastia Máuria. Um dos governantes dessa

dinastia, Asoka (304 a.C.-232 a.C.), governou de 272 ou 268 a.C. a 235 a.C. e foi responsável pela expansão do império indiano do Ganges ao Indo e do Himalaia ao centro-sul da atual Índia (veja o mapa abaixo). Convertido ao budismo, Asoka decidiu não promover mais guerras, investiu em obras que beneficiavam a população, como hospitais, proibiu o sacrifício de animais e favoreceu a tolerância religiosa. No édito XII de Asoka, há um treŽdito: anœncio de uma lei. cho sobre o respeito que deveria haver entre as crenças de sua época:

O rei amigo dos deuses deseja o progresso do essencial de todas as seitas. O progresso do essencial é de diversos tipos, mas o mais importante é o controle da linguagem, ou seja, que cada um se abstenha de honrar sua própria seita ou atacar as outras, em tal ou qual ocasião, ainda que brevemente [...] o bom é que se escutem uns aos outros [...] O resultado é o progresso da seita de cada um e o triunfo da Lei. LEITE, Edgard. Phoînix: Laboratório de História Antiga. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. p. 150.

Os sucessores de Asoka dividiram o império, que fragmentou-se em vários reinos autônomos. O budismo perdeu importância para o bramanismo, e a dinastia de Asoka desapareceu em algumas décadas. Durante o século I d.C., mesmo em meio ao fracionamento e a seguidas disputas políticas e invasões, os indianos realizaram intenso comércio com o Império Romano, exportando animais, aves, marfim, seda, especiarias e outros produtos. No século IV d.C., a dinastia Gupta reunificou o Império Indiano (320 d.C.) e restabeleceu a supremacia do hinduísmo. Muitos templos foram construídos nesse período. A economia se fortaleceu, com a ampliação dos cultivos agrícolas e dos rebanhos e o desenvolvimento da produção de tecidos. O comércio, principalmente com o Império Romano, também prosperou. O trabalho de artistas, cientistas e poetas era financiado pela Corte. Com o aumento de riquezas, a arrecadação de impostos também se elevou, o que tornou a dinastia rica e poderosa. Por todos esses motivos, o período da dinastia Gupta é considerado a Idade de Ouro da Índia antiga. O fim dessa dinastia ocorreu no século VI d.C., com a invasão dos hunos, povos nômades vindos da Ásia central. Novamente, o império se fragmentou em pequenos reinos.

90º L CAMBOJA GANDHARA H

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Trópico de Câncer

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Museu Sarnath, Índia/The Bridgeman/Keystone

Banco de imagens/Arquivo da editora

A Índia antiga

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410 km

820

OCEANO

ÍNDICO

Território do Império Máuria (260 a.C.) Território do Império Gupta (350 a.C.) Antigos reinos VATSA indianos

Adaptado de: WORLD History Atlas. Mapping the Human Journey. London: Dorling Kindersley, 2005. p. 240-241.

Detalhe de coluna erguida durante o governo do imperador Asoka no século III a.C. Outros povos da Antiguidade

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As primeiras aldeias da China começaram a surgir com a prática da agricultura no vale dos rios por volta de 7000 a.C. Aos poucos, no norte do território, às margens do rio Amarelo, as aldeias se desenvolveram em pequenos Estados. Em 2200 a.C., aproximadamente, esses pequenos Estados se unificaram sob a liderança de um rei que fundou a dinastia Xia. Uma das realizações dos governantes dessa dinastia foi a construção de muralhas em torno das cidades.

Dinastias Xia e Shang Por volta de 1760 a.C., os governantes Xia foram derrubados por outro grupo, que fundou a dinastia Shang. Os reis dessa dinastia criaram um Estado que teve continuidade até aproximadamente 1100 a.C. O que se sabe sobre a dinastia Shang vem de objetos de bronze, esculturas, cascos de tartaruga e textos escritos em ideogramas encontrados em escavações realizadas a partir de 1920.

Arthur M. Sackler Gallery/Instituto Smithsoniano, Washington, D.C, EUA

ideogramas: símbolos gráficos ou desenhos que representam ideias, sentimentos, objetos ou conceitos. A escrita chinesa é ideográfica. Acredita-se que o primeiro sistema de escrita chinês tenha surgido na dinastia Shang.

Jarro para vinho com fins cerimoniais. Dinastia Shang, século XIII a.C.

A cultura material da época Shang incluía vasos de bronze decorados com imagens de seres míticos e animais, esculturas em jade, instrumentos musicais, palácios, tumbas e fortificações, envolvendo o trabalho de milhares de camponeses e escravos. 112

Capítulo 4

Dinastia Zhou Uma invasão de povos vindos de um reino a oeste, os Zhou (ou Chou), por volta de 1100 a.C., derrubou a dinastia Shang. Sob a dinastia Zhou, houve um grande impulso cultural, muitas vezes lembrado como a Idade de Ouro da filosofia chinesa. Durante esse período, firmou-se a denominação Reino do Meio, atribuída pelos próprios chineses, que acreditavam ser o cenVaso cerimonial de tro do mundo. bronze da dinastia Uma das fontes para o conhe- Zhou, encontrado cimento desse período da história em escavação de 1 969 na província da China são os escritos de Con- de Shaanxi, na China. fúcio (551 a.C.-479 a.C.). Além de recuperar textos antigos, Confúcio desenvolveu um sistema de pensamento que influenciou fortemente o mundo chinês e, séculos depois, foi adotado como filosofia oficial durante a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.). Esse sistema, conhecido como confucionismo, baseava-se numa difusão da História como forma de redenção moral, por meio dos exemplos dos antigos, sustentando princípios como altruísmo, cortesia, conhecimento ou sabedoria moral, integridade, fidelidade e justiça, retidão e honradez. Esses valores continuaram a ser referências mesmo após a dinastia Han, e até hoje fazem parte da civilização chinesa (veja mais sobre Confúcio no boxe Para saber mais a seguir). Os governantes da dinastia Zhou criaram um sistema de doação de territórios a chefes poderosos, dividindo a China em principados. Esse sistema descentralizou o poder político e reduziu a autoridade dos governantes. Logo, os sete reinos (principados) então existentes passaram a disputar a hegemonia de todo o território. Por isso, o período entre os séculos VI a.C. e III a.C. ficou conhecido como “período dos reinos combatentes”. Foi nesse quadro de instabilidade, de aumento da violência das disputas, que ganharam força as propostas para mudanças visando à solução da crise, a exemplo do caso de Confúcio e Lao-Tsé. A recuperação da ordem e a reunificação só foram obtidas com o rei Shi Huang Ti (260 a.C-210 a.C.), do reino Ch’in, que derrubou a dinastia Zhou e iniciou a dinastia Ch’in (221 a.C.-206 a.C.). Foi do nome desse reino que se originou o nome China.

Erich Lessing/Latinstock/Coleção particular

3 A China antiga

O confucionismo e o taoismo Confúcio, um dos mais importantes pensadores da China antiga, criou uma doutrina que pregava certos comportamentos na sociedade e na família, nas relações públicas e privadas. Sem negar a existência das divindades, defendia a ideia de que cabe a cada pessoa a prática das virtudes, como o respeito aos pais e às tradições ancestrais. O confucionismo afirma que o ser humano é naturalmente bom, e que todo mal decorre da falta de conhecimentos. Por isso, defende uma educação voltada para a virtude e a harmonia, para o amor pela verdade, para o bem e a generosidade. Isso sem recorrer a mandamentos ou revelações divinas, apresentando-se mais como uma filosofia. Depois de sua morte, contudo, Confúcio foi transformado pelas autoridades governamentais em Representação de Confúcio feita por autor desconhecido em 1770, objeto de culto, com templos e honrarias, assumindo traços religiosos. aproximadamente. Lao-Tsé (c. 570 a.C.-490 a.C.), outro importante pensador, em seu livro Tao Te Ching: o livro do caminho e da virtude, expõe ideias que posteriormente foram desenvolvidas por seus discípulos (principalmente Li-Tsé e Tchoang-Tsé). Lao-Tsé defendia o abandono das vaidades do mundo, o afastamento da vida pública e a dedicação à meditação solitária, que seria o caminho (Tao) para uma integração íntima com o Universo. Por isso, essa doutrina ficou conhecida como taoismo.

Pictures from History/Bridgeman Images/Keystone

Para saber mais

Shi Huang Ti liderou a criação de um imenso império, impondo uma escrita comum, calendário e moeda únicos e a construção de grandes obras, como estradas e canais. O imperador adotou medidas para “apagar o passado” chinês, determinando a queima de livros e mandando matar estudantes e intelectuais. Muitos livros do período conhecido como Idade de Ouro da filosofia foram queimados. Destaca-se a atuação do historiador Hanfeizi (280 a.C.-233 a.C.), que buscou impor uma nova escrita histórica. discorrendo longamente sobre a impropriedade de usar a sabedoria do passado no presente. [...] A história, então, tornar-se-ia sempre uma história do tempo presente, cuja escrita seria renovada toda vez que um novo soberano assumisse o poder. BUENO, André da Silva. Abolir o passado, reinventar a História: a escrita histórica de Hanfeizi na China do século III a.C. Disponível em: . Acesso em: 24 nov. 2015.

Com a frustrada pretensão de abolir por completo o passado e reinventar a História a serviço do poder estabelecido, Hanfeizi foi vítima de intrigas palacianas e acabou condenado à morte. Foi também sob o reinado de Shi Huang Ti que começou a ser construída a Grande Muralha, destinada a proteger o império contra invasores nômades.

Akg-images/Latinstock/Biblioteca Britânica, Londres, Inglaterra.

Dinastia ChÕin

Representação do imperador Shi Huang Ti, retirada de um manuscrito do século XIX. Tudo o que era considerado hostil ao seu governo foi reprimido ou eliminado. Muitos textos de Confúcio foram destruídos nessa época, mas estudiosos acreditam que alguns deles foram salvos pelo próprio pensador. Outros povos da Antiguidade

113

A Grande Muralha

Marisa Estivill/Shutterstock

A Grande Muralha da China se estende de leste a oeste, na região norte do país. Com aproximadamente 2 300 quilômetros de extensão (tendo chegado anteriormente a cerca de 6 mil quilômetros), 7,5 metros de altura e 3,75 metros de largura, levou cerca de 2 mil anos para ser construída (de 220 a.C., aproximadamente, até o século XVI). Essa obra passou por vários períodos históricos e pode nos dizer muito sobre a China antiga. Sua construção envolveu grandes conhecimentos de engenharia e alto nível de desenvolvimento tecnológico, pois o muro acompanha o contorno de montanhas e vales. Suas torres de observação foram dispostas de maneira estratégica.

Trecho da Grande Muralha da China, em foto de 2015.

114

Capítulo 4

A Muralha não forma uma estrutura única, mas é composta de diversas muralhas construídas e retomadas por sucessivas dinastias. Calcula-se que tenha requerido o trabalho de milhares de pessoas pertencentes a muitas gerações, entre escravos, soldados e camponeses. Sua função original era defensiva, embora nem sempre tenha evitado invasões estrangeiras, como a dos povos que fundaram a dinastia Wei, no século IV d.C., e os povos das estepes liderados por Gêngis Khan (1162-1227), cujo neto conquistou a China e fundou a dinastia Yuan, em 1271. Desde 2007, a Muralha da China faz parte da lista das Novas Sete Maravilhas do Mundo, por eleição informal promovida por uma organização não governamental sediada na Suíça.

Dinastia Han

com regiões da Europa se intensificaram, utilizando os caminhos que formavam a Rota da Seda (veja o boxe Para saber mais da página seguinte). São também dessa época os registros escritos mais antigos sobre a acupuntura, que já era praticada havia milhares de anos e que se tornaria uma importante prática da tradicional medicina chinesa. A adoção do confucionismo como doutrina oficial não impediu a penetração do budismo, facilitada pela expansão do império a oeste, próximo à Índia, e pelas relações comerciais. O intercâmbio comercial era, ao mesmo tempo, intercâmbio cultural, religioso, científico, tecnológico, etc. Isso porque, em portos, feiras e entrepostos de negociação de mercadorias, comerciantes de diversas civilizações conviviam durante longos períodos antes de iniciar a viagem de volta.

Com a morte de Shi Huang Ti, em 210 a.C., ocorreram rebeliões internas e disputas pelo poder, e a dinastia Ch’in foi derrubada. Somente em 202 a.C., Lieu Pang conseguiu a reunificação imperial, iniciando a dinastia Han (202 a.C.-220 d.C.). Essa dinastia, contemporânea do Império Romano, expandiu seus domínios com várias conquistas, destacando-se os enfrentamentos com os hunos do norte – povos nômades e tradicionais adversários da China. Vastas áreas da Ásia oriental foram conquistadas, e o império chegou a se estender por boa parte da China atual, mais o Vietnã e a Coreia. Na produção de conhecimento histórico, deu-se ênfase às relações do passado com o presente chinês, com destaque para os historiadores Dong Zhongshu (179 a.C.-104 a.C.) e seu aluno Sima Qian (145 a.C.-90 a.C.). No período da dinastia Han, os chineses desenvolveram a técnica de fabricação de papel e inventaram a bússola. As relações comerciais com outros povos e mesmo

acupuntura: hoje adotada em diversas partes do mundo, consiste na estimulação, com o uso de agulhas, de pontos definidos do corpo. No Brasil, é reconhecida como especialidade médica desde 1995.

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Dinastia Shang (a partir de 1760 a.C.) Dinastia Zhou (a partir de 1100 a.C.) Dinastia Han (a partir de 202 a.C.)

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Adaptado de: WORLD Atlas History: Mapping the Human Journey. Londres: Dorling Kindersley, 2005. p. 260.

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Banco de imagens/Arquivo da editora

Banco de imagens/Arquivo da editora

Domínios das dinastias Shang, Zhou e Han

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1 090

km

Adaptado de: Embaixada da República Popular da China no Brasil. A China ABC. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2015.

Outros povos da Antiguidade

115

Para saber mais A Rota da Seda

Os mais diversos produtos circulavam pela Rota da Seda, como especiarias, linho, joias, madeira, chás, porcelana e objetos de vidro. Porém, a seda, uma das mercadorias mais cobiçadas na Europa e no mundo árabe, era considerada o produto mais importante dessa rede comercial. Por um bom tempo, apenas os chineses conheciam o segredo de sua fabricação, que tinha como matéria-prima o casulo de certas lagartas. Foi também pela Rota da Seda que se difundiram grandes inventos chineses, como o papel, a pólvora e os fogos de artifício.

A rota comercial mais importante da China foi a Rota da Seda – expressão criada no século XIX pelo pesquisador alemão Ferdinand von Richthofen (1833-1905). Durante mais de mil anos, esse caminho terrestre – já conhecido dos persas pelo menos desde o século VIII a.C. – foi provavelmente a única ligação significativa entre o Ocidente e o Oriente, unindo a China aos portos do Mediterrâneo (veja o mapa). O principal itinerário da rota tinha 12 mil quilômetros de extensão. Partia da China e chegava a Brusa, na atual Turquia, e aos portos de Antioquia, na Síria, e Constantinopla (a atual Istambul), na Turquia. A rota prosseguia então, por via marítima, desses portos até Veneza, na península Itálica. Ao longo do tempo, essa rota sofreu alterações, de acordo com a situação política dos diversos Estados cortados por ela. A rota só perdeu importância quando o navegador português Vasco da Gama (c. 1460-1524) descobriu o caminho marítimo para a Índia, em 1498. Era frequentada por mercadores persas, árabes, chineses e europeus, que percorriam seus milhares de quilômetros no lombo de camelos e outros animais, transportando mercadorias ao longo de montanhas, desertos e estepes em jornadas que podiam durar vários anos. Soldados, artistas, sacerdotes e peregrinos também cruzavam aqueles caminhos da Ásia central.

Dennis Cox/Alamy/Latinstock

Monumento construído em homenagem à Rota da Seda em Xian, China. Foto de 2006.

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Banco de imagens/Arquivo da editora

Rota da Seda

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OCEANO PACÍFICO

Dinastia Vakataka REINO FUNAM ESTADOS INDIANOS

REINO DE YAMATO

Trópico de Câncer

Mar Arábico REINO HYMIARITA

REINO DE SILLA

Dinastia Jin

km

IMPÉRIO GUPTA

Luoyang REINO DE BAEKJE

REINO CHAMPA

Rota da Seda Povos nômades da Ásia central

Dinastia Cingalesa

OCEANO ÍNDICO Equador

925 km

1 850 90º L

Adaptado de: BARRACLOUGH, Geoffrey. Atlas da história do mundo. São Paulo: Folha de S.Paulo, 1995. p. 70-71.

116

Capítulo 4

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome

Pratique

1.

10. Leia o texto abaixo sobre a cidade indiana de Harappa

Escavações feitas nas antigas cidades de Mohenjo-Daro e Harappa, no vale do rio Indo, localizado no território do atual Paquistão, revelam a existência de uma civilização sofisticada e de um Estado organizado há 5 000 mil anos. Quais foram os indícios encontrados pelos arqueólogos que lhes permitiram avaliar o grau de desenvolvimento do povo que viveu naquelas cidades?

2. Durante o segundo milênio antes de Cristo, os arianos instalaram-se na região do vale do rio Indo e desenvolveram uma rica civilização conhecida como védica, em virtude de um conjunto de textos por meio dos quais a conhecemos. Que textos são esses e do que eles tratam?

3. Na Antiguidade, desenvolveu-se no território onde hoje é a Índia um sistema de castas fundado na religião. Descreva o funcionamento desse sistema.

4. Como os vedas estavam organizados politicamente? 5. Por que a “Idade do Ouro” da Índia antiga é associada à dinastia Gupta (século IV a.C.)?

6. Na China, as primeiras grandes cidades se estabeleceram ao norte, às margens do rio Amarelo. Essas cidades foram reunidas sob um império pela dinastia Shang, cuja rica cultura material é testemunhada pelos objetos encontrados em escavações arqueológicas. Com relação a esses artefatos, faça o que se pede.

a) Pesquise na internet fotos de vestígios da cultura Shang. b) Imprima as imagens de três objetos que você considere interessantes e cole-as em seu caderno. c) Agora, apresente os objetos que você escolheu e comente com os colegas quais aspectos deles chamaram sua atenção e por quê.

7. Explique de que modo o poder dos imperadores chineses foi se deteriorando a partir do século V a.C. 8. Uma das obras mais grandiosas da China é a Grande Muralha. Com que objetivo ela foi erigida?

9. Durante a Idade Antiga, por todo o Extremo Oriente, houve intenso intercâmbio de crenças, textos e conhecimentos. Que fator favoreceu essa troca?

e responda às questões que o acompanham. O degelo do Himalaia provocava grandes cheias no vale do rio Indo, depositando camadas aluvionares altamente férteis nas planícies e propiciando o desenvolvimento de uma agricultura abundante capaz de abastecer grandes cidades. Uma dessas cidades cresceu às margens do rio Ravi, um importante afluente do rio Indo, sendo conhecida como Harappa [...]. Ameaçado pela água, o povo de Harappa aprendeu a conviver de maneira mais eficiente com essa ameaça. Uma característica das cidades do vale do rio Indo era a sofisticação do sistema de encanamento pelos quais a água servida corria para dutos ou esgotos centrais. Os esgotos, mantidos por uma autoridade municipal, eram forrados de tijolos e tinham aberturas a intervalos regulares para inspeção e manutenção. Cada casa dispunha de um banheiro com chão pavimentado em declive, além de um sistema de escoamento de água. MIGUEZ, Marcelo G; VERÓL, Aline P; REZENDE, Osvaldo M. Drenagem urbana: do projeto tradicional à sustentabilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. p. 51-52.

a) A cidade de Harappa ficava localizada em qual região da Índia? b) Quais vantagens e desvantagens a localização de Harappa oferecia aos seus habitantes? c) De que forma os habitantes da cidade contornaram as inconveniências de sua localização?

11. Em 1922, o escritor alemão Hermann Hesse (1877-1962) publicou o romance Sidarta. Sucesso imediato, o livro conta a história de Sidarta, jovem inquieto que decide abandonar a casa paterna e partir para uma aventura de autoconhecimento. No trecho a seguir, depois de passar muitos anos como um samana (espécie de eremita errante que vivia desapegado da vida material), Sidarta mais uma vez se sente impelido a viver novas experiências e recomeçar sua vida. Leia-o com atenção e responda às questões a seguir.

Outros povos da Antiguidade

117

Sidarta parou. Quedou-se imóvel. Notando a que ponto iria sua solidão, sentiu, por um instante, pela duração de um respiro, que o coração se lhe gelava o peito, estremecendo de frio, como um bichinho, um pássaro, uma lebre. Durante muitos anos andara sem lar e, no entanto, não o percebera. Nesse momento, porém, dava-se conta da falta. Sempre, ainda, que se distanciasse de tudo, nas mais longínquas meditações, prosseguia sendo o filho de seu pai, fora brâmane, aristocrata intelectual. Daí por diante, seria apenas Sidarta, o homem que acabava de acordar e nada mais. Com toda sua força, aspirou o ar. Por um momento, tremeu de frio e de horror. Ninguém estaria tão solitário quanto ele. Não havia nenhum nobre que não fizesse parte dos nobres; nenhum artesão que não pertencesse à

classe dos artesãos, encontrando agasalho entre seus semelhantes, vivendo a vida deles e falando a mesma língua; nenhum brâmane que não se incluísse no grupo dos seus pares e convivesse com eles; nenhum asceta que não pudesse buscar abrigo entre os samanas. Nem sequer o mais isolado de todos os ermitões da selva era um homem só, não levava uma existência solitária, porquanto também ele pertencia a uma classe que lhe propiciava um lar. Govinda tornara-se monge e milhares de monges eram seus irmãos, vestiam os mesmos trajes, tinham a mesma fé, falavam a mesma língua. E ele, Sidarta? Qual seria o seu lugar? Participaria ele da existência de outrem? Haveria pessoas que falassem a mesma língua que ele? HESSE, Hermann. Sidarta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 35.

a) Tendo por base seus conhecimentos sobre a história da Índia antiga, identifique a que grupo social Sidarta pertencia. Transcreva do texto acima o trecho que sustenta a sua resposta. b) O texto de Hermann Hesse esclarece que a situação social de Sidarta era atípica. Em que aspecto ela diferia da situação dos demais indianos?

c) Govinda, amigo de infância de Sidarta, tornara-se monge budista. Considerando o trecho do texto, podemos dizer que a difusão do budismo pela Índia mudou a estrutura social herdada da cultura védica? Justifique. d) O texto exemplifica uma sociedade dividida em castas. Com base em suas respostas anteriores, caracterize esse tipo de sociedade.

Articule passado e presente 12. Em 2009, o governo do Rio de Janeiro começou a erguer muros de concreto em favelas da cidade, argumentando que o objetivo das obras era prevenir a expansão da ocupação, além de proteger o que ainda existe da floresta nativa. Todavia, a medida despertou críticas, sendo considerada discriminatória por segregar a população pobre. Observe a imagem, reflita sobre o assunto e responda às questões a seguir.

b) As motivações dos antigos construtores de cidades existem ainda hoje? Explique. c) Considerando suas respostas anteriores, você concorda com as críticas feitas em relação à construção dos muros na cidade do Rio de Janeiro ou discorda delas? Justifique.

Trabalhadores constroem muro entre a favela Santa Marta e a Mata Atlântica, na cidade do Rio de Janeiro. Foto de 2009.

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Capítulo 4

Giuseppe Bizzarri/Folhapress

a) Ao longo da História, que motivações levaram os povos antigos a construírem muros?

Evidências e achados arqueológicos atestam que a América foi habitada na Antiguidade por diversas populações que viviam em regiões esparsas da América do Norte até a América do Sul.

Civilização Olmeca Os núcleos urbanos mais antigos de que se tem conhecimento no continente americano foram os do Norte Chico, na região do Peru atual, onde foi erguida a cidade de Huaricanga, por volta de 3500 a.C. Mais tarde, floresceu na América do Norte, entre 1200 a.C. e 400 a.C., na região

centro-sul do atual território do México, a civilização Olmeca. Seus habitantes, os olmecas, construíram monumentos em forma de gigantescas cabeças humanas, e pequenas esculturas em jade. Foram também o primeiro povo americano a utilizar um sistema de escrita.

Leituras

Escrita nas Américas tem quase três mil anos Um bloco de pedra com desenhos padronizados descoberto no México pode ser o mais antigo registro da existência de comunicação escrita nas Américas. O achado comprova que a civilização dos olmecas, que ocupou a região centro-sul desse país de  a.C. a  a.C., foi a primeira a desenvolver a linguagem escrita no continente. Estima-se que o bloco encontrado no sítio arqueológico de Cascajal, em Veracruz, tenha sido produzido entre  a.C. e  a.C. [...] O bloco de Cascajal antecipa em pelo menos  anos o surgimento de um sistema de escrita no continente americano – os mais antigos registros desse tipo de linguagem de que se tinha notícia até então eram do ano  a.C. Esse tipo de comunicação surgiu na América quase  mil anos depois do desenvolvimento do mais antigo sistema de escrita conhecido, criado na Mesopotâmia no quarto milênio antes de Cristo. [...] Os glifos (pictogramas gravados em pedra que retratam o ser humano em qualquer atividade, com o objetivo de comunicar) têm todos os aspectos esperados de uma linguagem escrita. O texto completo é formado por  sinais, em que  são desenhos distintos. Cada símbolo corresponde a uma

Cabeça olmeca esculpida em pedra, datada de c. 900 a.C.

unidade de significado e os diferentes agrupamentos dos sinais produzem sentidos distintos. Além disso, há evidências de que o bloco era um suporte específico para desenhar “letras”, porque a superfície foi preparada para a inserção do texto e para possibilitar que ele fosse apagado e refeito. [...] O significado do texto, no entanto, ainda é uma incógnita. “Ainda não é possível entender os glifos, porque falta uma tradução que associe essa nova linguagem a uma já conhecida”, afirma Stephen Houston, da Universidade Brown, nos Estados Unidos. [...] Anteriormente, pensava-se que os zapotecas (povo que habitou o sul do México entre os anos  a.C. e  d.C.) eram os responsáveis pela invenção da escrita na América. Adaptado de: LOVATI, Franciane. Ciência Hoje On-line, 14 set. 2006. Disponível em: . Acesso em: 9 dez. 2015. Rodriguez Martinez/Science Magazine

Pesquisas arqueológicas recentes têm contribuído para o desenvolvimento de novas abordagens historiográficas sobre as civilizações antigas que habitaram o continente americano. Uma delas revelou que foram os olmecas, e não os zapotecas, os pioneiros na invenção e utilização da escrita nas Américas.

Felix Lipov/Shutterstock

4 Civilizações americanas antigas

O bloco de Cascajal (à esquerda) pesa cerca de 12 quilos e tem 36 centímetros de comprimento, 21 centímetros de altura e 13 centímetros de largura. À direita, uma representação dos símbolos identificados no bloco.

Outros povos da Antiguidade

119

Chavín, zapotecas e toltecas Enquanto na Mesoamérica os olmecas construíam seus monumentos, a civilização dos chavín se formava na região do atual Peru, por volta de 700 a.C. Sua principal cidade era Chavín de Huantar. Outras sociedades, como a dos zapotecas e a dos toltecas, desenvolveram-se na Mesoamérica, no atual território do México. Por

volta de 100 a.C., a cidade de Teotihuacán era construída por povos da região, com palácios, templos, canais de irrigação e mercados. Duas grandes pirâmides de 60 metros de altura atestam o papel central da religiosidade. Em seu apogeu, Teotihuacán chegou a ter mais de 100 mil habitantes. Martin M303/Shutterstock

As pirâmides do Egito eram destinadas a abrigar e proteger os corpos mumificados dos faraós. Já na cidade-templo de Teotihuacán, elas eram usadas como edifícios cerimoniais. A principal via urbana da cidade é a avenida dos Mortos, com um conjunto arquitetônico que inclui a Pirâmide do Sol, a Pirâmide da Lua, o Templo de Quetzalcóatl, o Templo da Serpente Emplumada e outros templos e palácios. Ao lado, vista geral de Teotihuacán. Foto de 2015.

Império Inca

Um pouco mais ao sul, na região entre o México e a Guatemala atuais, floresceu a cultura maia, entre os séculos III e X. Os maias fundaram dezenas de cidades-Estado e tinham seu próprio sistema de escrita. Seus sacerdotes conheciam a aritmética e criaram dois calendários, um deles como o que hoje utilizamos, com ano de 365 dias. Seus artesãos construíram palácios, templos e pirâmides.

No século XIII, surgia na América do Sul, na região onde hoje se encontram o Peru, a Colômbia e outros países, o Império Inca, que chegou a reunir 10 milhões de pessoas. Mais de setecentas línguas eram faladas nas diversas nações que constituíam o império. A capital ficava em Cuzco, que hoje faz parte do Peru. O imperador era considerado um deus, descendente do Sol.

Matyas Rehak/Shutterstock

Civilização maia

Ruínas do Templo do Sol e convento de Santo Domingo em Cuzco, Peru. Foto de 2015.

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Capítulo 4

5 A África para além do Egito antigo Apesar dessa opinião equivocada de Hegel e de outros pensadores do século XIX, os povos da África subsaariana têm sua própria história, ou melhor, histórias. Essa região do continente reúne centenas de etnias e conheceu na Antiguidade diversos reinos e cidades, cada um deles com sua cultura e sua história. Nas regiões fronteiriças ao Egito antigo, por exemplo, formaram-se reinos na Etiópia e na Núbia. Já apontamos no Capítulo 3 que pesquisas arqueológicas destacam a formação do Egito por raízes africanas (ver página 87). Mais ao sul, povos que dominavam a metalurgia do ferro e falavam o idioma banto instalaram-se na região do rio Níger, na África ocidental (veja o mapa).

Durante muito tempo, o antigo Egito foi a única civilização da África estudada pelos historiadores ocidentais. Como já destacamos no Saber histórico da Unidade 1, esse desinteresse foi compartilhado pelo filósofo alemão Wilhelm Hegel (1770-1831), que afirmava que a África não fazia parte histórica do mundo (ver página 29). Evidentemente, o filósofo alemão sabia que uma civilização de milhares de anos se desenvolveu no Egito. Porém, ao se referir à África, ele certamente estava pensando no que se convencionou chamar de África subsaariana, ou seja, a porção do continente situada ao sul do deserto do Saara (veja mais no boxe Leituras na próxima página).

Vaso núbio de terracota (produzido em data desconhecida) com representação de um crocodilo. Esse vaso foi encontrado por equipes de escavações arqueológicas no Egito, em 1986.

A. Dagli Orti/De Agostini/Getty Images

Banco de imagens/Arquivo da editora

Expansão da língua banta Mar M editerr

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Trópico de Câncer

Rio Nilo

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DESERTO DO SAARA

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Equador Lago Vitória

OCEANO ÍNDICO

Lago Tanganica

OCEANO ATLÂNTICO

Lago Niassa Za Rio mbe

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Trópico de Capricórnio Primeira dispersão (início da Era Cristã) Segunda dispersão (século VII ou VIII)

DESERTO DE KALAHARI

Região de colonização banta 0

Floresta tropical úmida

10º L

805

1 610

km

Adaptado de: ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. Territórios das comunidades remanescentes de antigos quilombos no Brasil. Primeira configuração espacial. Brasília: Editora & Consultoria, 2005. p. 22.

Outros povos da Antiguidade

121

Foram encontradas no sítio arqueológico de Jenne-jeno, no atual Mali (veja mapa acima), inúmeras peças em cerâmica como esta representação de cavaleiro, datada do século XVI, aproximadamente.

Trópico de Câncer

MALI

Equador

OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Capricórnio

1 535 km

3 070 15º L

OCEANO ÍNDICO

Adaptado de: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2013. p. 63.

Leituras No texto a seguir, Kabengele Munanga, antropólogo congolês naturalizado brasileiro, destaca a pluralidade étnica e cultural presente no continente africano e critica generalizações como “África Negra ou subsaariana”, que desconsideram os descendentes de europeus presentes em seu território, bem como a existência de povos com línguas, costumes e tradições distintos.

Africanidades: um continente plural A África é um imenso continente de  milhões de quilômetros quadrados de superfície, que abriga diversas civilizações, milhares de etnias e culturas distintas. Possui uma população [...] distribuída entre centenas de povos que falam diversas línguas ao mesmo tempo diferentes e semelhantes. Geograficamente, o deserto do Saara do Norte criou uma divisão natural do continente em duas partes desiguais em extensão territorial: a África do norte e a África subsaariana. 2

122

A África do norte, chamada, segundo os interesses, ora de África Branca, ora de África árabe, abriga os países do Magreb (Marrocos, Argélia, Tunísia), Líbia e Egito. A África subsaariana, geralmente conhecida como África Negra pelo fato de a maioria de sua população ser negroide, compreende todos os povos e países da África ocidental, oriental, central e austral. Considerar negra toda a África subsaariana pode se constituir numa espécie de discriminação ou exclusão de uma minoria demográfica dessa população africana de ancestralidade ocidental, os eurodescendentes, que se encontram em sua maioria na República da África do Sul, Zimbábue, Namíbia, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil contemporâneo: histórias, línguas, culturas e civilizações. São Paulo: Global, 2009. p. 13.

Segundo a Divisão das Nações Unidas para a População, a população do continente africano em 2015 era superior a 1,1 bilhão de habitantes.

Capítulo 4

Banco de imagens/Arquivo da editora

Localização de Mali

Heini Schneebeli/The Bridgeman/Keystone

Na África ocidental, estima-se que as primeiras cidades tenham surgido cerca de três séculos antes de Cristo. Um exemplo é Jenne-jeno, no delta do Níger, no atual Mali, cuja existência e antiguidade só foram descobertas com escavações arqueológicas a partir da década de 1970. Por isso, embora essa cidade seja considerada patrimônio da humanidade pela Unesco, sua história ainda é pouco conhecida. As escavações já mostraram que em Jenne-jeno cultivavam-se arroz, sorgo, painço (um tipo de milho miúdo) e cereais em áreas inundadas. Sua população fazia joias e algumas ferramentas de ferro, embora não houvesse fontes de minério de ferro nas proximidades, o que indica a existência de relações comerciais com outras regiões.

O Reino de Kush ganhou destaque no final do último período da história independente do Egito antigo (século IX a.C.-século VI a.C.). Kush se localizava ao sul do território egípcio, em uma região rica em ouro que mais tarde foi denominada Núbia, onde atualmente ficam o Sudão e o Sudão do Sul. A cidade de Napata, capital do reino, tinha importante atuação como intermediária comercial entre Tebas (Egito) e a África central. Por volta de 750 a.C., os núbios de Kush conquistaram o Império Egípcio e estabeleceram um novo governo sob seu controle, conhecido como dinastia Kushita ou dos faraós negros.. O poderio kushita no Egito só desapareceu com a invasão assíria, por volta de 670 a.C. Em 653 a.C., os assírios foram derrotados pelo egípcio Psamético I (c. 664 a.C.-610 a.C.), príncipe de Saís, que retomou a independência egípcia. A partir de então, os faraós egípcios buscaram apagar os vestígios da presença do domínio kushita no Egito. Napata e várias cidades núbias antigas são alvo de estudos arqueológicos e históricos. Entre elas estão Pnubs, Naga, Cartum, Dongola, Atbara, Meroe, Kawa, Soba e outras. Por

meio do estudo de suas ruínas e vestígios, estão sendo levantados dados sobre o Reino de Kush e a importante atuação que os kushitas tiveram na região egípcia e centro-sul africana. Outro destaque do Reino de Kush foi a afirmação feminina no topo do comando político. Várias mulheres ascenderiam ao poder e se fariam retratar, de ancas largas, gordas e enérgicas, com uma túnica franjada, tão pouco egípcia, a cair do ombro direito, cheias de colares e enfeites.... COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 127.

Conhecidas como “rainhas-mães”, destacaram-se, por exemplo, o reinado da rainha Shanakdakhete (c. 170 a.C.-160 a.C.), quando o centro administrativo estava na cidade de ck sto Meroe, e também os das rainhas n i t /La bis or C / Amanirenas (40 a.C.-10 a.C.) e air Bl an th na Amanishakheto (10 a.C.-1 d.C.). o J O Reino de Kush ainda manteve sua atuação comercial pelos séculos seguintes, mas, diante da permanente ameaça de vizinhos e seguidas invasões, foi finalmente conquistado pelo reino de Axum, Axum em 325 d.C., como veremos mais à frente, no Capítulo 7.

Estátua produzida entre 800 d.C. e 350 d.C., durante o período meroíta (originário de Meroe) do Reino de Kush.

Sud‹o e Sud‹o do Sul

Trópico de Câncer

SUDÃO SUDÃO DO SUL Equador

OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Capricórnio

1 535 km

3 070 15º L

OCEANO ÍNDICO

Adaptado de: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2013. p. 63.

Pirâmides de Meroe, no Sudão, fotografia de 2015. Meroe foi o centro econômico do Império Kush. Dale Reubin/Cultura Creative/AFP

Outros povos da Antiguidade

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Banco de imagens/Arquivo da editora

O Reino de Kush

Construindo conceitos Reino, império, civilização

20th Century Fox/Everett Collection/Keystone

Nos filmes ou séries de televisão que abordam conteúdos históricos, são comuns as referências a reinos, impérios e civilizações do passado. Mas nem sempre as produções oferecem uma definição adequada desses conceitos, já que possuem certa liberdade criativa. É frequente, então, a ideia de império associada a exércitos poderosos e a noção de reino ligada à presença de uma corte real.

O filme estadunidenseÊxodo: deuses e reis (2014),dirigido por Ridley Scott, traz uma representaçãoda civilização egípcia segundo as pesquisas e as interpretações feitas pelo diretor e pela equipe de produção da obra.

Esses conceitos, elaborados e discutidos por historiadores e outros especialistas, buscam definir as sociedades humanas a partir de um conjunto de características sociais e políticas. Podemos, então, estudá-las tendo em vista que se diferenciam umas das outras, assim como mantêm traços comuns que permitem comparações. Conforme os conhecimentos humanos se transformam, as noções de reino, império e civilização também se alteram. Muitas vezes, os pesquisadores discordam das definições dadas por outros estudiosos e participam de acalorados debates para esclarecer o que seria uma civilização ou quais seriam as características definidoras de um império.

124

Capítulo 4

No estudo da História, esses termos são utilizados para tratar dos povos da Antiguidade, caracterizando determinadas sociedades a partir do modo como organizaram o poder político e como se relacionavam com os povos a sua volta. Em linhas gerais, definimos esses conceitos da seguinte forma: Reino é uma unidade territorial e política definida pelo poder de um monarca (rei, príncipe, faraó, sultão, etc.), cujo título é vitalício, isto é, para a vida toda e hereditário (herdado de seus ascendentes e transmitido para seus descendentes).

Império é uma unidade política baseada no domínio de um imperador que detém o poder sobre vastas extensões de terra, agregando outros povos e culturas sobre a sua autoridade. Civilização refere-se a uma sociedade humana com características culturais semelhantes, incluindo o mesmo nível de desenvolvimento material, idioma e religião. A partir desses conceitos, podemos comparar, por exemplo, as formas de controle político do Império Persa e do império egípcio, assim como identificamos as características comuns entre as civilizações mesopotâmica e romana. Porém, é preciso levar em conta as transformações históricas de cada povo e as mudanças dos próprios conceitos ao longo do tempo. Vejamos dois exemplos: 1o exemplo: da fundação de Roma (século VIII a.C.) até o século VI a.C., a cidade era governada por uma monarquia com poder local. Dois séculos depois, iniciou-se um processo de expansão sobre a Península Itálica e, posteriormente, por territórios que incluíam a Europa ocidental e faixas litorâneas da África e do Oriente Médio.

Roma, portanto, surgiu como um pequeno reino, tornou-se um extenso império após a dominação de outros povos e, assim, expandiu a civilização romana, com características econômicas, políticas e culturais que influenciaram outros grupos humanos sob seu comando. 2o exemplo: no século XVI, difundiu-se na Europa a ideia de que os povos cujo desenvolvimento técnico e cultural se assemelhasse às sociedades europeias eram civilizados, enquanto os povos com características distintas eram vistos como “incivilizados” ou “bárbaros”. Assim, podia-se falar numa civilização chinesa ou numa antiga civilização persa, mas não se falava em civilizações no continente africano (exceto o Egito) ou no continente americano. Hoje, o conceito de civilização é utilizado para descrever grandes unidades culturais que caracterizam a história de um povo, identificando, assim, uma civilização maia na América Central ou uma civilização swahili, na costa africana do oceano Índico.

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

1. Pergunte a alguns amigos ou parentes o que eles entendem por “civilização” e “civilizado”. Anote as respostas.

2. Pesquise em sites da internet os conceitos de “civilização” e “barbárie”. Elabore um resumo da sua leitura.

3. Em dupla, apresente os seus resultados para seu colega e, em seguida, identifiquem os diferentes significados atribuídos ao conceito de civilização.

IR Stone/Shuitterstock

4. Enumerem esses significados e apresentem para a classe.

Ruínas do Fórum Romano, importante centro na formação do império e da civilização romana. Roma, Itália, foto de 2016.

Outros povos da Antiguidade

125

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 13. Quais foram os núcleos urbanos mais antigos de que se tem notícia na América? 14. Numa época em que as mulheres eram consideradas inferiores aos homens na maioria das civilizações antigas, no Reino Kush elas desfrutavam de uma condição diferenciada. Descreva essa situação com base no que você estudou no capítulo.

Pratique

Legenda. Aguardando iconografia

Daderot/Wikipedia/Wikimedia Commons

15. Observe abaixo uma representação do príncipe Arikankharer, que governou a Núbia por volta de 15 d.C.:

Relevo meroíta datado do século I d.C.

a) Descreva a postura e os gestos do príncipe. b) Em sua opinião, que imagem do príncipe o relevo buscava construir? Que elementos da imagem sustentam sua resposta anterior? 126

Capítulo 4

Museu Egípcio Nacional do Cairo, Egito/Bridgeman Images/Keystone

c) Observe agora a próxima imagem, representando o faraó Ramsés II, que reinou sobre o Egito no século XIII a.C. Que semelhanças você identifica entre ela e o relevo meroíta?

d) Releia o tópico “O reino de Kush” e, com base nas informações pesquisadas, levante uma hipótese para explicar a semelhança entre as duas figuras.

e) As duas representações foram elaboradas em épocas distintas, separadas por um período de 1 300 anos, aproximadamente. Essa informação nos permite tirar que conclusão sobre as artes egípcia e núbia da Antiguidade?

Relevo do faraó Ramsés II em pedra, c. 1297 a.C.-1185 a.C.

Analise uma fonte primária

J.Enrique Molina/Alamy/Latinstock

16. A imagem a seguir mostra parte de um complexo de afrescos, que nos oferece um rico panorama da vida dos maias no auge de sua civilização. Observe-a atentamente e faça o que se pede:

Afresco datado do século VII, localizado no sítio arqueológico de Bonampak, em Chiapas, no México, próximo à fronteira com a Guatemala.

a) Descreva a composição. Preste atenção nas cores, no número de personagens representados, sua posição na obra, seus gestos e expressões. b) A composição dirige o olhar do observador para qual ponto do mural? Como isso é feito pelo artista? c) É possível identificar na pintura quem são os personagens maias e aqueles que não são maias? Justifique. d) É possível diferenciar a condição social dos personagens maias representados? Explique. e) Que aspecto da vida maia está sendo representado? f) Quais informações sobre os maias podemos extrair da imagem? Outros povos da Antiguidade

127

CAPÍTULO

5

GrŽcia antiga Aloisio Mauricio/Fotoarena

Registro da ocupação das escolas estaduais na cidade de São Paulo. Em 2015, algumas escolas paulistas foram ocupadas por seus próprios alunos que reivindicavam o cancelamento de um projeto do governo estadual. Quase um mês depois o governo estadual suspendeu a implantação do projeto. Na foto, assembleia iconografia de estudantes que ocupavam pelo terceiro dia consecutivo a Escola Aguardando Estadual Fernão Dias Paes na capital paulista.

A democracia como forma de participação política tem história: sua principal referência está na Grécia antiga. Desde aquela época, a prática democrática exigia que os membros de uma coletividade tivessem acesso a informações, e pudessem se expressar e ouvir as opiniões de todos, a fim de tomarem uma decisão. Na atualidade, em que há inúmeros canais de informação e de expressão, o exercício da democracia está garantido? Que fatores podem influenciar a participação política das pessoas? 128

1 Aspectos físicos da Grécia Nos capítulos anteriores vimos como grandes rios foram importantes para o surgimento das primeiras cidades. No caso da Grécia, o meio ambiente também é um fator fundamental. Entretanto, para a civilização grega o fator decisivo não foram os rios, mas o mar, sobretudo os mares Mediterrâneo, Jônico e Egeu. A formação da Grécia compreende um conjunto de povos que se desenvolveram no sul da península Balcânica – cercada pelo mar a leste, sul e oeste –, nas ilhas vizinhas e no litoral da Ásia Menor. península Balcânica: também chamada de Bálcãs, é a denominação histórica e geográfica da região sudeste da Europa, que engloba atualmente a porção da Turquia no continente europeu, Grécia, Bulgária, Macedônia, Albânia, Romênia, Sérvia, Montenegro, Kosovo, Bósnia-Herzegovina, Croácia e Eslovênia.

Os nomes Grécia e gregos surgiram entre os romanos (do latim Græcia). Os próprios gregos chamavam a si mesmo de helenos, e a seu território de Hélade (terra de Heleno). Na Hélade não havia um Estado unificado, apesar de utilizarmos a denominação Grécia. Nessa região, as condições geográficas, como o relevo montanhoso, as diversas reentrâncias do mar na parte continental, uma grande quantidade de ilhas e o consequente isolamento relativo das cidades facilitaram a organização de cidades-Estado autônomas. Mesmo assim, os helenos de cada cidade-Estado não deixavam de se considerar

pertencentes a uma mesma comunidade cultural. Segundo o historiador François Lefèvre, [a] interpenetração das terras, majoritariamente montanhosas, e do mar, o que dá à região seu aspecto tão atraente – hoje trunfo da indústria turística, [foi] outrora um provável estimulante da sensibilidade estética e da prontidão intelectual. LEFÈVRE, François. História do mundo grego antigo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 39-40.

As condições geográficas da região também tiveram importância militar. Os helenos souberam aproveitar determinadas posições de seu relevo, como a passagem de Termópilas e a baía de Salamina, por exemplo, em guerras e conflitos. O solo pouco fértil da península Balcânica e as dificuldades de aproveitamento agrícola dificultavam o abastecimento das cidades. Isso contribuiu para que os gregos se dedicassem à expansão comercial e marítima a partir do século VIII a.C. Assim, tomaram a navegação o principal meio para trocas de produtos. A navegação também ajuda a explicar a criação de comunidades gregas em diversos pontos da orla do mar Mediterrâneo, especialmente no sul da Itália, na região conhecida como Magna Grécia. Veja o mapa da página seguinte. Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Onde e quando Aldeias neolíticas

Período Pré-Homérico ± 2000 a.C.

Período Período Clássico Arcaico 451 a.C. a ± 800 a.C. ± 510 a.C. 490 a.C. 429 a.C.

Civilização micênica

Banco de imagens/Arquivo da editora

Civilização cretense

± 1450 a.C. a ± 1200 a.C.

Período Homérico ± 1200 a.C.

Início das Guerras Médicas

Período Helenístico 431 a.C. a 404 a.C.

Guerra do Peloponeso

Governo de Péricles em Atenas

338 a.C.

336 a.C. a 323 a.C.

Governo de Alexandre Magno

Batalha de Queroneia: Grécia cai sob o domínio da Macedônia, de Filipe da Macedônia

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

Grécia antiga

129

A ocupação da península Balcânica ocorreu ainda no Paleolítico por volta de 40000 a.C. Estudos arqueológicos afirmam que a navegação, a agricultura e a criação de animais começaram a ser desenvolvidas na região durante o período Neolítico, por volta de 7000 a.C. Evidências encontradas em sítios arqueológicos confirmam que essas atividades se espalharam por várias ilhas do mar Egeu. Para alguns estudiosos, sinais de crescimento demográfico, de uso de metais, de produção cerâmica e artesanal, de pesca, de navegação e de edificações indicam a existência de uma primeira civilização na península Balcânica, denominada civilização cicládica. Localizada nas ilhas Cíclades no mar Egeu, que receberam esse nome por causa de sua disposição circular, essa civilização surgiu a partir de 3000 a.C., aproximadamente. Estudos apontam que perto de 2300 a.C. ocorreram grandes mudanças que levaram ao predomínio de outras civilizações na região: a civilização cretense, que se desenvolveu na ilha de Creta, e a civilização micênica, que surgiu na península Balcânica.

sailko/Wikipedia/Wikimedia Commons

2 Povoamento e período pré-helênico

Esculturas produzidas na época da civilização cicládica. Museu Arqueológico Nacional de Atenas, Grécia.

Banco de imagens/Arquivo da editora

A Grécia antiga 10º L

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Ilhas PELOPONESO Cíclades

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240

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Os gregos antigos estabeleceram as bases de seu desenvolvimento na atividade comercial e na expansão marítima. Observe os mares que banham os territórios gregos, a localização da Grécia continental e as ilhas situadas no mar Egeu, que formam a Grécia insular. Adaptado de: BARRACLOUGH, G. The Times Concise Atlas of World History. London: Times Books Limited, 1986. p. 19.

130

Capítulo 5

Civilização cretense A origem da sociedade grega está ligada ao desenvolvimento das civilizações cretense, também conhecida como minoica, e micênica. A civilização cretense floresceu na ilha de Creta a partir do segundo milênio a.C. Seus principais núcleos organizaram-se ao redor de grandes palácios, como o de Cnossos, Festo, Mália e Cato Zacro, onde eram controladas as atividades políticas, religiosas e econômicas. Pesquisadores presumem que tais construções eram espaços importantes de um sistema centralizado de governo, também conhecido como sistema palacial, cuja riqueza vinha da navegação e do predomínio do comércio nos mares da região durantes séculos. Era o palácio que controlava a produção, a estocagem e a troca de produtos. minoica: relativo a Minos, rei de Creta.

A religião cretense fazia parte de uma tradição religiosa mais ampla que envolvia todo o Mediterrâneo Oriental, com ídolos que evoluíram de tempos pré-históricos remotos. Essa religião contava com certa predominância feminina, demonstrada por várias deusas que eram cultuadas em cavernas, templos e a céu aberto. Entre elas, destaca-se a “Grande Mãe”, figura divina que representava a terra e a fertilidade. Os vestígios mais antigos de escrita da civilização cretense datam do século XIX a.C., aproximadamente. Eles apresentam um sistema de escrita chamado de Linear A, que ainda não foi decifrado. No entanto, muito do que se conhece sobre o sistema palacial foi registrado em outro padrão de escrita, denominado Linear B. Trata-se de um padrão derivado da escrita cretense que foi muito utilizado durante o auge da civilização micênica, no século XIV a.C.

O Minotauro

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Segundo a mitologia grega, Minos conquistou a cidade-Estado grega de Atenas e impôs o pagamento anual de um tributo: sete rapazes e algumas moças atenienses. Eles deveriam ser entregues aos cretenses para servir de alimento para o Minotauro, monstro com a cabeça de um touro no corpo de um homem, que habitava um labirinto. Ariadne, uma das filhas de Minos, se apaixonou pelo herói Teseu, que livrou Atenas dessa obrigação ao matar o Minotauro.

Teseu enfrenta o Minotauro, escultura em mármore de Jean-Étienne Ramey, 1826, exposta no Jardim das Tulherias, em Paris.

Grécia antiga

131

Civilização micênica

Jônios, eólios e dórios

A civilização micênica foi fruto da interação entre a civilização cretense e a população de aqueus, de origem indo-europeia, provavelmente presente na península do Peloponeso desde o século XVII a.C. Várias cidades autônomas espalhadas por essa península resultaram dessa interação. Elas constituíam pequenos núcleos, com administração monárquica, e eram fortemente militarizadas. Micenas é a mais conhecida e a mais estudada dessas cidades, graças ao grande número de achados arqueológicos ali encontrados, o que levou os estudiosos a darem o nome de “micênica” a essa civilização. Apesar da fama, Micenas não foi um centro único de poder.

Entre os séculos XIX a.C. e XII a.C., a península Balcânica recebeu ondas migratórias de outros povos de origem indo-europeia: jônios, eólios e dórios. E, perto de 1200 a.C., os sinais mais evidentes do predomínio micênico desapareceram. Quanto ao fim do período micênico, o historiador François Lefèvre afirma que é um dos maiores enigmas da Antiguidade. Considerado durante muito tempo como súbito e geral, o fim do mundo micênico é hoje entendido diferente e diversamente pelos arqueólogos. [...] [ No fim do micênico] se notam também certa recomposição e uma efervescência [...]. Em todo caso, os fenômenos são complexos o bastante para que os termos ruptura e continuidade se mostrem excessivamente esquemáticos, e hoje se tende a falar de metamorfoses ou de transformações.

Peloponeso: península no sul da Grécia cujo nome deriva do herói grego Pélope, filho de Tântalo e antepassado dos Átridas, que teriam dominado toda a região.

LEFÈVRE, François. História do mundo grego antigo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p. 69 e 83.

Os micênicos tiveram destaque no cultivo de grãos e no uso e na confecção de cerâmicas. Além disso, destacaram-se na prática do comércio e da pirataria. Utilizavam a escrita e praticavam uma forma de religiosidade muito próxima à da civilização cretense.

Entre os possíveis fatores que provocaram essa mudança, estão terremotos, perturbações climáticas (que teriam afetado a produção agrícola e a vida econômica) e distúrbios sociais, além da presença dos dórios.

Banco de imagens/Arquivo da editora

As invasões indo-europeias 30º L

40º N

Macedônia

dórios 1200 a.C.

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Atenas

Ásia Menor

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Mar Jônico Esparta Lacônia

Observe a localização de Atenas e Esparta, as duas cidades-Estado mais importantes da Grécia antiga.

Mileto

Ilhas Cíclades Rodes

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80 km

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Eólios Jônios

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M e d i t e rr â n e o

Adaptado de: BARBERIS, Carlo. Storia Antica e Medievale. Milano: Casa Editrice G. Principato S.p.A., 1997. p. 90.

132

Capítulo 5

Leituras O arqueólogo brasileiro Álvaro Allegrette é pesquisador da École Française d’Athènes, instituição francesa sediada na Grécia, e um dos maiores especialistas em civilização cretense. Leia o comentário desse pesquisador, em reportagem de Rodrigo Gallo:

Sítios arqueológicos na Grécia

lornet/Shutterstock

Por conhecer profundamente a estrutura dos edifícios minoicos, Allegrette fala com propriedade: o palácio de Cnossos, em Heráclio, onde o ateniense Teseu teria matado o Minotauro, realmente é um labirinto. O prédio possui sete pavimentos, inclusive quatro abaixo do pátio central, tornando-o confuso para quem não conhece bem sua arquitetura.

Isso comprova que a mitologia cretense tem uma base fundamentada na realidade daquele povo. [...] dentro de 15 anos, será possível conhecer muito mais sobre o povo minoico. O motivo é que a linguagem conhecida como Linear A, ainda não decifrada, está sendo decodificada aos poucos pelos especialistas por conta de novos achados arqueológicos escritos nesse idioma. A importância disso é que, com esse conhecimento, será possível desvendar melhor os antigos hábitos e rituais religiosos do povo de Mália e Cnossos [...]. O arqueólogo argumenta ainda que a mitológica Guerra de Troia, narrada pelo poeta Homero, pode realmente ter ocorrido na Antiguidade. Porém, ele acredita que o conflito não foi ocasionado pelo rapto de Helena de Esparta, mas sim pela hegemonia das rotas comerciais da região. Enfim, para Allegrette, mitologia e história se misturam, dando origem às culturas gregas pré-helênicas. GALLO, Rodrigo. Álvaro Allegrette: o explorador de Mália. Leituras da História. Portal Ciência e Vida, Escala, Edição 3. Disponível em: . Acesso em: 3 dez. 2015.

pré-helênicas: denominação das culturas que se referem ao período inicial de ocupação dos territórios gregos. Esse período também é denominado Pré-Homérico.

Ruínas do Palácio de Cnossos, edificado no século XVI a.C., aproximadamente. Fotografia de 2014.

3 Transformações: do Período Homérico ao Período Arcaico Por meio de dados arqueológicos, estudiosos notaram uma clara diminuição da cultura material durante o Período Homérico, que vai do século XII a.C. ao século VIII a.C. Os estudiosos notaram também que a população diminuiu. Além disso, durante esse período, os núcleos rurais voltaram a predominar, caracterizando certa fragmentação da organização social e política. Os vestígios materiais, inclusive documentos escritos, se tornaram escassos. Esse quadro não ocorreu de forma uniforme por toda a península Balcânica e pelas ilhas, mas provavelmen-

te foi um fator no deslocamento de habitantes ocorrido entre os séculos IX a.C. e VIII a.C. Este movimento migratório é denominado Primeira Diáspora Grega.

cultura material: refere-se ao conjunto de objetos, como ferramentas, esculturas e edificações, produzidos por determinada sociedade. Esses vestígios são estudados por pesquisadores, arqueólogos, historiadores, etc. diáspora: do grego diaspeirein, que significa ‘espalhar, dispersar’. Refere-se ao deslocamento forçado ou incentivado de grandes contingentes populacionais. Grécia antiga

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As poucas informações dessa época, posterior à hegemonia das civilizações cretense e micênica, decorrem de pesquisas arqueológicas e de informações extraídas de Ilíada e Odisseia, poemas épicos de Homero (veja mais no boxe abaixo). Essas obras foram elaboradas no século VIII a.C., época em que os historiadores acreditam que a escrita foi retomada, com um alfabeto formado a partir da escrita fenícia. A rápida difusão e o grande alcance desse alfabeto ocorreram graças a um número limitado de letras (20) e sua simplicidade gráfica.

Ilíada e Odisseia fazem alusão à sociedade do século XII a.C. e à própria época em que havia vivido Homero (século VIII a.C.), cujo nome passou a ser utilizado por historiadores para denominar esse período. O período anterior, marcado pelas civilizações cretense e micênica, é denominado de Período Pré-Homérico. poema épico: narrativa em versos que conta um episódio ou fato heroico da história de um povo ou de uma localidade. Muitas vezes, batalhas e ações heroicas são descritas nos poemas épicos. Em um poema épico podemos encontrar uma narrativa longa, repleta de façanhas, em que eventos históricos se misturam com personagens míticos.

Para saber mais Fontes literárias na História: Homero e Hesíodo Segundo a tradição, Homero era um poeta cego. Na Ilíada, poema com cerca de 15 mil versos, ele narra os acontecimentos do décimo e último ano da Guerra de Troia, provocada por uma disputa entre Aquiles e Agamenão. Na Odisseia, Homero narra o retorno de Ulisses à cidade de Ítaca em 12 mil versos, aproximadamente. Estudiosos especializados na análise dessas obras defendem se tratar de um ou dois autores. Ilíada e Odisseia teriam sido elaboradas com algumas dezenas de anos de intervalo. Além dos poemas de Homero, existem também outras fontes escritas importantes para o estudo do período. Entre elas, destacam-se também os poemas Teogonia e Trabalho e os dias, de Hesíodo. Em Trabalho e os dias, Hesíodo relata suas desavenças com seu irmão Perses quanto a uma herança. O livro também traz testemunhos sobre o campesinato de sua região, a Beócia. Em Teogonia, o autor apresenta a genealogia dos deuses, os mitos, a origem do mundo, as gerações divinas e a obrigação de todos respeitarem as divindades imortais. Todas essas obras foram analisadas por estudiosos interessados em conhecer mais sobre a Grécia desse período. Ao pesquisar fontes literárias, o historiador se coloca diante de um tipo especial de problema: interpretar uma ficção. Além de separar aspectos “verdadeiros” de “falsos”, é necessário também identificar elemenck sto rbi Co

134

Capítulo 5

atin

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tos da vida cotidiana, do imaginário e da sociedade da época em que a obra foi escrita. Nesse trabalho, os pesquisadores partem do pressuposto de que as obras literárias não relatam necessariamente fatos reais. Porém, como se dirigiam à população do período, usavam informações do contexto em que elas viviam. Entre essas informações, estão linguagem, costumes e mitos, por exemplo. Tais informações revelam não apenas o modo de pensar e a visão do autor (ou autores), mas também características daquela sociedade. Uma fonte literária não pode ser o único recurso de conhecimento sobre uma sociedade. Como vimos, existem muitas fontes possíveis para o historiador, como utensílios, esculturas, construções, pinturas, etc. Os pesquisadores podem comparar as informações extraídas das narrativas gregas com outras fontes do mesmo período ou, até mesmo, com fontes posteriores (como comentários de outros autores, por exemplo). A combinação dessas diferentes informações possibilita a construção de hipóteses e interpretações históricas. A descoberta de novas fontes ou o desenvolvimento de novas formas de pensar sobre as fontes já existentes podem alterar as conclusões dos estudiosos sobre determinado período. Reprodução de busto de Homero em mármore, provavelmente do século I ou II. Museu Britânico, Reino Unido.

Economia e sociedade no Período Homérico De acordo com algumas interpretações históricas, durante o Período Homérico prevaleceram, em várias regiões, comunidades gentílicas, constituídas de pequenas unidades agrícolas autossuficientes denominadas genos. Nos genos, bens econômicos, como terras, animais, sementes e instrumentos de trabalho, estavam sob o controle do chefe comunitário, chamado pater, que exercia funções religiosas, administrativas e judiciárias. A relativa pobreza do solo encontrado na península Balcânica e a expansão demográfica desestabilizaram a sociedade gentílica. As disputas pelas terras cultiváveis e o surgimento de proprietários, não proprietários e grupos que passaram a se dedicar ao comércio provocaram conflitos entre os diversos genos. Esses conflitos ajudaram a moldar as relações sociais e de poder: os mais poderosos de vários genos se uniram para estabelecer um poder controlador e forte. Os parentes mais próximos do pater apropriaram-se das terras mais ricas e passaram a ser conhecidos como eupátridas (‘bem-nascidos’). O restante das terras ficou para os georgoi (‘agricultores’), pequenos proprietários. Os trabalhadores camponeses em geral, que não estavam nessas categorias, foram os mais desfavorecidos e ficaram sem a posse de terra. Eram denominados thetas (‘marginalizados’). O crescimento demográfico e a escassez de terras fizeram com que os excedentes populacionais buscassem outras áreas para sobrevivência. Ganhou força,

Peter Connolly album akg-images/Latinstock

assim, um processo de expansão, com o estabelecimento de diversas póleis (cidades-Estado gregas) em regiões banhadas pelo Mediterrâneo, especialmente no sul da península Itálica e na Sicília. O processo ficou conhecido como Segunda Diáspora Grega. Os gregos também se voltaram para o mar Negro e fundaram novas cidades em seu litoral (veja o mapa desta página). Desse modo, surgiram mais de cem póleis gregas na península Balcânica e na orla do mar Mediterrâneo. Entre elas, as mais importantes eram Atenas e Esparta. Tendo como ponto geográfico central a Acrópole – local mais elevado da povoação e em torno da qual se desenvolvia um núcleo urbano –, as cidades-Estado foram inicialmente governadas oligarquia: é o governo por reis (os basileus). Mais de poucas pessoas; o retarde, as póleis adotaram gime oligárquico se funum regime oligárquicodamenta no exercício do poder por parte de um -aristocrático, liderado pegrupo reduzido de peslos grandes proprietários soas, pertencentes à mesma família, grupo ou de terras reunidos em um classe social. conselho de eupátridas. A aristocracia: forma de consolidação das póleis governo na qual o poder está nas mãos de grupos grega marca o fim do Peprivilegiados; a palavra ríodo Homérico e o início significa, literalmente, ‘poder dos melhores’. do Período Arcaico.

Acrópole

Observe no mapa abaixo a expansão grega pelo Mediterrâneo: na Primeira Diáspora, essa expansão dirigiu-se em especial para a Ásia Menor; na Segunda, para o sul da península Itálica, na Magna Grécia. Ágora Banco de imagens/Arquivo da editora

A expansão grega 5° L

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Mar Negro (Ponto Euxino)

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Território grego até o século VIII a.C. Território colonizado pelos gregos entre os séculos VIII e VI a.C. Área de comércio dos gregos Área de comércio dos fenícios Colônias gregas Colônias fenícias

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Adaptado de: BARBERIS, Carlo. Storia Antica e Medievale. Milano: Casa Editrice G. Principato S.p.A., 1997. p. 92.

Acima, vemos a constituição da pólis grega de Atenas: Acrópole (‘cidade do alto’) – parte mais elevada da pólis, área fortificada onde os templos e principais edificações eram construídos; Ágora – praça principal, área mais pública da pólis, onde se localizavam os mercados, as feiras e onde se reuniam as assembleias do povo. Grécia antiga

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Esparta: oligarquia e militarismo Esparta foi fundada pelos dórios no século IX a.C. na região da Lacônia, na península do Peloponeso. Trata-se de um território fértil, exceção no conjunto geográfico grego. Os dórios dominaram a população local e até o século VII a.C. a sociedade espartana teve um desenvolvimento semelhante ao das demais póleis gregas. Porém, as dificuldades econômicas do Período Homérico, pelas quais passaram as demais cidades-Estado foram menos acentuadas em Esparta, que não passou por uma grande escassez agrícola. A sociedade espartana era formada por:

espartanos: principal grupo social e elite militar, composto pelos descendentes dos conquistadores dórios. Eram eles que detinham o poder econômico – recebiam lotes de terras –, concentravam também o poder político e religioso, marginalizando as demais categorias sociais e utilizando a força militar para manter seus privilégios;

periecos: habitantes das redondezas da pólis. Dedicavam-se à atividades rejeitadas pelos espartanos, como o artesanato e o comércio em pequena escala;

Diferentemente do restante da Grécia, Esparta não passou pelas transformações econômicas (expansão do comércio, criação de novas cidades ao redor do Mediterrâneo que mantinham fortes laços comerciais e religiosos com a pólis de origem) e sociais (ascensão de comerciantes enriquecidos e empobrecimento de pequenos proprietários) ocorridas nas demais cidades-Estado. Tais transformações foram responsáveis por disputas políticas e sociais. Elas também favoreceram a introdução da democracia em muitas póleis, mas não em Esparta, que permaneceu oligárquica e aristocrática. Os espartanos eram numericamente inferiores aos hilotas e se militarizaram, como forma de manter a ordem vigente. A educação espartana, sob responsabilidade do Estado, enfatizava o treinamento militar, exigindo obediência e aptidão física. Crianças com deficiência física eram sacrificadas ao nascer. Meninos saudáveis eram separados da família aos 7 anos de idade e entregues ao Estado para receber formação militar. Aos 18 anos, estavam prontos para ingressar no exército como hoplitas, soldados de infantaria armados de lanças e escudos. Aos 30 anos, podiam casar-se e participar da vida política. Deixavam de ter obrigações militares aos 60 anos, idade com que poderiam ser eleitos para a Gerúsia.

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Capítulo 5

Espartanos

Periecos

Hilotas

Rodval Matias/Arquivo da editora

hilotas: servos que eram propriedade partilhada entre a cidade-Estado e os espartanos. Não tinham direitos políticos e eram obrigados a pagar uma renda sobre as colheitas. Os hilotas descendiam dos habitantes da Lacônia que foram dominados pelos dórios. Segundo a tradição espartana, a legislação desta pólis foi criada por Licurgo, uma figura lendária. Suas leis asseguravam o monopólio político dos espartanos e a marginalização dos demais grupos sociais. Como em outras cidades-Estado gregas, um sistema oligárquico também foi instituído em Esparta. Esse sistema era encabeçado pela Apela (assembleia de guerreiros) e pela Gerúsia (conselho com funções legislativas, constituído de anciãos membros das famílias mais ricas). Entretanto, ao contrário de outras póleis, em Esparta a chefia do governo era exercida por dois reis, e não apenas um.

Para saber mais

Leemage/Corbis/Latinstock

Outros olhares sobre Esparta Embora vista como oligárquica e fechada, Esparta foi uma das primeiras póleis gregas a criar um governo constitucional em que todo cidadão espartano era igual perante a lei e o governante não podia fazer o que bem entendesse, tendo de, como qualquer cidadão, submeter-se à lei. Em estudo recente, o historiador Paul Cartledge, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), demonstra que, como os outros gregos, os espartanos eram altamente competitivos e prezavam muito a liberdade. No contexto espartano, liberdade significava que os cidadãos não seriam obrigados – graças aos servos – a fazer nenhum trabalho manual, exceto nos assuntos de guerra, e que eles eram livres para governar a si mesmos, por um sistema de governo de controle mútuo, ordens e obediência, submetido à disciplina militar espartana. Foi uma espécie caserna: acomodade “Estado-caserna”, único no mundo grego antigo. Nele, as mulheres ção construída para espartanas tinham uma vida mais ativa do que em Atenas, onde o alojamento de solpermaneciam em casa, não tinham direitos políticos e deviam obedados. diência ao pai e ao marido (veja a próxima seção Leituras). Ao longo dos séculos, Esparta tem sido alvo de fascinação e repulsa. Um exemplo mais extremado surgiu entre 1941 e 1942 (período da Segunda Guerra Mundial, conflito que ocorreu de 1939 a 1945). Naqueles anos, estudiosos consideravam que Esparta teria sido o “‘mais luminoso exemplo de Estado com base racial da história humana’ segundo uma definição hitleriana”1, ou seja, nazista. Estatueta de bronze de um guerreiro hoplita, 530 a.C. Museu Arqueológico de Sibari, Itália.

Atenas, constru•‹o da democracia A região de Atenas, localizada na península Ática, foi ocupada inicialmente pelos aqueus, seguidos pelos eólios e pelos jônios. Por volta do século X a.C. ocorreu uma unificação de famílias gentílicas ali existentes. Isso impulsionou a formação de uma sociedade de classes em torno do centro político-militar-religioso representado pela Acrópole ateniense. Durante muito tempo, vigorou em Atenas um regime monárquico que foi derrubado por membros da aristocracia local, constituída de proprietários de terras. Um regime oligárquico foi instituído após a queda do regime monárquico. Na oligarquia ateniense, o poder era exercido pelo arcontado, órgão composto de homens escolhidos entre os aristocratas, com mandatos anuais e funções religiosas, jurídicas e militares. Também foi instituído o areópago, conselho de eupátridas (os já citados “bem-nascidos”) responsável pelo controle e pela fiscalização dos arcontes, como eram chamados seus integrantes. A escassez de terras férteis e os interesses comerciais fizeram com que os atenienses, assim como os gregos de outras cidades-Estado, 1

se voltassem para o Mediterrâneo, com o objetivo de fundar comunidades comerciais ou de povoamento (Segunda Diáspora Grega). A expansão pelo Mediterrâneo provocou profundas alterações na estrutura econômica e social ateniense. Atenas praticava um intenso comércio com outras cidades-Estado, buscando nelas excedentes agrícolas (em especial trigo), metais e madeira, e vendendo-lhes produtos já beneficiados (vinho, azeite e peças de artesanato). Pequenos proprietários, os georgoi, incapazes de concorrer com produtos mais baratos que vinham dessas cidades e de oferecer produtos melhores, perderam suas terras. Muitas vezes, impossibilitados de pagarem suas dívidas, eram escravizados. Enquanto a tensão social crescia em Atenas, ameaçando a estabilidade do regime oligárquico, surgia uma categoria de homens enriquecidos pelo comércio que começou a questionar o monopólio político dos eupátridas. Nesse contexto, cresceram as tensões sociais já existentes, tornando impossível a manutenção do poder nas mãos de um único grupo social.

CANFORA, Luciano. O mundo de Atenas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 57. Grécia antiga

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Principais legisladores atenienses • Drácon (c. 650 a.C.-600 a.C.): organizou e tornou público um registro escrito das leis, que até então se baseavam na tradição oral e eram conhecidas apenas pelos eupátridas; apesar de significar um avanço, os privilégios dos eupátridas não foram alterados e a insatisfação social aumentou. • Sólon (c. 638 a.C.-c. 558 a.C.): extinguiu a escravidão por dívidas; dividiu a sociedade de forma censitária, ou seja, de acordo com a renda de cada pessoa, possibilitando a ascensão dos demiurgos (trabalhadores livres, como artesãos, comerciantes, magistrados); criou a bulé,, conselho formado por quatrocentos membros, com funções administrativas e legislativas. Com isso, Sólon consagrava a fortuna como fator preponderante na sociedade ateniense. As leis criadas pela bulé passaram a ser submetidas à eclésia, assembleia popular aberta a todos os cidadãos (homens livres com mais de 18 anos). As reformas propostas por Sólon não diminuíram as lutas sociais e a agitação política que abalavam a sociedade ateniense, seguindo-se um período de sucessivas tiranias (Psístrato, Hípias e Hiparco). tirania: governo autoritário que utiliza a força para se manter no poder. Entretanto, no contexto da Grécia antiga, a ideia de representação da vontade do povo era mantida.

Sólon substituiu o sistema de poder fundamentado na hereditariedade por outro tipo, apoiado na renda. Na imagem, reprodução de réplica em mármore, século IV.

• Clístenes (c. 570 a.C.-508a.C.): liderou uma rebelião contra o último tirano. Depois de derrubá-lo, o estadista ateniense deu início a reformas que culminaram com a implantação da democracia e a pacificação da pólis. Clístenes distribuiu os cidadãos da Ática em dez tribos, divididas de acordo com o território que habitavam e não pela riqueza. A bulé passou a ter quinhentos integrantes, cinquenta por tribo, e a ser presidida de forma sucessiva por representantes de cada uma das tribos, em períodos iguais de tempo ao longo do ano. A eclésia teve seu poder ampliado e passou a discutir e votar as leis. Criou também o ostracismo, mecanismo pelo qual a eclésia condenava ao exílio, por dez anos, aquele que fosse considerado uma ameaça à democracia. O exilado, todavia, não perdia suas propriedades. Para a tomada de decisões importantes, como o ostracismo, exigia-se que o número de votantes na eclésia fosse de pelo menos 6 mil cidadãos. As reformas de Clístenes encerraram o Período Arcaico e deram início ao Período Clássico (V a.C.-IV a.C.). Reprodução de escultura do primeiro busto de Clístenes, concebido em 2004 por uma artista plástica grega contemporânea.

138

Capítulo 5

Fotos: Reprodução/Galeria Uffizi, Florença, Itália.

Diante desse quadro de instabilidade, vários legisladores atenienses fizeram propostas para superar os conflitos e atenuar as tensões sociais. Veja abaixo os mais importantes dentre eles.

Os cidadãos atenienses População aproximada de Esparta e Atenas no século V a.C. População ateniense População espartana 25 000 espartanos

130 000 cidadãos

100 000 periecos

70 000 estrangeiros

200 000 hilotas

200 000 escravos

Adaptado de: BRANCATI, Antonio. I Popoli Antichi 1. Firenze: La Nuova Italia Editrice, 1998. p. 82.

políade: relativo a p—lis.

Leituras O texto a seguir foi escrito pela historiadora Maria Aparecida de Oliveira Silva e trata de algumas diferenças entre a condição feminina nas cidades-Estado de Esparta e de Atenas. Leia-o com atenção.

Mulheres gregas [...] o tratamento dispensado à mulher grega encontra-se diferenciado, a mulher ateniense aparece descrita nos relatos antigos reclusa em suas casas – o oikos, enquanto a mulher espartana exercita-se em público com vestes curtas. De acordo com os relatos dos antigos, a mulher espartana era livre para circular na cidade e recebia a educação estatal destinada a atender às necessidades do seu meio social. Essa mulher desempenhava a relevante função social de gerar filhos robustos e corajosos, ao passo que a mulher ateniense mantinha-se confinada em sua casa, aprendendo com as mulheres mais próximas, em geral a mãe, como administrar o lar e desenvolver as atividades domésticas, tais como tecer, fabricar utensílios de cerâmica e cuidar dos filhos. Contudo, esses modelos sustentados pelos antigos encontram-se incompletos, o que dificulta nossa interpretação da história da mulher grega no mundo antigo. O século IV a.C., período do qual dispomos de maior informação sobre a mulher espartana, representou uma fase de transição entre a prosperidade

do século V a.C. e a decadência do sistema políade no terceiro século antes de Cristo. Os escritos de Platão remetem à necessidade de inclusão da mulher no funcionamento da pólis. Para o filósofo, a mulher deve receber a mesma educação ministrada ao homem, qual seja, o ensino da música, ginástica e também da guerra (República, 452a). A cidade idealizada por Platão responsabiliza a mulher pelo funcionamento da pólis, e ainda garante ao sexo feminino a igualdade de condições na organização social, política e econômica da cidade-Estado. As ideias de Platão sobre o aproveitamento do potencial feminino demonstram a preocupação do filósofo em manter a independência da pólis, principalmente com relação aos que exigiam grandes quantias por seus serviços na defesa da cidade. SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco e a participação feminina em Esparta. Sæculum. João Pessoa, jan./jun. 2005. p. 11-12.

Uma das faces do Trono Ludovisi, bloco de mármore branco esculpido em baixo-relevo, que mostra uma mulher tocando flauta. Produzida entre 470 a.C. e 460 a.C.

Bridgeman Images/Keystone

Robson Kasé/Arquivo da editora

Todo cidadão tinha acesso à eclésia e, portanto, participava ativamente da tomada de decisões. Mas quem era o cidadão grego? Na Grécia antiga, era considerado cidadão apenas o homem livre e ateniense (nascido em Atenas, filho de pai e mãe atenienses). Isso significa que mulheres, estrangeiros e escravos não participavam do processo político. Estes últimos formavam a maioria esmagadora da população da pólis ateniense, que, segundo algumas estimativas, reunia cerca de 400 mil habitantes no século V a.C.

Grécia antiga

139

4 Período Clássico Durante o século V a.C., as póleis gregas uniram-se militarmente pela primeira vez para enfrentar um inimigo comum, os persas, que ameaçavam suas fronteiras orientais. Na periodização tradicional da história grega, esse século faz parte do Período Clássico (séculos V a.C. e IV a.C.) Trata-se de um período também marcado por grandes conflitos entre as cidades-Estado gregas. No entanto, esses conflitos não ofuscaram as grandes realizações culturais ocorridas no período, cujo auge foi o século V a.C. As reformas legislativas implantadas em Atenas por Clístenes e o governo de Péricles (c. 495 a.C.-429 a.C.) também fazem parte deste período. Os persas tentaram invadir a Grécia duas vezes, provocando conflitos que ficaram conhecidos como Guerras Médicas, ou Guerras Greco-Pérsicas. O primeiro desses conflitos ocorreu entre 490 a.C. e 479 a.C. Liderados por Dario I, os persas desembarcaram na Grécia, mas foram surpreendidos pelo exército ateniense na planície de Maratona. Apesar de sua superioridade numérica, o exército persa foi derrotado pelos gregos. O prestígio ateniense cresceu muito após essa vitória, e a cidade começou a se destacar entre as demais póleis gregas. A segunda ofensiva persa teve início em 480 a.C., quando o imperador Xerxes partiu em direção à Grécia com cerca de 100 mil homens. Os gregos uniram-se contra os invasores, mas, apesar do sucesso espartano

em retardar o avanço do inimigo, no desfiladeiro das Termópilas, os persas conseguiram invadir e saquear Atenas. Entretanto, eles seriam derrotados logo depois na batalha naval de Salamina, diante de Atenas e aliados. Mais uma vez, os persas se retiraram sem terem conseguido dominar a Grécia. Durante a guerra, as póleis formalizaram uma aliança conhecida como Liga de Delos. Tratava-se basicamente de uma união militar contra os persas. As cidades que participavam da aliança pagavam impostos – depositados na ilha de Delos – para sustentar a frota e os exércitos das cidades-Estado. Atenas, com seu prestígio e poderio econômico, logo passou a administrar os recursos de Delos, tornando-se líder da Liga. Ao final das guerras contra os persas, os atenienses insistiram na manutenção da Liga e dos tributos. A medida gerou descontentamento entre as cidades aliadas, que se sentiam enfraquecidas e pouco podiam fazer contra o poderio militar de Atenas. Foi o auge do imperialismo ateniense, ou seja, o período em que Atenas passou a dominar boa parte da Grécia. Os atenienses transferiram o tesouro de Delos para Atenas e, com frequência, utilizavam a força para manter outras póleis sob seu domínio. O controle dos recursos de outras cidades abriu caminho para o apogeu ateniense, particularmente entre 461 a.C. e 429 a.C., época conhecida como a “idade de ouro de Atenas”, quando a cidade era governada por Péricles.

Banco de imagens/Arquivo da editora

As Guerras Médicas 27º L

Guerras Médicas (490-479 a.C.) Império Persa em 497 a.C.

MACEDÔNIA

Conquistas persas em 492 a.C. Estados neutros e pró-persas Aliados gregos Batalhas

40º N

Rota dos exércitos persas Rota das esquadras persas

Mar Egeu

Termópilas Mar Jônico

Maratona Plateia Salamina

ÁSIA MENOR Éfeso

Atenas Mileto

Esparta 0

90 km

180

Mar Mediterrâneo Adaptado de: KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas of World History. New York: Anchor Books, 1974. p. 56.

140

Capítulo 5

Nas Guerras Médicas, gregos e persas disputavam a hegemonia do mar Egeu.

Para saber mais Outros olhares sobre Atenas Em sua obra O mundo de Atenas, o historiador Luciano Canfora aborda a ordem democrática ateniense, traçando interpretações que vão além daquela que considera que a cidadania era restrita aos homens atenienses e adultos. Leia algumas considerações do historiador.

• Das conquistas e domínios (uso de Delos)

Mas qual é a finalidade do impulso de aumentar o império? Serve para ampliar as receitas e ter mais recursos para alimentar o demo. Essa é a ligação entre consenso político e política imperialista. Não por acaso, durante as Grandes Dionisíacas [festas] exibiam-se as listas dos tributos.

• Quanto ao governo e à riqueza

Sobre o uso do dinheiro, tanto do erário público – recursos financeiros públicos – como de particulares, e sobre o monitoramento de populares nos encaminhamentos políticos (festas, obras públicas, representações teatrais e inúmeros subsídios), Canfora destaca: [o] local clássico da corrupção democrática em Atenas é o tribunal. Aliás, o tribunal ocupa na sociedade ateniense dos séculos V e IV uma posição central equivalente e talvez superior à da assembleia e do teatro. É no tribunal que desem-

G. Nimatallah/De Agostini Picture Library/Bridgeman Images/Keystone

Durante o governo de Péricles, aprimorou-se a democracia. Ao observar que os homens livres e pobres dificilmente participavam das instituições democráticas, Péricles criou a mistoforia, uma pequena remuneração em dinheiro para os ocupantes de cargos públicos. A medida possibilitou a participação popular nos assuntos da administração da cidade. Além disso, em seu governo Atenas foi reconstruída e embelezada; ergueram-se um templo dedicado à deusa Atena, o Partenon, e muralhas defensivas em torno da cidade. Entretanto, apesar desses avanços, a democracia ateniense apoiava-se no imperialismo. Esse fato provocava insatisfação não só nas cidades da Liga de Delos, mas também entre as póleis aristocráticas que não se alinhavam a Atenas. Lideradas por Esparta, as póleis insatisfeitas formaram uma aliança de oposição: a Liga do Peloponeso.

Péricles foi um político, orador e líder democrático ateniense. Sua importância no campo da política, das artes e das letras resultou na denominação “Século de Péricles” para o século V a.C. Acima, reprodução de busto de Péricles, cópia romana de mármore a partir do original grego, do século V a.C. Museu Britânico, Londres.

bocam as infinitas controvérsias possíveis referentes à propriedade: a luta sobre a propriedade, sobre os modos de exercício dos cargos públicos, em especial quando incluem a administração de dinheiro, as controvérsias sobre o montante das despesas com que os ricos devem arcar em prol da comunidade, tudo isso tem como arena diária o tribunal [...] Os jurados, que são várias centenas, são escolhidos por sorteio: todo cidadão pode ser juiz (não é preciso ter nenhuma qualificação específica) e, além da vantagem de receber um salário por esse seu serviço de utilidade pública, está numa posição em que, julgando controvérsias que em geral envolvem disputas de propriedade, pode ser subornado (conseguindo assim um ganho suplementar) por atores e participantes que estão dispostos a tudo para vencer.

• Sobre a exaltação e valorização do mundo de Atenas

O restabelecimento da primazia da Atenas clássica deveu-se essencialmente aos romanos. Foram eles que, para dominar o Mediterrâneo, tiveram de derrubar [...] sobretudo a férrea e armadíssima monarquia macedônia que desqualificaram [...] CANFORA, Luciano. O mundo de Atenas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 139, 475, 63.

Grécia antiga

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Construindo conceitos Democracia antiga, democracia moderna Como vimos, a democracia ateniense era baseada na participação dos cidadãos, isto é, dos homens adultos, livres e nascidos na cidade. Mesmo excluindo mulheres, estrangeiros, escravos e menores de 18 anos, a democracia ateniense representou uma ampliação do poder político em relação a outras formas de organização do Estado, como os regimes monárquicos e as oligarquias. De acordo com o historiador Moses Finley (1912-1986), na democracia ateniense

... o povo não era só elegível para cargos públicos e possuía o direito de eleger administradores, mas também era seu direito de decidir quanto a todos os assuntos políticos e o direito de julgar, constituindo-se como tribunal, todos os casos importantes civis e criminais, públicos e privados. A concentração de autoridade na assembleia, a fragmentação e o rodízio dos cargos administrativos, a escolha por sorteio, a ausência de uma burocracia remunerada, as cortes com júri popular, tudo isso servia para evitar a criação da máquina partidária e, portanto, de uma elite política.

Embora a decisão política não seja tomada diretamente pelo cidadão, como em Atenas, a cidadania moderna engloba quase todos os habitantes de um país. A escravidão foi proibida e os indivíduos, homens e mulheres, têm os mesmos direitos políticos. Ainda que estrangeiros não possam exercer funções políticas, existem condições para que eles se naturalizem e conquistem a condição de cidadão de determinado país. O sociólogo Norberto Bobbio (1909-2004) afirma que ... a democracia nasceu com a perspectiva de eliminar para sempre das sociedades humanas o poder invisível e de dar vida a um governo cujas ações deveriam ser desenvolvidas publicamente. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 41.

Portanto, os representantes eleitos pelo voto precisam agir de acordo com os interesses públicos. Para conhecer e controlar as ações desses políticos, foram criados instrumentos de fiscalização da atividade política, como a atividade jornalística, que divulga e avalia as decisões do governo, sites que informam sobre as contas públicas e canais de televisão e rádio que transmitem as sessões plenárias das Câmaras dos Deputados e do Senado.

FINLEY, Moses. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988. p. 37.

A democracia ateniense, portanto, era exercida diretamente pelos cidadãos e não por um corpo de políticos profissionais, eleitos para controlar o Estado. A assembleia popular ateniense reunia todos os cidadãos, independentemente de suas condições econômicas ou seu prestígio social. Isso significava que as decisões sobre a cidade e seus destinos eram uma atividade coletiva, vivenciada num espaço público, onde todos eram iguais e tinham direito à palavra. A democracia moderna herdou da democracia grega a participação política dos cidadãos, mas alterou suas instituições e seu funcionamento. Na maioria dos países democráticos modernos, o poder é exercido pelos políticos, eleitos para exercer a política em nome dos cidadãos. Na prática, o Estado é controlado pelos burocratas, que auxiliam os políticos eleitos a tomar decisões sobre a vida pública.

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Capítulo 5

Agora, faça o que se pede:

Em duplas, acessem o site da Transparência Brasil (disponível em: . Acesso em: 7 dez. 2015). Essa organização não governamental realiza a análise e o monitoramento de dados públicos, produzindo estudos, relatórios e levantamentos que tratam do problema da corrupção em diferentes níveis do governo. Sigam o roteiro:

a) Cliquem em “Notícias” e selecionem uma das notícias disponíveis no site.

b) Leiam o texto e elaborem um pequeno comentário sobre o assunto tratado nele. Ao elaborar o comentário sobre a notícia escolhida, procurem identificar a relação entre a importância da fiscalização da atividade política e as práticas democráticas da atualidade. c) Apresentem o comentário ao restante da turma, em uma pequena apresentação oral.

Conflitos e enfraquecimento das cidades-Estado

A hegemonia de Esparta foi, contudo, ameaçada por outras cidades, que lutavam pelo controle da península Balcânica. Tebas fazia parte da oposição e sua força militar derrotou Esparta, em 371 a.C., substituindo-a, por um breve período, como força hegemônica. As constantes guerras tiveram como resultado reerguimentos temporários das póleis, inclusive de Atenas. Mesmo assim, posteriormente, o que passou a prevalecer foi o crescente enfraquecimento das cidades-Estado gregas. Esse declínio facilitou o sucesso da invasão dos macedônios, povo do norte da península Balcânica. Em 338 a.C., na Batalha de Queroneia, os exércitos gregos foram derrotados e a Grécia caiu sob o domínio da Macedônia.

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Em 431 a.C., Atenas e Esparta entraram em guerra, envolvendo as demais póleis em um conflito que Nova York. e, e Art ficou conhecido como Guerra do Pelopo- opolitano d r et neso.. Atenas tinha o poderio maríti- eu M mo, enquanto os exércitos de Esparta detinham o domínio terrestre. Ao longo dos dezessete anos de conflito, os espartanos devastaram os campos da Ática. A guerra culminou com um cerco dos espartanos a Atenas. O conflito terminou em 404 a.C., com a vitória final de Esparta. Sob o domínio espartano, a democracia declinou em Atenas e o poder oligárquico foi restaurado. Capacete grego de bronze datado de 700 a.C., aproximadamente.

Mar Negro TRÁCIA Roma Bizâncio

Mar Adriático

MACEDÔNIA

Cumas Nápoles

40º N

Cyzicus Lampsacus Abidos

Estagira

Pella

IMPÉRIO PERSA

Larissa

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Sicília

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Córcira (Corfu)

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Mar Tirreno

Messina Locri

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Banco de imagens/Arquivo da editora

A Guerra do Peloponeso

Rota de Alcibíades para a Sicília (415 a.C.)

Reggio

Catânia

Gela

ÉPIRO

Mar Egeu

TESSÁLIA

Jônia

ETÓLIA Tebas

Delfos

AQUEIA Olímpia

Mar Jônico

Khíos Éfeso

Mégara Atenas

Corinto

Sardes

Mileto

Égina Ática

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Siracusa

Esparta

Camarina

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Lesbos

Med iterrâneo

Rodes

Milos

Cnossos Creta

Atenas e aliados (Liga de Delos) Esparta e aliados (Liga do Peloponeso) Estados gregos neutros Campanha ateniense Campanha espartana

20º L

180

360

km

Adaptado de: DI SACCO, Paolo (Coord.). Corso di storia antica e medievale. Milan: Edizioni Scolastiche Bruno Mondadori, 1997. p. 135.

A Guerra do Peloponeso pôs fim ao imperialismo ateniense, dando lugar à hegemonia espartana. Grécia antiga

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5 Cultura grega xuais com seres humanos e delas teriam nascido os semideuses, ou heróis, como Hércules, filho de Zeus e da mortal Alcmena, famoso por sua força extraordinária. Entre as principais divindades estavam: Zeus, senhor de todos os deuses; Atena, filha de Zeus, deusa da razão e da sabedoria e protetora da cidade de Atenas; Apolo, deus da luz e das artes; Dioniso, deus do vinho; e Poseidon, deus dos mares. A influência da mitologia grega pode ser observada em todas as manifestações artísticas da Grécia antiga. O teatro, por exemplo, surgiu a partir de encenações promovidas nas festas realizadas em homenagem a Dioniso. As tragédias gregas mais destacadas foram escritas por Ésquilo (525 a.C.-456 a.C.), Sófocles (496 a.C.-406 a.C.) e Eurípedes (484 a.C.-406 a.C.). O maior representante da comédia foi Aristófanes (445 a.C.-386 a.C.).

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Réplica romana de escultura de mármore de Apolo esculpida no século II d.C.

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Durante o Período Clássico, do governo de Péricles até a conquista macedônica, ocorreu a época áurea da criação cultural grega. Nesse período viveram muitos dos principais teatrólogos, filósofos, arquitetos e artistas da Grécia. Até hoje algumas dessas manifestações culturais são cultuadas. A religião é uma das expressões culturais gregas de maior destaque. Ela caracterizava-se pelo politeísmo antropomórfico. Ou seja, os gregos acreditavam em deuses que tinham formas e atributos semelhantes aos dos seres humanos: suas fraquezas, paixões, virtudes, etc. Mas uma característica fundamental distinguia os deuses dos humanos: a imortalidade. Segundo a mitologia grega, vários deuses habitavam o Monte Olimpo, de onde comandavam o destino dos seres humanos. Alguns deuses teriam tido relações se-

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Retrato de Zeus produzido no século I d.C.

Estátua de Atena de 525 a.C. Atenas, Grécia.

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Capítulo 5

Palis Michalis/Shutterstock

Teatro de Dioniso, na Acrópole de Atenas. Desde meados do século V a.C., esse espaço era utilizado para apresentações teatrais em homenagem ao deus Dioniso. O palco era de madeira, e os espectadores se acomodavam na encosta da colina, sobre a terra batida. Somente no final do mesmo século uma arquibancada foi construída em madeira, aproveitando o declive do terreno. Sua substituição por uma arquibancada de pedra ocorreu por volta de 330 a.C. Fotografia de 2014.

consistiam em narrativas escritas, diferenciando-se da poesia e do mito, formados por narrativas e tradições orais. Heródoto teria registrado e reunido em seus escritos o que as testemunhas oculares narravam em diferentes versões e segundo suas memórias. Seus livros descrevem principalmente os “não gregos” (persas, babilônicos, egípcios, entre outros) e as Guerras Médicas.

Marsyas/Acervo do fotógrafo

Dois poemas épicos estiveram entre as primeiras fontes literárias gregas e ocidentais para os historiadores, as já citadas Ilíada e Odisseia. As duas obras apresentam narrativas heroicas com referências históricas e mitológicas. Ilíada descreve a Guerra de Troia, entre os gregos e a cidade de Troia, na costa da Ásia Menor, hoje ocupada pela Turquia. Odisseia narra as aventuras do herói grego Ulisses em seu retorno da Guerra de Troia. Em ambas, o lugar de honra é reservado aos aristocratas. Essa característica expressa a transição para o regime político oligárquico-aristocrata, que foi adotado pelas póleis no final do Período Homérico. Como já apontamos, atualmente questiona-se se essas obras teriam sido elaboradas pela mesma pessoa ou por um único autor. A própria existência de Homero também é posta em dúvida. Além dos poemas épicos, foram preservadas narrativas de acontecimentos considerados importantes pelos gregos, como as de Heródoto (c. 485 a.C-420 a.C.) e Tucídides (c. 460 a.C.-c. 400 a.C.). A História, enquanto estudo do passado, também surgiu entre os antigos gregos. O termo História tal como o entendemos hoje, no entanto, não existia. A palavra historie vem do grego e significa “aquele que viu, que testemunhou”. Os relatos de Heródoto, considerado “pai da História”, eram baseados no que “viu ou ouviu dizer dos que viram” os fatos. Esses relatos

Réplica romana, século II, do original grego do busto de Heródoto, nascido provavelmente em 485 a.C. Grécia antiga

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humanismo: forma de explicação da realidade centrada no ser humano e em seus valores. Busca da compreensão de conceitos ligados ao ser humano, como a felicidade, a ética, a virtude, a justiça. racionalismo: explicação da natureza e de tudo o que existe pela razão. Pode referir-se à corrente filosófica dos séculos XVII e XVIII e ao uso da razão em detrimento das explicações baseadas em crenças religiosas.

Kotsovolos Panagiotis/Shutterstock

Na arquitetura e na escultura buscava-se uma expressão do humanismo, com o cultivo de princípios como o racionalismo e a simplicidade, resultando em equilíbrio, harmonia e ordem. Segundo o lugar e a época em que foram construídos, o templos gregos seguiam três estilos diferentes: o dórico, o jônico e o coríntio (veja as imagens a seguir).

As colunas do Partenon, templo da deusa Atena, na Acrópole de Atenas, são do estilo dórico. Foto de 2015. Milan Gonda/Shutterstock

klublu/Shutterstock

Ruínas do Templo de Erechtheion em Atenas. Colunas no estilo jônico podem ser observadas na porção direita da imagem. Foto de 2014.

Nas ruínas da Biblioteca de Adriano, em Atenas, é possível observar colunas no estilo coríntio. Foto de 2015.

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Capítulo 5

A civilização grega foi também o berço da Filosofia (palavra grega que significa “amor à sabedoria”), disciplina que tem por objetivo procurar explicações racionais e universais para a vida e para a humanidade. O pensamento filosófico grego tinha por base a razão e, por isso, valorizava o ser humano (antropocentrismo), influenciando significativamente o racionalismo ocidental de séculos posteriores. Inicialmente, a Filosofia grega desenvolveu a linha ou escola de pensamento que se tornaria conhecida como pré-socrática (“anterior a Sócrates”) ou dos filósofos da natureza. Esses filósofos buscavam uma explicação para a origem das coisas que fosse além do mito. Mais tarde, sobretudo em Atenas e no contexto da democracia, surgiu a escola sofista, que abriu mão de interpretações mais amplas sobre a origem das coisas e passou a enfatizar a prática da retórica, a arte do convencimento. Deixando de lado a busca por um conhecimento mais profundo ou verdadeiro, os sofistas estimulavam a expressão de opiniões como forma de atingir objetivos concretos (por exemplo, aprovação de uma lei). Um dos representantes dessa escola foi Protágoras (c. 485 a.C.-410 a.C.), autor da frase “O homem é a medida de todas as coisas”, que evidenciava uma preocupação central com o ser humano. No século V a.C., destacou-se o filósofo Sócrates (c. 470 a.C.-399 a.C.), que não apenas criticava os sofistas, mas afirmava que existia um conhecimento verdadeiro. O ser humano poderia atingir esse conhecimento pela prática filosófica apoiada no diálogo. Crítico da

ordem ateniense, foi julgado e condenado à morte sob a acusação de “corromper a juventude”. Os princípios desenvolvidos por Sócrates foram assumidos por seu discípulo Platão (c. 428 a.C.-348 a.C.), considerado o fundador da Filosofia ocidental. Em seus ensinamentos, Platão considerava que a busca pelo conhecimento verdadeiro era uma prática transcendente, isto é, que iria além dos dados obtidos pelos sentidos. Seria pelo pensamento que se chegaria às ideias eternas e imutáveis, como a beleza, a bondade e a verdade. Finalmente, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), já vivendo no período do domínio macedônico, levou a Filosofia para outra direção, afirmando a importância dos sentidos como forma de obter o conhecimento verdadeiro. Platão e Aristóteles fundaram duas correntes do pensamento que dominaram o debate filosófico no Ocidente até pelo menos o final do século XVIII. antropocentrismo: (do grego anthropos, ‘humano’, e kentron, ‘centro’), o homem como centro do Universo e das explicações racionais. sofista: do grego sophistŽs, que significa ‘sábio’. retórica: oratória; arte de bem argumentar, falar de modo a convencer, persuadir.

Em 2016, o Rio de Janeiro sediou os Jogos Olímpicos. A origem do termo Olimpíada vem da cidade de Olímpia, localizada a 360 quilômetros de Atenas, onde havia um templo dedicado a Zeus. Esses jogos esportivos eram realizados a cada quatro anos, e contavam apenas com a participação de homens. Embora também fossem realizados em outras cidades, os jogos de Olímpia se destacaram entre os demais e passaram a ser denominados Jogos Olímpicos. A primeira Olimpíada teria ocorrido em 776 a.C. Em 393 d.C., os Jogos foram suspensos pelo imperador romano Teodósio, retornando apenas em 1896, por incentivo do barão francês Pierre de Coubertin. Nessa data, após 1503 anos, Atenas sediou a primeira versão moderna dos Jogos Olímpicos. Uma das várias cópias romanas feita em mármore da escultura Discóbolo, originalmente produzida em bronze, provavelmente de 450 a.C. e de autoria do artista Míron, que representou o momento em que o atleta lança um disco.

Victoria & Albert Museum, Londres/Bridgeman Images/Keystone

As Olimpíadas

Grécia antiga

147

Dialogando com as

Mulheres na Grécia As mulheres não tinham direitos de cidadania nas cidades-Estado da Grécia antiga. No entanto, elas exerciam sua influência e poder através de outras formas. Alguns textos teatrais daquele período demonstram o papel ativo das mulheres na sociedade, inclusive, no debate político e na discussão sobre assuntos públicos, como a destruição provocada pela guerra e o respeito às tradições religiosas. Nesta seção, vamos conhecer trechos de duas peças teatrais produzidas em diferentes períodos e refletir sobre o papel da mulher na sociedade. Antígona foi escrito pelo dramaturgo grego Sófocles, no século IV a.C. Antígona recortada – contos que cantam sobre pousopássaros foi criada pelo Grupo Bartolomeu de Depoimentos, em 2014, companhia que mistura o teatro épico ao hip-hop. Leia os trechos a seguir e depois faça as atividades propostas.

Antígona Antígona, filha de Édipo e Jocasta e irmã de Ismênia, Polinice e Etéocles, é uma figura mitológica que simboliza o amor fraternal e a justiça divina. De acordo com a mitologia, os irmãos Polinice e Etéocles concordaram revezar o reinado de Tebas na ausência do pai, Édipo, que partiu para o exílio acompanhado por Antígona. Ao fim do primeiro mandato, Etéocles se recusou a ceder o trono ao irmão, que, revoltado, aliou-se a uma cidade vizinha e promoveu um grande ataque a Tebas. A trama da peça tem início após a morte dos irmãos, que se mataram na disputa, e narra o retorno de Antígona a Tebas. Ao assumir o poder, Creonte, irmão de Jocasta, declara que Polinice foi um traidor e, portanto, não deveria receber as honras funerárias tradicionais. Etéocles, por sua vez, seria enterrado com todo cerimonial necessário, e quem contrariasse essas ordens seria condenado à pena de morte. Antígona, porém, desobedece a lei real e invoca as leis divinas, decidindo enterrar o irmão de acordo com os rituais religiosos da época e acaba executada.

Reprodução da pintura de V. J. Robertson, produzida em 1850. Na imagem, Antígona joga poeira sobre o corpo de seu irmão, Polinice, cena da tragédia de Sófocles, Antígona. Ao fundo, a cidade de Tebas.

148

Capítulo 5

O trecho a seguir apresenta a fala de Antígona sobre sua desobediência e o enterro do irmão: ANTÍGONA: Sim, porque não foi Júpiter que a promulgou; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando vigoram! Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham punir os deuses! Que vou morrer, eu bem sei; é inevitável; e morreria mesmo sem a tua proclamação. E se morrer antes do meu tempo, isso será, para mim, uma vantagem, devo dizê-lo! Quem vive, como eu, no meio de tão lutuosas desgraças, que perde com a morte? Assim, a sorte que me reservas é um mal que não se deve levar em conta; muito mais grave teria sido admitir que o filho de minha mãe jazesse sem sepultura; tudo o mais me é indiferente! Se te parece que cometi um ato de demência, talvez mais louco seja quem me acusa de loucura! SóFOCLES. Antígona. Porto Alegre: L&PM, 2001. p. 30.

Mansell/The Life Picture Collection/Getty Images

Artes Cênicas

Trata-se de uma releitura da obra de Sófocles, a partir de questões contemporâneas. Leia a seguir um trecho dessa adaptação. MULHER 1: Um dia essa história toda vai ecoar. MULHERES 1 E 2: Um ninho raro, de pássaros diversos, sendo construído à revelia das leis vigentes. Meninas mulheres dançavam enquanto cuidavam de um bando de passarinhos recém-saídos do ninho. Iam construindo um cemitério todo colorido que parecia uma praça de brincar. E cercaram o lugar com lençóis desenhados e não deixavam ninguém com mais de 18 anos entrar. MULHER 1: Esse lugar queria mudar o rumo das coisas, MULHER 2: Que não se sabe por que e em que momento da história, MULHER 1: Começou por causa da dificuldade com o sustento, MULHERES 1 E 2: um negócio perigoso, MULHER 2: se não me falha a memória,

MULHER 1: que era trabalhar, em idade que ainda nem é para isso, em assunto escuso e que trazia às leis naturais um certo abuso. MULHERES 1 E 2: E a passarada em vez de crescer, brincar, estudar, aprendeu a carregar revolver, a revolver carregar, e a ter responsabilidade, como se fosse homem crescido. MULHER 1: E, por puro desatino e dureza do destino, todo mundo concordava com essa lógica enviesada, que criança, ao invés de brincar e jogar pelada tivesse função e trabalhasse em causa bandidagem, sujeito a morte repente de aviso e de emboscada. MULHER 2: E as famílias, por puro desespero, aceitavam, um pouco fazendo vista grossa por causa do dinheiro, que se alguma das crianças sumisse nem o corpo seria entregue para dar enterro derradeiro, MULHERES 1 E 2: Pois seria uma prova contra os grandes o corpo morto dos pequenos. MULHER 2: E foi desse jeito que as meninas criaram uma outra história e ousada. Transcrição de cena apresentada durante entrevista concedida ao programa Metrópolis da TV Cultura em novembro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 9 dez. 2015. Anne-Christine Poujoulat/Agence France-Presse

Antígona recortada

Antígona é a terceira peça de uma trilogia escrita por Sófocles. As outras obras que compõem o ciclo são Édipo rei e Édipo em Colono. Na imagem, cena de uma montagem de Antígona realizada em Avignon, França. Foto de 2008.

Atividades 1. Pesquise o que é o “teatro hip-hop” e o que era o teatro grego. Elabore um pequeno comentário sobre cada um desses estilos teatrais.

2. Releia os dois trechos das peças teatrais reproduzidos nessa seção. a) O que o trecho da peça de Sófocles pode revelar a respeito das ideias de Antígona? b) Será que a desobediência de Antígona, na peça do século IV a.C., pode servir de inspiração para pensarmos sobre as jovens meninas que vivem hoje nas periferias do mundo? c) No segundo trecho, a tragédia grega é resgatada sob o viés da tragédia contemporânea. Em que consiste essa tragédia contemporânea, de acordo com o texto? De que modo o trecho da peça do Grupo Bartolomeu de Depoimentos se relaciona com a história de Antígona?

3. Sob a orientação do professor, debata com os colegas o papel da mulher na luta por justiça e direitos humanos. Durante a discussão, considere outras personagens femininas da mitologia, literatura, cinema, etc.

Grécia antiga

149

6 Período Helenístico rial. A expansão promovida por ele, com a fundação de diversas cidades (em sua homenagem, algumas delas foram batizadas com o nome de Alexandria), foi a grande responsável pala difusão da cultura grega pelo Oriente. Nesse processo, muitos aspectos da cultura grega se fundiram com as culturas locais, dando origem à cultura helenística ou helenismo. Escultura de um atleta produzida

Manuel Cohen/Agence France-Presse

A época iniciada com a conquista da Grécia pela Macedônia, no século IV a.C., tornou-se conhecida como Período Helenístico e estendeu-se até o século II a.C. Os macedônios foram inicialmente governados por Felipe II (382 a.C.-336 a.C.), vencedor da Batalha de Queroneia. Eles não se limitaram à conquista da Grécia, logo partindo para o Oriente. O conquistador do Oriente, porém, não seria Felipe II, assassinado em 336 a.C. Caberia a seu filho, Alexandre, o Grande, subjugar a Pérsia, o Egito, a Mesopotâmia e outras regiões do Oriente. Educado por Aristóteles, Alexandre assimilou valores da cultura grega. Após sufocar revoltas internas, expandiu o território sob seu comando, conquistando a Ásia Menor, a Pérsia e chegando até as margens do rio Indo, na Índia. Entretanto, após sua morte em 323 a.C., aos 33 anos de idade, o Império Macedônico se esfacelou, dividido em reinos autônomos sob o governo de alguns de seus generais.

durante o Período Helenístico (século IV a.C.-século II a.C.). helenismo: fusão da cultura grega com a oriental. A denominação da nova cultura derivou do termo que os gregos atribuíam a si mesmos – helenos.

A cultura helenística No plano cultural, contudo, a obra de Alexandre sobreviveria ao esfacelamento de seu império territo-

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MACEDÔNIA

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Banco de imagens/Arquivo da editora

O Império de Alexandre, o Grande (século IV a.C.)

Império de Alexandre (323 a.C.)

Capitais do Império Persa

Cidade fundada por Alexandre (nome atual)

Macedônia (336 a.C.)

Campanhas de Alexandre (334 a.C.-324 a.C.)

Estados aliados e vassalos da Macedônia (336 a.C.)

Batalhas e datas

OCEANO ÍNDICO

Adaptado de: DUBY, Georges. Grand atlas historique. Paris: Larousse, 2004. p. 18.

150

Capítulo 5

Dessa forma, o grande feito das conquistas de Alexandre foi favorecer o surgimento de uma nova cultura, herdeira da grega, mas com elementos das culturas orientais. Alexandria (no Egito), Pérgamo (na Ásia Menor) e a ilha de Rodes (no mar Egeu) foram alguns dos principais centros de difusão dos valores da cultura helenística. O helenismo caracterizou-se por uma arte mais rea-lista, exprimindo violência e dor, componentes constantes dos novos tempos de guerras. Na arquitetura, predominaram o luxo e a grandiosidade – reflexo da imponência do Império Macedônico. Na escultura, turbulência e agitação eram traços significativos. Nas ciências, vale destacar o avanço da Matemática com Euclides (meados do séc. IV a.C.-meados do século V a.C.), um dos pioneiros da Geometria; da Física, com Arquimedes de Siracusa (287 a.C.-212 a.C.); da Geografia, com Eratóstenes (276 a.C.-c. 195 a.C.); e da Astronomia, com Aristarco (310 a.C.-230 a.C.), Hiparco (190 a.C.-120 a.C.)

e Ptolomeu (c. 100 d.C.-c. 170 d.C.), este último defensor do geocentrismo, teoria aceita até o início dos tempos modernos (séculos XV-XVI). O helenismo originou ainda novas correntes filosóficas, tais como: • o estoicismo: fundado por Zenão de Cítio (333 a.C.-264 a.C.), definia a felicidade como o equilíbrio interior, o qual oferecia ao ser humano a possibilidade de aceitar, com serenidade, a dor e o prazer, a sorte e o infortúnio; • o epicurismo: fundado em Atenas por Epicuro (340 a.C.-270 a.C.), essa corrente filosófica pregava a procura de prazeres moderados, de modo a evitar o sofrimento e alcançar a felicidade; • o ceticismo: do grego sképtomai, “olhar”, “investigar”, caracterizava-se pela negação da possibilidade de conhecer com certeza qualquer verdade. O conhecimento depende do sujeito e do objeto estudado; seria, portanto, relativo. A felicidade consistiria em não julgar coisa alguma. O helenismo ainda acrescentou à cultura grega uma instituição já existente na cultura oriental: o despotismo, uma forma de poder autoritário, segundo a qual a autoridade do governante era inquestionável. A divisão do Império Macedônico, que se seguiu à morte de Alexandre, e as sucessivas lutas internas entre facções rivais resultaram em seu enfraquecimento político, o que possibilitou a conquista romana nos séculos II a.C. e I a.C. Entretanto, mesmo conquistando a Grécia, Roma assimilou muitos de seus valores culturais, o que acabou influenciando a cultura que se disseminou a partir desta cidade.

Observe um dos mais famosos exemplos de escultura helenística: Laocoonte e seus filhos (c. 25 a.C.). Nessa imagem, destacam-se a dor e o sofrimento humanos (diante da força das serpentes que os dominam).

Reprodução/Museu do Vaticano, Cidade do Vaticano, Itália.

Grécia antiga

151

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 1.

Vimos neste capítulo que os antigos gregos se organizaram em cidades-Estado. Por que razão, então, falamos na existência de uma unidade denominada Grécia?

2. O desenvolvimento da civilização grega foi precedido pelo florescimento de duas outras culturas na região do Egeu: a cretense e a micênica. Ambas adotavam um sistema político conhecido como palacial. O que caracteriza esse sistema?

3. Que fatores impulsionaram a expansão grega pelo mar Mediterrâneo no século VIII a.C.?

4. Após invadir a região da península do Peloponeso e derrotar os antigos habitantes do local em guerras, os dórios fundaram a cidade-Estado de Esparta. Os descendentes dos dórios passaram a compor a camada dos espartanos. O que aconteceu com os descendentes dos povos derrotados pelos dórios?

5. Várias cidades-Estado aristocráticas da Grécia antiga passaram por transformações que favoreceram o estabelecimento de sistemas democráticos. E Esparta? Essa cidade-Estado experimentou transformações semelhantes? Qual sistema político predominou em Esparta?

6. O que causou o enfraquecimento do regime oligárquico ateniense e a progressiva formação da democracia?

7. Qual é a relação existente entre as Guerras Médicas e a eclosão da Guerra do Peloponeso?

8. De que maneira a política de conquistas adotada por Alexandre, o Grande, chefe militar e imperador macedônico, deu origem à cultura helenística?

Aplique 9. Leia a seguir um trecho de uma entrevista concedida em Manaus pelo arquiteto e urbanista Jaime Kuck ao Jornal do Commercio. Nela, Kuck fala sobre mobilidade urbana e sustentabilidade.

[...] JC: Manaus ainda pode se transformar numa capital sustentável? JK: Manaus tem potencial para ser a capital ecológica do mundo. Temos os igarapés, os rios, a mata, temos tudo e temos uma população que está crescendo intelectualmente e economica-

152

Capítulo 5

mente e que não vai mais se conformar com a incompetência e exploração desmedida. A população está desenvolvendo uma cultura que valoriza a arquitetura e urbanismo e isso faz muita diferença. JC: Quais são as suas sugestões para que Manaus venha a se tornar uma cidade inteligente? JK: Bom transporte coletivo, espaços convidativos que levem as pessoas a sair da clausura, se encontrar. Precisamos evoluir da city para a pólis grega onde se discutiam politicamente os problemas da cidade. [...] MARIA, Tanair. Manaus precisa de infraestrutura, diz Jaime Kuck. Portal Amazônia. Disponível em: Acesso em: 15 dez. 2015

Agora, faça o que se pede. a) Na entrevista, Jaime Kuck associa a pólis grega à atitude de “sair da clausura, se encontrar”. Pense no que você estudou neste capítulo sobre as póleis da Grécia antiga e explique essa associação. b) Como você definiria o que Kuck chama de “city”? c) Para os autores do Dicionário de política, a palavra pólis designa Uma cidade autônoma e soberana, cujo quadro institucional é caracterizado por uma ou várias magistraturas, por um conselho e por uma assembleia de cidadãos. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 2010. v. 2. p. 954.

Levando em consideração essa definição e com base em seus conhecimentos, o que é necessário para que uma cidade moderna aproxime-se do modelo da pólis, como sugere Jaime Kuck?

10. O texto a seguir foi escrito por Aristóteles, um dos mais importantes filósofos da Grécia antiga, e apresenta um raciocínio do filósofo sobre a capacidade do ser humano de ser justo. Leia-o atentamente e faça o que se pede. Ora, cada qual julga bem as coisas que conhece, e desses assuntos ele é bom juiz. Assim, o homem que foi instruído a respeito de um assunto é bom juiz nesse assunto, e o homem

que recebeu instrução sobre todas as coisas é bom juiz em geral. Por isso, um jovem não é bom ouvinte de preleções sobre a ciência política. Com efeito, ele não tem experiência dos fatos da vida, e é em torno destes que giram as nossas; além disso, como tende a seguir as suas paixões, tal estudo lhe será vão e improfícuo, pois o fim que se tem em vista não é o conhecimento, mas a ação. E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter; o defeito não depende da idade, mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão. A tais pessoas, como aos incontinentes, a ciência não traz proveito algum; mas aos que desejam e agem de acordo com um princípio racional, o conhecimento desses assuntos fará grande vantagem. [...] ARISTóTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 5.

a) Os gregos revolucionaram o conhecimento ao buscarem explicações para o mundo fora do campo mítico e religioso. O texto de Aristóteles ilustra bem essa mudança. De acordo com ele, o que deveria funcionar como guia para as ações humanas?

presentes, sem me permitir nenhuma defesa, sem organizar um debate contraditório. Os seus acólitos apressaram-se a votar. Já era noite e cada um deles recebeu dois ou três boletins de voto de Eubulides e puseram-nos na urna: prova disso é que quando se chegou à altura de contar os votos, havia, para espanto geral, mais de sessenta quando os votantes não eram mais de trinta. Como prova de que falo a verdade, quando digo que a votação não foi feita em assembleia plenária e que houve mais votos do que votantes, vou apresentar testemunhas. Para dizer a verdade, atenienses, não pude ter como testemunhas nenhum dos meus amigos nem outros atenienses porque era tarde e eu não tinha convocado ninguém; mas posso recorrer ao testemunho dos que me excluíram injustamente. Eles não poderão negar os fatos que pus por escrito, para que não sejam esquecidos. DEMóSTENES. "Contra Eubulides". In: MOSSÉ, Claude. O cidadão na Grécia antiga. Lisboa: Edições 70, 1999. p. 48.

demotas: aqueles inscritos em um demos (nesse contexto, uma espécie de distrito). acólitos: assistentes, apoiadores políticos. assembleia plenária: reunião em que todos os membros de uma assembleia estão convocados.

b) De acordo com o filósofo, por que os jovens não eram, em geral, bons juízes? Você concorda com Aristóteles? Justifique sua resposta.

Analise uma fonte primária 11. O texto a seguir é um trecho de um discurso de Demóstenes (384 a.C.-322 a.C.), conhecido orador e político ateniense. Leia o trecho e faça o que se pede. Assim que o meu nome foi pronunciado, ele correu para a tribuna e pôs-se a caluniarme, falando muito, muito depressa e aos gritos – vocês viram – sem apresentar qualquer prova para as suas acusações, nem entre os demotas, nem entre os outros atenienses; e convidou a assembleia a excluir-me. Pedi que a questão fosse analisada no dia seguinte, porque já era tarde, eu não tinha ninguém para me ajudar e tinha sido apanhado de surpresa: assim ele poderia desenvolver sua acusação e apresentar testemunhas, se as tivesse; quanto a mim, poderia apresentar a minha defesa em assembleia plenária e apresentar o testemunho dos meus pais; e fosse qual fosse a sentença da assembleia, eu estava pronto a aceitá-la. Mas ele não levou em conta a minha proposta e mandou imediatamente distribuir os boletins de voto pelos demotas

a) Para interpretar esse documento, você deve contextualizá-lo. Para isso, antes de fazer as questões relativas ao documento, pesquise e responda.

• • •

Qual era o regime político adotado por Atenas no século IV a.C.? Quem tinha direito à participação política em Atenas? Procure identificar alguns dos acontecimentos que se desenrolaram na Grécia durante o século IV a.C.

b) Para quem Demóstenes está discursando? c) A quem Demóstenes está se referindo? d) Qual é o objetivo de Demóstenes com esse discurso?

e) Qual foi a acusação feita por Demóstenes no discurso?

f) Com base no discurso de Demóstenes, descreva o funcionamento de uma assembleia em Atenas. g) De acordo com o documento acima, a democracia ateniense tinha falhas? Justifique. h) Tomando como base esse documento, podemos afirmar que nossas instituições tomam como base o modelo político grego? Por quê? Grécia antiga

153

Articule passado e presente 12. O texto a seguir trata de uma escola no município de São Paulo (SP) onde os alunos seguem um modelo pedagógico diferente do adotado na maioria das escolas. Leia a reportagem e depois faça o que se pede. Mesmo tendo adotado, há 12 anos, um modelo pedagógico inovador, a Escola Municipal Pres. Campos Salles ainda tem de lidar com episódios de violência. Com cerca de mil alunos, o colégio fica em Heliópolis, comunidade da zona sul de São Paulo. Em um desses incidentes, o aluno do 4º ano Felipe Rodrigues presenciou um colega cuspir em uma professora. Como parte de sua responsabilidade, coube ao jovem, de 11 anos, conversar com o agressor. “Olha, pede desculpa à professora. Você tinha que pensar antes de fazer isso”, contou sobre o tom usado com o estudante indisciplinado. Felipe faz parte da comissão mediadora de sua sala, um grupo de 10 a 15 alunos, eleito pela própria turma para cuidar dos problemas enfrentados ao longo do ano letivo. “Há estudantes que têm dificuldade em matemática. Outros, na educação física. E há estudantes que têm dificuldade nas atitudes”, ressalta a coordenadora pedagógica da escola, Amélia Arrobal Fernandez. As comissões fazem parte do projeto pedagógico adotado pela escola de ensino fundamental, que tem como base a integração com a comunidade e a gestão participativa. O modelo é inspirado na portuguesa Escola da Ponte. “Os problemas da escola são os da comunidade. Os problemas da comunidade também são da escola”, diz Amélia. [...] Após a abordagem, o colega indisciplinado se sentiu mais à vontade para contar a Felipe um pouco de seus problemas pessoais. “Ele até desabafou. Nós conversamos e falamos que o que ele precisasse, nós ajudaríamos. O jeito de ele se expressar é bater nas pessoas. O que ele sofre, desconta aqui”, diz em referência a outro jovem que relatou sofrer agressões do tio alcoólatra. Esse tipo de trabalho, que parte dos estudantes, tende, segundo a coordenadora, a ter resultados mais efetivos do que atitudes tomadas diretamente pelos adultos. “Por mais que professores, família e gestores interfiram, eles falam a mesma língua. As coisas têm o mesmo 154

Capítulo 5

sentido e significado para eles. É diferente ouvir do próprio segmento”, acrescenta Amélia. [...] O projeto da Campos Salles aboliu a divisão do conteúdo por matérias e do tempo por aulas. Os alunos de diferentes idades estudam em grandes salões a partir de roteiros de estudos discutidos em assembleias. “Aqui é uma escola que não tem aula. Não acreditamos em aula expositiva, onde o professor escolhe um conteúdo e algo a explicar que não partiu necessariamente do desejo ou da dúvida real do estudante”, explica Amélia. O aprendizado vem por meio das leituras, pesquisas e discussões mediadas pelos professores. A resolução de conflitos garante, de acordo com a coordenadora, as condições para que a proposta funcione. “Se não houver uma convivência democrática e respeitosa, não existirá ambiente de estudo e aprendizagem. Porque a convivência é a base de tudo.” Apesar de aumentar a responsabilidade dos jovens, que devem tomar decisões sobre os caminhos a seguir, a proposta também aumenta a sensação de liberdade. “Minha irmã estudava em escola estadual. Ela me contava que lá era cheio de grades. Eu ia morrer sufocada. Aqui não tem grades”, comenta Ana Suellen Sousa da Silva, de 14 anos, que fez na escola todo o ensino fundamental. Ao atuar ativamente na resolução de conflitos, a professora Valéria Vieira acredita que os alunos também começam a se preparar para os desafios da vida adulta. “Principalmente quando ele entrar para o mercado de trabalho, quando terá que resolver problemas, se relacionar com outras pessoas.” […] ALUNOS fazem mediação de conflitos em escola da capital paulista. Último segundo. Disponível em . Acesso em: 15 dez. 2015.

a) Em que aspectos a escola vista na reportagem é diferente da escola onde você estuda? Em que aspectos é parecida? b) É possível traçar algum paralelo entre a maneira como os atenienses cuidavam da vida pública, na Antiguidade, e a forma como os alunos da escola vista na reportagem resolvem os seus problemas escolares nos dias atuais? Explique. c) Em sua opinião, o modelo pedagógico adotado na escola mostrada na reportagem favorece o desenvolvimento da cidadania? Justifique?

CAPÍTULO

6

A civilização romana Ahmad Atwah/Alamy/Latinstock.

Ruínas da Praça Oval, em Jerash, na Jordânia. No século II, uma série de construções foram erguidas nesta cidade, ocupadas pelos romanos havia mais de cem anos. Construções que seguiram uma estética ao gosto dos dominadores e destinadas a cumprir funções típicas do modo de vida romano. Atualmente, restam ruínas de um hipódromo, de teatros, templos e palácios. Foto de 2015.

O Império Romano atingiu diferentes povos e sociedades não somente nos aspectos políticos e econômicos, mas também culturais, como indica a foto acima. Hoje, é possível perceber a influência de um povo sobre outro? Que evidências dessa influência podem ser notadas? 155

1 Roma e n—s A civilização romana teve uma longa duração. Das origens da cidade de Roma à sua derrocada, foram mais de dez séculos de história. Como aconteceu na fase inicial das póleis gregas, a monarquia prevaleceu como sistema de governo em sua época mais remota. Neste capítulo estudaremos os principais destaques dessa formação e a evolução de Roma.

São muitas as contribuições romanas à civilização contemporânea. A língua portuguesa, por exemplo, é uma das ramificações do latim, língua original dos romanos. O cristianismo surgiu e se expandiu a partir da Palestina, sob o domínio romano. Foi ainda na civilização romana que a Igreja cristã se consolidou, ao se tornar religião oficial do Estado. Entretanto, na opinião de muitos pensadores, o Direito Romano foi a mais importante contribuição dessa civilização. O Direito Romano era reflexo da organização social romana, altamente complexa e ordenada, e foi estruturado a partir da Lei das Doze Tábuas (450 a.C.). Ainda hoje é uma das fontes de inspiração do Direito nas modernas sociedades democráticas. Lukasz Janyst/Alamy/Latinstock.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Ruínas romanas em Dougga, Tunísia, norte da África. Foto de 2013.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Onde e quando

753 a.C.

264 a.C. a 146 a.C.

Fundação lendária de Roma

Linha do tempo esquem‡tica. O espa•o entre as datas n‹o Ž proporcional ao intervalo de tempo.

Capítulo 6

Início do Império Governo de Otávio Augusto (até 14 d.C.)

378 d.C. a 395 d.C.

284 d.C. a 306 d.C. a 305 d.C. 337 d.C.

27 a.C.

Tibérico Graco

Guerras Púnicas

156

133 a.C.

Governo de Diocleciano Governo de Constantino

Governo de Teodósio Fim do Império Romano do Ocidente

476 d.C.

2 Da fundação de Roma ao fim da monarquia Roma nasceu de um pequeno povoado nas terras férteis do Lácio, região localizada no centro da península Itálica onde recebeu influência de diversos povos indo-europeus que ali se fixaram desde o século X a.C. Entre esses povos estavam os sabinos, os úmbrios e os latinos. Também tiveram destaque os etruscos, um aglomerado de povos de origem incerta, que fundaram várias cidades-Estado ao norte e centro da península, alcançando

predomínio sobre outros povos no século VII a.C., inclusive na região do Lácio. A cidade de Roma foi fundada no século VIII a.C., ao sul da Etrúria (região dos etruscos), na margem esquerda do rio Tibre. Pesquisas históricas indicam que as aldeias que deram origem à cidade foram reunidas e viveram sob um governo monárquico até o século VI a.C. Observe o mapa a seguir.

Mar Negro (Ponto Euxino)

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sabinos

Península Ibérica

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Banco de imagens/Arquivo da editora

A localização de Roma

40º N

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gregos

Cartago

Siracusa

0 20º L

275

550

km

Adaptado de: DUBY, G. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2006. p. 25-28.

A Itália primitiva e seus principais povos Além dessa versão histórica, há uma versão lendária sobre a fundação de Roma registrada pelo poeta Virgílio (c. 70 a.C.-19 a.C.), em seu longo poema épico Eneida (leia o boxe abaixo).

Lendas à parte, o fato é que os grupos familiares que ocupavam Roma em sua origem (clãs) eram governados por um rei (monarquia), que detinha também o comando do Exército e da Justiça, além de exercer a função de sacerdote. Os quatro primeiros reis (Rômulo, Numa Pompílio, Túlio Hostílio e Anco Márcio) fazem parte das nar-

A lenda da fundação de Roma Numitor, o rei da cidade de Alba Longa, foi expulso do trono por seu irmão, Amúlio. Enquanto isso, Reia Sílvia, a filha de Numitor, engravidou após ter relações com o deus Marte e deu à luz dois gêmeos, Rômulo e Remo. Enraivecido, Amúlio ordenou que as crianças fossem jogadas no rio Tibre. Elas foram depositadas em um cesto e carregadas pela correnteza, mas acabaram retidas nas margens do rio. Os gêmeos sobreviveram graças a uma loba que os amamentou. Tempos depois, eles foram encontrados e criados por um casal de pastores. Já adultos, Rômulo e Remo descobrem sua origem, matam Amúlio e colocam o avô, Numitor, novamente no trono. Os irmãos decidem então fundar uma cidade no local em que foram encontrados, mas Rômulo mata Remo e dá seu nome à nova cidade, Roma, fundada sobre o monte Palatino em 753 a.C., tornando-se o primeiro dos sete reis do período monárquico romano.

Museu Ca pitolino, Ro ma/Scala/Im ageplus

Símbolo de Roma, essa escultura de bronze representa a loba mitológica amamentando os gêmeos Rômulo e Remo. Durante muito tempo considerou-se que essa estátua era do século V a.C. No entanto, em 2009, estudiosos dataram-na com radiocarbono e descobriu-se que ela foi criada entre os séculos XII e XIII, quase 1 700 anos depois do que se presumia.

A civilização romana

157

rativas lendárias da história romana. Os três últimos (Tarquínio, o Velho; Sérvio Túlio; e Tarquínio, o Soberbo) reinaram no período de dominação etrusca. Sobre sua existência há registros históricos confiáveis. Durante esse período, a economia romana era essencialmente agrícola. Do ponto de vista social, a elite era formada pelos patrícios, grandes proprietários de terra que gozavam de privilégios políticos e religiosos. Abaixo deles estavam os plebeus, homens livres que inicialmente não tinham direitos políticos. Muitos deles eram clientes – pessoas que prestavam serviços aos patrícios, além de ser seus dependentes ou agregados. Na mais baixa situação social estavam os escravos, que haviam chegado a essa condição porque não puderam pagar suas dívidas, ou porque foram vencidos em guerras. Considerados simples instrumentos de trabalho, eram ainda pouco numerosos no período monárquico.

Do ponto de vista político, o poder do rei era controlado pelo Senado ou Conselho dos Anciãos, que era dominado pelos patrícios. O conjunto dos cidadãos em idade militar e aptos para lutar formava a Assembleia ou Cúria. No fim do século VII a.C., a estabilidade romana foi quebrada pela dominação dos etruscos, que impuseram sua força militar e política, passando a nomear os reis da cidade. Tarquínio, o Soberbo, último rei de origem etrusca, que governou de 534 a.C. a 509 a.C., foi deposto por uma insurreição liderada pelos patrícios. A Monarquia foi abolida. O poder supremo passou a ser representado pelo Senado, e um regime de características oligárquicas, a República, foi formado. insurreição: rebelião, revolta.

Vivendo naquele tempo

A velhice e a família patrícia romana Na Antiguidade, a expectativa de vida variava entre 30 e 50 anos de idade, devido às inúmeras doenças que afligiam a maior parte da população. Por isso, o número de idosos entre os habitantes de uma cidade romana era muito menor quando comparado com as sociedades modernas. No entanto, em virtude de melhores condições de vida, havia uma maior presença de idosos entre as famílias mais ricas. Nessas famílias, os idosos, especialmente os homens, tinham, em geral, um lugar de prestígio e autoridade: eram vistos como detentores de grande sabedoria e guardiões da tradição. Na vida privada, o chefe das famílias patrícias (o pater familias) exercia seu poder sobre a mulher, os filhos e filhas, os escravos e os clientes, isto é, homens livres que lhe deviam favores e reverência. Mesmo na velhice, ele era a maior autoridade da casa e governava as propriedades da família. Um casamento, por exemplo, só podia ser consumado se fosse aprovado por pais e avós, caso estivessem vivos. Na vida política, a importância dos velhos para a aristocracia e, de modo

geral, para a sociedade romana materializava-se na própria organização do poder, baseado no Senado, que significa conselho de anciãos (do latim senatus, mesma raiz de senex, que significa 'senil', e de senior, que significa 'ancião'). Para Marco Tulio Cícero (103 a.C.43 a.C.), um dos maiores filósofos da Roma antiga, os atributos da velhice também eram as qualidades do Senado: Em verdade, se a velhice não está incumbida das mesmas tarefas que a juventude, seguramente ela faz mais e melhor. Não são nem a força, nem a agilidade física, nem a rapidez que a autorizam as grandes façanhas; são outras qualidades, como a sabedoria, a clarividência, o discernimento. Qualidades das quais a velhice não só não está privada, mas, ao contrário, pode muito especialmente se valer. [...] Se essas qualidades não existissem entre os velhos, nossos antepassados jamais teriam chamado o conselho supremo de Senado, isto é, “assembleia dos anciãos”. CÍCERO, Marco Túlio. Saber envelhecer e a amizade amizade. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007. p. 18-20.

DEA/G. Nimatallah/De Agostini/Getty Images.

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Capítulo 6

Estátua de mármore, c. século I, de Togatus Barberini, um senador romano, segurando as imagens (bustos) de seus ancestrais. Museus Capitolinos, Itália.

3 República (séculos VI a.C.-I a.C.) O governo republicano passou a ser exercido pelos magistrados, com assessoria do Senado. Entretanto, na prática, o Senado era o órgão máximo de poder na nova estrutura política instaurada em Roma. Ele exercia funções legislativas e controlava toda a administração e as finanças, tendo poder até mesmo para declarar guerra. Seus integrantes eram vitalícios e pertenciam a um grupo restrito de famílias abastadas. Os magistrados que administravam a república eram eleitos para mandatos de um ano e não recebiam nenhuma remuneração por esse trabalho, o que levava somente os mais ricos (os patrícios) para a magistratura. As instituições republicanas completavam-se com as assembleias romanas (centurial, curial e tribal), encarregadas da nomeação dos magistrados e da ratificação das leis. Veja o esquema da página seguinte.

magistrados: funcionários do poder público investidos de autoridade. O termo originou-se do latim magistratus, que significa 'o cargo de governar' ou 'pessoa que governa'. Em Roma, referia-se aos detentores de cargos políticos. ratificação: confirmação ou validação (no caso, confirmação da aprovação de uma lei que já passou pelo Senado).

Assembleias romanas Na Roma antiga, havia três assembleias: a centurial – convocada pelos cônsules, consistia numa reunião do exército dividido em centúrias (grupos de cem homens), formadas por patrícios e plebeus ricos, que votavam as leis, decidiam pela guerra e pela paz e elegiam os magistrados; a curial dedicava-se aos assuntos religiosos; a tribal era formada por 35 tribos romanas. Inicialmente, havia os concilia plebis, com a participação apenas da plebe (as decisões, plebiscita, eram aplicadas apenas aos plebeus). Mais tarde, os plebiscitos se tornaram obrigatórios a todos os cidadãos, e as assembleias passaram a contar com a participação de patrícios e plebeus. Elegiam os magistrados em votações realizadas no fórum, no local denominado comitium. Tinham também atribuições judiciais e, a partir do século III a.C., passaram a votar todas as leis.

Representação de um grupo de senadores romanos, século II a.C. Durante a República, a oligarquia patrícia consolidou seu predomínio por meio do Senado, principal instância de poder. Note que os senadores vestiam uma toga sobre a túnica, denotando o status que detinham. A toga era um pano de lã com pouco mais de 5 metros de comprimento por 2,5 metros de largura. Era pouco prática para atividades manuais. Na sociedade romana havia diferentes togas: a escura, para pessoas de luto; a toga cândida, alvejada com cal, para os candidatos a eleições; entre outras.

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A civilização romana

159

Leituras Araldo de Luca/Corbis/Latinstock/Museu Arqueológico Nacional, N‡poles, It‡lia.

Os textos a seguir foram escritos pelo historiador inglês Dominic Rathbone. Eles apresentam informações valiosas a respeito do papel feminino na sociedade romana e da vida íntima de famílias e casais.

Mulheres Embora a sociedade fosse dominada pelos homens, as mulheres romanas tinham mais direitos e independência que as gregas. Elas não podiam votar nem se candidatar em eleições, mas podiam possuir bens e comandar seus próprios empreendimentos. Esta é a estátua de Eumáquia, uma das cidadãs mais ricas de Pompeia. Patrona da guilda dos pisoeiros (estofadores), ela usou sua riqueza para erguer um edifício público impressionante, junto ao fórum de Pompeia.

Família romana Embora a palavra “família” venha do latim, a noção dos romanos era muito diferente da atual de “‘família nuclear’”. A família romana tradicional era chefiada pelo homem mais velho, o pater familias (“pai de família”), que tinha autoridade sobre os membros, inclusive os netos e os escravos. Ele selecionava marido e mulher para os filhos, arranjando os casamentos deles com outros pater familias. Seus filhos adultos podiam ter esposa e filhos, mas não se tornavam chefes das próprias famílias antes da morte do pai. As filhas, muitas vezes, continuavam sob a autoridade do pai mesmo após casadas. Os antepassados já mortos faziam parte da família: seus retratos eram expostos na casa e seus túmulos visitados regularmente.

Estátua de Eumáquia, sacerdotisa que gozava de grande popularidade em Pompeia, por volta do século I a.C. guilda: associação de trabalhadores de um mesmo ofício (collegia) que visava proteger os interesses de seus integrantes.

Aliança de noivado Os casamentos eram realizados em junho, mês da deusa Juno, padroeira das esposas e das mães. Antes da cerimônia ocorria a festa de noivado, em que o noivo dava à noiva um anel, usado no mesmo dedo em que hoje se usa a aliança de casamento. Para explicar o costume, o autor Aula Gélio (c. 125 d.C.-180 d.C.) escreveu: “Quando se abre o corpo humano, vê-se um nervo muito delicado, que começa nesse dedo e chega ao coração”. RATHBONE, Dominic. História ilustrada do mundo antigo. São Paulo: Publifolha, 2011. p. 213 e 266.

Aspectos do sistema político O sistema político republicano era controlado pelos patrícios, daí seu caráter oligárquico. Os plebeus, marginalizados e descontentes com sua situação, eram fonte de crescente tensão, e a Roma republicana vivia sempre sob a possibilidade de uma convulsão social. Em 494 a.C., os plebeus, revoltados, retiraram-se de Roma para o Monte Sagrado, onde exigiram representação política na cidade. Os patrícios cederam à pressão e criaram o cargo de tribuno da plebe, que, eleito pelos plebeus, tinha poder de veto sobre as decisões do Senado. Observe no esquema da página ao lado como funcionava a República romana. 160

Capítulo 6

Para atenuar as tensões sociais, outras concessões foram feitas pelos patrícios. Em 450 a.C. foi elaborada a Lei das Doze Tábuas, primeira compilação das leis romanas. Até então, as leis eram transmitidas oralmente e quase sempre manipuladas a favor dos patrícios. Após essa medida, as leis ficavam expostas em tábuas no prédio do fórum romano, para conhecimento de todos. Em 445 a.C., foi permitido o casamento entre patrícios e plebeus. Em 367 a.C., os plebeus passaram a ter acesso às terras públicas. Mesmo assim, os conflitos sociais continuaram, principalmente em consequência das transformações econômicas provocadas pela política de expansão territorial da República romana.

Estrutura política da República romana prestavam assessoria aos magistrados dirigiam a política externa monitoravam as finanças e a religião em caso de grave crise (interna ou ameaça externa), o Senado suspendia o poder dos 2 cônsules e indicava o nome de um ditador, que tinha plenos poderes pelo período máximo de 6 meses

Ilustrações: Rodval Matias/Arquivo da editora

2 cônsules dirigiam o Estado

2 pretores aplicavam a Justiça

O SENADO 300 senadores designados para o cargo

4 edis reabasteciam e administravam Roma (estradas e polícia, por exemplo)

20 questores governavam Roma propunham as leis

lidavam com as finanças

eram recutados pelo Senado tinham o direito de se opor às decisões dos magistrados

recenseavam os cidadãos

OS 2 CENSORES (antigos cônsules)

10 TRIBUNOS DA PLEBE

OS MAGISTRADOS eleitos anualmente pelas Assembleias

eleitos a cada 5 anos pelas Assembleias

votavam as leis elegiam os magistrados de Roma

ASSEMBLEIAS (compostas por cidadãos)

compunham

patrícios

plebeus

OS CIDADÃOS (homens livres de Roma)

OS NÃO CIDADÃOS (mulheres, crianças, estrangeiros, escravos)

A civilização romana

161

A expansão territorial romana

Após a derrota de Cartago, Roma conquistou toda a bacia do Mediterrâneo. Em seu expansionismo, Roma conquistou também a península Ibérica e reinos helênicos, expandindo os domínios romanos. Observe os mapas a seguir.

Inicialmente, essa expansão ocorreu pelo restante da península Itálica e contou com alianças com povos vizinhos, flexibilização com relação à cidadania, extensão dos direitos e enfrentamentos militares. Entre os séculos V a.C. e III a.C., Roma dominou toda a península. Com isso, pouco a pouco, o latim tornou-se a língua oficial entre os povos itálicos. A expansão romana provocou atrito com uma importante potência adversária no Mediterrâneo: Cartago, cidade fundada pelos fenícios no norte da África. Tiveram início, assim, as Guerras Púnicas (264 a.C.-146 a.C.). Esses conflitos foram resultado da disputa entre Roma e Cartago pela hegemonia comercial na bacia do Mediterrâneo. Um dos principais destaques do conflito foi a disputa pelo domínio do sul da península Itálica e da ilha da Sicília, região também conhecida como Magna Grécia. As Guerras Púnicas culminaram com a destruição de Cartago. Esse resultado significou um impulso para o controle romano de vastos territórios. Diferentemente do que ocorreu com as regiões conquistadas na península Itálica, a Sicília tornou-se uma província romana e, como tal, era explorada e obrigada a pagar tributos.

Banco de imagens/Arquivo da editora

A conquista da península Itálica 15º L

45º N

Córsega

Roma

M ar Ad riá tic o

Sardenha

Mar Tirreno

Século V a.C.

Sicília

Século IV a.C. Século III a.C.

165

330

km

Adaptado de: DI SACCO, Paolo (Coord.). Corso di storia antica e medievale. Milano: Edizioni Scolastiche Bruno Mondadori, 1997. p. 171 e 219.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Bacia mediterrânea: mare est nostrum (século II a.C.)

E U R O P A

45º N

GÁLIA ALPES

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Mar Negro

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370 km

Roma

MACEDÔNIA

OCEANO ATLÂNTICO

(Ponto Euxino)

S

740

Cartago

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SICÍLIA d

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GRÉCIA

SÍRIA

t e r r â n e o

430 km

860

EGITO Territórios romanos

Adaptado de: DI SACCO, Paolo (Coord.). Corso di storia antica e medievale. Milano: Edizioni Scolastiche Bruno Mondadori, 1997. p. 171 e 219.

A expansão romana a partir da península Itálica foi uma preparação para a conquista do Mediterrâneo, segundo a máxima “Mare est nostrum” (O mar é nosso), cunhada em moedas romanas da época. Veja no mapa, no alto, a conquista da península Itálica.

162

Capítulo 6

A expansão provocou profundas transformações: o Senado passou a administrar um vasto território e Roma passou a ser a capital de um grande império. Os bens e riquezas vindos das províncias conquistadas, pela pilhagem ou pela cobrança de tributos, convergiam para Roma. Isso produziu um impacto na economia, incluindo a queda cada vez mais acentuada dos preços dos produtos agrícolas devido a uma maior oferta de produtos. Os patrícios ligados ao Senado eram os maiores proprietários de terras. Os pequenos proprietários plebeus da península Itálica, não encontrando condições de sobreviver no campo, vendiam suas terras e transformavam-se em mão de obra barata na cidade. Roma, em consequência, passou a crescer desmedidamente. A distribuição desequilibrada das riquezas elevou a tensão social. Milhares de escravos chegavam dos territórios conquistados, consolidando a economia escravista. Surgia uma poderosa classe de negociantes enriquecidos, chamados de homens-novos, ansiosos por alguma participação política. Toda essa situação configurou a crise da República romana, pois o governo oligárquico não tinha mais condições de fazer frente às crescentes pressões sociais e políticas.

Como os romanos obtinham escravos Os romanos apossavam-se de escravos através de procedimentos extremamente legítimos: ou compravam do Estado aqueles que fossem vendidos “debaixo da lança” como parte do botim; ou um general podia permitir àqueles que fizessem prisioneiros de guerra conservá-los, com o resto do produto do saque; ou obtinham a posse de escravos comprando -os de outros que fossem seus senhores em virtude de um dos métodos anteriores. Fragmento da História Antiga dos Romanos (IV, 24) do historiador grego Dionísio de Halicarnasso (século I a.C.). In: CARDOSO: Ciro Flamarion S. O trabalho compulsório na Antiguidade: ensaio introdutório e coletânea de fontes primárias. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003. p. 140.

Conflitos e transformações na República Uma tentativa de superação da crise foi a proposta de reforma agrária, formulada pelos irmãos Tibério e Caio Graco. Eleito tribuno da plebe em 133 a.C., Tibério propunha que o tamanho das propriedades rurais fosse limitado ao equivalente a 125 hectares. Sua lei agrária

chegou a ser aprovada, mas contrariava os interesses dos patrícios, que haviam ocupado essas terras. Insatisfeitos, eles promoveram o assassinato de Tibério. Anos mais tarde, em 124 a.C., seu irmão Caio Graco, também eleito tribuno da plebe, retomou a luta pela reforma agrária. Ele propunha a divisão das terras públicas e sua distribuição entre os plebeus. Mais uma vez, a proposta suscitou a oposição dos patrícios, que cercaram Caio Graco nas proximidades de Roma. Encurralado, Caio pediu a um escravo que o matasse. Esses conflitos, somados às campanhas militares no exterior, levaram os generais a ocupar um lugar privilegiado na cena política. Para os senadores, eles representavam a possibilidade de restaurar a ordem pela força. Entre esses militares, destacou-se o general Caio Mário (157 a.C.-86 a.C.), um homem novo que foi eleito cônsul seis vezes consecutivas. Mário ampliou o recrutamento militar, permitindo o alistamento de cidadãos sem posses, e modificou a organização do exército romano: os soldados passaram a receber um soldo e parte dos espólios de guerra, além de um lote de terra após 25 anos de carreira militar. Com essas medidas, os soldados passaram a preferir servir generais vitoriosos, já que seriam beneficiados com isso. Assim o poder dos generais nas disputas políticas se fortaleceu e a lealdade aos líderes militares passou a sobrepor-se a fidelidade à República e ao seu mais órgão representativo, o Senado. Lúcio Cornélio Sila (138 a.C.-78 a.C.) foi outro general importante. Sila era rival de Caio Mário e estava mais ligado à aristocracia. Nesse período houve uma divisão entre as tropas que apoiavam Sila e as tropas que apoiavam Mário e suas ideias reformistas, resultando em seguidos confrontos. Em 82 a.C., após a morte de Mário, Sila tornou-se ditador de Roma com o apoio do Senado e amparado pela Lex Valeria (Lei Valéria). De acordo com essa lei, ele governaria sem limite de tempo. Durante sua administração ditatorial, opositores foram perseguidos e eliminados, naquilo que ficou conhecido como proscrições de Sila. Em 78 a.C., contudo, Sila renunciou à ditadura após aumentar o número de membros do Senado e tirar os poderes legislativos dos tribunos da plebe.

hectare: área equivalente a 10 mil metros quadrados. soldo: remuneração a militar de qualquer grau. espólios de guerra: objetos e riquezas conquistados pelo lado vencedor de uma batalha ou guerra. Podem ser objetos de valor, como ouro, armas, obras de arte, etc. A civilização romana

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Everett Collection/AGB Photo.

Em 73 a.C., as tensões sociais que dilaceravam a República explodiram em uma gigantesca rebelião de escravos liderada pelo gladiador Espártaco (em latim, Spartacus), que viveu entre 120 a.C. e 70 a.C. Escritos romanos (como os dos historiadores Apiano e Plutarco) registram que Espártaco, ao desertar de uma tropa auxiliar do exército romano, foi capturado e tornado escravo. Dotado de grande força física, foi comprado por um negociante e levado para uma escola de gladiadores em Cápua (região da Campânia, na Itália), tornando-se líder de cerca de 120 mil escravos fugidos, somados às mulheres e crianças durante a Guerra dos Escravos ou Guerra dos Gladiadores. A revolta se estendeu de 73 a.C. a 71 a.C. e infligiu sérias derrotas aos exércitos romanos até ser controlada pelo comandante Marco Licínio Crasso (115 a.C. - 53 a.C.). Antes dessa rebelião, também chamada de Terceira Guerra Servil, ocorreram outras duas revoltas, em 135 a.C. e 104 a.C., na Sicília, contra a escravidão.

Cena do filme Spartacus, produção estadunidense de Stanley Kubrick, de 1960.

Leituras O texto a seguir, da historiadora Alice Maria de Souza, destaca a interpretação de Apiano de Alexandria (c. 95-c. 165) sobre a atuação de Sila na política republicana romana. Apiano fez seus comentário em seu livro História romana, escrito durante o governo do imperador Marco Aurélio no século II d.C.

Relatos de um historiador romano Apiano apresenta Sila como um cidadão que lutou para defender a cidade e foi constantemente motivado por boas intenções, sugerindo que os seus atos, desde a invasão de Roma até a devolução do governo da cidade para os Cônsules, foram fundamentados unicamente pela necessidade de restaurar as instituições tradicionais e manter a ordem. “A partir deste momento, os líderes de facções lutaram entre si com grandes exércitos, segundo o costume da guerra, e a pátria estava envolvida como um prêmio para estes. [...]” (APIANO, História Romana II. Guerras Civis I, 55). Ao longo do relato destes confrontos entre Mário e Sila, Apiano apresenta a ambição como motivadora das ações do primeiro e nobres intenções para as do segundo. Segundo o autor, Sila, questionado por um mensageiro sobre o que o

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Capítulo 6

levava a marchar contra Roma, respondeu: “[...] para livrá-la dos tiranos” (APIANO, História Romana II. Guerras Civis I, 57). Após a tomada da cidade, aconteceu uma assembleia em que os vencedores do conflito estabeleceram algumas mudanças no governo que, segundo eles, lamentavelmente, “havia sido entregue desde muito tempo aos demagogos”, o que justificava suas ações (APIANO, História Romana II. Guerras Civis I, 59). Dentre estas mudanças, podemos citar o retorno da votação por centúrias (e não mais por tribos), cuja função é assim explicada por Apiano: “[...]as votações, não estando mais nas mãos dos pobres e desenfreados, mas sim nas dos ricos e prudentes, não seriam mais o foco de sedições” (APIANO, História Romana II. Guerras Civis I, 59). Muito distante no tempo de Apiano, o atual historiador Rodrigo E. González Córdoba ressalta o que denomina de “historiadores nazistas”, que interpretaram Sila como “pertencente à verdadeira raça de sangue romano, cujas medidas pretendiam salvar a república romana”. SOUZA, Alice Maria de. Acerca das interpretações sobre Lúcio Cornélio Sila: breve estudo. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015.

O fim da Repœblica As constantes disputas pelo poder entre os militares resultaram na criação de triunviratos, governos de três líderes político-militares – o que também aguçou divergências. O primeiro triunvirato foi formado em 60 a.C. pelos generais Júlio César (100 a.C.-44 a.C.), Pompeu (106 a.C.-48 a.C.) e Crasso. Depois da morte de Crasso, desencadeou-se uma guerra civil entre as forças de Júlio César, sobrinho aristocrata de Caio Mário, e de Pompeu, vinculado ao grupo aristocrata conservador. César venceu o conflito, foi declarado ditador vitalício e assassinado em pleno Senado, em 44 a.C. Seguiu-se o segundo triunvirato, formado por Marco Antônio (83 a.C.-30 a.C.), Otávio (63 a.C.-14 d.C.) e Lépido (c. 89 a.C.-c. 13 a.C.), que provocou novos confrontos. Otávio derrotou seus rivais em 31 a.C. e recebeu do Senado os títulos de princeps (“primeiro cidadão”) e imperator (“o supremo”). Atribuiu a si mesmo o título de augustus (“divino”). Essas medidas consumavam a concentração de poderes nas mãos de Otávio. Era o fim da República e o começo do Império Romano. Observe no mapa abaixo as conquistas de Otávio Augusto.

Estátua de Otávio Augusto, de 20 a.C. aproximadamente, vestido como um comandante vitorioso.

Domínio de Otávio Augusto (27 a.C.-14 d.C.) Território romano antes de Otávio Augusto

Mar do Norte

Araldo de Luca/Corbis/Latinstock

Conquistas de Augusto Reinos independentes aliados

OCEANO ATLÂNTICO

45º N

AQUITÂNIA

REINO DE BÓSFORO Mar Negro

TRÁCIA MACEDÔNIA

Sardenha M

Banco de imagens/Arquivo da editora

MAURITÂNIA

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390

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km 20º L

Adaptado de: BARBERIS, Carlo. Storico antica e medievale. Milano: Casa Editrice G. Principato S.p.A., 1997. p. 329.

A civilização romana

165

4 O Alto Império (séculos I a.C.-III d.C.) Com a centralização do poder nas mãos do imperador mada tanto pela antiga aristocracia patrícia (que assim e a diminuição do poder do Senado, ocorreu uma profunda mantinha seus privilégios) quanto por comerciantes reforma política em Roma. Além de deter o poder político, enriquecidos com a expansão territorial (homens noo imperador passou também a ser cultuado como uma vos que, dessa forma, ganhavam espaço na partilha divindade, como indica seu título de augustus (“divino”). do poder). Atenuava-se, assim, a tensão social entre as Ao implantar o Império, Otávio Aucamadas mais abastadas. burocracia: nesse congusto promoveu reformas administratiOtávio praticou várias vezes a doação texto, o termo refere-se vas que favoreceram a expansão da de trigo ao povo. Promoveu também divera um sistema de hierarquias com distribuição burocracia, que passou a seguir critésos tipos de jogos, disputas e combates de funções e responsarios censitários, ou seja, de acordo com entre gladiadores. Leia mais sobre o assunbilidades na administração pública. os rendimentos. Essa burocracia era forto no boxe a seguir.

Leituras Em seu livro O pão e o circo, o historiador Paul Veyne propõe um estudo sobre o funcionamento político de Roma. Leia a seguir um trecho de uma entrevista com ele.

Pão e circo

Vito Arcomano/Alamy/Latinstock

A doação ocupava um lugar muito importante na sociedade romana: pão (sob a forma da distribuição de trigo), circo (organização de lutas de gladiadores) e festins públicos para o povo, mas também distribuição de terras, presentes para marcar o início do ano, presentes para o imperador e seus funcionários, etc. A maioria dos monumentos públicos das cidades greco-romanas (anfiteatros, basílicas, termas, etc.) foi oferecida por notáveis. Eu estava convencido de que essas doações não guardavam relação nenhuma com uma tentativa de despolitização e de manobra dos poderosos para afastar o povo da política. Na sociedade romana,

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os notáveis não eram senhores que viviam em seus castelos, mas nobres que viviam na cidade – como, aliás, aconteceria mais tarde, na Itália medieval –, e essa nobreza enxergava a cidade como sua propriedade, que ela governava. Em lugar de embelezar seus castelos, os nobres embelezavam a própria cidade, com o mecenato: construíam monumentos públicos e, assim, com sua generosidade, mostravam que eram ricos e poderosos. Essas doações ostentatórias também eram destinadas a mostrar que a cidade não podia viver senão graças a eles. Não se trata de uma despolitização dos espíritos, mas de um cálculo político mais sábio. VEYNE, Paul. Paul Veyne e a História. Entrevista realizada por Martine Fournier. Folha de S.Paulo, São Paulo, 28 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015.

Vista noturna do Coliseu. Roma, Itália. Foto de 2013.

Capítulo 6

Aspectos da expansão territorial Além de garantir os privilégios da elite burocrática e o sustento da plebe, Otávio manteve a expansão territorial como objetivo permanente do Império. Roma conquistava territórios cada vez mais extensos. Centenas de milhares de estrangeiros eram escravizados e seu trabalho estava na base da economia romana. O governo de Otávio Augusto foi caracterizado ainda pela ampliação do comércio entre as províncias, pela construção de estradas, pontes e aquedutos e por grandes realizações culturais. A literatura floresceu, destacando-se a atuação do ministro Caio Mecenas (70 a.C.-8 a.C.), que apoiou financeiramente artistas e escritores como os poetas Virgílio (70 a.C.-19 a.C.), Horácio (65 a.C.-8 a.C.) e Ovídio (43 a.C.-18 d.C.). O apoio de Mecenas aos artistas deu origem ao termo mecenato, utilizado para designar o patrocínio de atividades artísticas e culturais. Com Otávio teve início o Alto Império.

Alguns governantes do Alto Império Após sua morte, seguiram-se governantes tradicionalmente lembrados de maneira negativa. Tibério

(42 a.C.-37 d.C.) foi o segundo imperador. De acordo com alguns historiadores, seu governo teria sido marcado pela imoralidade e pela corrupção. Foi por essa época que Jesus Cristo foi crucificado. O terceiro imperador, Calígula (12 d.C.-41 d.C.), teria sido um déspota, e Cláudio (10 a.C.-54 d.C.), que o sucedeu, foi envenenado pela própria esposa. O imperador Nero (37 d.C.-68 d.C.), sucessor de Cláudio, foi acusado de atear fogo em Roma e culpar os cristãos – presos e levados às arenas para enfrentar leões e outros animais selvagens em espetáculos públicos. Embora certas fontes históricas, como os escritos dos historiadores Tácito e Suetônio, não descrevam o imperador de forma favorável, outros relatos falam de sua popularidade entre o povo romano. Atualmente, a visão de Nero como “imperador maldito” tem sido questionada e revista por novas interpretações (leia o texto a seguir). As violentas disputas sucessórias foram superadas somente com a dinastia dos Flávios (68 d.C.-96 d.C.) e, em especial, com a dos Antoninos (96 d.C.-192 d.C.), e Roma retomou a expansão territorial. As últimas anexações do Império e a estabilidade financeira firmaram a fase final do apogeu romano. Destacaram-se os imperadores Trajano, que retomou a ampliação do território, e Marco Aurélio, conhecido como o “imperador filósofo”.

Leituras cipais responsáveis pela recente e severa revisão crítica do personagem Nero e sua obra. E a imagem que resulta disso, ao menos como homem público, é muito diferente, ou melhor, completamente contrastante com as descrições habituais.

No texto a seguir, o jornalista, escritor e político italiano Massimo Fini compara os imperadores Nero e Constantino, que estudaremos mais à frente.

Um imperador maldito?

FINI, Massimo. Nero, o imperador maldito. São Paulo: Scrita Editorial, 1993. p. 13.

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Museu Arqueológico Nacional, Nápoles, Itália.

Entretanto, é essa mesma historiografia cristã, ou de inspiração cristã, que penetrou profundamente em todos os níveis nas nossas escolas e ainda dita normas. Assim, quando se fala de um imperador como Constantino, responsável pela adoção do cristianismo como religião do Estado, omite-se que assassinou o filho e a mãe. Além disso, dá-se-lhe mais importância histórica do que realmente teve, enquanto Nero continua sendo tão somente um monstro. [...] Porém, a historiografia moderna dá um retrato muito mais equilibrado do “imperador maldito”. Os historiadores anglo-saxões, franceses, romenos (pode parecer estranho, mas o mais importante centro de Estudos Neronianos está em Bucarest), além do italiano Mario Attílio Levi, foram os prin-

Busto de Nero produzido por volta do ano 75 d.C.

A civilização romana

167

O Coliseu O Coliseu, um dos principais símbolos do Império Romano, começou a ser construído em 72 d.C., por ordem do imperador Flávio Vespasiano. As obras estenderam-se por anos e só foram concluídas no governo de seu filho, Tito. O edifício foi oficialmente chamado de Anfiteatro Flaviano e tinha capacidade para acomodar 50 mil pessoas. O nome Coliseu, segundo alguns estudiosos, teria sido atribuído somente séculos depois, devido à estátua chamada Colosso de Nero, encontrada nas proximidades da antiga construção. O anfiteatro chegou a abrigar combates que duraram mais de cem dias e comemoravam sua inauguração.

1.

No primeiro piso do Coliseu ficava o lugar destinado às pessoas mais abastadas de Roma. Também havia um local exclusivo para o imperador e seus convidados, a chamada tribuna imperial, num ponto próximo à arena.

2.

Os outros andares eram destinados à plebe em geral. Havia lugares específicos para mulheres e crianças.

3.

A fachada externa do Coliseu foi revestida de mármore e era rica em detalhes; nela havia colunas de diversos estilos e arcadas. Alguns desses arcos abrigavam esculturas de bronze.

4.

A arena era o local onde a luta ocorria. Ali, os gladiadores se enfrentavam armados de lanças, espadas, escudos e também lutavam contra animais, como leões, tigres e ursos.

5.

Os animais usados nos confrontos eram introduzidos na arena por um mecanismo parecido com um elevador, que os trazia do subsolo até um corredor em pequenas jaulas. De lá eles subiam rampas ou escadarias até chegarem à arena.

DM7/Shutterstock/ Glow Images

6.

Calcula-se que mais de 10 mil gladiadores morreram em 320 anos de lutas.

Adaptado de: CHANDLER, Fiona. História Universal verbo do mundo antigo. antigo Lisboa: Editorial Verbo, 2000. p. 867.

168

Havia pontos estratégicos de acesso direto à arena. Por ele entravam e saíam os gladiadores, os animais e até mesmo os cenários utilizados nas reconstituições de grandes batalhas.

7.

O Coliseu possuía um tipo de cobertura retrátil, semelhante a um toldo, que podia ser aberto ou fechado e servia para proteger a plateia do sol em dias mais quentes.

7

6 2

4 5

3

1

Foto aérea do Coliseu, situado em Roma, Itália, de 2011. Foto de SF Photo/Shutterstock/Glow Images

169

Capela Arcivescovile, Ravena/The Bridgeman/Keystone

5 O Baixo Império (séculos III d.C.-V d.C.) A partir do século III da Era Cristã, a civilização romana mergulhou em sucessivas crises, entrando em um período que alguns historiadores denominam Baixo Império, e outros, Antiguidade Tardia. A expansão territorial, base de toda a riqueza e estabilidade política e social do império, esgotou-se pouco a pouco. Esse esgotamento ocorreu por vários motivos: a própria dimensão territorial alcançada; a pressão dos povos dominados e vizinhos; as dificuldades para novas anexações – devido à distância e aos custos. Mais importante do que expandir o território era manter e fortalecer as fronteiras do Império. Sem novas conquistas, porém, não havia captura de escravos, e a mão de obra começou a escassear, acrescentando dificuldades à economia. Ao mesmo tempo, os elevados custos para manter as estruturas imperiais, militares e administrativas abalavam a moeda romana, que se desvalorizou. Isso afetou as atividades econômicas e reativou as disputas entre chefes militares, corroendo o poder romano. Tal quadro acelerou a desagregação imperial. Paralelamente, crescia em meio à população cativa a adesão ao cristianismo, uma nova crença que surgira durante o governo de Otávio. Para os escravos, o caráter ético do espiritualismo cristão era consolador e carregado de esperanças: para os bons cristãos, uma vida melhor após a morte (no paraíso); para os maus, o castigo no inferno. Assim, o cristianismo oferecia aos escravos uma alternativa de salvação, ainda que após a morte.

A ascensão do cristianismo correspondeu à desagregação do Império Romano. Cristo é representado nesse mosaico do século V como um legionário que derrota o mal, simbolizado por um leão e uma serpente. Capela do Palácio Episcopal, Ravena, Itália.

A nova religião passou a ter um caráter subversivo para a estrutura política romana, pois era universal, contrária à violência e rejeitava a divindade do imperador. Em número crescente, pessoas livres também se convertiam ao cristianismo. Na tentativa de superar as crises, o Estado romano passou a intervir cada vez mais na vida econômica e social. Alguns dos imperadores que tomaram medidas nesse sentido foram Diocleciano, Constantino e Teodósio.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Dimensões do Império Romano no século III d.C. Mar Báltico

Mar do Norte

Império Romano Ocidental Império Romano Oriental Estradas

OCEANO ATLÂNTICO

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Constantinopla

Roma

35º N

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Mar Negro

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485 km

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970 5º L

Adaptado de: ATLAS of World History. New York: Oxford University Press, 2002. p. 55.

170

Capítulo 6

• Diocleciano (284 d.C.-305 d.C.): criou o Édito (decreto) Máximo, que fixou os preços de mercadorias e salários para combater a crescente inflação. Não teve sucesso e os problemas de abastecimento aumentaram. Para administrar o império, Diocleciano ordenou a criação de uma tetrarquia, que dividiu o império em quatro áreas administrativas e militares. Essas áreas ficaram sob o comando de dois Augustos e dois Césares, que respondiam a Diocleciano, o Augusto Senior. Essa medida acabou fortalecendo os militares e a burocracia. Cabeça em mármore do imperador Diocleciano, datada do século III d.C. Encontrada na antiga Nicomedia, atual Ízmit, na Turquia. De Agostini Picture Library/Bridgeman Images/Keystone Brasil/ Museu Arqueológico, Istambul, Turquia.

• Constantino (306 d.C.-337 d.C.): tomou providências sobre a política religiosa do Império e, após reunião em Milão, aprovou uma resolução que definia a liberdade de culto aos cristãos. Criou uma segunda capital para o Império, em Constantinopla (antiga Bizâncio, cidade grega), a leste e próxima ao mar Negro, entre a Europa e a Ásia. Ainda em seu governo, ocorreu o Concílio de Niceia, em 325 d.C., onde firmou-se uma das bases do cristianismo: o credo na trindade cristã (chamada pelos cristãos de “Santíssima Trindade”: o Pai, o Filho e o Espírito Santo).

concílio: reunião de chefes da Igreja.

Busto de Constantino, c. 350 d.C. Museu do Louvre, Paris, França. Peter Willi/Bridgeman Images/Keystone Brasil/ Museu do Louvre, Paris, França.

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Soldo, antiga moeda de ouro romana, com a face de Teodósio, datada do século IV d.C.

• Teodósio (378 d.C.-395 d.C.): transformou o cristianismo em religião oficial do Império (Édito de Tessalônica). Dividiu o Império Romano em duas partes: Império Romano do Ocidente (com capital em Roma) e Império Romano do Oriente (com capital em Constantinopla), mais tarde chamado de Império Bizantino.

A civilização romana

171

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Museu de Belas Artes e Arqueologia, Troyes, Fran•a.

Povos “bárbaros” No governo de Teodósio, um novo problema agravou a situação já crítica de Roma: o aumento da penetração de povos bárbaros – termo que os romanos usavam para denominar os povos que não viviam dentro das fronteiras do Império e não falavam latim. Inicialmente, eles chegaram como trabalhadores agrícolas, muitas vezes arrendando terras antes cultivadas por escravos, e logo sua entrada no Império se transformou em invasão. A maior parte desses povos era proveniente da Germânia, região que se estendia do rio Reno até o que é hoje a fronteira ocidental da Rússia. Por isso, esses povos são chamados de germânicos. Em 476 d.C., um dos povos germânicos, os hérulos, invadiram e saquearam a cidade de Roma, derrubaram o último imperador, Rômulo Augusto, e puseram fim ao Império Romano do Ocidente.

Fivelas de cinto e braceletes de ouro de um guerreiro germânico datados do século V.

Leituras O historiador Norberto Luiz Guarinello destaca a importância de substituir a denominação Baixo Império por Antiguidade tardia. É uma perspectiva que apresenta uma nova periodização, que se inicia no século III d.C e vai até o século VII d.C. Ela enfatiza continuidades em vez de rupturas no processo histórico, levando em consideração as interações culturais entre sociedades.

Antiguidade tardia Antiguidade tardia é uma forma relativamente nova, que alterou as balizas tradicionais da História antiga. Começou a se desenvolver no início do século XX, com os estudos sobre História da Arte do alemão Alois Riegel e vários outros autores, mas só alcançou estatuto de ortodoxia nos últimos trinta anos, sobretudo após a publicação do livroO mundo da Antiguidade tardia, do norte-americano Peter Brown, em 1976. [...] muitos historiadores ainda reafirmam a queda do Império Romano do Ocidente como marco cru-

172

Capítulo 6

cial. Mas a maioria tende hoje a ver a penetração dos povos além fronteira, antigamente chamados de bárbaros, como uma nova fase de um processo de integração mais amplo e menos destrutivo, segundo a qual o poder imperial não caiu, mas se reorganizou em unidades políticas menores e interdependentes. [A Antiguidade tardia] privilegia, antes de tudo, as transformações culturais e religiosas. A expansão do cristianismo, incentivado pelo Estado romano, a imposição progressiva de um culto monoteísta, a importância crescente da Igreja e do monasticismo representaram uma ampliação da integração cultural que uniu, pela primeira vez, os povos “bárbaros” além Reno às regiões a leste do Império, como Pérsia e a península arábica. Cultura, trocas de bens, migrações de povos se dissociaram por alguns séculos, levando o Mediterrâneo a perder, aos poucos, a centralidade que ocupara no Império anterior. GUARINELLO, Norberto Luiz. História antiga. São Paulo: Contexto, 2013. p. 161-163.

6 A cultura romana Os romanos herdaram dos gregos a visão humanista do mundo. Politeístas, assimilaram as divindades gregas sob denominações diferentes. Assim, por exemplo, o deus grego Zeus passou a ser Júpiter para os romanos, Dioniso recebeu o nome de Baco, Poseidon, o de Netuno, Afrodite, o de Vênus. Além da influência grega, as pinturas murais e as esculturas romanas, receberam também influência etrusca e helenística. Os romanos se destacaram igualmente na literatura, com Ovídio, autor de Arte de amar; Tito Lívio (c. 59 a.C.-17 d.C.), historiador que nos legou a História de Roma; e Virgílio, autor do poema épico Eneida (relato da fundação mítica de Roma).

O Coliseu e outros anfiteatros – arenas ovais ou circulares rodeadas de degraus a céu aberto – foram palco de encenações teatrais, festivais públicos e espetáculos de gladiadores. As termas romanas, local onde eram realizados os banhos públicos, também se destacaram no cotidiano romano. Ponto de encontro dos cidadãos, local de conversação e do exercício da vida política e intelectual, as termas já existiam em outras civilizações, mas foram amplamente desenvolvidas e utilizadas pelos romanos. Um dos maiores legados romanos à posteridade foi seu código de leis. Dividia-se em Jus Naturale (direito natural), compêndio de filosofia jurídica; Jus Gentium (direito dos povos), compilação de leis aplicáveis aos estrangeiros; e Jus Civile (direito civil), leis aplicáveis aos cidadãos romanos. Veja a seguir o boxe Para saber mais sobre a língua falada pelos romanos: o latim.

Para saber mais O latim O latim era falado originalmente na região do Lácio, onde se desenvolveu a civilização romana. Era a língua oficial do Império Romano e da Igreja católica. O latim clássico, mais refinado e erudito, tornou-se também a língua de grande parte dos pensadores medievais. O latim vulgar, utilizado pelas pessoas comuns, originou

as línguas neolatinas (italiano, francês, espanhol, romeno, português, etc.). Embora continue a ser a língua oficial da cidade-Estado do Vaticano, empregada em certos rituais católicos, não é o idioma materno de nenhum país. Entretanto, o alfabeto latino, derivado dos alfabetos etrusco e grego, continua a ser o mais amplamente usado no mundo, e muitas das expressões em latim são utilizadas também no meio jurídico.

Virgílio (70-19 a.C.) Eneida: poema épico trata das virtudes romanas. Narra a história da origem romana, com Enéas como herói refugiado de Troia que chega à Itália .

Allinari/Bridgeman Images/Keystone Brasil/ Musei Capitolini, Roma, It‡lia.

Horácio (65-8 a.C.) As Sátiras: narrativa sobre os vícios e costumes da sua época. As Epístolas: texto de influência grega, trata de valores, sexualidade feminina, entre outros. Ovídio (43 a.C.-18 d.C.) As metamorfoses: narrações mitológicas A arte de amar: poemas didáticos. Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.) História de Roma: conta da fundação até o ano 9 a.C. Composto por 142 livros, apenas 35 são conhecidos. Aborda a grandeza de Roma. Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) Consolationes (Consolos): sobre o estoicismo, viver de acordo com a natureza. De acordo com essa escola filosófica, o ser humano é apenas uma peça dentro de uma lógica maior que rege o Universo. Petrônio (27-66 d.C.) Satiricon: novela que aborda os excessos da sociedade romana antiga. Tácito (56-120 d.C.) Annales e Historiae: obras que abordam a história de Roma. Em suas obras, criticou o poder Busto de Virgílio esculpido excessivo dos imperadores.

em pedra. Autoria e data desconhecidas.

Juvenal (55-128 d.C.) Sátiras: poemas que criticam os costumes e vícios da Roma antiga. Juvenal era reformador.

A civilização romana

173

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome

Pratique

consenso do direito (iuris consensu) e da utilidade comum (utilitatis communione). Quanto à causa primeira dessa associação, não é tanto a fraqueza, mas uma certa propensão natural dos homens a se congregar, pois os homens não são feitos para a solidão nem para uma vida errante. [...]” (Sobre a república, I, 39) Essa definição opera a identidade entre público e o povo e entre este e a associação segundo o direito e a utilidade comum. A coisa pública é a associação de homens pelo reconhecimento de um direito e de uma utilidade pública comuns, portanto, pelo consenso quanto ao justo (ius) e ao interesse (utilitas) de todos. [...] Em outras palavras, os homens precisam uns dos outros e o instinto põe como natural a origem da república. [...] Para Cícero, o homem é por natureza um animal social. Passa-se da sociabilidade natural à civitas, isto é, à associação política ou sociedade civil quando “os grupos se fixam num lugar determinado para aí permanecer e depois, por seu trabalho acrescentado à força natural do local escolhido, erguem casas, templos e praças e lhe dão o nome de vila ou fortaleza. Todo povo, isto é, uma multidão agrupada nas condições que expus, toda cidade (civitas), que é a constituição de um povo, toda coisa pública (res publica), que eu disse ser coisa do povo, para ser duradoura necessita ser governada por algum órgão deliberativo (consilium). E este órgão deve primeiramente estar sempre unido à causa que engendrou a cidade (civitas)” (Sobre a república, I, 41) A instituição do Estado se dá, portanto, com a instituição de um órgão de deliberação, ou seja, um governo; e sua estabilidade e longa duração dependem de uma única condição, a que se mantenha unido à sua causa instituinte o povo formado pelo consenso do direito e da utilidade comum. Quando isso acontecer, diz Cipião, a cidade é eterna. [...]

10. A seguir, leia um texto em que a filósofa Marilena

CHAUI, Marilena. Introdução à história da Filosofia: as escolas helenísticas, v. II. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 230-231.

1.

Identifique e caracterize os diferentes grupos sociais que compunham a sociedade romana no tempo em que Roma estava sob domínio etrusco.

2. Da sua fundação até o século VI a.C., Roma foi uma monarquia, estando o rei sob controle do Senado. Que acontecimentos desencadearam o fim do regime monárquico?

3. Após a expulsão do último rei etrusco de Roma, a cidade se tornou uma república. A palavra “república” (em latim, res publica) significa “Coisa pública, aquilo que é de todos”. Podemos afirmar que todos os magistrados que governavam Roma representavam os interesses de toda a população romana? Justifique.

4. Que importância teve a criação do cargo de tribuno da plebe, no século V a.C., para a evolução política da República romana?

5. Além da criação do tribunato da plebe, outras conquistas plebeias aumentaram seu poder de pressão e participação na vida pública romana. Cite duas dessas conquistas e explique sua importância.

6. As Guerras Púnicas, ocorridas entre os séculos III e II a.C., opuseram as cidades de Cartago e Roma, e terminaram com a vitória desta última. Qual a razão do conflito entre as duas cidades e que efeito a vitória teve para o desenvolvimento da história romana?

7.

Qual é a principal diferença entre o governo imperial e o governo republicano romano?

8. Cite três mudanças promovidas por Otávio Augusto durante seu império.

9. Depois da fundação do Império por Otávio Augusto, transformações lentas e graduais produziram uma crise profunda em Roma, abalando suas estruturas e culminando com o esfacelamento do Império. Identifique essas transformações e relacione-as ao enfraquecimento romano.

Chaui comenta as definições de república e de povo do pensador Marco Túlio Cícero (106 a.C.-43 a.C.). Depois, responda ao que se pede.

a) Como Cícero define república? b) Conforme o texto, o que define o “povo”?

“A coisa pública (res publica) é a coisa do povo (res populi). Povo não é qualquer aglomeração de homens reunidos de qualquer modo, mas o conjunto de uma multidão de homens associados pelo

174

Capítulo 6

c) De acordo com Cícero, qual deve ser o principal papel do Estado?

d) Pesquise notícias publicadas em jornais e revistas que podem ir contra a ideia de república formulada por Cícero.

11. Leia com atenção o trecho redigido pela historiadora

a) Identifique a extensão do Império Romano. Depois, nomeie os continentes que eram interligados pelo comércio romano.

Maria Luiza Corassin:

O exército na República, composto pelos assidui, era convocado no momento da guerra e dispensado no final da campanha. Não existia um exército permanente profissional, nem serviço militar no sentido que hoje damos a esta expressão. Todos os cidadãos incluídos nas cinco classes do censo podiam ser chamados a qualquer momento, cada um pagando seu próprio equipamento militar, que era variável segundo o nível de fortuna. À medida que o cidadão foi perdendo suas terras, ocorreu sua “proletarização”, no sentido romano do termo: transformou-se em um proletarius por não ter o censo suficiente sequer para ser inscrito na quinta classe. No decorrer do século II, as autoridades romanas foram forçadas a baixar várias vezes esse limite mínimo do censo, para poder recrutar tropas. Os cidadãos pobres, praticamente excluídos dos direitos de cidadania, eram também excluídos dos deveres cívicos – o serviço militar, em primeiro lugar.

b) Elenque, para cada continente, três produtos comercializados.

c) Analisando o mapa, comente qual o interesse romano na conquista da bacia Mediterrânea.

13. Em um artigo publicado na revista História Viva, o professor de Ciências da Religião Simon C. Mimouni escreveu: Como todos os condenados, Jesus trazia em torno do pescoço um letreiro que explicava o motivo de sua condenação [...]. De fato, condenar Jesus como “Rei dos Judeus” constituía para as autoridades romanas uma força de dissuasão: elas pensavam levar assim à reflexão qualquer pessoa que tivesse sido tentada a insurgir a população por qualquer motivo nacionalista. O letreiro indicativo do delito permitia identificar, no direito romano, qual lei tinha sido aplicada. No caso de Jesus foi a “lex de maiestate”, uma lei anterior a Júlio Cesar e a Augusto que punia com a morte a alta traição em relação ao Estado – ou seja, Jesus foi condenado por rebelião em relação à autoridade imperial.

CORASSIN, Maria Luiza. A reforma agrária na Roma antiga. São Paulo: Brasiliense, p. 40.

Agora, responda:

a) Qualquer romano poderia integrar as legiões romanas? Explique.

MIMOUNI, Simon C. A morte de um rebelde. In: História Viva, edição especial temática nº 19, São Paulo: Segmento-Duetto editorial, p. 72.

b) Estabeleça uma relação entre o trecho e as propostas de reforma agrária dos irmãos Graco.

Principais rotas de navegação

a) No século I, a Palestina foi palco de diversas rebeliões protagonizadas por judeus hostis à presença romana. Ao mesmo tempo, Augusto e, depois seu sucessor, Tibério, buscaram consolidar as conquistas romanas e reforçar as fronteiras do Império. Estabeleça uma relação entre esse cenário, a crucificação de Escravos Molho de peixe Jesus e as perseguições posEstanho Ouro teriores aos cristãos. Lã Tinta de púrpura

Azeite de oliva

Madeira

Cavalos

Mármore

Cobre

Mel

12. Observe o mapa.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Império Romano: rotas comerciais (séculos I e II) 5º L Extensão do Império Romano

Mar do Norte BRITÂNIA Londres Colonia Agrippina Augusta Treverorum

OCEANO ATLÂNTICO 45º N

Linho

Vinho

GÁLIA REINO DE BÓSFORO

Olbia Lyon

Burdigala

Narbo

HISPÂNIA

Lisboa

DÁCIA

Aquileia

Panticapeia

Marselha

Tomi

Salone

Ancona Óstia Roma

Terraco

ARMÊNIA

Mar Negro Trapezus

MACEDÔNIA

Puteoli Gades

Bizâncio

IMPÉRIO DOS PARTOS

GRÉCIA

Tânger

ÁSIA

SICÍLIA

Éfeso

Atenas Cartago

MAURITÂNIA

Mar Cáspio

Antioquia

Siracusa

SÍRIA

NUMÍBIA

b) Explique por que o episódio da crucificação de Jesus, narrado acima pelo professor Simon Mimouni, ilustra a importância que os romanos davam às instituições criadas no período republicano mesmo depois de o imperador ter concentrado muitos poderes.

Chipre

Creta

Tiro

Mar Mediterrâneo Jerusalém

Cirene

JUDEIA Gaza Alexandria

ÁFRICA

EGITO

Petra

480

960

km

Adaptado de: BARRACLOUGH, Geoffrey. The Times Concise Atlas of World History. London: Times Books Limited, 1986. p. 24-25.

A civilização romana

175

Analise uma fonte primária 14. Entre os séculos I a.C. e I d.C., Roma vivia a expansão do território imperial, mantendo os povos conquistados sob controle militar. Os gauleses eram um desses povos. Eles foram derrotados pelos romanos no século I a.C., após uma longa guerra. Observe a imagem a seguir: Imagebroker/Glow Images

a) No relevo ao lado, é possível identificar dois grupos de combatentes. O que diferencia cada grupo? b) O que a imagem sugere sobre o desenvolvimento da batalha representada? Justifique.

c) Os romanos deixaram vários arcos do triunfo pelo Império. Com base na imagem levante uma hipótese para explicar qual era a função desses arcos.

Friso do Arco do Triunfo localizado na cidade de Orange, na França. O arco foi erigido no século I, durante o governo de Augusto, depois reconstruído por Tibério.

Articule passado e presente 15. O artigo a seguir foi publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 26 maio de 2002, ano em que aconteceu a primeira Copa do Mundo na Ásia.

No Oriente, Japão se fantasia de Ocidente João Carlos Assumpção Enviado especial a Yokohama

Na primeira Copa em solo asiático, um dos coanfitriões, o Japão, justamente o país que abrigará a final do torneio, colocará em campo uma “seleção do ocidente”. Não só pelo visual, mas também pelos costumes. Como disse o técnico Philippe Troussier, 47, francês que comanda a seleção japonesa, “é resultado da globalização”. “O oriente se ocidentalizou, o que pode ter aspectos positivos, mas também tem os negativos. O mundo não pode viver de um pensamento único”, afirmou o treinador à Folha, durante lançamento do livro “Passion” – “Paixão”, em português –, sua autobiografia, que chegou às livrarias japonesas na semana passada. O sinal da ocidentalização é claro. Está estampado no visual dos jogadores – dos 23 convocados por Troussier, pelo menos 12 estavam “loiros” ou “ruivos” na apresentação da equipe. [...] O sociólogo Shinji Kamikawa, 48, crítico de TV no Japão, diz que “o oriente parece perdido em muitos aspectos”. “A influência não é só de quem vai ao exterior e volta, mas está em todos os lugares, prin176

Capítulo 6

cipalmente na televisão. Parece que estamos desenvolvendo um complexo de inferioridade, de que aquilo que é falado em inglês é melhor, os costumes estrangeiros são.” Ele reclama do fato de os desenhos animados japoneses não apresentarem personagens com olhos puxados. “Só pode prejudicar o processo de identificação de nossas crianças, que começam a invejar os traços ocidentais.” Segundo Kamikawa, uma novela que faz sucesso no país – “Sakura”– trata justamente dessa questão. “Mostra uma garota [Elizabeth Sakura] da quarta geração de descendente de japoneses” criada nos EUA e que, aos 23 anos de idade, vai estudar no Japão. É um choque cultural. A garota se percebe mais japonesa do que os próprios japoneses. Não há mais respeito aos velhos, não se pensa mais tanto no coletivo, muita coisa mudou”, conta ele. [...] No Oriente, Japão se fantasia de Ocidente. Folha de S.Paulo, 26 de maio de 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2015.

a) Qual é o tema da notícia? b) Que analogia é possível fazer entre o que aconteceu no passado com os povos dominados pelos romanos e o que aconteceu recentemente no Japão? c) No passado, a cultura latina se difundiu em razão das conquistas militares romanas. Hoje, o que explica a difusão da cultura ocidental?

Enem e vestibulares

atenção! Não escreva no livro!

Enem 1.

Do Templo até o Cativeiro _______________414 Do Cativeiro até o Nascimento de Jesus Cristo ________________________ 614 Do Nascimento de Jesus Cristo até hoje _____________________________1 560 Idade da Terra ________________________5 520 anos

Ao visitar o Egito do seu tempo, o historiador grego Heródoto (484-420/30 a.C.) interessou-se por fenômenos que lhe pareceram incomuns, como as cheias regulares do rio Nilo. A propósito do assunto, escreveu o seguinte: Eu queria saber por que o Nilo sobe no começo do verão e subindo continua durante cem dias; por que ele se retrai e a sua corrente baixa, assim que termina esse número de dias, sendo que permanece baixo o inverno inteiro, até um novo verão. Alguns gregos apresentam explicações para os fenômenos do rio Nilo. Eles afirmam que os ventos do noroeste provocam a subida do rio, ao impedir que suas águas corram para o mar. Não obstante, com certa frequência, esses ventos deixam de soprar, sem que o rio pare de subir da forma habitual. Além disso, se os ventos do noroeste produzissem esse efeito, os outros rios que correm na direção contrária aos ventos deveriam apresentar os mesmos efeitos que o Nilo, mesmo porque eles todos são pequenos, de menor corrente.

Documento I Avalia-se em cerca de quatro e meio bilhões de anos a idade da Terra, ela comparação entre a abundância relativa de diferentes isótopos de urânio com suas diferentes meias-vidas radiativas.

Documento II

Considerando os dois documentos, podemos afirmar que a natureza do pensamento que permite a datação da Terra é de natureza

a) científica no primeiro e mágica no segundo. b) social no primeiro e política no segundo.

Adaptado de: HERÓDOTO. História (trad.). livro II, 19-23. Chicago: Encyclopaedia Britannica Inc. 2. ed. 1990. p. 52-53.

Nessa passagem, Heródoto critica a explicação de alguns gregos para os fenômenos do rio Nilo. De acordo com o texto, julgue as afirmativas abaixo.

c) religiosa no primeiro e científica no segundo. d) religiosa no primeiro e econômica no segundo.

3.

I. Para alguns gregos, as cheias do Nilo devem-se ao fato de que suas águas são impedidas de correr para o mar pela força dos ventos do noroeste. II. O argumento embasado na influência dos ventos do noroeste nas cheias do Nilo sustenta-se no fato de que, quando os ventos param, o rio Nilo não sobe. III. A explicação de alguns gregos para as cheias do Nilo baseava-se no fato de que fenômeno igual ocorria com rios de menor porte que seguiam na mesma direção dos ventos.

Adaptado de: VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Bertrand, 1992.

Na configuração política da democracia grega, em especial a ateniense, a ágora tinha por função a) agregar os cidadãos em torno de reis que governavam em prol da cidade.

É correto apenas o que se afirma em a) I. b) II. c) I e II.

b) permitir aos homens livres o acesso às decisões do Estado expostas por seus magistrados.

d) I e III. e) II e III.

c) constituir o lugar onde o corpo de cidadãos se reunia para deliberar sobre as questões da comunidade.

d) reunir os exercícios para decidir em assembleias fechadas os rumos a serem tomados em caso de guerra.

2. O cômputo da Idade da Terra Da Criação até o Dilúvio ________________1 656 anos Do Dilúvio até Abraão __________________292 Do Nascimento de Abraão até o Êxodo do Egito ___________________503 Do Êxodo até a Construção do Templo ___________________________481

O que implica o sistema da pólis é uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. A palavra constitui o debate contraditório, a discussão, a argumentação e a polêmica. Torna-se a regra do jogo intelectual, assim como do jogo político.

e) congregar a comunidade para eleger representantes com direito a pronunciar-se em assembleias.

4.

No período 750-338 a.C., a Grécia antiga era composta por cidades-Estado, como por exemplo Atenas, Esparta, Tebas, que eram independentes umas das outras, mas partilhavam algumas características culturais, como a língua grega. Enem e vestibulares

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No centro da Grécia, Delfos era um lugar de culto religioso

6.

frequentado por habitantes de todas as cidades-Estado.

Segundo Aristóteles, na cidade com o melhor conjunto de normas e naque-

No período 1 200-1 600 d.C., na parte da Amazônia

la dotada de homens absolutamente justos, os cidadãos

brasileira onde hoje está o Parque Nacional do Xin-

não devem viver uma vida de trabalho trivial ou de ne-

gu, há vestígios de quinze cidades que eram cercadas

gócios — esses tipos de vida são desprezíveis e incompa-

por muros de madeira e que tinham até dois mil e

tíveis com as qualidades morais —, tampouco devem ser

quinhentos habitantes cada uma. Essas cidades eram

agricultores os aspirantes à cidadania, pois o lazer é in-

ligadas por estradas a centros cerimoniais com gran-

dispensável ao desenvolvimento das qualidades morais

des praças. Em torno delas havia roças, pomares e

e à prática das atividades políticas.

tanques para a criação de tartarugas. Aparentemen-

VAN ACKER, T. Grécia. A vida cotidiana na cidade-Estado. São Paulo: Atual, 1994.

te, epidemias dizimaram grande parte da população que lá vivia. Folha de S.Paulo, ago. 2008 (adaptado).

O trecho, retirado da obra Política, de Aristóteles, permite compreender que a cidadania

Apesar das diferenças históricas e geográficas existentes entre as duas civilizações, elas são semelhantes, pois:

a) possui uma dimensão histórica que deve ser criticada, pois é condenável que os políticos de qualquer época fiquem entregues à ociosidade, enquanto o resto dos cidadãos tem de trabalhar.

a) as ruínas das cidades mencionadas atestam que grandes epidemias dizimaram suas populações.

b) era entendida como uma dignidade própria dos grupos sociais superiores, fruto de uma concepção política profundamente hierarquizada da sociedade.

b) as cidades do Xingu desenvolveram a democracia, tal como foi concebida em Tebas. c) as duas civilizações tinham cidades autônomas e independentes entre si.

c) estava vinculada, na Grécia Antiga, a uma percepção política democrática, que levava todos os habitantes da pólis a participarem da vida cívica.

d) os povos do Xingu falavam uma mesma língua, tal como nas cidades-Estado da Grécia. e) as cidades do Xingu dedicavam-se à arte e à filosofia tal como na Grécia.

5.

d) tinha profundas conexões com a justiça, razão pela qual o tempo livre dos cidadãos deveria ser dedicado às atividades vinculadas aos tribunais.

Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides

e) vivida pelos atenienses era, de fato, restrita àqueles que se dedicavam à política e que tinham tempo para resolver os problemas da cidade.

era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão

e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Len-

ta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-

se em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).

O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas.

b) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis. d) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão. 178

Unidade 2

7.

O fenômeno da escravidão, ou seja, da imposição do trabalho compulsório a um indivíduo ou a uma coletividade, por parte de outro indivíduo ou coletividade, é algo muito antigo e, nesses termos, acompanhou a história da Antiguidade até o séc. XIX. Todavia, percebe-se que tanto o status quanto o tratamento dos escravos variou muito da Antiguidade greco-romana até o século XIX em questões ligadas à divisão do trabalho. As variações mencionadas dizem respeito

a) ao caráter étnico da escravidão antiga, pois certas etnias eram escravizadas em virtude de preconceitos sociais.

b) à especialização do trabalho escravo na Antiguidade, pois certos ofícios de prestígio eram frequentemente realizados por escravos. c) ao uso dos escravos para a atividade agroexportadora, tanto na Antiguidade quanto no mundo moderno, pois o caráter étnico determinou a diversidade de tratamento.

e) a imagem comprova que as produções culturais dos homens estão desvinculadas de suas práticas econômicas.

d) à absoluta desqualificação dos escravos para trabalhos mais sofisticados e à violência em seu tratamento, independentemente das questões étnicas.

e) ao aspecto étnico presente em todas as formas de escravidão, pois o escravo era, na Antiguidade greco-romana, como no mundo moderno, considerado uma raça inferior.

8.

10. (UFSM-RS) [...] E a situação sempre mais ou menos Sempre uns com mais e outros com menos A cidade não para, a cidade só cresce

Durante a realeza, e nos primeiros anos republicanos, as

O de cima sobe e o de baixo desce [...].

leis eram transmitidas oralmente de uma geração para

Este trecho da música do pernambucano Chico Science (1966-1997) e grupo Nação Zumbi nos remete à vida em cidades, processo que passou a ser significativo na história, a partir do 4º milênio a.C., na Mesopotâmia.

outra. A ausência de uma legislação escrita permitia aos patrícios manipular a justiça conforme seus interesses. Em 451 a.C., porém, os plebeus conseguiram eleger uma comissão de dez pessoas – os decênviros – para escrever as leis. Dois deles viajaram a Atenas, na Grécia, para es-

Sobre esse processo é correto afirmar:

tudar a legislação de Sólon.

a) Com o surgimento e crescimento das cidades, houve um progressivo aumento da especialização do trabalho e da igualdade social, enfraquecendo o poder político.

COULANGES, F. A cidade antiga. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

A superação da tradição jurídica oral no mundo antigo, descrita no texto, esteve relacionada à

b) A diminuição da produção agrícola assegurou excedentes para a manutenção de especialistas, desenvolvendo a urbanização em cidades-Estado socialmente desiguais.

a) adoção do sufrágio universal masculino. b) extensão da cidadania aos homens livres. c) afirmação de instituições democráticas.

c) Apesar da urbanização e das novas tecnologias de irrigação, mantém-se um Estado de caráter exclusivamente político e que não intervém na economia, conservando a ordem social hierarquizada.

d) implantação de direitos sociais. e) tripartição dos poderes políticos.

Vestibulares (Vunesp-SP) Observe a figura. DEA/G. SIOEN/De Agostini/Getty Images.

9.

d) A sedentarização do homem, o desenvolvimento de cidades, a especialização do trabalho e uma sociedade socialmente desigual levaram à constituição de polos de poder como o Templo e o Palácio.

Painel decorativo da Tumba de Senedjem (Egito. Século XIII a.C.).

A respeito do contexto apresentado, é correto afirmar:

a) a imagem demonstra que os agricultores das margens férteis do rio Nilo desconheciam a escrita.

b) ao contrário da economia da caça de animais, que exigia o trabalho coletivo, a agricultura não originava sociedades humanas. c) a imagem revela uma apurada técnica de composição, além de se referir à economia e à cultura daquele período histórico. d) os antigos egípcios cultivavam cereais e desconheciam as atividades econômicas do artesanato e da criação de animais.

e) Mesmo se legitimando através de conquistas militares ou como mediadores entre o mundo terreno e o mundo divino, os soberanos separaram a esfera política da religiosa no intuito de conservar uma sociedade desigual.

11.

(UFMS) Sobre a Bíblia e a história dos hebreus, é correto afirmar que a) a Bíblia é, ao mesmo tempo, o livro cujas traduções estão mais espalhadas pelo mundo e, segundo alguns historiadores, um dos menos lidos de todos os best-sellers. Além de ser um livro sagrado, ela também é uma importante fonte de pesquisa para o conhecimento da história dos hebreus.

b) o povo hebreu, do qual a Bíblia é originária, desde seus primórdios manifestou total desprezo pelas suas tradições escritas. Isso significa que, para eles, a tradição oral teve mais importância na transmissão de conhecimentos e costumes, enfim, para a manutenção de sua identidade. c) na Bíblia, a história dos hebreus começa em Gênesis, quando Moisés, um dos patriarcas, recebeu a ordem de deixar a sua terra natal para ir rumo à terra que Deus lhe mostrou para nela se estabelecer.

Enem e vestibulares

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d) embora a Bíblia seja considerada um livro sagrado, ela não deve ser vista como um documento que possa ser estudado por historiadores, pois religião e ciência são diferentes esferas do conhecimento. e) a Bíblia, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento, é considerada integralmente um livro sagrado para cristãos, judeus e mulçumanos.

b) explique uma diferença e uma semelhança entre poesia épica e história para os gregos da Antiguidade.

14. (UnB-DF) Leia o trecho adiante, extraído do poema de Tirteu (séc. VII a.C - Esparta) chamado ARETÉ (excelência). É um bem comum para a cidade e todo o povo que um

12. (UFSC) Várias sociedades antigas se desenvolveram

homem aguarde, de pés fincados, na primeira fila, / encar-

ao longo de rios. Sobre elas, assinale a(s) proposição(ões) correta(s).

niçado e de todo esquecido da fuga vergonhosa, / expondo sua vida e ânimo sofredor, e, aproximando-se, inspire con-

(01) As antigas China e Índia também são consideradas sociedades hidráulicas e se favoreceram, respectivamente, dos rios Amarelo e Indo.

fiança com suas palavras ao que lhe fica ao lado. / Um ho-

(02) A China antiga foi rica em pensadores, como Sun Tzu, Confúcio e Lao-Tsé. Uma obra conhecida até hoje e que foi produzida no seio desta sociedade é o tratado militar A arte da guerra.

as vagas da batalha. / Se ele cair na primeira fila, perdendo

mem assim distingue-se no combate. / Em breve derrota as falanges furiosas dos inimigos, / com seu ardor detém a cara vida, / deu glória à cidade, ao povo e ao pai, / [...]. O seu túmulo, os seus filhos serão notáveis entre os homens. bem como os filhos dos filhos, e toda a posteridade. / Ja-

(04) A Mesopotâmia, região localizada entre os rios Tigre e Eufrates, foi assim batizada pelos gregos por ficar entre os dois rios.

mais perecerá a sua nobre glória e o seu renome, / [...].

Com o auxílio do texto, julgue os itens seguintes, relativos à história da Grécia arcaica.

(08) Vários povos formavam o que conhecemos por Mesopotâmia. Entre os principais, figuram aqueus, jônios, eólios e dórios.

(0) No momento de constituição da “polis”, valores e poderes aristocráticos ainda se encontravam presentes na formação do homem grego.

(16) O Egito foi uma sociedade expansionista desde o período inicial de sua unificação política, o que levou aquela sociedade a estender suas conquistas até o território que hoje conhecemos como Paquistão.

(1) No séc. VII a.C. espartano, a antiga aristeia – combate singular entre dois guerreiros – já cede lugar às batalhas hoplíticas, em que o sucesso militar depende do desempenho coletivo da falange, dos “pés fincados, na primeira fila”, do compromisso com o companheiro “que lhe fica ao lado”.

(32) O ciclo agrícola proporcionado pelo rio Nilo se refletiu nas concepções mitológicas dos egípcios antigos.

13. (Fuvest-SP)

(2) O atributo maior do herói homérico, a valentia, fundamental para a conquista da fama mantém-se e transforma-se no renome do soldado da “polis”, que dá “glória à cidade, ao povo e ao pai”.

Não é possível pôr em dúvida por mais tempo, ao passar em revista o estado atual dos conhecimentos, ter havido realmente uma guerra de Troia histórica, em que uma co-

(3) A definição do estatuto dos cidadãos como semelhantes e iguais, base para consolidação da “polis”, contradiz as transformações militares que substituem o combate individual pelo soldado hoplita.

ligação de Aqueus ou Micênios, sob um rei cuja suserania era conhecida pelos restantes, combateu o povo de Troia e os seus aliados. A magnitude e duração da luta podem centes, e os números dos participantes avaliados muito por cima nos poemas épicos. Muitos incidentes, tanto de importância primária como secundária, foram sem dúvida inventados e introduzidos na narrativa durante a sua viagem através dos séculos. Mas as provas são suficientes para demonstrar não só que a tradição da expedição contra Troia deve basear-se em fatos históricos, mas ainda que boa parte dos heróis individuais mencionados nos poemas foi tirada de personagens reais. Carl W. Blegen. Troia e os troianos. Lisboa, Verbo, 1971. Adaptado.

A partir do texto acima, a) identifique ao menos um poema épico inspirado na guerra de Troia e explique seu título;

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Unidade 2

15. (UPM-SP) Warner Bros./Everett Collection/AGB Photo

ter sido exageradas pela tradição popular em tempos re-

Frank Miller inspirou-se na verdadeira Batalha de Termópilas, ocorrida em 438 a.C., na Grécia, para escrever “Os 300 de Esparta”. A adaptação da história em quadrinhos de Miller foi levada ao cinema, em 2006, pelo diretor Zack Snyder, com o título “300”. A respeito do contexto das Guerras Médicas (500-479 a.C), tema abordado no filme, assinale a alternativa correta. a) O domínio e a expansão naval fenícia ameaçavam a hegemonia da Grécia sobre o mar Egeu, o que ocasionou a formação de uma aliança defensiva grega.

b) Desenvolvendo uma política imperialista, Atenas entrou em conflito com Esparta que, agrária e oligárquica, permaneceu fechada à expansão territorial. c) O expansionismo persa, que já havia dominado cidades gregas da Ásia Menor e estabelecido o controle persa sobre rotas comerciais do Oriente, ameaçava a soberania da Grécia, tornando inevitável o conflito grego-pérsico. d) Esparta, por priorizar a formação física e militar, cultivando no indivíduo o patriotismo incondicional ao Estado, liderou a ofensiva grega contra os assírios, que ameaçavam as instituições democráticas gregas. e) O forte espírito militarista presente na cultura helenística e difundido em todas as pólis gregas permitiu que, no conflito contra os medos, a Grécia obtivesse a supremacia militar e se sagrasse vencedora.

16. (UPM-SP) “... andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo mercado e pela assembleia indagando a cada um: ‘Você sabe o que é isso que está dizendo?’, ‘Você sabe o que é isso em que você acredita?’, ..., ‘Você diz que a coragem é importante, mas o que é a coragem?’, ‘Você acredita que a justiça é importante, mas o que é a justiça?’,..., ‘Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você tem, mas o que é a amizade?’. Suas perguntas deixavam seus interlocutores embaraçados,... descobriam surpresos que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças e valores ... ... as pessoas esperavam que ele respondesse, mas para desconcerto geral, dizia: ‘Não sei, por isso estou perguntando.’ Daí a famosa frase: ‘Sei que nada sei’ “. Marilena Chaui

O texto relaciona-se com: a) a criação dos princípios da Lógica, por Aristóteles, de maneira a formar uma ciência Analítica: A Metafísica.

d) as preocupações de Eurípedes com os problemas do homem, suas paixões, grandezas e misérias. e) a filosofia de Sócrates, voltada para as questões humanas, preocupada com as virtudes morais e políticas.

17. (PUC-PR) Os animais da Itália possuem cada um sua toca, seu abrigo, seu refúgio. No entanto, os homens que combatem e morrem pela Itália estão à mercê do ar e da luz e nada mais: sem lar, sem casa, erram com suas mulheres e crianças.

Estas são palavras de Tibério Graco, político romano do século II a.C.

Nesse contexto da história de Roma, podemos afirmar que: a) Roma encontrava-se num período de paz e prosperidade resultado da política da “Paz Romana” promovida pelo regime imperial. b) Resultado das expansões territoriais, Roma tornou-se superpopulosa; apesar de rica, acentuaram-se as diferenças sociais: de um lado uma aristocracia privilegiada que vivia em meio a festas e mordomias e de outro a maior parte da população vivia na mais absoluta miséria.

c) Esse é um período que coincide com a tentativa de estabelecimento de um regime democrático em Roma, por modelo e influência da política ateniense de Péricles.

d) Nessa época Roma enfrentava as dificuldades das Guerras Médicas em que disputava o território cartaginês com os persas.

e) Nesse período a sociedade romana vivia uma situação de decadência da autoridade central e declínio das atividades comerciais, resultado principalmente da disseminação do cristianismo.

18. (Unicamp-SP) Após a tomada e o saque de Roma pelos visigodos, em 410, pagãos e cristãos interrogaram-se sobre as causas do acontecimento. Para os pagãos, a resposta era clara: foram os maus princípios cristãos, o abandono da religião de Roma, que provocaram o desastre e o declínio que se lhe seguiram. Do lado cristão, a queda de Roma era explicada pela comparação entre os bárbaros virtuosos e os romanos decadentes: dissolutos, preguiçosos, sendo a luxúria a origem de todos os seus pecados. Adaptado de: LE GOFF, Jacques. Decadência. In: História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. p. 382-385.

b) as tragédias de Sófocles, que tinham como tema dominante o conflito entre o indivíduo e a sociedade.

a) Identifique no texto duas visões opostas sobre a queda de Roma.

c) a obstinação do historiador Tucídides em descobrir as causas políticas que determinaram os acontecimentos históricos.

b) Entre o surgimento do cristianismo e a queda de Roma, que mudanças ocorreram na relação do Império Romano com a religião cristã?

Enem e vestibulares

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UNIDADE

3

Europa, periferia do mundo A Idade Média (séculos V ao XV) corresponde ao esboço da construção da Europa. Esse longo período apresenta marcas, valores e patrimônios de civilizações anteriores, principalmente a grega e a romana, e dá a eles novas roupagens. Os capítulos desta Unidade mostram que, após dez séculos de história e de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, a Europa estava prestes a deixar a posição de periferia do mundo.

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Saber histórico

Idade Média Robert Harding/Corbis/Latinstock.

Vista da Catedral de Santa Sofia e seu reflexo no espelho-d’água. Construída entre 532 e 537, quando Istambul, localizada na Turquia, ainda se chamava Constantinopla, é considerada patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Fotografia de 2014.

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1 Idade Média: idade das trevas?

S

egundo o historiador Jacques Le Goff, a História

The Bridgeman Art Library/Keystone/MuseuTopkapi, Istambul, Turquia.

turcos otomanos: povo originário da Ásia central. No século X, deslocaram-se para a região onde hoje se localiza a Turquia e lá fundaram um grande Império séculos mais tarde. Foram forças desse Império que conquistaram Constantinopla em 1453. Renascimento: período da história europeia entre os séculos XIV e XVI, caracterizado por um grande florescimento das ciências e das artes e pelo apreço aos ideais, valores e modelos greco -romanos. Foi durante o Renascimento que artistas como Michelangelo e Leonardo da Vinci trabalharam e marcaram a história das artes.

parece ser contínua, mas ela também é feita de mudanças. Há muito tempo os especialistas buscaram localizar e definir essas mudanças, recortando, nessa continuidade, as seções que primeiramente chamamos de “idades” e depois “períodos” da História. LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 11.

Para essa época que vamos estudar, boa parte dos historiadores usou o fim do Império Romano do Ocidente como marco inicial da Idade Média. Contudo, estudiosos como o próprio Le Goff se posicionaram contra essa periodização e defendem a denominação Antiguidade tardia, que se estende do século III ao século VII, como vimos no Capítulo 6. Para esses historiadores, o período seguinte é a longa Idade Média ocidental, que vai do século VII até a primeira metade do século XVIII. Como vimos, essas divisões são criações dos historiadores e não são um ato neutro. Mas quando surgiu a denominação Idade Média? Le Goff afirma que o poeta italiano Petrarca (1304-1374) foi o primeiro a empregar a expressão e o bibliotecário Giovanni Andrea (1417-1475) foi o precursor dessa periodização tradicional. Porém, a expressão só passou a ser amplamente utilizada a partir do final do século XVII. Médio é uma palavra que usamos para designar algo que está no meio, em uma posição intermediária entre um ponto e outro. Na periodização eurocêntrica tradicional, a Idade Média estaria entre a Idade Antiga e a Idade Moderna. Assim, o período de aproximadamente dez séculos, que vai da queda do Império Romano do Ocidente, em 476, até a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, foi chamado de Idade Média. Por muito tempo, estudiosos associaram ideias de atraso, retrocesso, escuridão cultural ao período medieval. De acordo com eles, a Igreja teria impedido o avanço do pensamento, da política e das artes ao dominar todas as esferas da vida das pessoas. Durante o Renascimento, a Idade Média foi considerada uma época de atraso e de empobrecimento da cultura europeia. Os ingleses chegaram a criar a expressão dark ages (que significa ‘era sombria’ ou ‘idade das trevas’) para designar esse período. Os intelectuais que inspiraram a Revolução Francesa de 1789 também tiveram um papel importante na construção desse preconceito. Isso porque associaram a Idade Média ao misticismo, aos privilégios da nobreza e do clero e à exploração servil dos camponeses. Osman I, representação em tinta e folhas de ouro sobre papel, do século XVI. Acervo do Museu Topkapi, na Turquia.

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Saber histórico

Hoje, porém, sabemos que isso não procede, pois foi durante a Idade Média que se assentaram algumas das bases do mundo moderno. Foi nessa época que se formou a burguesia, grupo social que comandaria a passagem do regime feudal para o sistema capitalista, que hoje vigora na maioria dos países. Foi também durante a Idade Média que surgiram as primeiras universidades na Europa e que se constituiu o primeiro Parlamento da História (criado na Inglaterra no século XIII), base da democracia representativa moderna. No século XIX, essa forma depreciativa de caracterizar a Idade Média foi aos poucos revertida por um movimento conhecido como Romantismo, que, das artes às ciências, revalorizou valores e heranças medievais. Essa revisão prosseguiu com maior amplitude e profundidade no século XX, com estudiosos como Henri Pirenne (1862-1935), Marc Bloch (1886-1944) e Jacques Le Goff (1924-2014), que prestigiaram a riqueza e a importância cultural desse período da história europeia. Para Le Goff, foi a época do aparecimento e da gênese da Europa como realidade e como representação e que constitui o momento decisivo do nascimento, da infância e da juventude da Europa, sem que os homens desses séculos tenham tido a ideia ou a vontade de construir uma Europa unida. LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 11.

Já para o historiador brasileiro Hilário Franco Jr., a Idade Média também pode ser compreendida como o período de nascimento do Ocidente. Bridgeman Images/Keystone Brasil/Museu da Tapeçaria, Bayeux, França.

Detalhe da tapeçaria de Bayeux, em lã e linho, provavelmente anterior a 1082, que representa Guilherme, o Conquistador exortando suas tropas para a batalha contra o exército inglês. Museu da Tapeçaria de Bayeux, França. Idade Média

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1 Idade Média: onde? Da mesma maneira que não se pode considerar aceitável a ideia de que o mundo ficou coberto por um manto de trevas culturais entre 476 e 1453, também é distorcida a ideia de que o mundo inteiro teria passado pelos mesmos processos históricos ocorridos na Europa. Se mudarmos o ponto de vista, podemos dizer que, durante a Idade Média, a Europa era a “periferia” do mundo muçulmano: tinha uma população relativamente pequena e estava isolada das principais rotas de comércio, que passavam pelo Mediterrâneo oriental. No mundo muçulmano, a Matemática e a Astronomia eram bem mais desenvolvidas do que na Europa, e foi a esses conhecimentos que os europeus recorreram, no final da Idade Média, para realizar as navegações pelo Atlântico. Na América, floresciam civilizações que, posteriormente, no século XVI, impressionariam os conquistadores europeus pela grandiosidade de suas cidades e de sua arquitetura, como a cidade, Teotihuacán, localizada cerca de 50 quilômetros da Cidade do México. Ken Welsh/Alamy/Glow Images A civilização chinesa também passou por um período esplendoroso por essa época, com a invenção do papel, da pólvora, da bússola, dos tipos móveis de impressão (mais tarde reinventados pelo alemão Johannes Gutenberg), do dinheiro de papel, etc. Com esses exemplos, vemos que, entre os séculos V e XV, diferentes processos tomaram forma em diversas partes do mundo. É preciso, ainda, lembrar que “Idade Média” é um conceito circunscrito ao continente europeu, e não a toda a humanidade.

Castelo de Bodiam, condado de East Sussex, Inglaterra. Na Idade Média, os castelos serviam de residência fortificada para o rei e para o senhor feudal. Também eram utilizados como prisão e como lugar para guardar armas e tesouros do reino. Fotografia de 2015.

Pirâmide do Sol em Teotihuacán, México. A cidade é considerada um patrimônio da humanidade pela Unesco. Estudiosos acreditam que em seu auge, por volta de 450 d.C., a cidade tenha sido o centro de uma cultura cuja influência alcançava boa parte da região mesoamericana.

Eye35/Alamy/Latinstock.

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Saber histórico

CAPÍTULO

7

O Império Bizantino, o islã e o mundo Filippo Monteforte/Pool/Reuters/Latinstock.

Papa Francisco e patriarca ecumênico Bartolomeu I, líder da Igreja ortodoxa, conversam após conduzirem, em conjunto, cerimônia religiosa na catedral ortodoxa de Istambul, na Turquia, em 2014.

Em 1054, a Igreja cristã dividiu-se em Igreja católica e Igreja ortodoxa. Essa imagem atual, que retrata o diálogo entre as lideranças religiosas de ambas as igrejas, nos mostra o esforço que essas autoridades vêm fazendo para manter a conversa, o respeito, a cooperação e a tolerância. No mundo contemporâneo, o que o respeito às diferenças religiosas poderia evitar? 187

1 Um período de transição A maior parte da humanidade – que vivia no Extremo Oriente, África, Oceania e América – praticamente não percebeu que, com o desaparecimento do Império Romano do Ocidente, algo havia mudado, pois tinha pouco ou nenhum contato com essa região. No entanto, entre os povos que se libertaram da dominação imperial, marcas da estrutura do Império Romano do Ocidente continuaram a existir por muitos séculos, na cultura, na religião, na administração e em diversas formas de convivência. Com o tempo, essas antigas marcas do Império foram se ajustando e se adaptando a uma nova ordem social, política e econômica.

Ao estudar a transição da Antiguidade para a Idade Média, período inicial denominado Alta Idade Média (do século V ao século X), devemos ficar atentos tanto às mudanças quanto às permanências em relação ao período anterior. Assim, é preciso considerar o que sobreviveu das velhas estruturas e atentar para as modificações e as adaptações aos novos tempos.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

2 O Império Romano do Oriente O fim do Império Romano do Ocidente não afetou sua parte oriental, o Império Bizantino. No entanto, seus habitantes não o chamavam por esse nome. Para eles, era tão somente o Império Romano. A deno-

A continuidade do Império Romano Quando pensamos na Idade Média, tendemos a pensar na queda do Império Romano e na vitória dos bárbaros. [...] Todavia, as coisas não foram realmente assim, posto que o Império Romano, na realidade, não caiu. Manteve-se durante a Idade Média. [...] A metade oriental do Império Romano permaneceu intacta, e durante séculos ocupou o extremo sudeste da Europa e as terras contíguas na Ásia. Essa porção do Império Romano continuou sendo rica e poderosa durante os séculos em que a Europa ocidental estava debilitada e dividida. O Império

Onde e quando

Civilização maia

continuou sendo ilustrado e culto em um tempo em que a Europa ocidental vivia na ignorância e na barbárie. O Império, graças ao seu poderio, conteve forças cada vez maiores dos invasores orientais durante mil anos; e a Europa ocidental, protegida por essa barreira de força militar, pôde desenvolver-se em paz até que sua cultura formou uma civilização especificamente sua. O Império do sudeste transmitiu ao Ocidente tanto o direito romano como a sabedoria grega. Legou-lhe a arte, a arquitetura e os costumes [...]. ASIMOV, Isaac. Constantinopla: el imperio olvidado. Madrid: Alianza Editorial, 2004. p. 2.

Governo de Justiniano

Reino de Gana Século VI (até século X)

325 Banco de imagens/Arquivo da editora

minação “Império Bizantino” foi dada pelos turcos cerca de mil anos mais tarde. O texto a seguir analisa a importância histórica do que restou do antigo Império dos Césares.

Século III (até século X)

Século IV (até século XII)

Reino de Axum conquista Kush

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

188

Capítulo 7

618 (até 907) 622

1054 960 (até 1279)

527-565

1270 (até 1368) Século XIII

1453

Hégira

Império Tiahuanaco Império Huari

Reino de Mali

Dinastia Song

Cisma do Oriente Dinastia Tang

Dinastia Yuan Tomada de Constantinopla pelos turcos

O texto de Asimov (1920-1992) pode ser criticado por vários aspectos. Em primeiro lugar, ele sustenta a visão de Idade Média como “idade das trevas”, afirmando que a Europa medieval “vivia na ignorância e na barbárie”, o que não é aceito pela historiografia atual. Para ele, a porção oriental do Império Romano permaneceu inalterada ao longo de mil anos, o que também não é aceitável do ponto de vista histórico. Asimov tem razão, todavia, quando chama a atenção para a continuidade. Não foi por ter uma nova capital (Bizâncio) que o Império Romano deixou de ser ele mesmo. Embora também sofresse mudanças ao longo do tempo, Bizâncio manteve a herança romana, mesclando-a aos poucos com valores e instituições orientais. Além disso, na época em que Asimov escreveu o texto citado, a história do Império Romano do Oriente era pouco valorizada pela historiografia europeia.

cesaropapismo. Auxiliando o imperador havia, ainda, uma vasta burocracia, fundamental nas estruturas políticas imperiais. O mais famoso imperador bizantino foi Justiniano (527-565), responsável pela reconquista temporária de grande parte do território do Império Romano do Ocidente, incluindo a própria cidade de Roma (veja o mapa abaixo). Seu maior legado foi a compilação das leis romanas desde o século II, o Corpus Juris Civilis (expressão em latim que significa ‘Corpo do Direito Civil’): uma revisão e atualização do Direito romano que serviu de base para os códigos civis de diversas nações contemporâneas. Tim Graham/Tim Graham LLP/Corbis/Latinstock.

O governo de Justiniano A cidade de Constantinopla (a antiga Bizâncio dos gregos, hoje Istambul, na Turquia), capital do Império Bizantino, sempre praticou um comércio dinâmico e uma agricultura rentável. Por isso, foi menos atingida pela crise do escravismo, quando o expansionismo romano entrou em declínio, e, consequentemente, a mão de obra constituída por prisioneiros de guerra se reduziu. Na ordem política e religiosa, a autoridade máxima era o imperador, considerado uma figura próxima de Cristo. Esse status de quase divindade permitia que o imperador controlasse a Igreja. Essa relação de dependência da Igreja para com o Estado era denominada

Vista da parte europeia da cidade de Istambul. No canto esquerdo superior é possível ver os minaretes da Mesquita Azul, construída entre 1609 e 1616 e considerada um dos símbolos da cidade. Foto de 2014.

OCEANO ATLÂNTICO

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Banco de imagens/Arquivo da editora

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Império Bizantino

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Trocas de produtos no interior do império

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O Império Bizantino alcançou sua maior extensão com Justiniano no século VI, época de intensa troca comercial no Mediterrâneo e com povos orientais.

Adaptado de: BARBERIS. Carlo. Storia antica e medievale. Milano: Casa Editrice G. Principato, 1997.

O Império Bizantino, o islã e o mundo

189

No auge do governo de Justiniano, no século VI, seguiu-se um longo período de crises com alguns intervalos de recuperação, culminando na desagregação do Império Bizantino em 1453, quando os turcos otomanos tomaram Constantinopla. Do século VI ao século VIII, sucederam-se crescentes pressões nas fronteiras orientais do Império e sobre seus domínios no Ocidente. Os gastos com guerras se elevaram, assim como as dificuldades econômicas e administrativas. O território encolheu progressivamente.

The Bridgeman Art Library/Keystone/Coleção Stapleton, Londres, Inglaterra.

Apesar de preservarem tradições jurídicas e administrativas romanas, os bizantinos sofreram clara influência helênica: o grego era a língua popular predominante, superando até mesmo o latim nos decretos imperiais. O predomínio do grego era tão absoluto que, no século VII, tornou-se idioma oficial do Império. Durante o governo de Justiniano foi construída a Catedral de Santa Sofia, monumento arquitetônico no estilo bizantino, com mosaicos voltados para a expressão da fé cristã.

Coleção Stapleton, Londres/The Bridgeman/Keystone

Vista do interior da Catedral de Santa Sofia, construída entre 532 e 537 durante o apogeu do governo de Justiniano para ser a catedral de Constantinopla. Com o fim do Império Bizantino, a catedral foi transformada em mesquita e hoje abriga um museu. Foto de 2013.

iluminura: ilustração feita em manuscritos da Idade Média. É semelhante à miniatura, outro tipo de ilustração. A miniatura, porém, caracteriza-se por ornamentos e cores simples, enquanto a iluminura lança mão de maior variedade e gradação de cores.

No século V, o imperador Teodósio II determinou a construção de muralhas ao redor da cidade de Constantinopla. As muralhas estendem-se por 7 km, com torres e fossos ao longo de sua extensão. Ao lado, representação da cidade fortificada, em iluminura alemã do século XV.

190

Capítulo 7

A religiosidade No Império Bizantino predominava o cristianismo, embora com características diferentes daquele que prevalecia no Ocidente. A administração da Igreja também era divergente. O cesaropapismo, como foi dito, não ocorria na parte ocidental. Além disso, os religiosos de Constantinopla não se submetiam ao poder do papa, a autoridade eclesiástica instituída pelo imperador do Ocidente em 455, em meio à crise final do Império. Havia também divergências doutrinárias relacionadas à interpretação do Antigo e do Novo Testamento. Entre elas, destacam-se as discordâncias sobre a aceitação, ou não, de uma forma humana para Cristo e o culto de imagens representando santos, a Virgem Maria e Cristo. A divergência sobre o culto de imagens desencadeou um violento movimento de

condenação aos seus praticantes e de destruição de imagens no Império do Oriente. Esse movimento, conhecido como iconoclastia, foi decretado oficial pelo imperador Leão III no século VIII e perdurou até o século IX, a despeito da reação contrária do comando cristão papal, sediado em Roma, que condenou tais restrições. Essas tensões, alimentadas pelas diferenças culturais entre o Oriente e o Ocidente, além das disputas pelo poder entre o papa e o imperador, culminaram na divisão da Igreja em 1054. Surgiu assim uma Igreja oriental, chefiada pelo imperador – a Igreja cristã ortodoxa, com sede em Constantinopla –, e outra ocidental, a Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma e sob o comando do papa. O episódio recebeu o nome de Cisma do Oriente e consolidou as diferenças entre as tradições e as formas de organização do culto em cada uma delas.

Para saber mais O culto às imagens

iconográfica: relativa à arte ou técnica de representar por imagens, como pinturas, quadros, esculturas, retratos, medalhas e qualquer espécie de monumento.

AtlantidePhototravel/Corbis/Latinstock

A utilização de imagens e representações de pessoas santificadas ou do próprio Cristo em pinturas, esculturas e figuras decorativas foi bastante comum nos ritos bizantinos. Controlada pelos monges, a confecção e venda desses ícones gerava grandes recursos para a Igreja e eram vistos como fonte de poder que ameaçava a supremacia imperial. No Ocidente, apesar das tentativas de controlar o culto às imagens, desenvolveu-se uma importante

tradição iconográfica, tais como as imagens bíblicas esculpidas ou pintadas em igrejas e catedrais. Grande parte da iconografia de Constantinopla foi destruída pelos iconoclastas, pelas Cruzadas e pelos muçulmanos. Parte da tradição se manteve em regiões com influência do Império Bizantino, como a Rússia e os Bálcãs.

Detalhe de mosaico da Catedral de Santa Sofia, de cerca de 912, que representa o imperador bizantino Leão VI ajoelhado aos pés de Cristo.

O Império Bizantino, o islã e o mundo

191

3 Reinos da África 20º L

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Neste livro, já abordamos a história da África nos primórdios da humanidade e nos estudos sobre a civilização egípcia e sobre a disputa entre Cartago e Roma pela hegemonia do Mediterrâneo. Também estudamos, no Capítulo 4, o Reino de Kush, um importante produtor de ouro e centro de ligação comercial entre o nordeste e o centro africano. Observe, no mapa ao lado, a localização do Egito, de Cartago e dos reinos de Kush, Axum e Gana no continente africano.

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O Reino de Axum

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Banco de imagens/Arquivo da editora

Reinos africanos

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Na época da desagregação do Império Romano do Ocidente, floresciam reinos importantes na África, entre eles os de Axum, Gana e os reinos da Núbia. As informações disponíveis sobre eles são restritas. Isso se deve, em parte, à falta de interesse em estudar a história africana que predominava até algumas décadas atrás. Em parte, também faltam documentos escritos preservados, embora os pesquisadores disponham de ricas fontes arqueológicas, da linguística histórica e da tradição oral (veja o boxe a seguir).

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OCEANO ÍNDICO

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Estados árabes muçulmanos Deserto Floresta tropical Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORI, Giusepina. Il corso dela storia 2. Bologna: Zanichelli, 1997. p. 56.

Leituras Amadou Hampâté Bâ (1901-1991) foi um importante etnólogo malinês. No trecho a seguir, Bâ discorre sobre a importância da tradição oral para a memória africana.

etnólogo: estudioso da Etnografia, ciência que estuda povos e culturas. Um dos objetivos dessa ciência é permitir que o pesquisador analise fenômenos culturais de determinada sociedade do ponto de vista dela própria.

Qualquer adjetivo seria fraco para qualificar a importância que a tradição oral tem nas civilizações e culturas africanas. Nelas é a palavra falada que transmite de geração a geração o patrimônio cultural de um povo. A soma de conhecimentos sobre a natureza e a vida, os valores morais da sociedade, a concepção religiosa do mundo, o domínio das forças ocultas que cercam o homem, o segredo da iniciação nos diversos ofícios, o relato dos eventos do passado ou contemporâneos, o canto ritual, a lenda, a poesia – tudo isso é guardado pela memória coletiva, a verdadeira modeladora da alma africana e arquivo de sua história. Por isso já se disse que “cada ancião que morre na África é uma biblioteca que se perde”. BÂ, Amadou Hampâté. A palavra, memória viva na África. In: A África e sua história. O Correio da Unesco. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, ano 7, n. 10-11, p. 17, 1979.

192

Capítulo 7

Joe Penney/Reuters/Latinstock.

A tradição oral

Griôs tocam em frente ao palácio do emir (o governante local em países de princípios muçulmanos) de Kano, cidade da Nigéria. O conceito griô tem origem na África e define pessoas que, em uma comunidade, preservam a memória do grupo e funcionam como difusores de tradições, valores e saberes. Foto de 2014.

Ivan Vdovin/Alamy/Latinstock.

Achados arqueológicos indicam que o norte da atual Etiópia, onde se situa a cidade de Axum, e o sul da atual Arábia foram regiões que se desenvolveram de forma integrada durante a Antiguidade, pois objetos e inscrições encontrados nesses lugares são muito parecidos. Os indícios também permitem concluir que havia uma vida urbana intensa nessa área, provavelmente resultante das atividades agrícola e mineradora. Por volta do final do século I, a cidade de Axum, localizada à beira do mar Vermelho, figurava como um dos mais importantes entrepostos comerciais da região. Sua posição privilegiada permitia contatos comerciais com Egito, Índia, Mesopotâmia e Oriente Médio, controlando a distribuição de incensos, marfim, couro de rinoceronte, entre outros produtos. Vestígios arqueológicos atestam que os axumitas tinham um alfabeto próprio e faziam uso de moedas desde o século III. O Reino de Axum prosperou em função de suas atividades comerciais. Isso favoreceu a ascensão de uma rica nobreza, responsável pela construção de grandes palácios e monumentos em forma de obelisco. Em defesa de seus interesses, os governantes empreenderam o combate à pirataria. Alguns estudiosos acreditam que essa atuação contribuiu para a adoção de uma política de conquistas. Depois de conquistar o reino vizinho de Kush, em 325, a expansão axumita avançou para a costa oriental africana. No século VI, chegaram a dominar o sul da península Arábica e a controlar a rota comercial que ligava o mar Vermelho ao golfo de Áden, litoral da região conhecida como Chifre da África. O Reino de Axum foi ainda um grande aliado comercial e militar de Constantinopla em suas disputas com reinos rivais. Sua supremacia comercial regional manteve-se até o século VII, quando os árabes dominaram a região. Nesse período, os árabes conquistaram todo o norte africano e introduziram a religião islâmica no continente. Essa expansão árabe transformou o mar Vermelho e o mar Mediterrâneo em espaços muçulmanos. Isso enfraqueceu o poderio de Axum, que havia se convertido ao cristianismo no século IV.

Para saber mais Monumentos africanos Um dos materiais de grande interesse arqueológico em Axum são as ruínas de monumentos e tumbas. No território correspondente ao antigo reino africano, há 176 obeliscos gigantes, o maior deles com 33 metros de altura, esculpidos com o emblema do reino. Um dos obeliscos, construído pelo rei Ezana no século IV para marcar a conversão do reino ao cristianismo, provocou crises diplomáticas entre a Etiópia e a Itália: em 1935, pouco antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as tropas do ditador fascista italiano Benito Mussolini (1883-1945) invadiram a Etiópia e levaram para a Itália o obelisco de 180 toneladas e 24 metros de altura. O monumento permaneceu numa praça de Roma até 2005, quando foi devolvido à Etiópia. Obelisco monolítico em Axum, Etiópia. O monumento foi construído no século IV. Foto de 2015.

O Reino de Gana O Reino de Gana consolidou-se por volta do século IV, na África ocidental, em uma região ao sul do deserto do Saara. As informações sobre esse reino são principalmente de textos dos séculos VIII, IX e X produzidos por árabes que tiveram contato com aquela região. Estudos indicam que Gana formou-se a partir da unificação de vilarejos da etnia sonink•, estabelecidos entre os rios Níger e Senegal. Posteriormente, esse reino envolveu outros povos próximos. O Reino de Gana alcançou seu maior poderio político, comercial e sua máxima extensão entre os séculos IX e XI, sob a dinastia dos Cissê Tunkara. Seu domínio se estendia da atual porção sudoeste de Mali à parte sul da Mauritânia e o nordeste da Guiné, mas sua influência era sentida nas regiões próximas com as quais o reino tinha vínculos mercantis, tanto por serem áreas de extração e cultivo de produtos como por serem locais de passagem e de apoio às longas viagens. O Império Bizantino, o islã e o mundo

193

A riqueza do reino provinha tanto dos impostos pagos pelos povos vencidos ou que reconheciam a autoridade do reino, como da incidência de tributos sobre a circulação de produtos. Esses produtos atravessavam extensas e lucrativas rotas pelo deserto do Saara, de norte a sul, de leste a oeste, ligando a região ao sul do deserto com o norte e o leste do continente. O controle dessas rotas de comércio se dava por meio da articulação dos ganeses com os berberes, povos do norte da África que viviam às margens do deserto do Saara e que também disputavam o domínio das rotas transaarianas, e reinos menores existentes na vasta região. Os principais produtos comercializados por Gana eram ouro (parte dele extraída dos domínios do reino que receberam a denominação Costa do Ouro), sal (também proveniente dos domínios de Gana e muito valorizado pela conservação de alimentos e pelos benefícios à saúde das pessoas que cruzavam os desertos), marfim e escravos. Esses produtos eram trocados por cobre, tecidos de algodão e seda. Ataques de muçulmanos almorávidas, provenientes do atual Marrocos, contra importantes cidades ganenses, como Audagoste (em 1054) e a capital Kumbi Saleh (em 1076), desencadearam a desorganização dos vínculos de unidade e acirraram disputas entre os reinos menores tributários da autoridade de Gana. Dois séculos mais tarde, a região passou para a influência de um novo reino unificado: Mali.

Leituras No texto a seguir, o historiador brasileiro Alberto da Costa e Silva trata sobre a grande influência política, social e econômica do Reino de Gana e suas diversas formas de organização política interna.

Gana e sua esfera de influência Gana, como Estado, possuía um núcleo coeso de poder, mas era sobretudo uma enorme esfera de influência. Nele, havia povos que respondiam diretamente ao rei e outros que, sujeitos a seus sobas [chefes] tradicionais, apenas se sabiam ligados ao caia-maga [soberano de Gana] por vínculos espirituais, pelo dever militar e pelo pagamento de tributos. As mais diversas formas de organização política conviviam dentro do reino, cuja frágil estrutura era quiçá permanentemente refeita pela ação das armas, com cisões e acréscimo de súditos, e mantida pela divisão dos povos em segmentos de nobres, homens livres, servos e escravos. COSTA E SILVA, Alberto. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 277.

almorávidas: membros de seita religiosa e política, de origem árabe, que reinou em algumas regiões norte-africanas e se dispersou pela Espanha durante o domínio mouro na região.

Banco de imagens/Arquivo da editora

O Reino de Gana 15º O Em direção ao Marrocos

Trópico de Câncer

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194

Capítulo 7

OCEANO ÍNDICO

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Reino de Gana

Regiões Rotas auríferas comerciais

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Adaptado de: LUGAN, Bernard. Atlas historique de l’Afrique des origines à nos jours. Paris: Éditions du Rocher, 2001. p. 70.

4 Os árabes e o islamismo fuga, realizada em 622 e chamada de Hégira, passou a ser o marco inicial do calendário muçulmano. Bem recebido em Iatreb, o profeta obteve o apoio dos comerciantes locais e a ajuda dos beduínos, que formaram um exército para conquistar Meca. Em pouco tempo, todos os povos árabes da península converteram-se ao islamismo.

Citizen59/Alamy/Latinstock.

Abaixo, muçulmanos peregrinos recitam preces enquanto dão sete voltas em torno da Caaba, na cidade de Meca. Embutida em uma parede da Caaba, encontra-se a pedra negra, que teria sido oferecida por Alá a Ismael, filho de Abraão, considerado aquele que deu origem ao povo árabe. A peregrinação a Meca é um dos fundamentos do islamismo. Foto de 2016.

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

A península Arábica é uma região desértica, com poucas áreas propícias ao estabelecimento de núcleos de povoamento permanente (oásis e áreas litorâneas). Seus primeiros habitantes foram tribos de nômades do deserto, os beduínos. Por volta do século VI, mais de trezentas tribos de origem semita habitavam a região, incluindo as tribos urbanas que ocupavam a faixa costeira do mar Vermelho e do sul da península – área que tinha melhores condições climáticas e maior fertilidade do solo. Essas tribos concentravam-se principalmente em Meca, sua principal cidade, e em Iatreb, mais tarde chamada de Medina (veja o mapa da página 196). A importância de Meca decorria de seu valor comercial e religioso, uma vez que lá, e até hoje, aliás, localiza-se a Caaba, santuário no qual se encontravam imagens que representavam os deuses das tribos árabes. Caravanas de toda a Arábia costumavam peregrinar até Meca com o objetivo de adorar os diversos deuses e essas peregrinações estimulavam o comércio da cidade. Entre as tribos árabes destacava-se a dos coraixitas, que controlava a cidade de Meca. No seio de uma família da tribo coraixita nasceu, em 570, aquele que seria considerado por muitos o grande condutor do povo árabe: Maomé. Aos 40 anos de idade, Maomé passou a difundir uma nova fé. Seus ensinamentos continham influências judaicas e cristãs e pregavam a existência de um deus único, Alá. Depois de sua morte, os fundamentos da nova crença – o islamismo – foram reunidos em um livro sagrado, o Corão.

islamismo: religião criada por Maomé; em árabe, islã significa ‘rendição’ ou ‘submissão’ à vontade de Deus.

Maomé condenava a adoração a vários deuses (politeísmo), representados na Caaba. Essa condenação desestimulava as peregrinações a Meca e, portanto, as atividades comerciais da cidade. Sentindo-se ameaçados, os coraixitas repudiaram a nova religião e expulsaram Maomé e seus seguidores, que se instalaram na cidade vizinha de Iatreb (cujo nome mudou para Medina, que significa ‘cidade do profeta’). Essa

A maioria dos ídolos que eram adorados na Caaba foi destruída durante o processo de unificação religiosa iniciado por Maomé. Na imagem, representação do episódio presente no livro L’histoire merveilleuse em vers de Mahomet (A história maravilhosa em versos de Maomé, em francês), produzido entre os séculos XVI e XVII. O Império Bizantino, o islã e o mundo

195

Formação e expansão do Império Islâmico

A expansão do Império teve início com a conquista de territórios bizantinos e persas vizinhos. Durante a dinastia Omíada (661-750), os domínios do Império avançaram também para o Ocidente, tomando o norte da África e chegando à península Ibérica. A expansão árabe em direção à Europa ocidental só foi detida na Batalha de Poitiers (732), quando os árabes foram derrotados pelos francos. Observe o mapa abaixo. A unidade do Império foi quebrada sob a dinastia Abássida (749-1258), que substituiu a Omíada. Surgiram califados independentes, sediados em grandes cidades como Bagdá (no atual Iraque), Córdoba (na atual Espanha) e Cairo (no atual Egito). Outra divisão, ocorrida logo após a morte de Maomé, foi de ordem religiosa, com a formação de duas seitas principais: a dos sunitas e a dos xiitas. Os sunitas, que baseavam sua crença no Suna, livro de preceitos estabelecidos por Maomé, defendiam a livre escolha dos chefes políticos pela comunidade de crentes. Os xiitas (“seguidores de Ali”, genro de Maomé), por sua vez, argumentavam que a autoridade política e religiosa deveria concentrar-se nas mãos de uma única pessoa que descendesse do profeta Maomé, exercendo o poder de maneira absoluta. Não admitiam outra fonte de ensinamento doutrinário que não fosse o Corão. As ações dos povos árabes tiveram consequências que foram além do próprio império. A expansão pela bacia do Mediterrâneo, o controle que obtiveram sobre a região e as constantes incursões realizadas no litoral sul da Europa intensificaram o declínio comercial e a ruralização da porção ocidental deste continente. Mesmo contidos pelos francos, os árabes foram vizinhos e, de certa forma, ajudaram a moldar a civilização europeia, ao longo da Idade Média.

Stock Photos/Glow Images.

Após a morte de Maomé, em 632, o esforço de expansão religiosa prosseguiu. Esse empenho é chamado no islamismo de jihad, que significa ‘dedicação’ e ‘luta’ para alcançar a fé perfeita na própria consciência e na daqueles que ainda não a conhecem. A palavra também foi interpretada como “guerra santa” contra os inimigos do islã. Conquistada Meca, o Império Islâmico começava a se formar, conduzido pelo poder dos califas, como eram chamados os líderes árabes, ao mesmo tempo chefes religiosos e políticos.

Jovem casal muçulmano caminha pelas ruas de Praga, República Tcheca. Foto de 2014.

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Conquistas durante a vida de Maomé (c. 570-632) Conquistas dos califas (632 a 750)

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OCEANO ATLÂNTICO

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Banmco de imagens/Arquivo da editora

A expans‹o mu•ulmana

OCEANO ÍNDICO

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Adaptado de: ALONSO, M. B. et al. Geografia e História. 1º ciclo. Madri: Anaya, 2000. p. 231.

196

Capítulo 7

Construindo conceitos A definição de etnia relaciona traços genéticos comuns às características culturais produzidas historicamente por um grupo que se identifica como pertencente a uma determinada comunidade. O que distingue uma etnia dos milhares existentes no mundo são a partilha consciente de traços culturais e a noção de um passado histórico ou mítico comuns. Em diversas regiões do planeta, ocorrem conflitos entre grupos étnicos, especialmente entre grupos que coabitam um mesmo território nacional e disputam entre si o controle do poder e a posse das riquezas ou, simplesmente, são obrigados a conviver sob as mesmas leis e costumes.

Etnia e cultura

Marc Dozier/Corbis/Latinstock.

Nos capítulos iniciais, vimos que o desenvolvimento de inúmeros povos, reinos e civilizações levou a uma intensa diferenciação entre as sociedades humanas. Fenícios, egípcios, gregos, romanos, bizantinos, entre outros, organizaram-se segundo características próprias e estas se transformaram ao longo do tempo. Para caracterizar uma sociedade a partir do seu domínio técnico sobre a natureza, seus valores e crenças religiosas, suas instituições e regras de conduta, os conceitos de cultura e etnia são utilizados. A palavra cultura, de origem latina, significa, ‘cultivar o solo’ e associava-se ao domínio de habilidades Agora, faça o que se pede: que permitiam ao ser humano cuidar da terra e prover o seu sustento. • Pesquise em sites e identifique três grupos étnicos No século XVIII, com o domínio europeu sobre poque sofrem perseguição ou são alvos de preconvos de outros continentes, a noção de cultura esteve ceito na Europa, na África ou na América e apresente os resultados para a classe. associada a termos como “culto”, “sofisticado”, “civilizado”. Assim, povos americanos e africanos eram con• Em classe, debata com os colegas sobre os desasiderados povos sem cultura ou com “pouca cultura”, fios que devemos enfrentar para garantir uma em comparação com as sociedades europeias, que se convivência pacífica entre as etnias. consideravam dotadas de uma cultura complexa. Do mesmo modo, pessoas com pouca escolaridade ou que vivessem no campo eram vistas, de modo preconceituoso, como pessoas “incultas”. A concepção contemporânea de cultura refere-se a um conjunto de práticas e técnicas, comportamentos e valores, formas de linguagem e crenças religiosas que toda sociedade desenvolve e todo ser humano experimenta. Desde o surgimento do homo sapiens, encontramos traços de cultura, como o uso da pedra lascada, que servia de ferramenta no cotidiano, a criação de pinturas rupestres ou o desenvolvimento da linguagem oral. Portanto, todos nós temos cultura, pois participamos da vida em sociedade que nos caracteriza e nos integra. Etnia, conceito mais recente nas Ciências Humanas, surgiu para se contrapor à noção de raça vigente no século XIX, que definia os difeMeninas da etnia Pa’O vestindo trajes tradicionais durante o rentes grupos humanos por meio do seu fenóFestival Kakku Pagoda. Trata-se de uma celebração anual da tipo (o conjunto das características observáveis, colheita do grupo étnico Pa’O, natural dos estados Shan, da como cor da pele, estatura, traços faciais, etc.). República da União de Myanmar (ou Birmânia), no sul da Ásia.

O Império Bizantino, o islã e o mundo

197

5 A China imperial

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Roger-Viollet, Paris, França.

Depois da longa unidade imperial durante as dinastias Ch’in (221 a.C.-206 a.C.) e Han (202 a.C.-220 d.C.), os chineses estavam fragmentados em diversos reinos. Crises políticas e sociais, disputas, guerras, invasões e divisões prevaleceram nos séculos seguintes ao governo Han. A reunificação só ocorreria pouco antes do final do século VI da Era Cristã, mas a estabilidade política somente foi alcançada sob os primeiros governos da dinastia Tang, no começo do século VII.

Bridgeman Images/Keystone Brasil/De Agostini Picture Library.

Signos do horóscopo chinês em torno do símbolo do Yin e Yang esculpidos em pedra, peça produzida durante o período da dinastia Tang. Templo de Qing Yang em Chengdu, China.

Representação de Kublai Khan produzida no século XIII.

198

Capítulo 7

O período da dinastia Tang (618-907) é visto pelos historiadores como um dos pontos altos da civilização chinesa, rivalizando com a época da dinastia Han. O intenso comércio com a Índia contribuiu para o enriquecimento cultural chinês em diversos campos. Na religião, o budismo, surgido na Índia, integrou-se à cultura chinesa. A imprensa, inventada na China, tornou a palavra escrita disponível para grandes públicos, centenas de anos antes de ser “(re)inventada” na Europa. A grande disponibilidade de carvão e ferro impulsionou a criação de outras tecnologias e siderúrgicas. A organização administrativa e burocrática inspirava-se nos escritos de Confúcio. Realizavam-se avaliações periódicas dos servidores civis e estimulava-se a competição pelos melhores cargos, o que permitia selecionar os talentos mais bem qualificados para atuar no governo. Espalhados pelo Império, esses funcionários atuavam como intermediários entre a Corte e os nobres e senhores da guerra locais, transmitindo os valores de conduta mais importantes e garantindo a lealdade desses súditos, dos quais dependia a estabilidade do Império. Apesar disso, novos conflitos sociais levaram à extinção a dinastia Tang, cujo lugar foi ocupado pela dinastia Song (960-1279). Sob a nova dinastia, os chineses empenharam-se no desenvolvimento agrícola ao sul do rio Azul, no cultivo de arroz (por meio da irrigação por inundação, que permitia duas colheitas ao ano) e na montagem de um sistema de portos comerciais marítimos nas regiões da Coreia, Japão, Indochina e Indonésia. No século XII, as investidas de povos nômades turcos e mongóis contra a China, ao norte da Grande Muralha, cresceram continuamente. Foi nessa época que se destacou o chefe mongol Gêngis Khan (c. 1162-1227). No início do século XIII, ele centralizou o poder na região da Mongólia, resultando na formação de outro grande império, no noroeste da China. Entretanto, seria Kublai Khan (1215-1294), neto do unificador mongol, quem conquistaria o território chinês. Suas tropas tomaram a porção norte da China em 1271. Nos anos seguintes, Kublai Khan prosseguiu em suas conquistas, até se declarar imperador da China em 1279. Seus descendentes constituíram a dinastia Yuan (1270-1368). Este período foi marcado pela tolerância religiosa na maior parte do tempo e pelo estímulo ao comércio, à produção manufatureira, às artes e à filosofia. Mesmo

assim, a ocupação mongol afetou negativamente a agricultura chinesa, provocando revoltas e resistência. Foi também no século XIII que os imperadores chineses passaram a autorizar a entrada de europeus. Foi nesse contexto favorável que ocorreu a famosa viagem de Marco Polo (1254-1324), estabelecendo contatos entre a China e a Europa. Marco Polo foi um explorador e mercador veneziano. Ele percorreu a Rota da Seda com seu pai Nicolau e seu tio Matteo no século XIII. Deixou registros detalhados de suas via-

gens pelos países asiáticos. Seus escritos formam a base documental europeia sobre a história da Ásia nesse período e suas descrições geográficas são consideradas precursoras da Geografia moderna. A primeira tradução em português desses escritos é de 1502, com o título de Livro de Marco Polo. Apesar de tantas pressões a oeste e a norte, do século XIII ao XV a China chegou a dominar um amplo comércio marítimo, com ligações por quase toda a Ásia e a África.

6 Algumas civilizações da América Escavações arqueológicas em suas ruínas revelaram a devoção às divindades Tlalóc e Quetzalcóatl, ambas cultuadas por civilizações que se desenvolveram posteriormente na mesma região, como a asteca. Os teotihuacanos desapareceram no século IX por motivos ainda desconhecidos. Eles foram sucedidos pelos toltecas, que, por sua vez, antecederam os astecas – povo que os espanhóis encontraram na região, no século XVI. Enquanto isso, entre o século III e o século X, a civilização maia desenvolvia-se na Mesoamérica, onde atualmente estão a Guatemala e países vizinhos. Essa civilização caracterizava-se pela organização em cidades-Estado, mais ou menos como ocorria na Grécia antiga. As principais cidades foram Palenke, Tikal e Copán. Cada uma delas era dirigida por um halach, que exercia um cargo hereditário, mas não de poder absoluto, pois governava com um conselho. Os chefes locais eram escolhidos pelo halach de cada cidade. A sociedade maia era formada por cinco estratos: nobres, sacerdotes, camponeses, artesãos e escravos. Estes últimos eram prisioneiros de guerras ou maias que haviam desrespeitado as regras de seu povo. Os sacerdotes cuidavam das questões religiosas, mas também das artes e das ciências. Entre seus campos de atuação estavam a Astronomia, a cronologia e a adivinhação (previsão do futuro).

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Como vimos no Capítulo 4, no território hoje ocupado pelo México, na América do Norte, brilhava a cidade de Teotihuacán, fundada por volta do século I a.C. Com suas avenidas, templo e pirâmides, Teotihuacán tinha funções religiosas e se manteve florescente por cerca de 900 anos. No século V, sua população chegava a 80 mil pessoas. O que se costuma denominar cultura de Teotihuacán parece ter sido uma civilização cujas língua e origem exata são desconhecidas. Teria existido aproximadamente do século I a.C. ao IX d.C. e deixou vestígios como ruínas arquitetônicas, que incluem diversas pirâmides de grande magnitude, e artefatos menores, como esculturas, máscaras funerárias, objetos ritualísticos e de uso doméstico.

Representação circular com a divisão do mundo conhecido no período medieval: Europa, Ásia e África, divididos e circundados por água. Mapa produzido no século XI.

O Império Bizantino, o islã e o mundo

199

The Bridgeman Art Library/ Keystone Brasil/Museu de Arte de Indian‡polis, EUA.

Assim como para outros povos, a agricultura era a atividade central da civilização maia. Entre seus cultivos estavam o cacau e o milho, a base alimentar dos maias. Eles dominavam, ainda, técnicas de construção civil, sendo responsáveis por espaços urbanos de grandes dimensões, palácios e templos. A escrita maia era hieroglífica e sua tradução ainda não foi estabelecida. O conhecimento matemático dos maias também merece destaque, com a criação do número zero, que, segundo alguns estudiosos, é um feito também atribuído aos indianos. Outras civilizações floresceram na região andina, na América do Sul, no território dos atuais Peru, Bolívia, Equador e Colômbia. Entre elas, destacam-se o Império Tiahuanaco e o Império Huari, que se desenvolveram entre os séculos VI e X. Mais tarde, a partir do século XII, organizou-se o Império Inca, ao qual voltaremos no Capítulo 10 deste volume.

Escultura maia de uma divindade do cacau. Esculpida entre os séculos VI e IX.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Principais culturas pré-colombianas 90º O

OCEANO ATLÂNTICO

Tula 25º N

Teotihuacán Texcoco

Chichén Itzá

Golfo do México

Península de Iucatán

Tenochtitlán Três Montes Zapotes Tuxla La Venta Mitla San Lorenzo

205

410

OCEANO PACÍFICO

km

Região da Mesoamérica

Palenque

Região Andina Tikal

Cobá

Golfo de Honduras

Asteca (XIV d.C. a XVI d.C.)

Xoconocho

Teotihuacán (I a.C. a X d.C.)

Copán

Olmecas (XI a.C. a IV a.C.) Maias (III d.C. a X d.C.) Incas (XII d.C. a XVI d.C.)

Equador

r Equado

Tumipampa

Cajamarca

A N

Machu Picchu

D

E

OCEANO PACÍFICO

S

Cuzco Lago Titicaca Lago Poopó

OCEANO PACÍFICO

Trópico de Capricórnio

630 km

1 260 70º O

805

1 610

km 50º O

Adaptado de: ATLAS da história do mundo. São Paulo: Folha de S.Paulo, 1995. p. 46, 144-145.

200

Capítulo 7

Os indígenas pré-brasileiros

tras coisas, para a adaptação do europeu ao clima, para a domesticação de plantas para uso agrícola e para um amplo conhecimento farmacológico de ervas, plantas e outros recursos da natureza. No Capítulo 2 destacamos que, de acordo com a Arqueologia, tradição é um conjunto de práticas e técnicas de povos que tinham características comuns. Dentre as diversas tradições que existiram no Brasil, destaca-se a tradição tupi-guarani. Os povos tupi-guaranis cultivavam várias plantas, como milho, mandioca, batata-doce, amendoim, abóbora, fumo, feijão e urucum. A caça e a pesca completavam a sua alimentação. Os Tupi-Guarani alcançaram, a partir da Amazônia, o litoral e vales de rios no norte, leste e sul do atual território brasileiro. Esse processo aconteceu em levas migratórias sucessivas, como mostra o mapa a seguir.

Para completar esse panorama, vejamos o que ocorria com os indígenas da região que viria a ser o Brasil. Como os indígenas pré-brasileiros – até onde se sabe – não tiveram escrita e pouco se registrou de suas tradições orais, não é possível reconstruir sua história política, como se faz com as civilizações centro-americanas e da região da cordilheira dos Andes. Não sabemos nomes de líderes, fases, acontecimentos gerais, nem se é possível reconstruí-los. No entanto, é possível compreendermos costumes, movimentos populacionais e algumas relações entre as diversas etnias indígenas, utilizando métodos da Antropologia e da Linguística. Cada etnia, a seu tempo, participaria do legado indígena para a formação da sociedade brasileira. Desde o início da colonização, eles contribuíram, entre ou-

Banco de imagens/Arquivo da editora

Migrações dos povos tupi-guaranis 55º O

Equador

250 a.C.

50 a.C. 650 a.C.

450 d.C. 1250 a.C. 950 a.C.

3050 a.C. 950 a.C

2050 a.C

1250 a.C. 950 d.C.

850 d.C.

OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO

150 d.C.

Migrações das diversas famílias

390 km

780

Principais áreas arqueológicas da tradição tupi-guarani

Adaptado de: SCHMITZ, Pedro Ignácio (Org.). Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil. Instituto Anchietano de Pesquisas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2006. p. 56. Disponível em: . Acesso em: 21 dez. 2015.

O Império Bizantino, o islã e o mundo

201

Leituras O texto a seguir trata dos povos indígenas falantes das línguas tupi e guarani e apresenta o esforço conjunto de diferentes áreas do conhecimento para a compreensão a respeito desses que foram os primeiros povos a habitar o litoral brasileiro.

Pesquisando a cultura dos primeiros habitantes do Brasil

século 17 tinham desaparecido quase que por completo do litoral central e nordestino. [...] No final dos anos 60, os pesquisadores do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (Pronapa), dirigido pelos arqueólogos norte-americanos Betty Meggers e Clifford Evans (1920-1981), encontraram numerosos sítios onde apareciam restos de cerâmica decorada, alguns com traços vermelhos ou pretos pintados sobre fundo branco. Tais manifestações foram reunidas sob o nome “Tradição Tupiguarani” – Tupiguarani em uma só palavra, indicando tratar-se de um conceito arqueológico que não corresponde obrigatoriamente aos povos falantes das línguas tupi-guarani (com hífen), embora se supusesse que os autores das peças fossem, ao menos em parte, ancestrais desses povos. As datações radiocarbônicas apontavam que os artefatos teriam entre 1500 e 500 anos. [...] Aos poucos, envolvemos um grande número de arqueólogos em uma pesquisa sistemática sobre a cultura Tupiguarani no Brasil inteiro. Arqueólogos, químicos, físicos, etnólogos e até técnicos da polícia científica – ligados a 20 instituições brasileiras, argentinas e uruguaias – aceitaram colaborar, de forma inédita, na preparação de uma obra coletiva, que deve fazer um balanço dos conhecimentos e abrir novas perspectivas.

A cultura dos povos indígenas falantes das línguas tupi e guarani é conhecida principalmente pelos relatos de cronistas da época do Descobrimento e dos primeiros tempos da colonização do Brasil. Dos prováveis ancestrais desses grupos, porém, os únicos vestígios arqueológicos são vasilhas e fragmentos de cerâmica, muitas vezes pintados com motivos variados. Um novo e amplo estudo sobre as pinturas aplicadas a essa cerâmica – reunida sob o nome “Tradição Tupiguarani” – revela que não eram apenas simples decoração: na verdade, os desenhos parecem expressar os valores coletivos desses primeiros habitantes do litoral brasileiro. Quando Pedro Álvares Cabral desembarcou no Brasil, a maior parte do litoral, do Nordeste até o rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina, era ocupada por populações indígenas que falavam línguas tupi (desde a área onde se PROUS, André. A pintura em cerâmica Tupiguarani. In: Ciência hoje. 1 mar. 2005. Disponível em: . Maranhão) e guarani (do atual Paraná até o Acesso em: 16 dez. 2015. norte da Argentina). Essas línguas eram aparentadas (como o são entre si o espanhol e o português) e as culturas dos seus falantes bastante parecidas. Os primeiros cronistas – particularmente os protagonistas das lutas entre franceses e portugueses pelo controle da baía de Guanabara – fornecem preciosas informações sobre essas numerosas tribos. Mencionam, entre outras coisas, que as mulheres produziam e decoravam os potes de barro. Essas tribos foram logo dizimadas pelas doenças trazidas pelos europeus Tigela de cerâmica tupi-guarani encontrada em Aparecida, São Paulo, e pelas guerras coloniais, e no na década de 1950.

202

Capítulo 7

Fabio Colombini/Acervo do fot—grafo

o

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 1.

Para os renascentistas do século XV e os pensadores iluministas do século XVIII, o período correspondente à Idade Média foi, muitas vezes, identificado como a “idade das trevas”. Para eles, a hegemonia da Igreja na Europa medieval teria lançado o continente europeu em uma era de atraso e obscurantismo. Entretanto, a partir do século XIX, essa consideração vem sendo criticada.

• De acordo com o Saber histórico: Idade Média (página 183), quais são os argumentos de historiadores e especialistas que contestam a identificação desse período como “idade das trevas”?

2. Enquanto o Império Romano do Ocidente vivia uma profunda crise, que permitia o avanço de povos germânicos em seus domínios, o Império Romano do Oriente se mantinha próspero. Quais são as razões que explicam o declínio de uma das partes do Império Romano e o apogeu da outra no mesmo período?

3. No ano de 1054, a Igreja cristã medieval perdeu sua unidade e foi dividida em duas instituições: a Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma, e a Igreja ortodoxa, com sede em Constantinopla. Que fatores explicam essa cisão?

4. No mesmo período em que o Império Romano desmoronava no Ocidente, o reino de Axum expandia-se no continente africano, conquistando o reino vizinho de Kush no século IV e avançando para costa oriental africana, até controlar o sul da península Arábica no século VI. Qual foi a provável origem do poder de Axum?

5. De acordo com os preceitos islâmicos, todo muçulmano deve peregrinar para a cidade de Meca pelo menos uma vez na vida, desde que tenha condições para fazê-lo. Todavia, mesmo antes do surgimento do islamismo, a cidade já era um local importante para os árabes. Por que Meca era um lugar tão especial para esses povos?

6. Que resultado a fundação do islamismo no século VI produziu na vida política das tribos árabes?

7. Entre os séculos VII e X, com a ascensão da dinastia Tang ao poder, a China, que durante séculos esteve fragmentada em diversos reinos, reunificou-se e viveu um período próspero. Essa prosperidade deveu-se, em parte, à maneira como a administração pública estava organizada. Analise o papel dos funcionários do Estado chinês na preservação da estabilidade do Império.

8. Quando os europeus chegaram à América no século XV, o continente já era povoado por sociedades e civilizações com características bastante distintas entre si.

a) Cite dois desses povos que já habitavam o continente americano durante a Idade Média europeia. b) Indique dois elementos de distinção entre eles.

Pratique 9. O texto a seguir trata da codificação da lei romana no século VI, durante o governo de Justiniano, em Bizâncio. Leia-o atentamente e responda às questões. A maior realização de Justiniano foi sua codificação da lei romana. Mais uma vez, elaborou-a com impressionante rapidez, graças à competência do conselho de juristas que reuniu, com Triboniano à frente. A primeira codificação ficou pronta em 529, e uma segunda por volta de 534. [...] Embora apresentada como um retorno às raízes da lei romana clássica, a obra de Justiniano remodelou a lei, para que fundamentasse uma monarquia cristã. Ele próprio redigiu a maior parte da legislação relacionada com a Igreja e a religião. A lei romana perdeu quase toda sua independência. Embora ele continuasse a aquiescer à ideia de que o imperador como indivíduo estava sujeito à lei, insistia em que, devido a seu cargo, ele era a encarnação da lei. A lei foi atrelada à ideologia absolutista da monarquia cristã, e recebeu forma concreta na estátua equestre que Justiniano mandou erguer de si mesmo diante da Igreja de Santa Sofia: na mão esquerda, segurava uma esfera com uma cruz sobreposta, símbolo de aquiescer: concordar; sua autoridade univerconsentir. sal e origem divina. ANGOLD, Michael. Bizâncio: a ponte da Antiguidade para a Idade Média. Rio de Janeiro: Imago, 2002. p. 34.

a) De acordo com o texto, a codificação da lei romana realizada durante o governo de Justiniano foi apenas uma compilação da legislação romana? Explique. b) Por que, segundo o autor do texto, a lei romana “perdeu quase toda sua independência” sob o governo de Justiniano? c) Relacione as modificações feitas por Justiniano na legislação romana à consolidação do cesaropapismo. O Império Bizantino, o islã e o mundo

203

10. De todas as palavras em árabe associadas ao islã, provavelmente jihad é uma das empregadas com mais frequência pela mídia. A palavra, contudo, designa um conceito, e para que este seja bem entendido é preciso ir além do uso corriqueiro que jornais e revistas fazem dele. Leia os textos que tratam das diferentes definições e interpretações da palavra jihad ao longo da História e, a seguir, faça o que se pede.

Texto 1

o “esforço” que o muçulmano deve fazer para aperfeiçoar-se, por meio do estudo e da atividade intelectual, por exemplo. Pode referir-se ainda à defesa da família, da honra e da comunidade islâmica em diversas frentes – espiritual, política, militar e econômica – e constituiu um nome próprio bastante comum entre muçulmanos de variadas nacionalidades. Extremistas e desinformados distorceram esse conceito e o transformaram num apelo a uma “guerra santa”. FARAH, Paulo Daniel. O Islã. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 73.

Atualmente, principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, a palavra jihad entrou no vocabulário corrente. A raiz j-h-d, da qual se origina, tem o significado geral de “esforço” ou “luta” [...]. A palavra, em si só, nem sempre tem conotação religiosa. Com significado religioso, o jihad pode incluir uma luta contra as tentações (“jihad do coração”, “jihad da alma”). Pode significar também o proselitismo do islã (da’wa) ou a defesa da moralidade (“comandar o bem e proibir o mal”, al-’amr bilma’ruf wal-nahy ‘an al-munkar). A noção de jihad desenvolvida pelos juristas islâmicos é de “guerra com significado espiritual” [...], sendo sinônimo, no Alcorão de qital fi sabili ‘llah (“luta”, do verbo qatala, “matar”). A palavra árabe para “guerra”, harb, geralmente é usada em contextos políticos. A doutrina do jihad só se desenvolveu com o tempo (a partir do século VII/VIII). O termo jihad, embora com raízes profundas, é uma construção, em primeiro lugar, jurídica. Não há evidências, por exemplo, de guerras religiosas na Arábia pré-islâmica. Como lembra David Cook, o profeta Maomé nunca declarou um jihad (pelo menos não com esse termo), embora suas campanhas possam ser consideradas jihads prototípicos. Da mesma forma, as conquistas islâmicas dos séculos VII e VIII só foram classificadas como jihad depois, e não sabemos como os muçulmanos da época as chamavam [...]. CHEREM, Youssef. Jihad: duas interpretações contemporâneas de um conceito polissêmico. In: CAMPOS. Revista de Antropologia Social. Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Paraná, v. 10, n. 2, p. 83, 2009.

Texto 2 Normalmente submetido a definições impróprias, o termo jihad designa essencialmente

204

Capítulo 7

Texto 3 Um dos primeiros ideólogos fundamentalistas foi Mawdudi (1903-1979), o fundador do Jamaat-i Islami no Paquistão. Ele considerava que o grande poder do Ocidente estava reunindo forças para esmagar o Islã. Os muçulmanos, afirmava ele, devem se agrupar para lutar contra esse laicismo usurpador, se querem que sua religião e sua cultura sobrevivam. [...]. A ameaça ocidental tornara os muçulmanos defensivos pela primeira vez. [Mawdudi desafiou todo o etos secularizante: ele estava propondo uma teologia da libertação islâmica.] Uma vez que somente Deus era soberano, ninguém era obrigado a receber ordens de outro ser humano. A revolução contra as potências coloniais era não só um direito, mas um dever. Mawdudi pedia uma jihad universal. Assim como o Profeta lutara contra a jahiliyyah (a “ignorância” e o barbarismo do período pré-islâmico), os muçulmanos deviam usar todos os meios ao seu alcance para resistir à moderna jahiliyyah do Ocidente. Mawdudi afirmou que a jihad era o dogma principal do Islã. O que era uma inovação. Ninguém, anteriormente, declarara que a jihad era equivalente aos cinco pilares do Islã [...]. ARMSTRONG, Karen. O Islã. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 224.

a) De acordo com os textos, a palavra jihad sempre foi usada da mesma forma ao longo do tempo? Justifique.

b) Originalmente, quais eram os sentidos de jihad no mundo árabe-muçulmano? Explique.

c) De que maneira as transformações recentes do mundo islâmico contribuíram para que a palavra jihad fosse entendida pela mídia ocidental como “guerra santa”?

11. Observe o mapa abaixo.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Rotas transaarianas de comércio, séculos IX-XI 0º

OCEANO ATLÂNTICO

Cartago o ich

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Reino de Gana Povoado

Equador

Golfo da Guiné

345 km

690

Rota de comércio Bens de comércio

Adaptado de: DUBY, Georges. Grand Atlas historique. Paris: Larousse, 1978. p. 258.

• Identifique a região do planeta representada nele e, por meio da legenda, identifique o Império destacado em amarelo.

• Preste atenção aos diferentes traçados do mapa, distinguindo-os de acordo com as informações da legenda.

• Identifique as características geográficas da região representada, observando a hidrografia e o relevo.

• A seguir, responda às questões. a) De acordo com o mapa, qual foi a importância econômica de Gana?

b) Que características geográficas de Gana favoreciam sua importância no contexto econômico africano?

c) Identifique os principais produtos comercializados pelas rotas que passavam por Gana.

12. Wu Zetian (624-705) – ou Wu Hou – foi a única mulher a assumir o título de imperatriz na China, governando o Império entre os anos 690 e 705. Para parte dos estudiosos, ela foi uma mulher determinada, que garantiu, de maneira inteligente, a prosperidade de seus domínios. Contudo, para outros, foi impiedosa, porque impunha sua autoridade pelo medo.

• Em grupos de três alunos, pesquisem em sites (de

universidades, museus, veículos de comunicação e divulgação científica renomados), livros ou enciclopédias textos sobre a condição das mulheres na China durante os séculos VII e VIII e a biografia da imperatriz Wu Zetian.

• Procurem compreender a vida da imperatriz no

contexto em que ela viveu, segundo os desafios, valores e tradições chineses do período.

• Em sala, organizem um seminário para discutir e compreender o governo de Wu Zetian.

O Império Bizantino, o Islã e o mundo

205

13. Estima-se que há, na atualidade, 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo. O islamismo é a segunda maior

Robson Kasé/Arquivo da editora

religião em seguidores, conforme dados da Pew Research Center, de 2013. Os gráficos abaixo traçam um panorama do islamismo no mundo contemporâneo. Analise-os para, em seguida, responder às questões. Muçulmanos no mundo

Oriente Médio e norte da África 20,1% África subsaariana 15,3%

Ásia 61,9%

Europa 2,4%

Américas 0,3%

Xiitas e sunitas no mundo islâmico

Xiita 13%

Sunita 87%

Fonte: PEW RESEARCH CENTER. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2016.

a) De acordo com o gráfico “Muçulmanos no mundo”, quais são os dois continentes onde há o maior número de seguidores do islamismo? b) Em que continente a presença de muçulmanos é menor? c) Segundo o gráfico “Xiitas e sunitas no mundo islâmico”, qual é o grupo predominante na religião islâmica? d) Com base nos seus estudos sobre o islamismo, diferencie xiitas e sunitas.

e) Releia o texto “Os árabes e o islamismo” (neste capítulo) e responda: ao longo da História, de que forma a expansão muçulmana ocorreu no mundo?

Analise uma fonte primária 14. O texto a seguir é um trecho da carta que Américo Vespúcio escreveu, provavelmente em 1503, a Lorenzo di Pierfrancesco de Médici, para prestar contas da viagem que realizou no continente americano. Na expedição, Vespúcio esteve na costa da Bahia e de São Vicente e teve contato com indígenas Tupi-Guarani que ali habitavam. Sobre os habitantes das terras brasileiras, escreve: 206

Capítulo 7

Naqueles países tal multidão de gente encontramos que ninguém enumerar poderia, como se lê no Apocalipse; gente, digo, mansa e tratável. E todos de um e outro sexo vão nus, nenhuma parte do corpo cobrem, e assim como do ventre da mãe saíram, assim até a morte vão; uma vez que têm corpos grandes, ajustados, bem dispostos e proporcionados, e de cor declinando para o vermelho; a qual coisa a causa penso, porque nus andando são tintos do sol. E têm os cabelos grandes e negros. São no andar e nos jogos ágeis e de uma liberal e formosa face, a qual eles mesmos destroem; uma vez que se furam as faces e os lábios e as narinas e as orelhas; e não se creia que aqueles furos sejam pequenos ou que um somente o tenham; pois vi muitos, os quais têm somente na cara sete furos dos quais cada um capaz era de uma ameixa; e mutilam eles estes furos com pedras azuladas, marmóreas, cristalinas e de alabastro belíssimas e com ossos branquíssimos e outras coisas artificiosamente trabalhadas segundo o seu costume; a qual coisa se a visse tão insólita e a um monstro símile, isto é um homem o qual tem nas faces somente e nos lábios sete pedras, das quais muitas são do tamanho de meio palmo, não sem admiração ficarias. Pois que muitas vezes considerei e assinalarei estas sete pedras terem de peso quinze onças, sem contar que em cada orelha de três furos furados têm outras pedras pendentes em anéis; e este costume só é dos homens; pois as mulheres não se furam a face, mas as orelhas só. [...] VESPÚCIO, Américo. Novo Mundo: cartas de viagem e descobertas. Porto Alegre: L&PM, 1984. p. 93-94.

a) Pesquise a biografia de Américo Vespúcio em sites ou em enciclopédias. Segundo as informações obtidas, o que ele veio fazer na costa brasileira? b) Que informações sobre os Tupi-Guarani podemos extrair do trecho da carta de Américo Vespúcio? c) Que impressão Vespúcio transmite ao leitor sobre as populações tupis-guaranis que habitavam o território que hoje constitui o Brasil? d) Os Tupi-Guarani não tinham um sistema de escrita. Assim, todas as informações disponíveis provêm de vestígios arqueológicos ou de textos escritos pelos europeus que vieram para a costa brasileira a partir do século XVI. Ao ler a carta de Américo Vespúcio, que problema você identifica no uso desse tipo de fonte para conhecer a vida dos antigos habitantes do Brasil?

Articule passado e presente 15. Leia a matéria sobre projeto de templo religioso que poderá reunir fiéis do judaísmo, cristianismo e islamismo e, a seguir, faça o que se pede.

Para unir religiões, Berlim terá primeira “igreja-mesquita-sinagoga” Berlim acredita estar fazendo história no universo das religiões ao unir muçulmanos, judeus e cristãos para construir um lugar onde todos possam rezar. “The House of One” (A Casa de Um, em tradução livre), como está sendo chamada, terá uma sinagoga, uma igreja e uma mesquita sob o mesmo teto. O projeto foi escolhido em um concurso de arquitetura. Trata-se de um edifício de tijolo com uma torre alta e quadrada no centro. Do outro lado de um pátio ficarão as casas de culto das três religiões – a sinagoga, a igreja e a mesquita. Nesta semana, os idealizadores do projeto iniciaram uma campanha para angariar fundos para a construção do edifício. Qualquer pessoa pode doar dinheiro on-line para o projeto – cada um pode contribuir com quantos tijolos quiser, sendo que cada tijolo custa 10 euros (cerca de R$ 30). A construção do edifício irá começar quando as doações atingirem 10 milhões de euros (cerca de R$ 30 milhões) – a expectativa é que esse valor seja alcançado até 2015. O projeto prevê cerca de dois anos para a realização das obras. O prédio será construído em uma região de destaque – Petriplatz – no coração de Berlim. A localização é muito importante, de acordo com um dos três líderes religiosos envolvidos, o rabino Tovia Ben Chorin. “Do meu ponto de vista judaico, a cidade que planejou o sofrimento dos judeus agora é a cidade que está construindo um centro para as três religiões monoteístas que moldaram a cultura europeia”, disse à BBC. Eles poderão se entender? “Nós podemos. O fato de que existem pessoas dentro de cada grupo que não podem é um problema, mas é preciso começar em algum lugar e é isso que estamos fazendo”. O imã envolvido, Kadir Sanci, vê A Casa de Um como “um sinal para o mundo de que a grande maio-

a) De acordo com o texto, qual é a grande inovação do projeto de construção de The House of One? b) Esta será a primeira vez que o templo de uma religião abrigará o culto de outra religião? Explique. c) Os arquitetos que trabalham no projeto de The House of One destacam as muitas semelhanças

ria dos muçulmanos é pacífica e não violenta”. É também, segundo ele, um lugar onde diferentes culturas podem aprender umas com as outras. Cada uma das três áreas na Casa terá o mesmo tamanho, mas formas diferentes, explica o arquiteto Wilfried Kuehn. “Cada um dos espaços foi projetado de acordo com as necessidades do culto religioso, com as particularidades de cada fé”, disse. “Por exemplo, há dois andares na mesquita e na sinagoga, mas apenas um na igreja. Haverá um órgão na igreja. Teremos um lugar onde se possa lavar os pés na mesquita”. Kuehn e sua equipe de arquitetos pesquisaram projetos para os três tipos de locais de culto e encontraram mais semelhanças do que esperavam. “O que é interessante é que, quando você volta um tempão atrás, observa-se que eles compartilham uma série de tipologias arquitetônicas. Eles não são tão diferentes”, disse. “Não é necessário, por exemplo, que uma mesquita tenha um minarete – essa é apenas uma possibilidade, não uma necessidade. E uma igreja não precisa ter uma torre. Eu estou falando de voltar às origens, quando essas três religiões estavam perto e compartilhavam arquitetonicamente de muitas coisas”. No passado, as diferentes religiões usaram os mesmos edifícios, mas não no mesmo período. As mesquitas no sul da Espanha se tornaram catedrais após a conquista cristã. Na Turquia, igrejas se tornaram mesquitas. Na Grã-Bretanha, antigas capelas galesas chegaram a se tornar mesquitas – e a mesquita de Brick Lane, no leste de Londres, começou como uma igreja no século 18, depois virou uma sinagoga e agora se tornou um lugar de culto para a recém-chegada comunidade muçulmana.

[...]

G1. Para unir religiões, Berlim terá primeira “igreja-mesquita-sinagoga”. 29 jun. 2014. Disponível em:. Acesso em: 10 fev. 2016.

que identificaram entre os três edifícios religiosos – a igreja, a mesquita e a sinagoga. Qual pode ser a explicação para tantas semelhanças? d) O projeto de The House of One busca aproximar as três grandes religiões monoteístas. Que significado e importância ele tem no presente? O Império Bizantino, o islã e o mundo

207

CAPÍTULO

8

A formação da Europa Sipa/AP Images/Glow Images.

Representantes de religiões distintas – católicos, protestantes, cristãos ortodoxos, judeus, muçulmanos e budistas – em cerimônia de felicitações pelo Ano-Novo realizada no Palácio do Eliseu, Paris, França, 2013.

Durante a Idade Média, alguns governantes europeus passaram a ser empossados mediante a aceitação da autoridade máxima da Igreja. Atualmente, a liberdade de credo é recorrente na Europa. Na foto, de 2013, percebe-se a igualdade entre as pessoas presentes na cerimônia. Que papel as autoridades religiosas devem ter na condução dos negócios do Estado? O Estado deve interferir nas questões religiosas de cada credo? 208

1 O espaço como construção social e histórica O mundo europeu, enquanto europeu, é uma criação da Idade Média, que, quase ao mesmo tempo, rompeu a unidade, pelo menos relativa, da civilização mediterrânea e lançou desordenadamente no crisol os povos outrora romanizados junto com os que Roma nunca tinha conquistado. Então, nasceu a Europa no sentido humano da palavra... BLOCH, Marc. In: LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 13.

crisol: recipiente ou pequeno pote utilizado para reações químicas de purificação de metais preciosos.

Neste capítulo você vai conhecer um pouco mais sobre o início da construção social e histórica do espaço hoje conhecido como Europa.

Peter Genet/Alamy/Latinstock.

Embora possa ser modificado pela ação humana, o espaço geográfico é um dado da natureza. A forma pela qual nos relacionamos com ele, contudo, é variável. Depende de nossas necessidades, expectativas e história. Embora as terras e águas que compõem a Europa lá estivessem há milhões de anos, até a Idade Média não havia, historicamente, o que hoje chamamos de Europa: um continente que, além de terras e águas, tem uma história comum – de guerras e de paz, de avanços e crises e de grandes conflitos internos também. É essa história comum que possibilitou a formação da União Europeia atua. Durante o Império Romano ainda não se falava em Europa. Ela começou a se formar no período medieval, conforme o historiador francês Marc Bloch observa no texto a seguir.

Prédio do Parlamento europeu em Estrasburgo, na França, em foto de 2014.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Onde e quando

Tratado de Verdum

Banco de imagens/Arquivo da editora

Dinastia Carolíngea Século V a século VIII

732

768 a 814 Século VIII a século IX

Dinastia Merovíngea Batalha de Poitiers

Cruzada dos reis

Reinado de Carlos Magno

1095 843

Concílio de Clermont

1204 1189

Quarta Cruzada

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

A formação da Europa

209

2 Alta Idade Média e a ruralização europeia Como vimos no Capítulo 7, Alta Idade Média é a denominação utilizada pelos historiadores para o período compreendido entre os séculos V e X. A Baixa Idade Média se estenderia do século XI ao século XV, como veremos adiante. Vimos, também, que alguns historiadores usam uma outra periodização para tratar do final da Idade Antiga e do início da Idade Média, denominada Antiguidade Tardia, que vai do século III ao século VII. Como foi visto, o objetivo dos pesquisadores que utilizam essa periodização é destacar que houve um longo processo de transição do mundo antigo para o mundo medieval.

ocidental durante esse período que nos permitem compreender a estrutura econômica e social do sistema denominado feudalismo, assunto que estudaremos no capítulo seguinte. Vimos no Capítulo 6 que os romanos chamavam de “bárbaros” todos os povos que não tinham se romanizado e que não falavam o latim ou o grego. Esses povos são em geral classificados de acordo com sua origem ou sua língua: tártaro-mongóis (asiáticos como os hunos e os turcos), eslavos (como os russos, entre outros) e germanos (dos quais faziam parte os francos, visigodos, anglos, saxões, ostrogodos, vândalos, etc.). O contato com esses povos migrantes e a fragmentação político-cultural nos antigos domínios romanos acarretaram a formação de vários reinos germânicos e a introdução de diversos idiomas. Até então, o latim era a língua corrente, pelo predomínio dos conquistadores romanos.

Os reinos germânicos As migrações “bárbaras”, que marcaram o fim do Império Romano do Ocidente, não se encerraram em 476 – continuaram ocorrendo durante boa parte da Alta Idade Média. São justamente as invasões, as trocas culturais e o estado de guerra constante na Europa

Banco de imagens/Arquivo da editora

Migrações bárbaras (400­800) jutos Povos bárbaros

Lombardos

Invasão dos vândalos em 406

Francos

Reino dos vândalos (extensão máxima)

Regiões dominadas pelos hunos

Anglos, saxões, jutos

Invasão dos hunos

Germânicos

Visigodos

Divisão do Império Romano em 395

Burgúndios

Império Romano do Ocidente (após 395)

Ostrogodos

Império Romano do Oriente (após 395)

ált

Mar do Norte

jutos

rB

pictos escoceses

ico

Eslavos

M

anglos BRITÂNIA

bretões

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eslavos

saxões burgúndios francos vândalos

hunos alanos

OCEANO ATLÂNTICO

hérulos

alamanos

GÁLIA

gépidos

ostrogodos

Reino Visigodo de Toulouse ESPANHA

Mar Negro

Saque de Roma em 410

Toledo

visigodos

ITÁLIA

40º N

Constantinopla

Roma

ANATÓLIA

IMPÉRIO SASSÂNIDA Antioquia

Cartago

Sicília SÍRIA

M a r

M e d i t e r r â n e o Cirene

Adaptado de: BASCHET, Jerôme. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. p. 42.

210

Capítulo 8

445 km

Alexandria Egito

890 10º L

Jerusalém

Leituras As transformações nas cidades do antigo Império Romano, a permanência de tradições culturais romanas na passagem para a Idade Média e algumas características dos povos germânicos, sobretudo de sua arte, são analisadas pelo historiador medievalista francês Georges Duby.

Ingredientes de uma nova civiliza•‹o A tradição situa no século V a passagem da Antiguidade para a Idade Média. Nesse momento a Europa não existe. Praticamente tudo o que o historiador é capaz de conhecer ainda se organiza em torno do Mediterrâneo, no quadro do Império Romano. No entanto, um movimento em marcha há muito tempo tende a desarticular tal quadro, afastando progressivamente a parte grega de sua parte latina. De fato, é a leste que se encontram toda a vitalidade, toda a riqueza, toda a força, e ali [no Império Romano do Oriente] a civilização antiga prossegue a sua história sem rupturas, ao passo que se desagrega a oeste – desde sempre numa posição de fraqueza –, onde o desmoronamento é precipitado pelas migrações dos povos germânicos. Deste lado, instala-se a desordem por três séculos, durante os quais se misturam os ingredientes de uma nova civilização. De uma nova arte. [...] por todo lado as cidades subsistem. São, é verdade, cada vez menos numerosas à medida que nos afastamos do Mediterrâneo, mas uma rede de caminhos indestrutíveis liga-as de uma ponta à outra do Império, criando uma estreita comunidade cultural. Essas cidades despovoam-se. Os dirigentes afastam-se aos poucos, vão viver em suas casas no campo. No entanto, continuam vivas, imponentes, com suas muralhas, suas portas solenes, seus monumentos de pedra, estátuas, fontes, termas, o anfiteatro, o fórum onde se discutem os negócios públicos, escolas onde se formam os oradores, colônias de negociantes orientais que usam a moeda de ouro, ainda sabem onde conseguir o papiro, as especiarias, os panos importados do Oriente, e, nas vastas necrópoles que se estendem extramuros, os mausoléus, os sarcófagos dos ricos cobertos de esculturas. Todas essas cidades se voltam para Roma, seu modelo. Roma, a cidade imensa, implantada na própria fronteira que separa a latinidade do helenismo. [...] Ao norte, a oeste, nos pântanos e nas florestas onde as legiões nunca penetraram, vivem as tribos

Guerreiro lombardo, detalhe de escudo ornamentado do século VII d.C.

“bárbaras”. Essas populações dispersas, seminômades, de caçadores, criadores de porcos e guerreiros têm costumes e crenças muito Reprodução/Museu de Arte diferentes. Tamde Berna, Suíça bém sua arte é diferente: não é a arte da pedra, mas a do metal, das contas de vidro, do bordado. Não há monumentos, apenas objetos que as pessoas transportam consigo, armas, e essas joias, esses amuletos com que os chefes se enfeitam na vida e que são postos ao lado de seus cadáveres no túmulo. Não há relevos, apenas o cinzelado. Uma decoração abstrata, símbolos mágicos entrelaçados, em que às vezes se inserem as formas estilizadas do animal e da figura humana. Alguns desses povos, por terem se aproximado durante suas migrações dos territórios helenizados, foram evangelizados. São eles os primeiros, chefiados por seus reis, a se embrenhar no Império do Ocidente, assaltando o poder. Outros povos os seguem, sendo estes pagãos que em seu avanço pelas antigas fronteiras apagam nos territórios que ocupam os tênues vestígios da presença de Roma. É possível perceber a que ponto a cultura “bárbara”, nesses tempos conturbados, se sobrepôs à cultura romana e a submergiu: a linha muito nítida que, curiosamente estável, cruza a Europa atual e separa a região das línguas românicas e a dos outros idiomas marca os limites desse avanço. [...] Entretanto, a cultura romana conservou o seu prestígio. Fascinou os invasores. Foi para se alçarem ao seu nível, para participarem dessa espécie de felicidade que julgavam partilhada pelos cidadãos romanos, que os germanos atravessaram as fronteiras, que seus chefes, agora detentores do poder, não hesitaram em se autodenominar cônsules que moravam nas cidades, que favoreciam, como Teodorico [rei dos ostrogodos], o desabrochar das letras latinas, que arrastavam os companheiros e, como Clóvis [rei dos francos], mergulhavam nas águas do batismo. Tinham apenas um desejo: integrar-se. Para se integrarem de verdade, precisavam virar cristãos. DUBY, Georges. História artística da Europa: a Idade Média. São Paulo: Paz e Terra, 1997. v. 1.

A formação da Europa

211

Ruralização e fortalecimento do cristianismo

Reprodução/Biblioteca Nacional de Paris, França.

Nesse período, as funções do rei eram delegadas ao major domus, espécie de primeiro-ministro. O mais importante deles foi Carlos Martel (690-741), que venUma das características da Europa medieval foi a ceu os árabes na Batalha de Poitiers (732), interrompenruralização. Desde o final do Império Romano, as cidades do a expansão muçulmana em direção ao centro do vinham sendo abandonadas por causa das invasões e continente. dos saques. Ao mesmo tempo, a falta de mão de obra Em 751, o filho de Carlos Martel, Pepino, o Breve escrava atraía vastos contingentes de trabalhadores para (714-768), contando com o apoio do papa, depôs o o campo. Ali, eles arrendavam terras na condição de último soberano merovíngio. Iniciou-se uma nova servos (relação de produção predominante na Europa dinastia, denominada carolíngia. Pelo apoio recebido, ocidental durante a Idade Média, que você estudará no Pepino cedeu ao papa grande extensão de terra no capítulo a seguir). O movimento dessa população marcou centro da península Itálica. Esse território foi a volta de uma economia rural de subsistência. Daí a transferido para a administração direta da Igreja, sob palavra “ruralização”. o nome de Patrimônio de São Pedro, e constituiu o Devido à instabilidade causada pelas guerras e à embrião do atual Vaticano. concentração da população em comunidades rurais, o Carlos Magno (742-814), filho de Pepino, assumiu o comércio entrou em declínio, assim como a utilização trono em 768, e, depois de conquistar novos territórios, de moedas. Para proteger-se das agressões externas, fundou o Império Carolíngio; esse foi o período de construíram-se castelos e residências fortificadas. maior poder dos francos na Alta Idade Média. Ao mesmo tempo, ocorria o fortalecimento do Em seu governo, Carlos Magno doou as terras adcristianismo que, pouco a pouco, se impunha à nova quiridas nas guerras de conquista à nobreza e ao clero sociedade em formação. Vários reinos germânicos em troca de lealdade. Ele ainda dividiu o território sob converteram-se à doutrina cristã, destacando-se o dos seu controle em condados e marcas. francos. Os administradores dessas áreas eram nomeados pelo imperador e fiscalizados por um corpo de funcionários O reino dos francos chamados missi dominici (‘emissários do senhor’). Dessa Desde o século II, os forma, Carlos Magno podia francos vinham pressiocontrolar um vasto territónando as fronteiras do rio fazendo valer suas leis – Império Romano, até se conhecidas como capitulaestabelecerem na região res –, as primeiras leis escritas da Gália, atual França. Sédo Ocidente medieval. culos depois, em 496, ClóNo ano 800, o papa Leão vis (466-511), rei da dinastia III coroou Carlos Magno como merovíngia, foi convertido Imperador do Novo Império ao cristianismo. Romano do Ocidente. Leão III Quando o Império via na ampliação do reino Romano do Ocidente se franco uma possibilidade de desagregou, desapareceu expansão do cristianismo e o a ideia tradicional de Estaretorno à própria concepção do e bem público. A terra de império, desaparecida passou a ser distribuída desde a extinção do Império entre o clero e a nobreza, Romano do Ocidente. Para como recompensa por ser- O batismo de Clóvis (miniatura do século XV), considerado o muitos historiadores, a forfundador do reino franco. Diz a lenda (versão divulgada pelo viços prestados. A figura do cronista Gregório de Tours, um bispo franco) que, em uma mação do Império Carolíngio rei tornou-se, assim, bas- difícil batalha, Clóvis dirigiu os olhos aos céus e invocou o representa um evidente afastante frágil entre os fran- Deus de sua esposa Clotilde, que era cristã, prometendo que tamento do Mediterrâneo se batizaria, caso alcançasse a vitória. Daquele momento em cos, submetida ao poder diante, a sorte da batalha mudou em seu favor, levando os e um passo para a formação dos proprietários de terra. inimigos à fuga. da Europa. 212

Capítulo 8

Leituras

Uma nova escrita O Renascimento carolíngio foi gestado nos mosteiros da Gaula no sul da França, a partir do final do século VII. [...] Os escribas, que recopiavam os livros vindos de Roma, aperfeiçoaram a escritura, ancestral da Carolina, a escrita caligráfica surgida na Europa entre os séculos VIII e IX, que originou a distinção de maiúsculas e minúsculas nas modernas escritas europeias [...]. Jamais será excessivo insistir sobre o prodigioso trabalho dos scriptoria carolíngios. Milhares de manuscritos foram recopiados – quase oito mil foram conservados: as obras dos fundadores da Igreja, de gramáticos, poetas, prosadores. Graças aos copistas, uma grande parte da herança literária latina foi salva e preservada. Cícero, Virgílio, Tácito e muitos outros só se tornaram conhecidos pelo trabalho dos carolíngios. [...] Depois do término do manuscrito, se fosse um livro luxuoso de salmos ou um evangeliário encomendado por um bispo, ou por um príncipe, o pintor sucedia o escriba. Ele decorava as iniciais, enquadrava as páginas, pintava o que ficara em branco, segundo seu próprio talento ou segundo o estilo da escola onde fora formado. Temos então o manuscrito copiado, corrigido e ornamentado.

Carlos Magno foi responsável, portanto, por um governo forte e centralizador durante a Alta Idade Média, além de ter propiciado um significativo desenvolvimento cultural. Escolas foram fundadas e muitas obras da Antiguidade greco-romana, preservadas. Esse desenvolvimento foi chamado mais tarde de Renascimento carolíngio. O poderio do Império Carolíngio, porém, não sobreviveu à morte de Carlos Magno em 814. Novos grupos invasores – vikings da Escandinávia, magiares do Leste Europeu e novas incursões árabes no Mediterrâneo, aliadas às disputas sucessórias – levaram ao fim a unidade territorial do Império. Luís, o Piedoso (778-841), filho de Carlos Magno, herdou o Império e o governou até 841. Seus filhos, pelo Tratado de Verdun (843), fizeram a partilha do Império e aceleraram sua derrocada.

Em seguida, era necessário reunir as folhas, formar os cadernos para fazer um códice. [...] Desde a época carolíngia, a encadernação era utilizada para os livros valiosos, e era feita com pele de cervos. Assim, Carlos Magno autorizou os monges de um mosteiro francês a caçar cervos para criar um estoque do couro destinado à encadernação. A superfície lisa das encadernações era confiada a ourives, ou a artesãos que trabalhavam com marfim. RICHÉ, Pierre. Quando copiar era um estímulo intelectual. História Viva, edição 28, fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2015. The Bridgeman Art Library/ Keystone Brasil/ Biblioteca Nacional, Paris, Fran•a.

Durante o período carolíngio, os escribas passaram a separar as palavras e frases por um sistema de pontuação. Isso representou um grande avanço no registro escrito. A reportagem a seguir trata desse assunto:

Iluminura presente em cópia do Sacra Parallela, livro de João Damasceno, teólogo do século VIII. scriptoria: salas dos mosteiros reservadas à leitura e à escrita. copistas: monges que copiavam manuscritos da Anti­ guidade ou textos da época; nesse caso, o mesmo que escribas.

Com as invasões vikings, que chegaram a conquistar a Normandia, uma região do norte da França, amplos contingentes da população europeia procuraram refúgio e proteção junto aos grandes senhores de terras, submetendo-se a eles. Condes, marqueses e outros nobres passaram a ter uma importância crescente, fortalecendo assim a tendência à descentralização do poder político e social. Esse contexto favoreceu a consolidação do feudalismo. viking: povo originário da Escandinávia (que hoje compreende Suécia, Dinamarca e Noruega, no norte da Europa). Des­ tacou­se por suas avançadas técnicas de navegação. magiar: grupo étnico de origem asiática que invadiu a Europa e fundou o Reino da Hungria. A formação da Europa

213

3 Baixa Idade Média: a caminho da Europa urbana

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Entre os séculos XI e XV, a Europa passou por transDrang nach Osten (Marcha para o Leste), isto é, a expansão germânica em que cavaleiros teutônicos formações que abriram caminho para um reordenadirigiram-se para o Oriente, para a atual Rússia, sob mento da sociedade europeia. Esse período é chamado o pretexto de propagar o cristianismo, subjugando pelos historiadores de Baixa Idade Média. a região báltica; houve também a Reconquista cristã Essas mudanças começaram com o declínio das indos territórios tomados pelos árabes na península vasões “bárbaras” e com inovações tecnológicas no camIbérica. Além disso, aquele contexto foi também caracpo. Entre essas inovações, estava a utilização de arados terizado pelas Cruzadas, que contaram com a participação de ferro, mais fortes e eficientes do que os de madeira de inúmeros cavaleiros de toda a Europa. Vemos, desse usados até então, e o aperfeiçoamento de moinhos himodo, que a conquista de novas terras e riquezas buscadráulicos. As terras cultiváveis foram ampliadas por meio va superar as dificuldades que marcavam os prido aterramento de pântanos e da derrubada de Fitzwilliam, Universidad e de u se u meiros séculos da Baixa Idade Média. l/M Cam i s florestas. Esse contexto propiciou o cresbri Bra dg ne e, sto R y ei n cimento da produtividade do trabalho es/Ke o Un ag id o. agrícola e, consequentemente, a expansão demográfica. Só na InNo início da Baixa Idade Média, a glaterra, a população teria pasforça animal e a força das águas sado de 2 milhões, no século XI, dos rios começaram a ser mais para cerca de 5 milhões, no bem aproveitadas. Observe o moinho movido a água na início do século XIV. No mesmo iluminura à esquerda, produzida período, a população da França em 1650, aproximadamente. aumentou de 6 milhões para 15 milhões de pessoas. Re pr od Essas mudanças favoreceuç ão /B a ram o desenvolvimento do comércio, a circulação de moedas e o crescimento das cidades. A intensificação do comércio impulsionou também diversos setores artesanais. Muitos deles haviam continuado ativos na Alta Idade Média, servindo à nobreza e ao alto clero: armeiros, que trabalhavam para os nobres guerAfresco do século XIV que reiros; ourives, pintores e construtores, que mostra Santo Elói trabalhavam na edificação de catedrais e (ou Elígio) calçando castelos, etc. um cavalo com uma ferradura de metal. O aumento populacional, aliado às elevadas taxas cobradas pelos senhores feudais, deixou grande número de camponeses à margem da atividade rural. Muitos procuraram outras oportunidades de sobrevivêndireito de primogenitura: costume pelo qual, com a morte do senhor feudal, a grande propriedade de terras (feudo) cia, outros foram expulsos dos feudos. Essa marginalizapassava para seu filho mais velho (primogênito). Esse direito ção social atingiu também muitos senhores. Nobres sem tinha a finalidade de impedir a divisão da terra entre os di­ terra, vítimas do direito de primogenitura, vagavam versos filhos do senhor feudal. cavaleiros andantes: cavaleiros que, na Idade Média, per­ pela Europa como cavaleiros andantes. Ofereciam seus corriam terras sozinhos ou com alguns companheiros, com serviços militares a outros senhores em troca de terras os mais diversos objetivos: guerrear, viver aventuras, de­ fender os injustiçados, lutar pela Igreja, etc. Em torno de ou de rendas. suas proezas foram escritas narrativas literárias e míticas. Nesse contexto, ocorreram diversos movimentos teutônicos: relativos a teutão, povo germânico que vivia nas regiões central e norte da Europa. de expansionismo no continente europeu: houve o a lic sí

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214

Capítulo 8

Os cavaleiros medievais, oriundos da nobreza, eram treinados, desde a infância, nas artes e nos valores da guerra; aprendiam a manusear armas, como a lança e a espada, a montar a cavalo e a enfrentar o inimigo. Retratados em pinturas, esculturas, obras literárias e cinematográficas, constituem um imaginário de narrativas heroicas que se transformam ao longo do tempo. Representações do cavaleiro Rodrigo Díaz (10431099), o El Cid, expressam o poder desse imaginário. Nobre guerreiro castelhano, teria lutado contra os mouros e colaborado para a unificação do reino cristão de Castela, ganhando fama ainda em vida, graças às suas vitórias incontestáveis. Foi homenageado em poemas populares cantados e, em 1207, reunidos na forma escrita, com o título Canción de Mio Cid, que retratavam um cavaleiro idealizado: destemido, leal, justo, piedoso e profundamente cristão. Nos séculos seguintes, a lenda de El Cid foi recontada por escritores espanhóis, como Guillén de Castro (1569-1631), que escreveu a peça teatral A Mocidade de El Cid no início do século XVII. A história do cavaleiro Díaz também foi narrada em El Cid, filme de 1961 dirigido por Anthony Mann; em programas de televisão, sobretudo na Espanha; e em El Cid: a lenda, desenho animado de 2003 dirigido por José Pozo. O personagem e seu exército também fazem parte do videogame Age of Empires 2: the Age of Kings, lançado em 1999. Essas representações demonstram, portanto, a força das narrativas lendárias construídas em torno do ideal de honra e lealdade da cavalaria medieval.

As Cruzadas A partir da última década do século XI, diversas expedições de caráter militar-religioso partiram da Europa em direção à Palestina com o objetivo de restabelecer o controle cristão sobre a Terra Santa, que estava sob domínio dos muçulmanos desde o século VII. Essas expedições ficaram conhecidas como Cruzadas. A expressão “Terra Santa” designava os lugares percorridos por Jesus e incluía Jerusalém e o Santo Sepulcro, local onde ele teria sido sepultado.

O ator americano Charlton Heston durante as filmagens de El Cid, dirigido por Anthony Mann. O filme chegou aos cinemas em 1961. DeAgostini/Getty Images/Biblioteca Universitária de Heidelberg.

El Cid, um cavaleiro medieval

Everett Collection/AGB Photo.

Vivendo naquele tempo

João I de Brabante, o Vitorioso, em batalha. Miniatura do Codex Manesse, produzido em 1300, aproximadamente.

As Cruzadas foram convocadas pelo papa Urbano II em 1095 no Concílio de Clermont e eram inicialmente vistas com simpatia pelos imperadores bizantinos. Estes últimos esperavam o auxílio dos reinos europeus no combate aos povos muçulmanos, sobretudo aos turcos seljúcidas, que haviam se convertido ao islamismo e ganhavam força expansionista. Os seljúcidas conquistaram Bagdá em 1055 e passaram a se dirigir para a Ásia Menor, tornando-se uma ameaça ao Império Bizantino. A formação da Europa

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Leituras Leia a seguir a convocação do papa Urbano II às Cruzadas, realizada no Concílio de Clermont, em 1095.

Convocação às Cruzadas, em 1095 Considerando as exigências do tempo presente, eu, Urbano, tendo, pela misericórdia de Deus a tiara pontifical, pontífice de toda a terra, venho a vós, servidores de Deus, como mensageiro para desvendar-vos o mandato divino [...] é urgente levar como diligência aos nossos irmãos do Oriente a ajuda prometida e tão necessária no momento presente. Os turcos e os árabes atacaram e avançaram pelo território da România até a parte do Mediterrâneo chamada o Braço de São Jorge, e penetraram mais a cada dia nos países dos cristãos; eles os venceram sete vezes em batalha, matando e fazendo grande número de cativos, destruindo as igrejas e devastando o reino. Se vós deixardes isto sem resistência, estenderão os seus exércitos ainda mais sobre os fiéis servidores de Deus. Por isso eu vos apregoo e exorto, tanto aos pobres como aos ricos – e não eu, mas o Senhor vos apregoa e exorta – que como arautos de Cristo vos apresseis a expulsar esta vil ralé das regiões habitadas por nossos irmãos, levando uma ajuda

Ao organizar as Cruzadas, a Igreja romana também tinha por objetivo estender sua influência ao território bizantino, dominado pela Igreja ortodoxa, a Igreja bizantina criada com o Cisma do Oriente, em 1054, e independente do papa de Roma. Uma parte dessas expedições era constituída de pessoas de alguma maneira excluídas da estrutura social feudal. Muitos integrantes da cavalaria dos exércitos cruzados eram cavaleiros sem-terra, enquanto a maior parte das tropas a pé era composta de antigos servos. Além disso, milhares de pessoas, incluindo mulheres, crianças e idosos, dispunham-se a seguir os cruzados e fazer a peregrinação aos locais sagrados após a expulsão dos muçulmanos. As Cruzadas também personificavam o misticismo e a espiritualidade que impregnavam a época medieval. Isso pode ser especialmente notado em duas cruzadas: a Cruzada das Crianças (1212), organizada com base na crença de que somente os “puros” e “inocentes” pode216

Capítulo 8

oportuna aos adoradores de Cristo. Eu falo aos que estão aqui presentes e o proclamo aos ausentes, mas é Cristo quem convoca [...] Se os que forem lá perderem a sua vida durante a viagem por terra ou por mar ou na batalha contra os pagãos, os seus pecados serão perdoados nessa hora; eu o determino pelo poder que Deus me concedeu [...] Os que estão habituados a combater maldosamente, em guerra privada, contra os fiéis, lutem contra os infiéis, e levem a um fim vitorioso a guerra que devia ter começado há tempo. Os que até agora viviam em brigas se convertam em soldados de Cristo. Os que até agora eram mercenários por negócios sórdidos, ganhem no presente as recompensas eternas. Os que se fatigaram em detrimento de seus corpos e de suas almas, se esforcem no presente por uma dupla recompensa [...] De um lado estarão os miseráveis, do outro as verdadeiras riquezas, aqui os inimigos de Deus, lá os seus amigos. Alistem-se sem demora; que os guerreiros arrumem os seus negócios e reúnam o necessário para prover às suas despesas; quando terminar o inverno e chegar a primavera, que eles se movam alegremente para tomar a rota sob o comando do Senhor. CHARTRES, Foucher de. In: PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000. p. 83-84.

riam libertar Jerusalém; e a Cruzada dos Mendigos (1096). Ambas foram dizimadas, principalmente no trecho europeu do percurso. No entanto, havia outros interesses em jogo, como o comércio, atividade até então secundária, mas crescente em importância em meio à expansão demográfica que ocorria na Europa. Negociantes italianos desejavam conquistar entrepostos e vantagens no comércio de produtos orientais, assim como acesso às rotas comerciais do mar Mediterrâneo, dominadas pelos muçulmanos, que impediam a livre navegação. Do século XI ao XIII, partiram da Europa oito expedições (veja o mapa Movimentos cruzadistas dos séculos XI a XIII, na página a seguir), entre as quais se destacaram as seguintes: • Primeira Cruzada (1096-1099): denominada Cruzada dos Nobres, chegou a conquistar Jerusalém e a organizar na região um reino nos moldes feudais.

As Cruzadas não conseguiram resolver boa parte das dificuldades europeias decorrentes do aumento populacional, da ambição por novas terras e da necessidade de aprimorar a produtividade agrícola para alimentar a crescente população. No entanto, algumas cidades, que nunca deixaram de fazer comércio durante os primeiros séculos da Idade Média, e outras, que emergiram ou ganharam impulso com a chegada de camponeses marginalizados nos feudos, tiveram amplas vantagens com as Cruzadas. Os exemplos mais marcantes foram Gênova e Veneza, cidades da península Itálica, cujos comerciantes enriqueceram alugando barcos, financiando os cruzados e assumindo a liderança no comércio mediterrâneo. No entanto, muitos nobres, que arcaram com os elevados custos militares, empobreceram com as Cruzadas, enfraquecendo-se e favorecendo o fortalecimento dos governantes. Além disso, em vez de unir a cristandade, criaram divergências de interesses entre algumas regiões (como a rivalidade por domínios entre os governantes da Terceira Cruzada), enquanto propiciaram muita violência contra os não cristãos.

The Bridgeman Art Library/Keystone

Consequências das Cruzadas

Terceira Cruzada (1189-1192): também conhecida como Cruzada dos Reis, em virtude da participação dos monarcas da Inglaterra (Ricardo Coração de Leão), da França (Filipe Augusto) e do Sacro Império RomanoGermânico (Frederico Barba Ruiva). Não atingiu seus objetivos militares, mas estabeleceu acordos com os turcos, o que possibilitou as peregrinações. Quarta Cruzada (1202-1204): chamada de Cruzada Comercial, por ter sido liderada por comerciantes de Veneza, potência mediterrânea em grande ascensão. Desviou-se do caminho para Jerusalém e ocupou Constantinopla, uma cidade cristã, que foi saqueada pelos cruzados, igualmente cristãos.

O ilustrador, pintor e escultor francês Gustave Doré (1832-1883) foi responsável pela ilustração de obras como A Divina Comédia, de Dante, e Dom Quixote, de Cervantes. Na imagem, uma de suas ilustrações, de 1877, mostrando a Cruzada das Crianças.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Movimentos cruzadistas dos séculos XI a XIII Primeira Cruzada (1096-1099)

Mar do Norte

Segunda Cruzada (1147-1149) Terceira Cruzada (1189-1192) Quarta Cruzada (1202-1204)

OCEANO ATLÂNTICO

Quinta Cruzada (1218-1221)

Southampton

Sexta Cruzada (1228-1229) Metz

Rouen

Sétima Cruzada (1248-1254)

Paris

Ratisbona Viena

Oitava Cruzada (1270)

Lyon Veneza Gênova

Aigues-Mortes

Florença Marselha Roma

Lisboa

Belgrado Zara Mar Negro Spalato Adrianópolis Durazzo

Faro

Nápoles

Túnis

Constantinopla Niceia Konya Adália

Reggio

Ma

Tarso

Limassol

rM

30º N

Bari Taranto

edi

Cândia

terr â

neo

Edessa Antioquia

Por quase duzentos anos, o Mediterrâneo oriental viveu o movimento das Cruzadas.

Trípoli Damasco Acre Jerusalém

Damieta

450 km

900 20º L

Adaptado de: KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas of World History. New York: Anchor Books, 1974. p. 150 e 206.

A formação da Europa

217

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Biblioteca Nacional da França, Paris, França.

Ao mesmo tempo, as Cruzadas tiveram um impacto significativo na mentalidade europeia. O espírito dessas expedições foi importante motivação, por exemplo, para a Reconquista cristã da península Ibérica, dominada por árabes muçulmanos, e para as Grandes Navegações que levaram os europeus à Amé-

Forças turcas se preparando para batalha fora dos muros de Rodes, na Grécia, em 1480. Obra de Guillaume Caoursin, 1483. Biblioteca Nacional, Paris, França.

rica. Essa mentalidade levou à construção da imagem dos europeus como capazes de impor sua visão de mundo e seus valores aos povos com os quais entrassem em contato. Para eles, esses povos eram simplesmente “os outros”. Segundo alguns historiadores recentes:

[...] a cruzada emerge, pois, como o ponto de chegada de um lento processo que conduz a Igreja, no Ocidente, da não violência, predominante até o século IV, ao uso sacralizado e meritório das armas. É essa dimensão sacralizadora que permite entender a cruzada como uma guerra santa, a qual tangencia certos aspectos que a assemelham com a jihad. Com efeito, durante vários séculos, as Cruzadas opuseram a cristandade e o mundo muçulmano pela posse de Jerusalém e dos lugares santos, posse que ainda hoje é mobilizadora nos intermináveis conflitos entre judeus e palestinos. GOMES, Francisco José Silva. A guerra santa, Cruzada e jihad na obra de Jean Flori. In: XI Encontro Regional de História (ANPUH). Conflitos e Idade Média. 20 out. 2004. Disponível em:. Acesso em: 18 dez. 2015.

The Bridgeman Art Library/Keystone/Biblioteca Nacional Austríaca, Viena, Áustria.

A expansão do comércio na Europa

Nesta iluminura italiana do final do século XIV, está representada uma loja de peixes. A atividade comercial vinha em crescente desenvolvimento desde o século XI.

218

Capítulo 8

A partir do século XI, diversas cidades europeias passaram a ser o entroncamento de rotas comerciais. Por esses caminhos passavam produtos de luxo originados do Oriente (que, mesmo em pequenas quantidades, rendiam elevados lucros) e sal. Depois, também produtos de consumo geral, como cereais e madeira. Dessas rotas, a do Mediterrâneo, antigo caminho das Cruzadas, logo se tornou a mais importante e lucrativa. Partia das cidades italianas de Gênova e Veneza e atingia centros comerciais do Mediterrâneo oriental. Essas cidades prosperaram muito, principalmente porque seus comerciantes praticamente conquistaram o monopólio sobre os produtos provenientes do Oriente, como sedas e especiarias. Paralelamente, desde o século XII organizavam-se no norte da Europa as hansas, ou associações de mercadores. Na Inglaterra, destacava-se a Merchants of the Staple (Mercadores do Empório, em tradução livre para o português), associação que controlava a venda de lã (seu mais forte produto) flamenga: região e a importação de produtos originária de Flan­ dres, atual Bélgica. oriundos da região flamenga.

Área de atuação da Liga Hanseática com as principais rotas comerciais da Baixa Idade Média. Observe o vínculo entre o desenvolvimento comercial e a urbanização.

A Liga Hanseática e as rotas comerciais

Goteborg

Newcastle Chester

OCEANO ATLÂNTICO

Banco de imagens/Arquivo da editora

Estocolmo Novgorod

ltico

Mar do Norte

ar Bá

Bergen

Riga

M

A união de diversas hansas, no norte da atual Alemanha, deu origem à Liga Hanseática, que reuniu cidades comercialmente poderosas, como Hamburgo, Brêmen, Lübeck, Rostock, para atuar no controle de todo o comércio dos mares do Norte e Báltico. Seus comerciantes traziam trigo e pescado, importantes para a população, que continuava a crescer, e madeiras, fundamentais para os empreendimentos de construção naval, além de outros produtos.

Copenhague Lübeck

Londres

Bremen Hamburgo

Winchester

Leipzig Wroclaw

Rouen

Provins

Paris

Troves Bar

Vladimir Colônia

Praga

Cracóvia

Basileia

Viena Zurique Milão Verona Asti Veneza Leão Gênova 40º N Florença St.-Gilles Mar Negro Zara Pisa Saragoça Narbona Siena Ragusa Lisboa Barcelona Toledo Roma Constantinopla Nápoles Bonifácio Córdoba Valência Bari Tessalônica Niceia Sevilha Cagliari Cádiz Granada Izmir Tebas Atenas Tânger Palermo Messina Malvásia Túnis ÁFRICA Santiago de Compostela

Bordeaux Bayonne

Lyon Cahors

5º L

Via marítima de Hansa de Veneza de Gênova cidades hanseáticas

principais feiras centros bancários estradas

M a r

Cândia

M

e d 0 i t e r r â n e o

395

790

km

Adaptado de: DI SACCO, Paolo (Coord.). Corso distoria antica e medievale. Milano: Edizioni Scolastiche Bruno Mondadori, 1997. p. 133.

Dessa forma, consolidavam-se dois polos comerciais na Europa da Baixa Idade Média: um italiano e outro germânico. A ligação desses dois polos se fazia por rotas terrestres que convergiam para as planícies de Champanhe, região no nordeste da França. Ali se realizavam grandes feiras, nas quais os comerciantes do norte encontravam os do sul, constituindo centros de articulação do crescente comércio europeu. O desenvolvimento comercial e as transações financeiras tornaram necessária a utilização em larga escala de moedas, o que gerou a introdução de letras de câmbio e o desenvolvimento de atividades bancárias em geral. A terra deixou de ser a única fonte de riqueza e, nesse contexto, surgiu um novo grupo social, o dos mercadores.

O florescimento urbano Ao longo das novas rotas comerciais, multiplicavam-se os burgos, isto é, as cidades. Eram, às vezes, antigas cidades romanas abandonadas, que foram reocupadas e voltavam a prosperar. Outras vezes, eram aglomerados que surgiam nas encruzilhadas de rotas comerciais terrestres, em regiões de feiras ou às margens de rios. Cercados de muralhas defensivas, os burgos tinham sua denominação derivada do germânico burgs para o latim burgu, que significa ‘pequena fortaleza’.

Havia também aglomerações formadas em torno de antigos castelos. Nesse caso, como se originavam em terras pertencentes a senhores feudais, que compunham a camada social dominante, ficavam submetidas a sua autoridade e, frequentemente, à cobrança de impostos. Com a expansão do comércio e da vida urbana, os habitantes dos burgos começaram a buscar autonomia. Isso deu origem ao movimento comunal, que, entre os séculos XI e XIII, lutava pela emancipação dos burgos do domínio feudal. Um burgo podia obter sua independência de forma pacífica, quase sempre mediante pagamento de uma indenização ao nobre ou bispo local. Porém, no caso de resistência dos senhores feudais, era necessário apoio externo, comumente por meio da intervenção do rei, que ganhava cada vez mais força. A autonomia dos burgos era formalizada pelas Cartas de Franquia. Esses documentos estabeleciam isenção de pedágios, direitos senhoriais e outras obrigações, autorizavam seus habitantes, os “burgueses”, a cobrar impostos e organizar tropas e concedia aos burgos independência administrativa e judiciária. letras de câmbio: ordens de pagamento; títulos que dão direito a um saque em dinheiro. pedágio: taxa em dinheiro cobrada pelo senhor feudal ao comerciante que precisava atravessar suas terras levando mercadorias. A formação da Europa

219

À medida que as cidades obtinham sua autonomia, as atividades mercantis tendiam a crescer, dando origem a instituições como as corporações (ou guildas) de mercadores e as de ofício. As corporações de mercadores tinham por objetivo agrupar os negociantes para garantir o monopólio do comércio. As hansas germânicas também podem ser consideradas corporações de mercadores. Já as corporações de ofício, mais antigas, eram associações que reuniam os trabalhadores (artesãos) de cada profissão. Elas exigiam exclusividade de produção de seus membros e definiam padrões de trabalho para garantir a qualidade dos produtos, além de procurar evitar a concorrência dentro do burgo. As corporações de ofício tinham uma organização fortemente hierarquizada. Eram controladas pelos mestres-artesãos, proprietários das oficinas (muitas vezes localizadas em suas casas), das ferramentas, das matérias-primas e do conhecimento técnico necessário à produção. Em cada oficina, abaixo do mestre estavam os companheiros ou oficiais jornaleiros, trabalhadores especializados, com ganhos estipulados pelo mestre. Por fim, vinham os aprendizes, que, em troca do trabalho, recebiam alimentação, alojamento, vestuário e o aprendizado que lhes possibilitaria eventualmente se transformar em oficiais e, mediante autorização da corporação do seu ofício, em mestres.

Fortaleza da cidadela de Carcassonne, França, 2015.

220

Capítulo 8

Dessa forma, e ao contrário do que ocorria nos feudos, havia certa mobilidade social na atividade artesanal. Ainda assim, essa mobilidade era muito reduzida – como a ascensão de um aprendiz, ou de um oficial, à função de mestre –, devido à dimensão do mercado urbano e ao controle da corporação exercido pelos mestres-artesãos. Apesar desse dinamismo urbano, havia uma limitação cultural, típica da época, que dificultava o desenvolvimento dos negócios. Essa limitação resultava do pensamento cristão com base na filosofia escolástica, que condenava o lucro e a prática da usura, considerados pecados capitais. Essa mentalidade influenciava as corporações de ofício ao defender o “justo preço”, pelo qual cada mercadoria deveria ser vendida pelo preço da matéria-prima

mobilidade social: situação na qual pessoas de um grupo social, geralmente mais baixo, podem ascender a grupos mais abastados. escolástica: corrente filosófica baseada no pensamento de Santo Tomás de Aquino, doutor da Igreja que viveu no século XIII. Tomás de Aquino procurou conciliar a filosofia do grego Aristóteles com a teologia cristã. Mais infor­ mações no Capítulo 9. usura: empréstimo em dinheiro pelo qual se cobram taxas de juros excessivas. Durante o período medieval, condena­ va­se a prática da usura porque o lucro não seria decorrente do trabalho.

Jerónimo Alba/Alamy/Latinstock.

The Granger Collection/Other Images

somado ao valor da mão de obra empregada. Ao rejeitar a possibilidade de lucro, ela inibia a acumulação de capital (dinheiro e outros bens) e a realização de novos investimentos na produção, criando assim um freio ao crescimento econômico. A despeito dessas limitações, o comércio expandia-se e as cidades cresciam. Entre os “burgueses”, destacou-se uma camada social formada por comerciantes e mestres-artesãos enriquecidos com as atividades comerciais e com a produção artesanal. Essa camada esteve na base do que passou a ser conhecido como burguesia, termo que já não designava os habitantes dos burgos. Essa burguesia medieval era completamente distinta da burguesia que se formaria nos séculos XVIII e XIX. Os mercadores, artesãos e banqueiros enriquecidos na época medieval tinham interesses específicos e diferentes daqueles da classe que geralmente desig-

namos pelo termo “burguesia”. As metas predominantes desse grupo medieval eram a busca da riqueza fundiária e a integração à nobreza, com a aquisição de terras (feudos) e títulos de cavaleiro. Quadro muito diferente dos burgueses capitalistas, cujo ganho nas atividades econômicas destina-se, em parte, ao reinvestimento de capital. A expansão do trabalho remunerado e da vida urbana, a possibilidade de lucros individuais (apesar das restrições religiosas) e de uma economia monetarizada dependente do comércio são fatores que nos permitem identificar, ao longo da Baixa Idade Média, transformações mais amplas das relações e estruturas sociais e econômicas, como veremos nos capítulos seguintes. economia monetarizada: economia que uti­ liza moeda em larga escala.

The Art Archive/Other Images/Museu do Louvre, Paris, França.

Nas comunas medievais, as duas principais fontes de riqueza eram os produtos do campo e do comércio. Paralelamente a essa atividade, foram ganhando força as atividades bancárias, como o câmbio de moedas e os empréstimos. Ao lado, em miniatura italiana do século XV, autoria desconhecida, artesãos recebem seus salários. Abaixo, um banqueiro e sua esposa representados em pintura de Quentin Metsys, século XIV.

A formação da Europa

221

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 1.

A partir do século III, expandiu-se no Império Romano uma transformação na distribuição da população, migrando das áreas urbanas para os campos. Comente o nome desse processo e explique como ele se desenvolveu.

2. Que efeito o processo de ruralização teve sobre a economia?

3. Cite as medidas tomadas por Carlos Magno no século VIII para assegurar a administração dos territórios mantidos sob domínio dos francos.

4. A Alta Idade Média caracterizou-se pela formação e consolidação do feudalismo, sistema que entraria em decadência a partir da Baixa Idade Média, quando as invasões dos povos bárbaros cessaram e novas técnicas agrícolas permitiram o aumento da produtividade no campo. Como o aumento da produtividade afetou o sistema feudal?

5. No século XI, territórios da Palestina considerados sagrados pelos cristãos – a chamada Terra Santa – estavam sob controle islâmico. Em 1095, o papa Urbano II convocou uma expedição militar formada pela nobreza católica para recuperar os territórios ocupados pelos muçulmanos. Até o século XIII, outras expedições com a mesma finalidade seriam convocadas. a) Por qual nome são conhecidas essas expedições? b) Além do caráter religioso, que outros interesses moviam essas expedições? c) Quais impactos essas expedições militares para o Oriente tiveram sobre o ocidente cristão? Explique.

6. O que foram os burgos, formados ao longo da Baixa Idade Média na Europa ocidental?

7. As corporações de ofício reuniam artesãos especializados, como sapateiros, tecelões e ferreiros, com o objetivo de regulamentar a profissão e suas atividades, garantir a qualidade da produção e evitar a concorrência entre oficinas de uma mesma especialidade dentro do burgo. Como eram organizadas essas corporações?

Pratique 8. No livro A Idade Média explicada aos meus filhos, o historiador francês Jacques Le Goff (1924-2014) é entrevistado sobre vários assuntos referentes ao período medieval. Leia abaixo um trecho selecionado da entrevista e, depois, responda ao que se pede. Entrevistador: Na Idade Média, todos os países da Europa eram cristãos e o chefe dos 222

Capítulo 8

cristãos era o papa, que morava em Roma. Mas será que as pessoas já tinham consciência dessa unidade? Le Goff: Mais ou menos a partir do século XI, os cristãos organizaram expedições em comum contra os muçulmanos, na Palestina, para reconquistar os “lugares santos” onde Cristo tinha morrido e ressuscitado. São as Cruzadas (elas aconteceram entre 1095 e 1291, data da queda da última resistência cristã na Palestina, São João D’Acre). Os homens e mulheres da Idade Média tiveram então o sentimento de pertencer a um mesmo grupo de instituições, de crenças e de hábitos: a cristandade. Mas é muito importante compreender o seguinte: contrariamente aos dois outros “monoteísmos”, judeu e muçulmano [...], os cristãos dividiam o poder exercido na terra entre, de um lado a Igreja (poder “espiritual”), e de outro os chefes leigos (o poder “temporal”); logo, entre o papa de um lado, os reis e imperadores do outro. Entrevistador: Por que os cristãos faziam essa distinção? Le Goff: Ela vem do livro sagrado dos cristãos, o Evangelho, no qual Jesus prescreve que se dê a Deus aquilo que lhe é de direito, e a César, isto é, aos chefes leigos, aquilo que lhe é de direito (o governo do país, o exército, os impostos, etc.). Essa distinção vai impedir que os europeus vindos do cristianismo atribuam todos os poderes a Deus e aos clérigos e vivam naquilo que chamamos de “teocracia” (países comandados por Deus). Ela permitirá que, a partir do século XIX, sejam fundadas as democracias (poder vindo do povo). LE GOFF, Jacques. A Idade Média explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p. 77-78.

a) Para Jacques Le Goff, qual era o elemento unificador dos reinos europeus? b) Que papel tiveram as Cruzadas na formação dessa unidade? c) Pensando no que disse o historiador, comente qual é a relação entre o monoteísmo cristão consolidado na Europa durante a Idade Média e o desenvolvimento das democracias modernas no século XIX. d) Na sua opinião, existe(m) hoje algum(alguns) elemento(s) que confira(m) unidade ao mundo ocidental? Argumente em defesa da sua ideia.

Manuel Cohen/AFP

Werner Forman Archive/Diomedia/ Museu Histórico do Estado, Estocolmo, Suécia

9. Entre os séculos VIII e XI, os vikings foram um dos últimos povos a invadir os territórios que no passado compuseram o Império Romano. Originários do extremo norte da Europa (onde hoje estão a Dinamarca, Noruega e Suécia), os vikings dedicavam-se à agricultura, ao artesanato e ao comércio marítimo, mas também eram exímios guerreiros e praticavam a pirataria e o saque como atividades econômicas. Embora contassem com um sistema de escrita, o rúnico, utilizavam-no para inscrições relativamente curtas e não deixaram narrativas expressivas sobre seus feitos. Com base nessas informações e seus conhecimentos, faça o que se pede:

a) Reúna-se com um ou mais colegas e, juntos, pesquisem em livros, revistas de História e sites sobre a arte viking. Identifiquem objetos característicos dessa civilização, analisem quais eram os materiais mais utilizados em suas confecções e os motivos decorativos típicos de suas obras. b) Observe com seus colegas as imagens a seguir. As figuras registram objetos de diferentes períodos e civilizações, sendo apenas dois deles exemplos da arte viking. Você consegue reconhecê-los? Em seu caderno, descreva os objetos identificados como pertencentes à cultura viking e elenque suas características mais marcantes, justificando suas escolhas.

Figura 1: Broche decorado com figuras humanas e animais encontrado na Suíça. Produzido entre os séculos IV e VIII.

Figura 2: Broche de ouro cravejado com pedras preciosas produzido no século VI.

Figura 3: Cabo de uma espada do século IX encontrado na Dinamarca.

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Museu Nacional do Bargello, Florença, Itália

Analise uma fonte primária

The Bridgeman Art Library/ Keystone Brasil/Schleswig-Holsteinischen Museum, Kiel, Alemanha

Figura 4: Pedra com gravações de símbolos militares e armadura de gladiador esculpida no século II a.C.

Figura 5: Estátua de mármore representando um par de cães da raça grayhound brincando. Itália, século II.

aterra. o, Londres, Ingl /Museu Britânic Alamy/Latinstock

A formação da Europa

223

Articule passado e presente 10. A notícia a seguir foi publicada no periódico O Estado de Minas, em 13 de maio de 2015. Leia-a e depois responda às questões.

Pressão da bancada evangélica desacelera novo Código Penal no Senado Um dos principais representantes dos parlamentares religiosos, Magno Malta cobrou publicamente uma maior discussão do novo código Por pressão principalmente da bancada evangélica, o Senado decidiu nesta quarta-feira, desacelerar a apreciação do novo Código Penal. A proposta, que visava a reformar o código de 1940, estava pronta para ser votada em plenário, mas os senadores aprovaram um requerimento para remeter o texto para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. A última versão do código, que começou a tramitar na Casa em 2012 a partir de um projeto do ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP), não mexia em tabus, como na legislação de aborto e eutanásia e na criminalização do consumo de drogas. Mas, desde o fim do ano passado, tem sofrido forte resistência dos evangélicos, que querem retardar a apreciação do projeto. O pedido para levar o texto para a CCJ foi apresentado pelos senadores Magno Malta (PR-ES) e Otto Alencar (PSD-BA). A justificativa deles é que o código não poderia ser votado sem a apreciação de um projeto de Otto Alencar, localizado na CCJ, que tipifica criminalmente a discriminação ou o preconceito de opção ou orientação sexual. “Estando em apreciação a reforma do Código Penal, em fase adiantada sua tramitação dispondo sobre uma reforma ampla do Código Penal Brasileiro, não vemos sentido, no que pese a oportuna apresentação pelo Senador Otto Alencar, do presente projeto, que o Senado aprecie separadamente, matérias correlatas e próprias a um código amplo”, alegaram os senadores, na justificativa ao requerimento.

224

Capítulo 8

Um dos principais representantes da bancada evangélica, Magno Malta cobrou publicamente uma maior discussão do novo código na terça-feira na CCJ, durante a sabatina do jurista Luiz Edson Fachin, indicado ao Supremo Tribunal Federal. Ele defendeu, por exemplo, o debate sobre a inclusão de um tipo penal sobre homofobia. “Você não aplaude, você é homofóbico. Se você não faz coro, você é homofóbico. O que é homofobia, afinal de contas?”, questionou. O novo código também eleva a pena de cadeia pelos crimes de corrupção e desvio de dinheiro público, pune com prisão quem comete caixa dois e o servidor ou político que se enriquece ilicitamente. Com a desaceleração da proposta, que contou com o apoio simbólico dos senadores, todo o projeto terá de passar pela CCJ, depois pelo plenário do Senado e, em seguida, pela Câmara dos Deputados. Antes mesmo da aprovação do requerimento para adiar a análise em plenário, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já havia concordado em remetê-lo para a CCJ. Ele destacou que o Código Penal é da década de 40, não contemplando muitos dos crimes com os quais a sociedade convive hoje. “É importante que tenha sua tramitação concluída no Senado, mas vamos possibilitar que ele seja discutido na CCJ. É muito importante que a CCJ participe dessa discussão e ajude o Senado a construir esse momento”, afirmou Renan, outrora um dos principais defensores da proposta. Disponível em: . Acesso em: 5 fev. 2016.

a) De acordo com a notícia, a bancada evangélica no Senado conseguiu atrasar a reformulação do novo Código Penal. Que interesse os representantes evangélicos têm nesse atraso? b) De acordo com o que estudamos, as democracias ocidentais se construíram a partir da fusão ou separação entre poderes temporal e espiritual? Explique. c) Em sua opinião, a atuação da bancada fere a laicidade do Estado? Justifique. d) Que benefícios e/ou prejuízos você imagina que a orientação religiosa no Congresso pode trazer para o país?

CAPÍTULO

9

Cultura, economia e sociedade medieval Igor do Vale/Futura Press

Movimentação de estudantes em frente ao campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp-SP), de Franca, 2015.

A Universidade de Colônia, na Alemanha, foi fundada em 1388. A vocação da instituição está descrita em um documento da seguinte maneira: “afastar as nuvens da ignorância, dissipar as trevas do erro, colocar atos e obras à luz da verdade, exaltar o nome de Deus e da fé católica [...], ser útil à comunidade e aos indivíduos, aumentar a felicidade dos homens” (VERGER, Jacques. Universidade. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do Ocidente Medieval. Tomo II. Bauru: Edusc, 2002. p. 587). Em sua opinião, essa proposta de vocação, elaborada na Idade Média, é válida para as universidades brasileiras de hoje? 225

1 Igreja cristã: predomínio na Idade Média O triunfo do cristianismo na fase final do Império Romano do Ocidente foi a base da religiosidade que marcou a Idade Média. A influência do cristianismo passou a afetar todas as esferas da vida cotidiana. Presentes em todos os níveis sociais, os membros do clero difundiam valores de subordinação: tanto espirituais (que significavam subordinação das pessoas ao próprio clero, que, no sentido religioso, protegia as “almas” da população) quanto aos senhores feudais (nobres, que protegiam os “corpos” da população fornecendo trabalho e abrigo). A ordenação do tempo, que dava ritmo ao dia a dia do mundo do trabalho e da produção material, artística e intelectual, também tinha fundamento religioso. O cotidiano era marcado pelos momentos de trabalho e de ócio, das festas, dos períodos de jejuns, das atividades profanas e de dedicação ao sagrado, por exemplo. O poder da Igreja, contudo, não estava restrito ao plano espiritual; era também temporal. Isso porque ela se tornou, pouco a pouco, a maior proprietária de terras da Idade Média e estabeleceu fortes vínculos com a estrutura feudal. Além dos territórios diretamente controlados pelo papa (o Patrimônio de São Pedro), o alto clero (formado por bispos, arcebispos e abades) e várias ordens religiosas possuíam muitos feudos. O celibato, estabelecido nos primeiros séculos do cristianismo, contribuía para a manutenção do patrimônio eclesiástico feudal, ao evitar a divisão entre possíveis herdeiros de integrantes do clero. O crescente apego de parte do clero aos bens materiais provocou reações dentro da própria Igreja. Surgiram, assim, ordens religiosas que procuravam afastar seus membros

das tentações do mundo por meio do isolamento em mosteiros e abadias, votos de castidade, pobreza e silêncio. Com o tempo, num mundo em que uma restrita minoria era alfabetizada, igrejas, mosteiros e abadias se converteram nos principais centros da cultura letrada, abrigando escolas e bibliotecas. Era lá que se preservavam e restauravam textos antigos da herança greco-romana. Apesar de todo o poder e influência da Igreja na sociedade, a estrutura da Igreja medieval encontrou dificuldade em manter a homogeneidade da doutrina cristã. Surgiram seitas, facções ou orientações que, embora fundadas em princípios cristãos, se opunham à doutrina oficial da Igreja. Essas dissidências eram chamadas de heresias. No combate a elas, o papa Inocêncio III (1198-1216) determinou que os hereges teriam seus bens confiscados, seriam excluídos de ocupações públicas e perderiam suas heranças. Seguiram-se a cruzada contra hereges (1208) e o Concílio de Latrão (1215), que exigiu a obediência dos príncipes cristãos anti-heresia e a condenação dos judeus. Em 1232, o papa Gregório IX instituiu a Inquisição pontifícia, órgão criado para tratar desses assuntos.

poder temporal: em oposição ao poder espiritual, o temporal refere-se ao mundo, à vida terrena. celibato: proibição de casamento imposta aos sacerdotes da Igreja católica.

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Onde e quando

Concílio de Latrão Século XI (até século XII)

Banco de imagens/Arquivo da editora

476

Santo Agostinho Teologia agostiniana Universidades Estilo românico

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

226

Capítulo 9

Instituição da Inquisição

Século 1208 XII

1225-1274 1215

1232

Surgimento da ideia de purgatório, estilo gótico e trovadorismo Cruzada contra hereges

Tomás de Aquino Tomismo (escolástica)

A Inquisição interrogava e julgava pessoas acusadas de serem hereges. Em seus processos, o órgão frequentemente utilizava métodos de tortura física. Muitas pessoas consideradas culpadas foram condenadas à morte na fogueira. A pedido do papa Alexandre IV, em torno de 1260, o órgão passou também a investigar e queimar pessoas acusadas de feitiçaria ou indivíduos auxiliados por poderes sobrenaturais, como curandeiros. Mais à frente, no século XV, a feitiçaria substituiu a heresia, e as bruxas tornaram-se os principais alvos da Inquisição. Ainda quanto à homogeneidade da Igreja cristã na Idade Média, outro polo de atrito relacionava-se à Igreja bizantina, considerada um fator de ameaça ao poderio

da Igreja com sede em Roma. Essa difícil relação culminou, como já apontamos, no Cisma do Oriente, em 1054, que resultou no surgimento da Igreja cristã ortodoxa. A palavra bruxa, ao que tudo indica, surgiu a partir do momento em que Tomás de Aquino (em sua Suma teol—gica, na segunda metade do século XIII), a define como sendo uma humana que fez o pacto com o Diabo. Dessa forma, a bruxa se torna uma personagem diabólica, e é então que se fixa sua iconografia mítica: uma mulher que viaja pelos ares montada em uma vassoura ou um bastão. LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo: Ed. da Unesp, 2015. p. 92.

2 A cultura da Idade MŽdia A ideia de que Deus estava no centro das reflexões A onisciência de Deus, ou seja, o conhecimento total que e decisões humanas, base da doutrina teocêntrica disDeus teria do presente, do passado e do futuro faria do seminada pelos agentes da Igreja, perdurou por toda a homem um ser predestinado, fosse à salvação, fosse à Idade Média europeia. No entanto, entre a Alta e a Baicondenação. xa Idade Média, as instituições e a mentalidade das Durante a Idade Média, apenas uma pequena parpessoas se transformaram, refletindo diretamente no cela da população europeia dominava a leitura. Isso fez campo das artes e da filosofia. com que as artes, principalmente a escultura e a pinNa Filosofia, um dos principais pensadores da Alta tura, fossem associadas a aspectos educativos da moIdade Média foi Santo Agostinho (354-430). Nascido no ral cristã. Muitas obras carregaram a temática bíblica, norte da África, Santo Agostinho foi um dos doutores da assim um número maior de pessoas poderia se instruir Igreja responsáveis pela síntese entre a filosofia clássica por meio de objetos artísticos. e o cristianismo. Entre suas obras destacam-se ConfisA arquitetura também refletia tal religiosidade e as sõeseCidade de Deus. igrejas passaram a ser os principais moReprodução/Museu de História da Arte, Viena, Áustria. Inspirado no filósofo grego numentos da época. Entre os séculos XI Platão, Santo Agostinho dedicoue XII, o estilo arquitetônico românico foi -se a conhecer a essência humana dominante. Ele era caracterizado por e preocupou-se com o modo de grandes edifícios maciços, com grossas alcançar a salvação da alma. Deparedes de sustentação e poucas janelas. finia o homem como um ser corO interior das igrejas românicas era esrompido, por ser herdeiro dopecuro e frio, mas suas grossas paredes cado original. criavam uma impressão de proteção. A Desse modo, a salvação sosimplicidade ornamental das construmente seria obtida pelo homem ções e o uso do arco romano, semicircupecador graças à intervenção divilar, eram outras características do estilo. na, na medida em que Deus incluía o perdão entre seus infinitos atriComo vimos, o trabalho dos monges copistas, butos. Ao homem restava apenas reclusos em mosteiros, garantiu a preservação de muitos manuscritos da Antiguidade a fé silenciosa em Deus e, conseclássica. Na Alta Idade Média, eles eram quentemente, a obediência ao praticamente os únicos com cultura letrada. clero. Nas palavras de Santo AgosAo lado, reprodução de relevo de marfim, de tinho, “a fé precede a razão”. São Gregório e outros copistas. Século IX. Cultura, economia e sociedade medieval

227

A influência cultural árabe

SCFotos - Stuart Crump Visuals/ Alamy/Latinstock.

Durante o período medieval, vastas regiões europeias ficaram sob domínio árabe, onde o islamismo era predominante. Essas localidades foram influenciadas pela cultura, pelos conhecimentos e pelos valores morais e filosóficos dos árabes. Aspectos da arquitetura, por exemplo, foram bastante influenciados pelos povos árabes que se estabeleceram naquelas regiões. Dentre os filósofos árabes neste vasto conjunto cultural, destaca-se o pensador islâmico Ibn Rochd (1126-1198), também conhecido como Averróis. Ele defendia a possibilidade de se harmonizar fé e razão e de reivindicar o desenvolvimento autônomo da Filosofia. Também se destaca a obra de Abu Hatim Alrazi, conhecido como Razi pelos povos latinos. Mesmo ten-

do vivido entre os séculos IX e X, Razi afirmava que os profetas eram impostores perigosos, os textos sagrados eram lendas que degradavam a inteligência e as religiões, fontes de guerras e embrutecimento mental. Já os palácios e mesquitas construídos na Espanha muçulmana, como a Mesquita de Córdoba e os palácios de Alhambra, em Granada, são exemplos de arquitetura, urbanismo e arte decorativa da civilização muçulmana moldada neste continente. Os árabes destacaram-se ainda em Astronomia, Medicina, Matemática e Física. A matemática moderna tem por base os algarismos que chamamos de arábicos – os quais, apesar de terem sido criados na Índia, foram divulgados pelos árabes. Outro destaque com influência na Europa cristã foram os bizantinos, já comentados no capítulo anterior.

Vista da Mesquita-catedral de Córdoba, na Espanha. Foto de 2014. Se an

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Interior da Mesquita-catedral de Córdoba, na Espanha. Foto de 2014.

3 O dinamismo cultural da Baixa Idade MŽdia Na Baixa Idade Média europeia, as transformações provocadas pela expansão comercial afetaram o domínio cultural exercido pela Igreja. O crescimento do comércio, a urbanização e o contato cada vez mais frequente com outros povos expuseram os europeus a novos valores, que acabaram afetando a subordinação da vida à “vontade divina”. O impulso das mudanças atingiu até 228

Capítulo 9

mesmo a Igreja: no imaginário sobre a vida após a morte, surgiu no século XII um terceiro lugar, entre o céu e o inferno: o purgatório (veja a seção Leituras na página seguinte). Com a dinâmica comercial, as cidades transformaram-se, aos poucos, em centros de onde irradiava uma cultura cada vez menos subordinada aos valores da Igreja.

No processo de expansão urbana, comercial e intelectual, destacam-se as universidades, que, a partir do século XII, se tornaram importantes centros de ensino, embora muitas ainda mantivessem sua estrutura original, geralmente concebida no reinado de Carlos Magno. Com a dinamização urbano-comercial, as antigas escolas monásticas e as catedrais, dedicadas basicamente ao estudo de textos religiosos, transformaram-se em centros de estudos mais amplos. A denominação universitas, inicialmente atribuída à coletividade urbana e aos trabalhadores de um ofício, logo designava também os trabalhadores intelectuais (alunos e professores) em alguns centros de estudos, que passaram a se chamar universidades. Constituída principalmente de membros da Igreja, a comunidade de alunos e professores passou

a receber também representantes da nobreza e dos novos grupos sociais emergentes das cidades. Nos centros de estudos, os cursos eram formados pelo trivium (Gramática, Retórica e Lógica) e pelo quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Após esses estudos iniciais, o aluno era encaminhado para as “artes liberais”, quando se preparava para exercer um ofício, ou então se especializava nas áreas de Teologia, Medicina ou Direito. As primeiras universidades surgiram com base nessa estrutura e se dedicavam a um estudo universal, como o próprio nome da instituição sugere. Entre as primeiras universidades europeias, estavam a de Bolonha (criada por volta de 1088), na atual Itália, Paris (criada por volta de 1170), na atual França, e a de Oxford (1167), na região que hoje compreende a Inglaterra.

Leituras Meu estudo sobre o purgatório me fez compreender que uma civilização se definia essencialmente por seu domínio do espaço e do tempo. A civilização medieval só podia se tornar poderosa estendendo até o além o domínio do espaço e do tempo sobre a Terra, cá embaixo. A civilização medieval repousava sobre a ausência de fronteira impermeável entre o natural e o sobrenatural. A eternidade que aboliria o espaço e o tempo era verdadeiramente jogada para fora da História.

O purgatório era visto como um lugar transitório para aquelas almas que deviam purgar seus pecados veniais antes de ir para o céu. Os clérigos poderiam conceder o perdão divino – indulgência – para certos mortos mediante pagamento, o que constituiu um intenso comércio a partir do século XIII. No texto a seguir, o historiador Jacques Le Goff comenta a influência que a criação do conceito de purgatório teve sobre o mundo medieval.

O purgatório e o poder da Igreja

purgar: pagar, limpar. veniais: pecados menores, passíveis de serem pagos por meio da confissão ou da passagem pelo purgatório; opõem-se aos pecados mortais, mais graves.

G. Dagli Orti/De Agostini Picture Library/The Bridgeman Art Library/Keystone/Museu de Arte de Villeneuve-Les-Avignon, Fran•a.

Essa espacialização do purgatório tinha consequências essenciais. Fazia crescer o poder da Igreja, cuja ajuda era necessária para diminuir a duração das temporadas num lugar, o purgatório, tão penoso quanto o inferno – com essa diferença de não ser eterno, mas de duração variável. Com a construção do purgatório, historicamente, o homem vivente dependia na Terra do direito de jurisdição da Igreja, o foro eclesiástico. O homem morto, por sua vez, estava na dependência única do foro divino. Mas com o purgatório, as almas (humanas, dotadas de uma espécie de corpo) dependem daí em diante do foro conjunto de Deus e da Igreja. A Igreja faz transbordar seu poder, seu dominium, para além da morte.

LE GOFF, Jacques. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 145-146.

Purgatório, detalhe de pintura em madeira da obra Coroação da Virgem, de Enguerrand Quarton, 1454.

Cultura, economia e sociedade medieval

229

Observe no mapa abaixo algumas universidades fundadas durante o período da Baixa Idade Média. O pensamento filosófico da Baixa Idade Média ainda era dominado pela religião, embora a teologia agostiniana da Alta Idade Média estivesse sendo substituída por uma nova concepção, a filosofia escolástica. Também conhecido como tomismo, esse conjunto de ideias tem suas bases no pensamento de São Tomás de Aquino (1225-1274). Professor na universidade de Paris e autor da Suma teológica, ele se inspirou no grego Aristóteles, desenvolvendo a tese de que o progresso humano não dependia apenas da vontade divina, mas também do esforço do indivíduo. Assim, o homem surgiria como um ser privilegiado, uma vez que, dotado de razão, estava preparado para assumir seu destino. São Tomás de Aquino procurava, dessa forma, conciliar fé e razão, refutando a ideia agostiniana de predestinação. Como ser racional, o homem teria plenas condições de encontrar o caminho da salvação, evitando o pecado por meio do livre-arbítrio (livre escolha). Cabia ao clero indicar o caminho correto da salvação a ser trilhado pelas pessoas. A realização de boas obras (boas ações, caridade, etc.) confirmaria a salvação.

A filosofia escolástica reprovava a ambição do ganho – o lucro e o empréstimo de dinheiro a juros. Essa postura, todavia, era incompatível com a expansão da atividade comercial, mas a própria Igreja obtinha lucros ao fazer empréstimos a juros, numa flagrante contradição com seu discurso. Foi nessa época também que o pensamento filosófico e teológico de Bernard de Chartres (c. 1130-1160) foi difundido. Chartres pertenceu ao centro de estudos filosóficos sediado na Catedral de Chartres e cunhou uma metáfora para indicar a valorização das obras da Antiguidade como referência para a construção da produção intelectual de sua época, antecipando-se ao que os italianos renascentistas fizeram a partir do século XIV. Leia abaixo a metáfora de Chartres. Somos anões sobre as costas de gigantes. Assim, vemos mais que eles, não porque nossa vista seja mais aguçada ou sejamos mais altos, mas porque eles nos carregam no ar e nos elevam com toda sua altura gigantesca. CHARTRES, Bernard de. In: LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo: Ed. da Unesp, 2015. p. 82.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Universidades da Baixa Idade MŽdia Uppsala Aberdeen

co

Glasgow Mar do Norte

Universidades

Oxford

Cambridge

Copenhague álti rB Ma Rostock

Streifswald

Frankfurt Colônia Louvain Mainz Cracóvia ATLÂNTICO Heidelberg Praga Paris Caen Tübing Trier Nantes Orléans Friburgo Viena Presburgo Bourges Angers Basileia Poitiers Besançon Valence Buda Grenoble Santiago de Bordeaux Vercelli Compostela Cahors Pécs Pávia Turim Orange Tolouse Valência Parma Reggio Montpellier Avignon Coimbra Bolonha Aix-en- Pisa Valladolid Huesca Perpignan -Provence Siena Salamanca Lérida Roma Ávila Barcelona Lisboa Alcalá de Henares Nápoles Salerno

OCEANO

40º N

Mar Negro

Sevilha 0

260 km

520

Mar Med

iterrâneo

Palermo Catânia

20º L

Adaptado de: BARBERIS, Carlo. Storia antica e medievale. Milano: Principato, 1997. v. 2. p. 632.

230

Capítulo 9

As artes na Baixa Idade MŽdia

Owen Franken/Corbis/Latinstock

A Arquitetura foi a maior expressão artística da Baixa Idade Média. Durante esse período, surgiu o estilo gótico, também denominado ogival. O gótico foi difundido a partir do século XII, em oposição ao estilo românico, que predominou até então. As catedrais góticas tinham um aspecto de leveza que as diferenciava das pesadas construções românicas. Eram verticalizadas, dotadas de torres altas que se projetavam em direção ao céu de forma imponente. Construídas com novas técnicas que permitiam edificações mais elevadas e paredes menos espessas, tinham grandes janelas, cobertas por vitrais multicoloridos que deixavam entrar a luz do dia. Durante a Idade Média, privilegiou-se o uso do latim em documentos escritos, ficando como língua do saber, conhecida pelo clero e pelas elites medievais. Entre os populares estavam as línguas dos povos cristianizados, que a partir do século XI originaram as primeiras obras escritas em línguas vulgares.

O trovadorismo inaugurou uma nova fase na poesia. Surgida no século XII, no sul da França, na região de Provença, a poesia trovadoresca, também denominada cortês, espalhou-se pela Europa. Como na literatura medieval predominante até então, os trovadores ainda exaltavam a cavalaria, mas o tema preferido era o amor. Esse gênero literário louvava a mulher amada, o refinamento, a cortesia e a galanteria. O trovadorismo e a poesia épica foram a base dos primeiros romances medievais, exemplificados pelo ciclo da Távola Redonda, que narra as aventuras do mítico rei Artur, da Inglaterra, e seus cavaleiros. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento cada vez maior das cidades favoreceu o surgimento dos fabliaux, um tipo de literatura urbana com versos satíricos que criticavam figuras sociais decadentes, como cavaleiros e membros do clero. Havia ainda os poetas goliardos, que se diziam discípulos do gigante bíblico Golias: provavelmente estudantes pobres das escolas religiosas que satirizavam o clero por meio de paródias. Suas atuações tinham um tom profano, irreverente e crítico em relação à sociedade e aos valores da época. No final da Idade Média, a literatura mostrava um afastamento ainda maior da influência absoluta dos valores religiosos e das normas estritas da Igreja. Emergiam novas preocupações e manifestações, uma renovação cultural com tons mais humanistas. Obras dessa época que merecem destaque são O romance da rosa (século XIII), de Guilherme de Lorris e João Menung, e A divina comédia (século XIV), do poeta florentino Dante Alighieri.

A verticalidade e os arcos cruzados em ponta ou ogivas caracterizam o gótico, estilo arquitetônico predominante na Europa ocidental a partir do século XII. Na foto de 2015, fachada da Catedral de Notre-Dame, em Paris, França.

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Biblioteca MonastŽrio do Escorial, Madri, Espanha.

Detalhe de gravura de grupo de trovadores datada do século XIII. Biblioteca do Mosteiro do Escorial, Madri, Espanha.

ogival:: referente à ogiva, figura arquitetônica composta de dois arcos que se cortam. línguas vulgares:: idiomas falados pelo povo, em oposição à língua culta, o latim. paródias:: imitações cômicas de pessoas, situações ou obras literárias. Cultura, economia e sociedade medieval

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Uma das manifestações culturais mais comuns da Idade Média foram as canções de gesta, poemas épicos que narravam grandes feitos. As lendas criadas em torno de Carlos Magno e seus cavaleiros foram tema de muitas dessas canções. A canção de Rolando é um exemplo desse tipo de literatura. Ela faz parte de A vida de Carlos Magno, obra escrita por Eginhardo (770-814) pouco antes da metade do século IX. O poema descreve a derrota dos francos para os muçulmanos na Batalha de Roncevaux, ocorrida na região dos Pireneus (montanhas na fronteira da França com a Espanha), em 778.

De Agostini Picture Library/A. Dagli Orti/The Bridgeman/Keystone

A canção de Rolando

Trovador em iluminura do Codice Manesse, século XIII.

A história

Cantigas de Santa Maria, do século XIII, de provável autoria do rei Afonso X, o Sábio. Grupo de trovadores, iluminura que compõe a obra.

A traição Sentindo-se ameaçado, Ganelão resolve trair Rolando e propõe um acordo com o rei muçulmano Marsílio, que, segundo o plano, faria um pacto de paz com Carlos Magno, mas depois da retirada de grande parte das forças francas, ele atacaria a retaguarda do exército. O ataque resultou em combates violentos e, antes do retorno das tropas de Carlos Magno, todos os soldados francos foram mortos, entre eles Rolando.

232

Capítulo 9

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Biblioteca Monastério do Escorial, Madri, Espanha.

No poema, Carlos Magno recebe a visita de emissários do rei muçulmano Marsílio, cujo exército ocupava Saragoza, na atual Espanha. O objetivo do encontro é a proposta de um acordo de paz. Rolando, sobrinho do rei, pede cautela, mas Carlos Magno, influenciado por Ganelão, padrasto de Rolando, aceita o trato. Ganelão é indicado por Rolando, seu enteado, para levar a notícia ao rei muçulmano.

Curiosidades Existem muitas curiosidades em torno de A canção de Rolando. Primeiro, não se sabe se Rolando de fato existiu. Segundo, alguns fatos históricos a que ela se refere foram adaptados. Por exemplo, a Batalha de Roncevaux foi travada contra os bascos e não contra os muçulmanos, como descrito na canção. Além disso, Carlos Magno não conquistou a região de Saragoza como parte de sua vingança, conforme afirma o poeta no final da narrativa. Essas alterações provavelmente estão relacionadas ao contexto histórico da época em que A canção de Rolando foi escrita, período em que tinham início as lutas entre cristãos e muçulmanos, no tempo do movimento cruzadista. The Granger Collection/Fotoarena/Kantonsbibliothek, St Gallen, Suíça. Na canção, as relações entre nobres cavaleiros, tipicamente feudais, são exaltadas. Tais relações não existiam na época de Carlos Magno. Percebe-se, portanto, que o poema fazia parte do imaginário mítico medieval e foi produzido para celebrar o heroísmo de Carlos Magno e exaltar o povo francês.

Iluminura de 1462 que representa a Batalha de Roncevaux narrada, tema central de A canção de Rolando.

Bridgeman Images/Keystone Brasil/Biblioteca Marciana, Veneza, Itália.

Obediência ao soberano, fidelidade, coragem, bravura e apelo à luta contra os infiéis (como eram chamados os muçulmanos) permeiam a narrativa de A canção de Rolando. Com exceção de Ganelão, símbolo da infidelidade, os nobres são representados como modelos de moralidade e honra dos guerreiros, valores que enalteciam a imagem da nobreza e a preservação da ordem estabelecida durante a Idade Média.

Iluminura ilustrando a morte de Rolando, datada do século XIV.

Cultura, economia e sociedade medieval

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Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 1.

Durante a Idade Média, a Igreja foi a única instituição que manteve unidade na Europa ocidental. Que esferas da vida dos fiéis eram afetadas pelo seu poder?

2. A Inquisição foi um tribunal religioso criado no período medieval para combater as heresias. Com o tempo, foi usada para identificar, perseguir e punir também outras práticas religiosas condenadas pela Igreja. Cite outros alvos do órgão, além dos hereges.

3. Apesar de o pensador medieval Santo Agostinho ter partido das reflexões feitas pelo filósofo pagão Platão, sua obra foi marcada pela mentalidade própria de seu tempo. Releia suas principais ideias no texto “A cultura da Idade Média” (página 227) e explique por que o pensamento agostiniano é considerado teocêntrico.

4. De que maneira o desenvolvimento das universidades reflete as transformações que afetaram a economia da Europa ocidental durante a Baixa Idade Média?

5. Em que aspectos o conjunto de ideias de Santo Agostinho difere do pensamento de São Tomás de Aquino?

Pratique 6. O escritor italiano Umberto Eco é autor de O nome da rosa, um importante romance histórico ambientado na Idade Média. O livro, lançado em 1980, trata das investigações realizadas por um frade franciscano para decifrar a causa da série de mortes misteriosas que ocorre num mosteiro italiano. No trecho a seguir, Eco narra o primeiro contato do frei Guilherme de Baskerville com a biblioteca do local.

[...] Antiquários, livreiros, rubricadores e estudiosos estavam sentados cada um à própria mesa, uma mesa embaixo de cada uma das janelas. E uma vez que eram quarenta as janelas [...], quarenta monges poderiam trabalhar em uníssono, embora naquele momento houvesse apenas uns trinta. [...]. Os lugares mais iluminados eram reservados aos antiquários, miniaturistas mais habilidosos, aos rubricadores e aos copistas. Cada mesa tinha todo o necessário para miniaturar e copiar: chifres de tinta, penas finas que alguns monges estavam afinando com uma faca afiada, pedras-pome para deixar liso o pergaminho, réguas para traçar linhas sobre as quais seria estendida a escritura. Junto a

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Capítulo 9

cada escriba, ou no topo do plano inclinado de cada mesa, ficava uma estante, sobre a qual apoiava o códice a ser copiado, a página coberta por moldes que enquadravam a linha que era transcrita no momento. E alguns tinham tintas de ouro e de outras cores. Outros, porém, estavam apenas lendo livros, e transcreviam apontamentos em seus cadernos particulares ou tabuletas. [...] O bibliotecário nos apresentou a muitos dos monges que estavam trabalhando naquele momento. De cada um Malaquias nos disse também o trabalho que estava realizando e em todos admirei a profunda devoção ao saber e ao estudo da palavra divina. Conheci assim Venâncio de Salvemec, tradutor do grego e do árabe, devoto daquele Aristóteles que sem dúvida foi o mais sábio de todos os homens. Bêncio de Upsala, um jovem monge escandinavo que se ocupava de retórica. Berengário de Arundel, o ajudante bibliotecário. Aymaro de Alexandria, que estava copiando obras que somente por poucos meses estavam emprestadas à biblioteca, e depois um grupo de miniaturistas de vários países, Patrício de Clonmacnois, Rabán de Toledo, Magnus de Iona, Waldo de Hereford. [...] Meu mestre começou a conversar com Malaquias louvando a beleza e a operosidade do scriptorium e pedindo-lhe notícias sobre o andamento do trabalho que ali se cumpria porque, disse com muita sagacidade, tinha ouvido falar por toda parte daquela biblioteca e gostaria de examinar muitos dos livros. Malaquias explicou-lhe o que lhe dissera o Abade, que o monge pedia ao bibliotecário a obra para a consulta e este iria buscá-la na biblioteca superior, se a requisição fosse justa e pia. [...] ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. p. 92-94.

a) Com base no trecho da obra de Umberto Eco, explique por que os livros eram itens tão raros e caros na Idade Média ocidental. b) O trecho corrobora a ideia de que a Idade Média foi um período de obscurantismo e imobilidade intelectual? Justifique. c) O texto de Umberto Eco descreve a hegemonia da Igreja sobre o pensamento medieval. Em que trecho do excerto isso é evidente? Justifique.

4 Senhores e servos mantinha os trabalhadores (servos, ou vilãos) presos à terra e subordinados a obrigações em impostos feudais e serviços.

A estrutura econômica, social, política e cultural que predominou na Europa ocidental durante a Idade Média, em substituição ao escravismo romano, foi o feudalismo. É importante ressaltar que esse não foi um sistema imóvel e estagnado. Ao contrário, formou-se durante a Alta Idade Média (século V ao X) e mostrou seu dinamismo principalmente a partir do início da Baixa Idade Média (século XI ao XV), com o desenvolvimento das cidades e das atividades artesanais e comerciais. Vale lembrar ainda que as características do feudalismo variaram de região para região e de época para época. Ao mesmo tempo, muçulmanos e bizantinos tiveram outras formas de organização social e econômica. Do ponto de vista econômico, o sistema feudal era caracterizado, em sua formação, pelo predomínio da produção para consumo local, comércio reduzido ou quase inexistente e baixa utilização de moedas. O feudo, unidade de produção agrária, pertencia a uma camada de senhores feudais, que eram nobres guerreiros ou membros do alto clero. O trabalho na sociedade feudal estava baseado na servidão, relação que

O termo vil‹o, que de início não é pejorativo, é sem dúvida o mais adequado, em primeiro lugar porque a noção moderna de “camponês” não tem equivalente nas concepções medievais. Nelas, os homens rurais não eram definidos por suas atividades (o trabalho na terra), mas pelo termo vilão, que abrange todos os aldeãos [habitantes da aldeia], seja qual for sua atividade (aí incluídos os artesãos), e que indica essencialmente residência local. Ele também não designa um estatuto jurídico (livre/não livre), questão que parece relativamente secundária. A base fundamental dessa relação social é antes de tudo de ordem espacial: ela designa todos os habitantes de um senhorio, os vilãos (ou, se quisermos, aldeãos) que sofrem a dominação do senhor do lugar. BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. p. 128. Kazuhiko Yoshikawa/Arquivo da editora

Esquema de rotação de culturas, em três campos, que propiciava cultivos diferentes e o descanso a cada dois anos de cultivo, chamado de pousio.

campo 3 B T H A C G T B

J H A J C B F H D

M

C H

campo 1

A

campo 2

D

1º- ano

2º- ano

3º- ano

campo 1

cevada

pousio

trigo

campo 2

trigo

cevada

pousio

campo 3

pousio

trigo

cevada

Note que todos os campos estão divididos em faixas, cultivadas por diferentes servos: cada letra identifica um deles. Por exemplo, o servo A cultiva uma faixa no campo 1, uma no campo 2 e outra no campo 3.

A colheita do vinho, gravura datada de c. 1515, de autoria desconhecida. Biblioteca Marciana, Veneza, Itália. Cultura, economia e sociedade medieval

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Assim, havia na sociedade feudal dois grupos principais – senhores e servos. Os servos constituíam a maioria da população. Entretanto, além desse quadro geral, e dependendo da região e da época, a condição dos servos podia variar: havia desde aqueles mais subordinados à servidão e submissos às tributações, até alguns com um pouco mais de liberdade, ou mesmo isentos de algumas obrigações.

A exploração do trabalho servil era legitimada pela Igreja. Para ela, cada membro da sociedade tinha funções a cumprir em sua passagem pela Terra, o que disseminava uma mentalidade favorável à condição subordinada dos servos. Segundo essa mentalidade, era função do servo trabalhar, do clérigo rezar, e do nobre proteger militarmente a sociedade.

Leituras O texto a seguir fala detalhadamente sobre os tributos que os camponeses pagavam a seus senhores ao longo de um ano. Além disso, o texto traz uma interessante descrição da típica propriedade feudal.

A vida dos servos

Reprodução/Biblioteca Britânica, Londres, Inglaterra.

Os tributos anuais pagos por um camponês francês chamado Guichard – que viveu na Borgonha [atual França], não longe das propriedades do bispo de Mâcon – eram típicos desses acordos. A cada Páscoa, ele dava ao cônego Étienne, seu senhor, um cordeiro; na estação do feno, devia-lhe seis peças de dinheiro. Quando chegava a época da colheita, Guichard era obrigado a dar uma medida generosa de aveia, bem como se reunir com outros camponeses para oferecer um banquete ao cônego. Na colheita da uva, Guichard pagava nova quantia em dinheiro, além de três pães e um pouco de vinho. Estava livre de obrigações durante os magros meses de inverno até o início da quaresma, quando o senhor aguardava um capão [frango cevado ou cavalo castrado]. Na metade desse período de penitência, devia mais seis peças de dinheiro, e logo depois chegava o momento de sacrificar o cordeiro da Páscoa e recomeçar todo o ciclo. [...]

A herdade [grande propriedade rural] feudal típica – a casa e as terras do senhor – era um mundo autossuficiente. Tinha sua própria igreja, seu moinho, uma cervejaria e uma padaria centrais, possivelmente uma taverna. Os campos eram divididos entre os lotes dos camponeses e o terreno pessoal do senhor. As cabanas dos camponeses geralmente ficavam agrupadas numa aldeia próxima da fonte de água; uma grande herdade podia conter várias aldeias. O senhor tinha seus próprios celeiros e estábulos, que geralmente ficavam perto de sua moradia ou castelo; seus arrendatários dividiam amiúde suas cabanas com uma vaca ou cabra da família e, com exceção dos mais pobres, todos tinham um porco. De uma geração para outra, o cenário rural dificilmente se alterava. O século VIII trouxera para a Europa os moinhos d’água, arados mais fundos e eficientes e o ciclo de três anos de plantações – trigo, depois aveia ou cevada, depois repouso – que alimentava homens e animais e permitia que a terra recuperasse sua fertilidade. [...]

Colheita representada em iluminura medieval. Inglaterra, século XIV.

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Capítulo 9

CAMPANHAS sagradas: 1100-1200. Rio de Janeiro: Time-Life/Cidade Cultural, 1990. p. 31-32. (História em Revista).

Opressão e desprezo aos de baixo A evolução da língua traduz com perfeição a carga de desprezo que oprime o campesinato: não ser nobre corresponde a ser ignóbil (ignobilis), e o vilão (etimologicamente um habitante da vila, da aldeia) é por definição um ser grosseiro, do qual não se pode esperar nada além da vilania. Nessas condições, não faz sentido reconhecer a qualidade de homens livres a tais criaturas. BONNASSIE, Pierre. Liberdade e servidão. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do Ocidente medieval. Bauru/São Paulo: Edusc/Imprensa Oficial do Estado, 2002. v. 2. p. 71.

The Brideman Art Library/Keystone Brasil/Arquivo da Coroa de Arag‹o, Barcelona, Espanha.

Os senhores feudais, por sua vez, estabeleciam entre si relações de suserania e vassalagem. Isso ocorria, por exemplo, quando um nobre doava terras a outro nobre, em troca de ajuda em guerras e outras obrigações, como tributos. O senhor que doava o feudo tornava-se suserano, comprometendo-se a proteger militarmente o nobre que recebera a terra e que, convertido em vassalo, era obrigado, principalmente, a prestar ajuda militar ao primeiro. Um suserano poderia ter diversos vassalos, e cada vassalo outros tantos, de forma que diversos senhores feudais de uma região assumiam um compromisso mútuo de defesa. Também ocorria de um nobre tornar-se suserano não por doar terras, mas por fazer outros tipos de concessão: ceder ao vassalo o direito de explorar pedágios em pontes ou estradas, ou de recolher taxas numa aldeia ou região. Uma cerimônia, denominada homenagem, era realizada para marcar essa relação de dependência. Na cerimônia, o senhor que recebia o benefício – por exemplo, a concessão de uma área territorial – fazia um juramento de fidelidade diante de uma relíquia religiosa ou perante os evangelhos. Eram relações em forma de pirâmide: em sua base estavam os senhores feudais menos poderosos e ricos que eram somente vassalos; no meio estavam nobres vassalos que também eram suseranos de outros nobres; no topo, estava o rei. Entretanto, um rei podia ser vassalo de outro rei. Os feudos eram governados pelo senhor feudal, cuja autoridade era inquestionável nos limites do feudo. Era ele quem cobrava os impostos e aplicava a justiça. Não havia Estados centralizados. Nos feudos, a autoridade do rei era de menor importância, embora ele fosse considerado o primeiro entre os senhores feudais. O poder político, portanto, estava fragmentado em cada reino entre diversos feudos. Ao mesmo tempo, os reis feudais não se caracterizavam por suas funções políticas e administrativas, mas principalmente pelas militares. No caso de agressão externa, como era comum durante a Alta Idade Média, o rei atuava como chefe militar de um exército formado por centenas de nobres e seus cavaleiros e tropas auxiliares. Esse era, no entanto, um universo predominantemente masculino. Veja na seção Para saber mais, na próxima página, como era a vida de muitas mulheres durante o período medieval.

Um suserano e seu vassalo em gravura do século XII. Cultura, economia e sociedade medieval

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A mulher na Idade Média A sociedade medieval era marcada pela hierarquia entre as ordens (grupos sociais). Isso ocorria também na distinção entre homens e mulheres. As funções femininas variavam de acordo com o grupo social a que pertenciam. Grande parte da literatura medieval optava por demonstrar as deficiências femininas em relação aos homens. Os religiosos, por abdicarem em tese do contato sexual com mulheres, alimentavam uma visão ainda mais negativa sobre elas. De acordo com escritos dos clérigos, as mulheres eram naturalmente propensas à luxúria e incapazes de orientar-se pela voz da razão, o que as tornava presas fáceis das tentações. Pelo olhar religioso, elas tendiam sempre a reproduzir o pecado original: sempre prontas a seduzir os homens e causar sua ruína. Por isso, a Igreja aconselhava os homens a manter sua esposa sob vigilância constante e assegurar sua obediência. Uma mulher insubmissa colocava em risco não só a família, mas toda a ordem social. Além disso, segundo Jacques Le Goff, “a bruxaria [era] um fenômeno essencialmente feminino”*. Como vimos, as pessoas acusadas de praticar bruxaria foram julgadas e, muitas vezes, condenadas pela Inquisição. Nem mesmo a glorificação da Virgem Maria a partir do século XII, elevada muito acima das outras mulheres, e a idealização da dama do amor cortesão, a inacessível amada dos poetas medievais, reverteram a depreciação feminina. Apesar disso, houve inúmeros exemplos de mulheres na dianteira ao longo da Idade Média. Elas administravam seus lares, ofícios, negócios variados e mesmo feudos, especialmente durante a minoridade dos herdeiros, além da posição de liderança em enfrentamentos cotidianos e mesmo na Corte, até mesmo em situações de guerra. Também havia monjas, mulheres religiosas que viviam em mosteiros femininos e que se dedicavam à leitura, à escrita e a outras atividades culturais. Nesses espaços, exerciam funções como bibliotecárias, professoras, copistas e artistas. Cerca de 460 mulheres em diferentes regiões da Europa foram canonizadas pela Igreja durante a Idade Média e conquistaram o status de santas. No extremo oposto, estavam as prostitutas, “donas de casarão”, que, na visão do clero, viviam afastadas da espiritualidade medieval. A despeito da má reputação, a mulher desempenhava uma função central nos acordos entre as casas * LE GOFF, Jacques. A história deve ser dividida em pedaços? São Paulo: Ed. da Unesp, 2015. p. 92.

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Capítulo 9

aristocráticas. Por meio de enlaces matrimoniais, as famílias selavam a paz, asseguravam a perpetuação da linhagem e a transmissão das posses e dos privilégios aos descendentes. Em contrapartida, o fracasso da união poderia desencadear guerras e romper as delicadas teias de lealdade entre as famílias nobres. Por isso, a escolha de um esposo para uma jovem era assunto dos mais graves. Era o pai ou outra autoridade masculina da família que decidia sobre a questão, desprezando-se a opinião da mulher. Nem a exigência da Igreja para que os casamentos só fossem feitos com o consentimento dos noivos foi capaz de impedir que as moças casassem a contragosto. A necessidade de garantir a legitimidade dos herdeiros impôs mecanismos cada vez mais rigorosos de controle sobre o corpo feminino. Para impedir que as mulheres mantivessem algum tipo de relação sexual antes do casamento, elas eram encaminhadas precocemente às núpcias. Assim, meninas de 12 ou 13 anos tornavam-se esposas de homens 15 ou 20 anos mais velhos. Confinadas ao lar, as mulheres deveriam mostrar obediência, mansidão e dedicação aos assuntos domésticos, como o preparo dos alimentos, a vigilância sobre os empregados e a criação dos filhos. Havia grande cobrança em relação à maternidade, de modo que se esperava que a jovem engravidasse o mais cedo possível depois de casada. A esterilidade era mal vista e a mulher incapaz de gerar filhos corria o risco de ser repudiada pelo marido e posta à margem da sociedade. Ser mãe era a principal obrigação feminina e boa parte da vida adulta das mulheres da aristocracia era ocupada pela gravidez. Em geral, antes de completar 40 anos, uma nobre colocava no mundo mais de uma dezena de filhos. No entanto, como resultado da altíssima mortalidade infantil, poucos eram os casais que, ao falecer, tinham mais de 2 ou 3 filhos ainda vivos. pecado original: explicação cristã para a origem do mal e da imperfeição humana. Segundo essa explicação, Adão e Eva não deveriam comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Porém, ambos foram instigados por uma serpente e comeram o fruto proibido. Consequentemente, foram expulsos do Jardim do Éden.

Biblioteca Britânica/The Bridgeman/Keystone

Para saber mais

Detalhe de iluminura integrante da obra De Claris Mulieribus,, coleção de biografias de mulheres notáveis escritas por Giovanni Boccaccio entre 1361 e 1362.

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O islamismo significou, para os árabes, a unificação de diversas tribos e a realização de seu ímpeto expansionista de caráter religioso e econômico-comercial. No século VIII, o Império Islâmico estendia-se do rio Indo até a penínsuA expansão muçulmana na península Ibérica (século VII–século VIII) la Ibérica, incluindo o norte da África e regiões do sul da 30º L Expansão muçulmana Europa, como Córsega e SiÁrea cristã no século VIII (Astúrias) cília. Seu período de expanÁrea muçulmana no século VIII são (do século VII ao VIII) OCEANO ÁSIA EUROPA corresponde a formas de ATLÂNTICO organização social, política e Oviedo Mar Negro Saragoza econômica contrárias às do Toledo Valência Lisboa feudalismo: em vez de fragCórdoba Sevilha Mar Med mentação em feudos, unifiiterrâ neo cação de tribos por meio de 30º N um império dirigido pelos califas; expansão comercial da Ar em vez de fechamento ecoáb ia ÁFRICA nômico. Séculos depois, o OCEANO Império Islâmico enfrentou 0 710 1 420 ÍNDICO km sua própria fragmentação, Adaptado de: HAYWOOD, John. Atlas histórico do mundo. Colônia: Konimann, 1999. p. 80-81. com a formação não de feudos, mas de califados independentes. Os reinos de Portugal e Espanha, surgidos apenas nos séculos XII e XV, respectivamente, não foram precedidos por feudos nos moldes descritos até aqui na Idade Média europeia, mas pela dominação muçulmana – que demonstrava tolerância e acolhia judeus e cristãos, desde que afinados com os objetivos políticos e econômicos do califado. No Império Bizantino, como vimos, o enfraquecimento do poder imperial, os ataques externos e o constante confronto com os muçulmanos em suas fronteiras provocaram sua desagregação. Dessa forma, o antigo Império Romano do Oriente acabou por desaparecer em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos. Em seu lugar, ergueu-se o Império Turco Otomano, que abarcaria regiões ainda mais extensas e se estenderia até o século XX.

Banco de imagens/Arquivo da editora

5 Na contramão da Europa feudal

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Cultura, economia e sociedade medieval

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Akg-images/Latinstock/Biblioteca Britânica, Londres, Inglaterra

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Detalhe de iluminura do século XIII que representa o poeta árabe Abu Muhammed al-Kasim (1054-1121) no caminho entre Bagdá e Meca.

Pontos de vista Jacques Le Goff foi um dos maiores historiadores franceses do século XX e um dos mais importantes especialistas em história medieval. Publicou diversos livros sobre o tema, entre eles, Mercadores e banqueiros na Idade Média (São Paulo: Martins Fontes, 1991), Os Intelectuais na Idade Média (Rio de Janeiro, José Olympio, 2006) e A Idade Média e o dinheiro (Rio de Janeiro: Record, 2013). Suas pesquisas marcaram profundamente os estudos históricos das últimas décadas, em diversos aspectos. Nesta seção, vamos destacar três desses aspectos: Uma longa Idade Média Como vimos, Le Goff discorda da periodização mais conhecida que identifica o surgimento dos tempos modernos com a conquista da América e o Renascimento italiano. Para ele, o mundo medieval não acabou no século XV. Ele afirma que a Idade Média se prolongaria até o século XVIII, tendo em vista a permanência de certas características econômicas e de práticas sociais. Leia abaixo um trecho do livro Uma longa Idade Média:

[…] as mudanças não se dão jamais de golpe, simultaneamente em todos os setores e em todos os lugares. Eis porque falei de uma longa Idade Média, uma Idade Média que – em certos aspectos de nossa civilização – perdura ainda e, às vezes, desabrocha bem depois das datas oficiais. O mesmo se pode dizer em relação à economia, não se pode falar de mercado antes do século XVIII. A economia rural só consegue fazer desaparecer a fome no século XIX (salvo na Rússia). O vocabulário da política e da economia só muda definitivamente – sinal de mudança das instituições, dos modos de produção e das mentalidades que correspondem a essas alterações – com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 66.

pelo catolicismo. No século XVIII, os filósofos iluministas reforçaram essa ideia, pois isso caracterizava um contraste importante entre a filosofia das Luzes (racional, humanista) e as “trevas medievais”. Jacques Le Goff combateu esse imaginário: destacou os avanços técnicos, a transformação da filosofia e os conhecimentos científicos produzidos durante a Idade Média. O trecho a seguir foi extraído do livro Para um novo conceito de Idade Média.

Esta longa Idade Média é, para mim, o contrário do hiato que os humanistas do Renascimento viram e, salvo raras exceções, também os homens do Iluminismo. Este é o momento da criação da sociedade moderna, de uma civilização moribunda ou morta sob as formas camponesas tradicionais, no entanto viva pelo que ela criou de essencial nas nossas estruturas sociais e mentais. Ela criou a cidade, a nação, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro, o garfo, o vestuário, a pessoa, a consciência e, finalmente, a revolução. Entre o neolítico e as revoluções industriais e políticas dos últimos dois séculos, ela é – pelo menos para as sociedades ocidentais – não uma cunha ou uma ponte, mas um grande impulso criador – cortado por crises, graduado por deslocamentos de acordo com as regiões, as categorias sociais, os setores da atividade, diversificada nos seus processos. LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Estampa, 1979. p. 12.

Jacques Le Goff

Ulf Andersen/Getty Images

A Idade Média segundo Jacques Le Goff

Nascimento: 1924, Toulouse, França. Morte: 2014, Paris, França. Formação: Historiador

Não era a “idade das trevas” Nos filmes estadunidenses é muito comum que a Idade Média seja retratada como um período sombrio, de pestes e fome, marcado pelo controle da Igreja e pela violência dos senhores feudais contra os camponeses. Esse imaginário surgiu durante o Renascimento, quando o humanista Francesco Petrarca (1304-1374) descreveu o período medieval como uma “era de trevas”, dominada

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Capítulo 9

Profissão: professor universitário, pesquisador e diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, localizada na França.

O historiador Jacques Le Goff. Paris, França, 2004.

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/ Museu Cívico, Bolonha, Itália

O papel das cidades Muitos historiadores consideravam que, na Idade Média, as cidades e o comércio praticamente desapareceram, tendo em vista a concentração das atividades econômicas nos feudos que eram considerados quase “autossuficientes”. Contrário a essa concepção, Le Goff pesquisou mercadores e centros urbanos e identificou que eles tiveram papel fundamental na sociedade medieval. No livro Por amor às cidades, ele analisou pinturas e iluminuras sobre o espaço urbano produzidas durante a Idade Média e comparou-as com fotografias contemporâneas. As imagens a seguir, extraídas desse livro, apontam semelhanças e diferenças entre o mercado medieval e as feiras e mercados urbanos atuais. O mercado intramuros é instalado perto da porta por onde chega o abastecimento. Lojas e açougues testemunham a influência da arquitetura urbana sobre os estabelecimentos econômicos. Vista do mercado da porta de Ravena, em Bolonha. LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Ed. da Unesp, 1998. p. 34.

O mercado anima regularmente as praças urbanas e permanece o lugar dos bons negócios, como aqui ao pé do Temple Neuf, em Metz. Na cidade moderna, ele muitas vezes conservou sua localização central, perto de uma igreja. Iluminura extraída de um manuscrito italiano, século XV. Bolonha, Museu Cívico.

Valeri Potapova/Shutterstock

LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Ed. da Unesp, 1998. p. 35.

Praça do mercado, em Bruges, Bélgica. A praça se encontra no centro da cidade. Foto de 2015.

Cultura, economia e sociedade medieval

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6 Chineses e árabes à frente dos europeus

Yi Lu/Corbis/Latinstock

tipos móveis: processo de impressão baseado no encaixe de letras (“tipos”) de madeira ou chumbo numa tábua, formando palavras e frases; agilizou a produção de documentos, livros e jornais, antes copiados manualmente, um a um.

Bússola chinesa do século II a.C.

Iluminura representando o Palácio de Kublai Khan, em Pequim, China. A ilustração se encontra em uma edição de 1410, aproximadamente, do Livro das maravilhas, de Marco Polo.

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Capítulo 9

Em sua lógica expansionista, os árabes conquistaram a Ásia ocidental, o Egito e a península Ibérica. Nesses contatos, os conhecimentos e textos dos sábios árabes chegaram aos estudiosos da região espanhola e entraram, pouco a pouco, em outros lugares da Europa. Obras como as de Aristóteles e Platão, desse modo, foram “redescobertas” pelos europeus medievais. Além disso, para orientar as campanhas militares e as atividades comerciais em seu vasto Império, os geógrafos árabes desenvolveram um intenso trabalho de estudo e mapeamento do mundo. Esse conhecimento geográfico também foi partilhado na península Ibérica e contribuiu para as navegações portuguesas, no final do Período Medieval e início do Período Moderno. Os contatos dos europeus com a China ocorriam ainda pelas rotas da seda e das especiarias. Tornou-se famosa, como já vimos, a história do jovem mercador veneziano Marco Polo, que viajou à China no século XIII em companhia do pai e trabalhou para Kublai Khan, soberano mongol da China. Dessa famosa aventura, que durou 25 anos, resultou o Livro das maravilhas, que introduziu a China e suas províncias no imaginário europeu. Cidades com cerca de 1 milhão de habitantes, navios enormes, papel-moeda, sistema de correios, riquezas, costumes e alimentos exóticos (o pistache, o gergelim), especiarias e alguns exageros e fábulas compõem esse relato.

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Biblioteca Nacional, Paris, França

Por volta do ano 1000, os chineses, os indianos e os árabes tinham mais acesso a conhecimentos eruditos e técnicos do que os europeus. Séculos antes, ainda na Antiguidade, os chineses já fabricavam papel. Os italianos só começaram a produzi-lo (pela primeira vez na Europa) mais de mil anos depois. Os chineses anteriores e contemporâneos da Idade Média europeia inventaram diversos outros utensílios e materiais, como a pólvora e o papel-moeda. Alguns historiadores consideram que isso se deveu, pelo menos em parte, à falta de uma mão de obra escrava abundante – como tinham os gregos e romanos da época clássica –, o que os obrigava a procurar soluções engenhosas para as necessidades da sociedade chinesa. Os chineses desenvolveram a impressão com tipos móveis 400 anos antes do alemão Gutenberg, tido como o “inventor da imprensa”, e criaram a bússola e os relógios mecânicos. Os indianos, por sua vez, foram os criadores dos nove algarismos que usamos, mais o zero, cuja concepção ocorreu também entre os maias, na América. Os indianos criaram as bases do cálculo, que ainda hoje utilizamos. Levados pelos árabes, os algarismos foram adotados pelos europeus muito mais tarde.

Atividades

atenção! Não escreva no livro!

Retome 7. Conforme vimos anteriormente, nos últimos séculos do Império Romano ocorreu um processo de ruralização na Europa ocidental, com o progressivo esvaziamento das cidades e o deslocamento da população para o campo. Esse processo impactou notavelmente as relações econômicas durante a Idade Média. Caracterize a economia feudal.

8. Relacione o sistema de suserania e vassalagem, característico da Idade Média ocidental, à fragmentação e descentralização política que ocorreu no período.

9. Na Idade Média, uma rede de relações interpessoais, que ligava reis, senhores feudais e cavaleiros, desenvolveu-se na Europa ocidental. Essa relação passava pela posse do maior bem da época: a terra. Com base nas informações do texto “Senhores e servos” (página 235), desenhe no caderno um esquema que represente as relações de suserania e vassalagem.

Pratique 10. Leia o texto do historiador francês Jérôme Baschet, que trata do conceito de servidão na Idade Média e, em seu caderno, faça o que se pede. Hoje não se crê mais, como queria a historiografia tradicional, que todos os produtores dependentes do senhor feudal fossem servos. [...] É verdade que esta [servidão] existiu e pode ser considerada o resultado da evolução da Alta Idade Média, quando, paralelamente ao eclipse da escravidão, a distinção entre livres e não livres perde sua clareza e não consegue mais dar conta das situações intermediárias que se multiplicam. A servidão é, finalmente, a forma estabilizada de uma posição intermediária entre a escravidão e a liberdade: o servo não é mais uma propriedade do senhor, assimilado ao gado, mas sua liberdade é marcada por importantes limitações. Se a escravidão é um cativeiro definitivo, o ritual de servidão, utilizado em certas regiões e durante o qual o servo traz uma corda no pescoço, parece indicar um cativeiro de que se é imperfeitamente resgatado pelo pagamento de uma obrigação. Três marcas principais exprimem a limitação da liberdade do servo: o “chevage” (ou captação), tributo pelo qual

alguém se resgata do cativeiro; a “mainmorte”, que significa a incapacidade à propriedade plena de um patrimônio e que impõe o confisco pelo senhor de parte da herança transmitida pelo servo; e, enfim, o “formariage”, taxa paga quando do casamento e que manifesta a limitação da liberdade matrimonial. Finalmente, seria necessário acrescentar a importância das corveias, trabalho devido ao senhor, que não são exclusivas dos servos, mas que, no caso destes, são deixadas em maior grau ao arbítrio do senhor. Este quadro deveria se tornar muito mais complicado para dar conta da diversidade regional e, sobretudo, pelo fato de que essas obrigações pesam, por vezes, sobre camponeses livres. De resto, não é certo que a situação material dos servos seja sempre mais dramática que a de seus vizinhos livres e pode-se perguntar se o peso específico de sua condição não se refira sobretudo à mancha humilhante de uma servidão que dá lugar a múltiplas situações de exclusão ou de discriminação. Mas o essencial é sublinhar que a servidão é apenas uma forma de exploração dentre outras. BASCHET, Jérôme. A civilização feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. p. 132-133.

a) De acordo com Jérôme Baschet, a servidão foi um sistema de trabalho predominante na Idade Média? Explique.

b) Que distinção o historiador faz entre servidão e escravidão? c) Para Baschet, que obrigações limitavam a liberdade do servo? d) Um site de jornal, em página voltada à educação, publicou a afirmação reproduzida abaixo. A partir das explicações de Baschet, que objeções podem ser feitas ao trecho do site?

Desde o século IV, a população europeia sofria com as invasões bárbaras e procurava o campo para se proteger, o que acabou esvaziando as cidades. Sem moradia, colocavam-se à mercê dos guerreiros que, em troca de sua proteção, os utilizavam em trabalhos agrícolas. Essa relação deu origem ao regime senhorial, que nivelou todos os camponeses como servos. Disponível em: Acesso em: 15 fev. 2016.

Cultura, economia e sociedade medieval

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11. Em um artigo sobre os jovens na Itália medieval, a historiadora Elisabeth Crouzet-Pavan explica: Os arquivos criminais atestam numerosas práticas anômicas ou criminosas que congregam os bandos de jovens. E essas práticas, em Veneza, são características das horas noturnas. O estupro coletivo, diferente de muitos estupros diurnos cometidos no espaço da cidade ou da casa, inscreve-se no registro dessas violências perpetradas à noite. Os componentes lúdicos que lhe são inerentes, as injúrias e os golpes que o acompanham, seguem as regras gerais que dramatizam a conduta violenta do grupo. O estupro, como todas as outras formas de agressão noturna, prova, no seio do grupo, uma capacidade social baseada essencialmente em critérios de virilidade. A violência contra as forças policias vale igualmente como proeza viril. A luta é exigida pelas regras da honra quando, de armas na mão, o grupo recusa-se a deixar-se revistar. Mas, com frequência, a briga é voluntária, provocada por uma troca preliminar de insultos ou uma gritaria geral. Sem outra causa a não ser a escolha precisa desse adversário, observa a sentença, cinco ou seis delinquentes atacam as forças policiais do Conselho dos Dez. O jogo se prolonga. Quatro jovens, intimados a entregar suas armas, lutam de espada com um guarda, obrigam-no a refugiar-se numa casa, perseguindo-o até afinal feri-lo. [...] Os primeiros textos regulamentares das Comunas, na segunda metade do século XIII e nas primeiras décadas do século seguinte, lançavam as bases de um controle dos comportamentos. Trata-se então de um primeiro dispositivo de conjunto que, destinado a pacificar a cidade, visava certas práticas, protegendo mais particularmente alguns períodos e alguns lugares. [...] CROUZET-PAVAN, Elisabeth. Uma flor do mal: os jovens na Itália medieval (séculos XIII-XV). In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. v. 1. p. 204-205.

a) O que caracterizava o comportamento dos jovens nas cidades medievais? b) Como as autoridades lidavam com os bandos jovens que agiam nas cidades? c) Formem grupos de cinco ou seis pessoas e durante uma semana pesquisem e selecionem notícias que tratam do jovem hoje na cidade. Que imagem a imprensa constrói do jovem? d) A maneira como as autoridades lidam com o jovem hoje é diferente ou parecida com a forma como lidavam com eles na Idade Média? Explique. 244

Capítulo 9

e) Em sua opinião, a imagem construída pela imprensa traduz com fidelidade a juventude de hoje? Justifique.

Analise uma fonte primária 12. Observe a imagem a seguir. Trata-se de uma xilogravura, uma técnica de gravação na qual se utiliza a madeira como matriz. Reprodução/ Biblioteca do Congresso, Washington, EUA

Representação da cidade italiana de Gênova. Está é uma das muitas ilustrações das Crônicas de Nuremberg, publicada pela primeira vez em 1493. Trata-se de uma história universal escrita pelo médico, historiador e humanista alemão Hartmann Schedel com base nos relatos bíblicos, e um dos primeiros e mais acurados livros impressos na Europa. Atualmente, um exemplar bem preservado encontra-se na Biblioteca Estatal da Baviera, Alemanha.

a) Se olharmos com atenção a forma e a disposição dos edifícios em Gênova na imagem acima, notamos que toda a cidade se organiza em torno de uma de suas instalações. Identifique-a. b) Em primeiro plano, à esquerda, vemos o farol de Gênova. Por que o farol era uma das construções mais importantes da cidade? c) A imagem nos sugere que Gênova era uma cidade segura ou vulnerável? Justifique sua resposta, citando elementos presentes na representação. d) Além do farol, que outras construções chamam a atenção na cidade? e) Com base nas construções identificadas na imagem, é possível inferir que grupos sociais detinham poder na cidade de Gênova?

13. O texto a seguir é um editorial da Folha de S.Paulo, publicado em 18 de junho de 2015. Leia-o e depois faça o que se pede.

University of São Paulo A USP deu um pequeno passo que poderá revelar-se precedente de consequências gigantescas para o relativo isolamento do meio universitário brasileiro: autorizou suas primeiras disciplinas de graduação em língua estrangeira. A licença vale só para matérias optativas, mas já é um começo. Não que a principal instituição superior do país não mantivesse contatos e vínculos com o exterior. Ela nasceu como universidade, em , com a contribuição inestimável de uma missão francesa composta de jovens intelectuais que ganhariam projeção mundial, como o antropólogo Claude Lévi-Strauss (-) e o historiador Fernand Braudel (-). Não foram poucos, desde então, os catedráticos estrangeiros que ajudaram a formar brasileiros. Tampouco era incomum, até o final do século , que pesquisadores nacionais cursassem a pós-graduação em países avançados (hoje em dia é mais usual obter mestrado e doutorado no Brasil). O caminho inverso, no entanto, costuma ser pouco trilhado. A USP atrai escassos estudantes além-fronteiras, em especial para os cursos de -graduação: apenas  , segundo registro de janeiro, aí incluídos todos os que afluíram a ela por meio de convênios. Há na instituição paulista   alunos, de modo que a parcela de estrangeiros na graduação corresponde a meros ,%. Em universidades verdadeiramente internacionalizadas, como a americana Harvard, essa proporção chega a %.

Até a recente autorização, uma matéria só poderia ser oferecida na USP em inglês, por exemplo, se apresentada também, simultânea e inviavelmente, em português. Agora, alunos brasileiros e estrangeiros passam a ter a opção de cursar ao menos algumas disciplinas em outra língua. Para os nacionais, surge a oportunidade de familiarizar-se com o vocabulário técnico e conceitual de sua área de especialidade em outro idioma. Para atrair estudantes do exterior, contudo, ainda é pouco. A USP deveria considerar o exemplo da Fundação Getulio Vargas (FGV), que anunciou um curso de administração todo ele dado em inglês. Esse passo mais ousado serviria ainda para fazer a USP ganhar pontos em rankings internacionais que valorizam tais iniciativas. O principal benefício, porém, viria da volta dos formandos para os países de origem. Os vínculos aqui criados favoreceriam a inserção da USP em redes mundiais de pesquisa e o enraizamento de sua boa reputação em solo estrangeiro. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2016.

a) Com base em seus conhecimentos, qual era o papel das universidades durante a Idade Média? b) O papel da universidade mudou entre a Idade Média e o presente? Explique. c) A criação de cursos de graduação ministrados em língua estrangeira no Brasil reforça ou enfraquece o papel da universidade? Explique. d) No passado, a universidade era um ambiente bastante elitizado. Seus frequentadores eram, quase sempre, filhos de ricos comerciantes, nobres e clérigos. Para você, a universidade é um lugar mais democrático no presente? Justifique o seu ponto de vista.

De Agostini Picture Library/A. Dagli Orti/The Bridgeman/Keystone

Articule passado e presente

Cultura, economia e sociedade medieval

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CAPÍTULO

10

O mundo às vésperas do século XVI Vincent Kessler/POOL/AFP

A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Aguardando iconografia François Hollande, durante cerimônia de boas-vindas para a 18ª reunião do gabinete franco-alemão em Metz, França, 2016.

A centralização do poder monárquico na Europa, ocorrida entre os séculos XII e XV, pode ser entendida como uma tentativa da aristocracia feudal de reforçar seu poder diante da burguesia ou como uma forma de preservar tanto os seus anseios como os dos burgueses. Na atualidade, você acha que os governantes atuam para atender aos anseios de algum grupo social específico? 246

1 Cenários político, social e cultural nos séculos XIV e XV Em que grupos sociais o rei se apoiou para enfrentar a oposição dos senhores feudais aferrados ao passado? Quais foram os resultados desse processo? E fora da Europa, o que ocorria nesse momento? Neste capítulo vamos estudar o processo de formação das monarquias centralizadas na Europa ocidental, como os reis procuraram legitimar seu poder e os obstáculos que encontraram perante o clero, a nobreza e os camponeses. Por fim, estudaremos o contexto histórico em territórios asiáticos, africanos e americanos às vésperas de 1500.

Durante um período considerável da Idade Média, o poder político esteve dividido principalmente entre o rei e a nobreza feudal. A partir de certo momento, porém, o rei começou a reagir e a concentrar poderes que antes estavam disseminados entre os grandes senhores de terra. Esse momento variou de reino para reino, mas no fim do século XV o mapa da Europa havia mudado radicalmente. Em lugar de reinos fragmentados, havia agora Estados organizados em torno de algumas monarquias fortes e centralizadas.

2 A formação das monarquias centralizadas na Europa ca, mercenários a serviço do Estado contribuíram para a formação de exércitos. A comunhão de interesses entre reis e burgueses levou à gradativa aproximação entre ambos durante a Baixa Idade Média, o que transformaria inteiramente as relações políticas e desencadearia o processo de formação das monarquias centralizadas. Outro resultado importante foi que o exército do rei passou a servir também aos interesses senhoriais, à nobreza, pois garantia a ordem contra rebeliões rurais e mantinha a maior parte dos privilégios feudais.

A quem interessava a centralização política na Europa ocidental? Ao rei. Mas havia também um grupo social que se sentia prejudicado com a fragmentação política. Durante a Idade Média diversas moedas circulavam nos feudos. Os pesos e medidas também eram diferentes de um feudo para outro. Além disso, os senhores feudais cobravam pedágio para que os mercadores pudessem atravessar suas terras. A burguesia precisava de uma moeda única em cada reino e ansiava para que os pedágios, que encareciam suas mercadorias, fossem extintos. Dessa forma, para os burgueses europeus, ou seja, comerciantes, artesãos e banqueiros, seria conveniente um poder centralizado que se sobrepusesse aos poderes locais e impusesse normas que facilitassem o comércio. Assim, para garantir a autoridade do monar-

Banco de imagens/Arquivo da editora

Onde e quando

Início da dinastia de Borgonha em Portugal

Século X (até século XIV)

Magna Carta

Veja abaixo os períodos e os lugares em que se passaram os principais eventos do capítulo.

Início do governo Consolidação dos Reis Católicos do Reino de Fundação de na Espanha Mali na África Tenochtitlán Cisma do Ocidente

1066

Dinastia Capetíngia na França

1154 1139

Batalha de Hastings

1337-1453 1215

Guerra dos Cem Anos

Início da dinastia Plantageneta na Inglaterra

1302 ±1230

1368 1325

Assembleia dos Estados Gerais

Reino de Songai na África Tomada de Constantinopla pelos turcos 1438 (até 1531)

1385 1378

1479 Século XIV

1455-1485

1453

Auge dos incas na América

Início da dinastia Ming na China

Início da dinastia de Avis em Portugal

Guerra das Duas Rosas

Linha do tempo esquemática. O espaço entre as datas não é proporcional ao intervalo de tempo.

O mundo às vésperas do século XVI

247

O reino franc•s O processo de centralização do reino francês recebeu um grande impulso na época dos reis da dinastia capetíngia (987-1328). O capetíngio de destaque nesse processo foi Filipe Augusto (1165-1223), ou Filipe II, que governou entre 1180 e 1223. Usando como pretexto a necessidade de combater os ingleses que ocupavam a região norte da atual França, Filipe II iniciou a cobrança de impostos em todo o território francês e organizou um poderoso exército para garantir seu poder monárquico por todo o país. Após derrotar os ingleses, Filipe Augusto utilizou da mesma força armada para se impor à nobreza. Nomeou fiscais, que percorriam o reino cobrando impostos e impondo as leis e a justiça real sobre as dos nobres locais. Aliado da burguesia, o rei vendia Cartas de Franquia aos burgos que quisessem se libertar do controle da nobreza feudal. Luís IX (1214-1270), que governou entre 1226 e 1270, levou adiante o processo de fortalecimento monárquico, organizando uma rede de tribunais reais e instituindo uma moeda de circulação nacional. Mas o reinado que mais contribuiu para a centralização do poder no território francês foi o de Filipe IV, o Belo (1268-1314), que foi de 1285 a 1314. Herdeiro de um Estado já bastante fortalecido, ele se preocupou com sua legitimação. Em 1302, criou a assembleia dos

Estados Gerais. Essa assembleia era composta de representantes do clero, da nobreza e dos comerciantes. As camadas pobres da população francesa não participavam da assembleia, cujo caráter era meramente consultivo, ou seja, não tinha poder de tomar decisões ou de criar leis. Além disso, não se reunia regularmente: era convocada conforme a vontade do monarca. Apoiado pela assembleia, Filipe IV estabeleceu a taxação sobre os bens da Igreja. Teve início uma grave crise, envolvendo a participação do papa, que chegou até a ameaçar o rei de excomunhão. Quando o papa morreu, em 1303, Filipe IV interferiu na escolha de seu sucessor. Impôs o nome do papa Clemente V, e forçou a transferência da sede da Igreja de Roma para a cidade de Avignon, no sul da atual França. Tal episódio iniciou o período que foi denominado por contemporâneos como Cativeiro de Avignon (em referência ao texto bíblico do cativeiro dos hebreus da Babilônia do século VI a.C.). Até 1377, durante cerca de setenta anos, os papas submeteram-se à autoridade do rei da França. Em 1378, foram eleitos dois papas, um em Roma, o outro em Avignon. Essa divisão ficou conhecida como Cisma do Ocidente e só terminou no começo do século XV. Assim, para unificar o poder político, Filipe IV precisou enfrentar o poder local, exercido pelos senhores feudais, e o poder universal, representado pela Igreja. Michel & Gabrielle Therin-Weise/Alamy/Fotoarena

O Palácio dos Papas, Avignon, França. Trata-se de uma das maiores construções góticas, estilo arquitetônico bastante desenvolvido na Europa, especialmente na França. Seis conclaves, ou seja, eleições papais, foram realizadas nesse palácio, que foi sede da Igreja católica por quase setenta anos. Foto de 2015.

248

Capítulo 10

A

A peste negra, também chamada de peste bubônica, é uma doença contagiosa transmitida pelas pulgas dos ratos. Ela

peste negra

no século XIV

recebeu esse nome por causa das manchas escuras que surgem no corpo das pessoas que a contraem. Inchaço nas axilas, virilha e pescoço é outro sintoma da doença. condições de higiene, alimentação e moradia eram precárias, a doença se espalhou rapidamente e matou cerca de

um terço da população europeia, num total estimado de 25 milhões de pessoas. Veja no mapa abaixo as áreas que foram 1349

1348 OCEANO ATLÂNTICO

1348

1351

MOSCÓVIA

1349 Veneza Trabzon

Constantinopla M

afetadas pela doença.

Pakhnyushchy/Shutterstock

Mapa: Banco de imagens/Arquivo da editora

Em meados do século XIV, quando as

a r Medi t er

ne

Pequim

1347 o

Damasco

Samarcanda Bagdá

CHINA 1333

Meca

ÁFRICA

ÍNDIA

ARÁBIA

Trópico de Câncer

OCEANO PACÍFICO

Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giuseppina. Il corso dela Storia 11.. Bologna: Zanichelli, 1997. p. 382.

Peregrinações do leste a Meca 0

1 155

2 310

OCEANO ÍNDICO

km

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Biblioteca Britânica, Londres, Inglaterra

Percurso do contágio

Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giuseppina. Il Corso della Storia 1. Bolonha: Zanichelli, 1997. p. 382.

Área e época da epidemia

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

Iluminura presente em Omne Bonum, de James le Palmer, enciclopédia do século XIV, que mostra vítimas da peste negra. Repare nas manchas de pele das pessoas que fazem fila para serem abençoadas por um padre.

Crédito

Miniatura do século XIV representando a "morte negra", outro nome pelo qual a peste bubônica era conhecida. Observe o número de vítimas que são removidas da edificação. O mundo às vésperas do século XVI

249

A Guerra dos Cem Anos O processo de formação de um sólido Estado francês centralizado foi temporariamente suspenso em virtude do confronto com a Coroa inglesa na Guerra dos Cem Anos. Foram os historiadores do século XIX que lhe deram esse nome em razão da longa duração do conflito (1337-1453), intercalado por vários períodos de paz. O conflito com a Inglaterra teve início quando Eduardo III, neto de Filipe IV, o Belo, e rei inglês, reivindicou o trono da França. Por trás dessa reivindicação estava o interesse dos ingleses na próspera região têxtil de Flandres. Para enfrentar os ingleses novamente, o rei francês precisava ampliar seu exército. Mas não podia fazer isso sem recorrer à nobreza. Dessa forma, fez certas

concessões aos nobres. As primeiras derrotas na guerra, a fome generalizada e a peste negra acentuaram a crise que piorou as condições de vida no campo. Foi sob este cenário que os nobres pressionaram os camponeses para o aumento da produção agrícola, mesmo em condição adversa. Isso provocou revoltas populares lideradas pelos camponeses contrários às decisões da nobreza no norte da França e nas proximidades de Paris. Essas revoltas ficaram conhecidas como jacqueries (abreviação da expressão francesa jacques bonhomme, que equivale em português a “joão-ninguém”). A mais importante delas ocorreu em 1358 e ficou marcada pelas invasões de castelos e pelos assassinatos de senhores. Foram duramente reprimidas pelas forças da ordem, encabeçadas pelo Estado e seus nobres.

Reprodução/Biblioteca Nacional, Paris, França.

Erich Lessing/Latinstock/Biblioteca Nacional, Paris, França.

Antes da formação dos exércitos nacionais, a força militar dos senhores feudais era formada por cavaleiros, vassalos e servos. Na gravura, combate entre franceses e ingleses em 1346, em Crécy, França, a primeira grande batalha da Guerra dos Cem Anos.

A iluminura ao lado, presente na obra Cr™nicas, de Jean Froissart (século XIV), representa a jacquerie em Meaux, França, ocorrida em 1358.

250

Capítulo 10

A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) Banco de imagens/Arquivo da editora

A partir do início do século XV, os franceses obtiveram vitórias decisivas, quando prevaleceu uma forte ofensiva, liderada principalmente por Joana d’Arc. Filha de camponeses humildes, Joana d’Arc dizia-se enviada por Deus para guiar os franceses na expulsão do exército inglês. Ela participou decisivamente de diversos combates que resultaram em vitória para os franceses. Também levou Carlos VII a ser coroado em Reims, segundo as antigas tradições dos francos. Após ter sido aprisionada e capturada pelos ingleses, em 1430, Joana d’Arc foi acusada de heresia e condenada à morte na fogueira por um tribunal eclesiástico. A guerra continuou até 1453, quando os franceses expulsaram os ingleses definitivamente de seu território.

França Domínios ingleses após 1360 Terra adquirida pelos franceses entre 1363-1404 Terra adquirida pelos franceses entre 1419-1467 Áreas sob controle inglês em 1380 Batalhas

Londres Dover Bruges Calais Bruxelas Crécy (1346) Canal da Mancha

Cherbourg

Luxemburgo Poissy

Brest

Paris

Bretanha Nantes

FRANÇA

OCEANO ATLÂNTICO

Poitiers (1356)

Golfo de Biscaia 45º N

A Guerra dos Cem Anos foi decisiva para a definição das fronteiras da França.

Mar do Norte

Lyon

Bordeaux

Toulouse

Bayonne

145

290

km

Carcassonne 0º

Mar Mediterrâneo

Adaptado de: ATLAS da história do mundo. São Paulo: Folha de S.Paulo, 1995. p. 140.

Leituras Akg-Images/Latinstock

Durante a Idade Média, problemas climáticos, como chuvas abundantes ou secas prolongadas, e pragas que assolavam os campos, afetavam drasticamente a colheita e a oferta de alimentos. Segundo o historiador brasileiro José Rivair Macedo, os períodos de fome não foram tão constantes entre os séculos XII e XIII. Isso favoreceu o aumento demográfico do continente europeu. Mas, no século XIV:

E a fome também se fazia presente [...] um período de dificuldades tomou conta da Europa. Após chuvas persistentes e rigores do clima, fomes brutais causaram o desespero e a morte de inúmeras pessoas. As dificuldades naturais e a consequente diminuição da produção trouxeram um círculo de calamidades: mortalidade, subnutrição e falta de resistência dos sobreviventes. Nos anos 1315-1316, praticamente toda a Europa, da Espanha até a Rússia, da Itália até a Inglaterra, sofreu com a diminuição da produção de alimentos. Nesses dois anos, nas cidades de Ypres e Bruges, da rica região de Flandres (atual Bélgica), morriam de 150 a 190 pessoas por semana. [...] Na mesma época, na cidade de Estrasburgo, na Alemanha, a fome era tão grande que, segundo os escritores da época, o povo comia crianças e até mesmo os cadáveres de condenados. [...] MACEDO, José Rivair. Os movimentos populares na Idade Média. São Paulo: Moderna, 1994. p. 31-32.

Afresco do século XIV que ilustra uma das sete obras de misericórdia corporais, de acordo com a Igreja católica: dar de comer a quem tem fome.

O mundo às vésperas do século XVI

251

The Granger Collection/Other Images

Para saber mais Joana d’Arc Na França, o culto nacional a Joana d’Arc recebeu um grande impulso no século XIX e início do século XX. Nessa época, patriotas franceses exaltavam a heroína como uma força vinda do povo, encarnação viva da nação, da unidade nacional e vítima simbólica da Igreja, já que foi condenada à morte por ela. Em 1923, Joana foi canonizada e, anos depois, tornou-se padroeira da França. De heroína, passou-se à representação de Joana como santa católica, capaz de expiar os pecados. Inúmeras representações dela foram criadas por cineastas, literatos, historiadores, escultores e pintores.

Estátua de Joana d’Arc erigida na Catedral de Winchester após a sua canonização, em 1923.

The Granger Collection/Other Images

Everett Collection/Fotoarena

Ilustração de Joana d’Arc para um manuscrito do século XV.

A atriz Florence Delay em cena do filme O processo de Joana d’Arc (1962), dirigido pelo francês Robert Bresson. Enquanto na representação mais antiga foi valorizada a guerreira, no filme sobressai a imagem de mulher humilde, com olhar piedoso.

252

Capítulo 10

No início do período medieval, a Inglaterra foi ocupada por povos germânicos, principalmente anglos e saxões. Na sucessão do rei anglo-saxão Eduardo, o Confessor (c. 1003-1066), que não deixou herdeiros, abriu-se uma disputa pelo trono. Em 1066, os normandos – vindos do norte da atual França – invadiram a Inglaterra. Chefiados por Guilherme, o Conquistador (1028-1087), duque da Normandia e primo de Eduardo, derrotaram os anglo-saxões na Batalha de Hastings. Guilherme assumiu o trono da Inglaterra, fundando a dinastia normanda. Sob essa dinastia, desenvolveu-se um eficiente sistema administrativo para cobrança de impostos e foi criado um forte exército. Guilherme, que reinou entre 1066 e 1087, dividiu o reino em condados, os shires, controlados pela nobreza e fiscalizados por funcionários chamados sheriffs. Em 1154, a dinastia normanda foi substituída pela Plantageneta, cujo primeiro rei foi Henrique II (1154-1189). Para fortalecer seu poder, Henrique estabeleceu a justiça real e o Common Law, conjunto de leis a ser aplicado em todo o território. O sucessor de Henrique II, Ricardo I, ou Ricardo Coração de Leão (governante entre 1189 e 1199), envolveu-se em guerras com a França e na Terceira Cruzada. Sua constante ausência contribuiu para enfraquecer o poder real na Inglaterra. A insatisfação da nobreza com a monarquia atingiu seu ponto culminante no reinado do sucessor de Ricardo, seu irmão João Sem-Terra (1199-1216). Incapaz de obter o apoio da população, João Sem-Terra enfrentou a revolta da nobreza, que o obrigou a assinar um documento conhecido como Magna Carta (1215), segundo o qual o rei só poderia criar novos impostos ou alterar leis com a aprovação do Grande Conselho. O poder real, desse modo, foi fortemente

limitado na Inglaterra, retardando o processo de centralização política. Por décadas, o Grande Conselho ficou sob controle da nobreza e do clero, com a burguesia sendo admitida somente a partir de 1265. Sua existência e funcionamento podem ser encarados como o embrião do atual Parlamento inglês. Na Guerra dos Cem Anos, os ingleses obtiveram vitórias iniciais importantes, mas passaram por dificuldades internas durante o conflito. Assim como na França, a peste negra, as rebeliões camponesas (veja o boxe Leituras a seguir) e o prolongamento da guerra contribuíram para acirrar os ânimos da população. No século XV, a Guerra dos Cem Anos mal terminou e desencadeou-se uma sangrenta disputa pela sucessão do trono inglês que afetaria ainda mais a nobreza. Essa disputa ficou conhecida como a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). Ela foi assim chamada por causa das rosas que faziam parte do brasão das duas famílias envolvidas na disputa, York e Lancaster. O conflito fragilizou a nobreza e abriu caminho para a centralização política do país. akg-images/Latinstock/Biblioteca Britânica, Londres, Inglaterra.

O reino inglês

Representação alegórica da rosa de Tudor em manuscrito inglês de 1516. A rosa vermelha, à direita, simboliza os Lancaster, e a rosa, à esquerda, os York. Em destaque, no centro, a rosa de Tudor, criada ao término da Guerra das Duas Rosas, com a união dos dois emblemas, em razão do casamento de Henrique Tudor (descendente da família Lancaster e coroado Henrique VII) e Elizabeth de York. O mundo às vésperas do século XVI

253

Leituras em servidão? E se todos procedemos de um pai e de uma mãe, de Adão e de Eva, como podem dizer e demonstrar que são mais senhores do que nós, a não ser porque nos obrigam a ganhar e a trabalhar para conseguir o que eles gastam? Vão vestidos de veludo e de seda e de petrigris, enquanto nós andamos vestidos de maus tecidos. Eles têm vinho, espécies e bom pão, enquanto nós somente temos centeio, palha e bebemos água. Eles descansam em formosas mansões enquanto nós temos o sofrimento, o trabalho, a chuva e o vento nos nossos campos; e é através de nós e do nosso trabalho que recebem as suas benesses. Chamam-nos de servos e castigam-nos se não realizamos rapidamente o serviço que nos pedem, e não temos nenhum soberano ao qual apresentar as nossas queixas e que queira escutar e defender os nossos direitos. Vamos procurar o rei que é jovem (Ricardo III). Mostremos a ele a nossa servidão e digamos-lhe que queremos que as coisas sejam de outra maneira ou, caso contrário, nós buscaremos o remédio [...].

John Ball (c. 1338-1381) foi, ao lado de Wat Tyler (?-1381), o líder de uma rebelião camponesa de destaque, ocorrida na Inglaterra em 1381. Leia a seguir um texto escrito por Jean Froissart (1337-1405), um importante cronista da França Medieval. No texto, Froissart conta como as pregações de John Ball eram repletas de denúncias contra as injustiças sociais do período.

A crítica da desigualdade No tempo passado tinham sido induzidos e lançados nessas loucuras por um exaltado sacerdote da Inglaterra, oriundo do condado de Kent, chamado John Ball, o qual, pelas suas loucas palavras, tinha estado várias vezes nas prisões do arcebispo de Cantuária. Porque esse John Ball tinha por costume, aos domingos, após a missa, quando todo o mundo saía da Igreja, pregar na praça reunindo todo o povo à sua volta e dizendo: Boa gente, as coisas não podem ir e não vão bem na Inglaterra até que os bens sejam comuns, até que não exista nem vilão nem gentil-homem e até que todos sejamos iguais. Esses, aos quais chamamos senhores, em que são maiores do que nós? Por que o têm merecido? Por que nos mantêm

Chroniques de Jean Froissart. In: PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000. p. 205.

Portugal e Espanha

254

Capítulo 10

Banco de imagens/Arquivo da editora

Espanha cristã em 1150 Reconquista (1150-1212) Reconquista (1212-1276) Reconquista por Castela e Aragão (1492)

OCEANO ATLÂNTICO

ASTÚRIAS

A AD UR

Navarra Leão Castela

EM

CATALUNHA Toledo

Aragão

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Lisboa

Po rtu ga

40º N

l

GALÍCIA

ES

Inicialmente povoada por iberos, celtas e lígures, a península Ibérica sofreu a invasão dos árabes no século VIII (veja o boxe Leituras, p. 256). A formação dos dois Estados na região, Portugal e Espanha, durante a Baixa Idade Média, esteve estreitamente vinculada à Guerra de Reconquista dos territórios ocupados pelos muçulmanos (veja o mapa ao lado). Com a invasão islâmica, os cristãos só conseguiram manter reinos independentes no norte da península, na região montanhosa das Astúrias. Dali partiu o movimento da Reconquista, iniciado no século XI. Os reinos de Leão, Navarra, Castela e Aragão organizaram-se durante esse processo de Reconquista. Castela e Aragão anexaram os demais reinos e, em 1479, se uniram por meio do casamento de seus monarcas, Fernando de Aragão (1452-1516) e Isabel de Castela (1451-1504), que ficaram conhecidos como Reis Católicos.

A Reconquista ibŽrica

Barcelona

VALÊNCIA

ANDALUZIA

MÚRCIA

s aleare sB lI ha

Sevilha

Reino Muçulmano de Granada 0 5º O

170

340

Mar Mediterrâneo

km

Adaptado de: SELLIER, J.; SELLIER, A. Atlas de los pueblos de Europa occidental. Madrid: Acento, 1998. p. 60.

A Guerra de Reconquista foi o ponto de partida para a formação das monarquias centralizadas da Espanha e de Portugal.

A dinastia de Borgonha (1139-1383) teve início com a coroação de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal. Henriques deu prosseguimento à guerra contra os muçulmanos e expandiu as fronteiras do reino para o sul. À medida que o território se estendia, a momouros: habitantes da antiga narquia fazia doações de terras à nobreza guerreira, Mauritânia, no norte da África; sem, no entanto, conceder-lhe a posse hereditária. designação para as populações Desse modo, em Portugal evitou-se a formação de árabe-berberes muçulmanas provenientes dessa região e que uma nobreza proprietária e autônoma, mantendo-se ocuparam a península Ibérica. a hegemonia da autoridade real. k/Biblioteca Nacion stoc al, Ma atin dr A burguesia mercantil do novo reino, por Quanto a Portugal, suas origens re- ronoz/L i, E sp /O an m sua vez, consolidou-se com a transformamontam à doação de terras feita pelo ção de Portugal em ponto de parada da rei Afonso VI de Leão (1047-1109) a rota marítima que ligava o MediterrâHenrique de Borgonha (1035-1074), neo ao norte da Europa. Essa rota nobre francês participante da ganhou mais importância a partir do Guerra de Reconquista. século XIV, quando a insegurança As terras doadas correspongerada pela crise europeia, abalada diam ao condado Portucalense. por guerras e pela peste negra, levou A independência desse feudo em à busca de novos entrepostos comerrelação ao Reino de Leão foi conciais (veja o mapa abaixo). seguida, após muitas disputas familiares, em 1139, sob a liderança de Afonso Henriques (1109-1185), filho de Litografia que retrata dom Afonso Henrique, 1839. Henrique de Borgonha. Al

ha

bu

Essa união real deu origem ao Estado centralizado espanhol, que, no entanto, só se consolidou com a conquista de Granada, último reduto árabe no sul da península, e a consequente expulsão dos mouros, em 1492.

Banco de imagens/Arquivo da editora

Catedral de Granada, Espanha, onde os Reis Católicos estão sepultados. Foto de 2008. o

Estocolmo

Ma Londres

OCEANO Winchester ATLÂNTICO

Novgorod

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ti c

Mar do Norte

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Banco de imagens/Arquivo da editora

As principais rotas comerciais europeias no fim da Idade MŽdia

rB

Gdansk (Dantzig) Leipzig

Frankfurt

Paris Viena Bordeaux

Poitiers

Guimarães

Porto

Gênova Milão

Marselha Lisboa Sevilha

Barcelona

Veneza

Mar Negro

Florença Roma

Toledo

Constantinopla

Cádiz

40º N

Ceuta Salé

Mar M edi

Rotas marítimas italianas orientais: séculos XIV e XV Rotas terrestres Rotas marítimas italianas ocidentais: a partir do século XIV Rota dos europeus do norte

Trípoli

5º L

terr

âneo Alexandria

405 km

810

A rota marítimo-comercial do século XIV integrou a costa portuguesa ao desenvolvimento comercial europeu do final da Idade Média.

Adaptado de: DUBY, Georges. Atlas histórico mundial. Madri: Debate, 1989. p. 54-55.

O mundo às vésperas do século XVI

255

Leituras O texto a seguir, retirado de uma dissertação acadêmica produzida em 2004, trata da presença islâmica na península Ibérica e do importante papel dos comerciantes árabes naquele processo. Ele ainda dá pistas sobre a influência da cultura árabe na região.

O Islã na península Ibérica Estas estradas, bordejadas por marcos miliários e que constituíram um dos mais poderosos meios da dominação romana, iriam novamente desempenhar a sua função, agora em favor dos exércitos muçulmanos e, sobretudo, em prol do estabelecimento de importantes rotas comerciais que possibilitaram o intercâmbio de produtos, de conhecimentos, de bens e de cultura. Assim, mais significativo que os próprios militares, que se espalham pelo território, é a presença constante destes comerciantes árabes que, graças à relação que a Ibéria sempre manteve com o Mediterrâneo e suas rotas mercantis, percorrem agora todo o Al-Ândalus e também o próprio Garb. Este aspecto tornou-se decisivo na forma rápida como o Islã se propagou pela península Ibérica e na aceitação que teve nas comunidades que com ele tomavam conhecimento. O Islã é rapidamente absorvido pela população, que se arabiza e adota a língua, os ritos e a cultura árabe/berbere, isto quando não se converte à própria religião muçulmana (muladis).

Alamy/Fotoarena

FERREIRA, Manuel dos Santos da Cerveira Pinto. O Douro no Garb Al-Ândalus: a Região de Lamego durante a presença árabe. Dissertação de mestrado em Patrimônio e Turismo. Portugal: Universidade do Minho, 2004. p. 44.

Vista do Alhambra, palácio construído na cidade de Granada, Espanha, a partir do século XIII. A construção foi utilizada pelos emires – governantes muçulmanos – na época em que os mouros dominavam o território que hoje corresponde ao sul da Espanha. Foto de 2015.

256

Capítulo 10

marcos miliários: sinais que marcam as distâncias nas estradas. Al-Ândalus: nome dado pelos árabes à península Ibérica. Garb: nome dado pelos árabes à parte ocidental da península Ibérica.

A dinastia de Avis Em 1383, a morte de Fernando I, último rei da dinastia de Borgonha, sem herdeiros diretos, desencadeou uma acirrada disputa sucessória. Reprodução/Bilbioteca Britânica, Londres, Inglaterra.

Parte da nobreza apoiava a entrega da Coroa portuguesa ao genro de dom Fernando, o rei de Castela, representante de uma política eminentemente feudal. Contra ela se levantaram os comerciantes, aliados a setores populares, sob a liderança de dom João de Avis. Após a derrota castelhana na Batalha de Aljubarrota (1385), dom João de Avis foi coroado rei de Portugal. Conhecido como Revolução de Avis, o movimento garantiu a independência de Portugal e deu origem à dinastia de Avis (1385-1582). A nova dinastia caracterizou-se pela aproximação entre os interesses da monarquia e os da burguesia mercantil: os comerciantes pretendiam ampliar seus mercados e o rei desejava se fortalecer por meio da cobrança de impostos sobre o florescente comércio. Essa aliança de interesses desencadeou o processo conhecido como Expansão Marítima portuguesa, a partir do século XV.

Batalha de Aljubarrota, iluminura produzida no século XV por Jean de Wavrin (c. 1398-c. 1474).

Vivendo naquele tempo

Pobres e miseráveis no mundo europeu A formação das monarquias e a centralização do poder provocaram diversos conflitos políticos e instabilidades no cenário social europeu. Essas transformações atingiram diretamente a vida dos setores mais populares. Nessa sociedade desigual, onde a riqueza produzida era expropriada à força pela ordem senhorial e religiosa, a maioria da população vivia nos limites da pobreza, que se acentuava ainda mais nos tempos de guerra e nas crises agrícolas. No campo, muitos camponeses e servos abandonavam suas terras para escapar da miséria e da violência dos senhores. Esses ex-camponeses muitas vezes se juntavam a grupos que habitavam bosques e florestas e saqueavam os viajantes nas estradas. Nas cidades e vilas, a maioria dos trabalhadores pobres vivia de atividades sazonais, mal remuneradas e insuficientes para garantir a sobrevivência. Os espaços urbanos concentravam miseráveis, doentes físicos e mentais e inúmeros mendigos e ociosos que não

encontravam condições materiais para sobreviver. Essas pessoas alimentavam-se de restos e sobras, moravam em habitações insalubres e contavam apenas com atos de caridade. Essa atmosfera de pobreza e violência produzia revoltas e motins que explodiam no campo e na cidade, intensificando a instabilidade social e aumentando a repressão contra os pobres. Entre os séculos XIV e XVI, inúmeras leis transformavam a pobreza e a mendicância em crime e exigiam que os pobres estivessem vinculados a algum senhor. Em Portugal, no ano de 1375, uma lei decretada pelo rei dom Fernando estabelecia que “só poderão mendigar aqueles que pela sua idade e estado não puderem trabalhar, segundo certificado que as autoridades locais passarão por alvará; todos os demais pedintes, vadios, ociosos, serão constrangidos a trabalhar” sob pena de serem açoitados e, posteriormente, expulsos do Reino, porque “El Rei mandava e queria que ninguém fosse vadio”.

insalubres: que não fazem bem para a saúde.

O mundo às vésperas do século XVI

257

Construindo conceitos Permanência e mudança No cotidiano, frequentemente temos a sensação de que certos fenômenos permanecem, enquanto outros se transformam ou desaparecem. Por exemplo, a frequência à escola, ao longo de vários anos, ou os hábitos alimentares das famílias, especialmente nos encontros festivos, como os aniversários, são permanências. Por outro lado, o fim do período escolar, o falecimento de um familiar ou um novo emprego representam rupturas na nossa vida. Para compreendermos as sociedades humanas, precisamos levar em conta as suas permanências e mudanças ao longo do tempo. Entretanto, é preciso lembrar que atividades econômicas, práticas sociais e ideias se transformam em ritmos diferentes. Mesmo um acontecimento como a descoberta da América pelos europeus, em 1492, não representa uma mudança completa, mas indica que certos aspectos se transformaram, enquanto outros permaneceram inalterados. Há, portanto, diferentes ritmos nas mudanças históricas: certos fenômenos transformam-se mais lentamente, outros surgem e desaparecem com rapidez. Assim, é preciso compreender o ritmo das mudanças e identificar as permanências, entendendo a dinâmica histórica, isto é, o próprio movimento da História. Ao estudar uma determinada época, pode-se verificar a presença desses diferentes ritmos e durações.

As sociedades europeias no século XVI, por exemplo, ainda estavam submetidas às alterações climáticas que impactavam a produção de alimentos, visto que a agricultura e a pecuária dependiam basicamente das condições naturais. Portanto, os grupos humanos permaneciam dependentes do trabalho agrícola e dos fenômenos meteorológicos. Em contrapartida, determinadas transformações econômicas estavam em curso desde o início da retomada do comércio e do crescimento das cidades, no século XIV, seguidos pela Expansão Marítima e pela conquista da América, no século XVI. Essa ampliação e acumulação da riqueza mercantil lentamente alterou as relações entre os grandes comerciantes e a aristocracia da terra. Essas mudanças seriam percebidas com maior intensidade apenas nos séculos XVIII e XIX, quando a burguesia assumiu o controle do Estado em países como a França e a Inglaterra. Os Estados nacionais viviam um processo de centralização do poder e unificação de territórios caracterizado por guerras civis, alianças monárquicas e complôs da grande aristocracia. Em diversos países, esses acontecimentos alteravam o rumo da política, elevando ou derrubando dinastias, provocando conflitos sanguinários e curtos períodos de paz. Como vemos, permanências, mudanças de média e curta duração se entrelaçam no estudo das sociedades humanas. Por isso, sempre leve em conta que um capítulo em um livro de História representa, ao mesmo tempo, um estudo das rupturas e transformações históricas e também uma reflexão sobre o que permanece inalterado na experiência humana no planeta. Agora, faça o que se pede:

João Prudente/Pulsar Imagens

258

Capítulo 10

Pesquise as instituições políticas do Brasil. Utilize sites e livros. Com base em sua pesquisa, reflita sobre o momento político atual em que vivemos. Você consegue identificar uma permanência e uma mudança de curta duração em nossas instituições políticas? Elabore um pequeno texto sobre esse tema e compartilhe-o com o restante da sala.

A enxada é um dos instrumentos mais antigos inventados pelo ser humano e amplamente utilizada na agricultura até os dias de hoje. Na imagem, trabalhador rural em Munhoz, Minas Gerais. Foto de 2015.

3 O mundo não europeu antes de 1500 Por volta dos anos 1200, a região norte do território que hoje é a Índia estava parcialmente ocupada por Estados muçulmanos governados por sultões. O mais importante deles era o Sultanato de Délhi (1206-1526). O sul, em contrapartida, estava dividido em Estados hindus. Em 1526, o Sultanato de Délhi e outros Estados indianos foram absorvidos pelo Império Mogol (nome derivado de “mongol”, pois Babur, seu fundador, seria descendente de Gêngis Khan). Os governantes desse império eram muçulmanos, mas a maioria da população seguia o hinduísmo. Na Ásia central e na ocidental, o antigo Império Mongol, que chegara a dominar grande parte da China, foi dividido entre vários líderes, alguns dos quais adotaram o islamismo. A Ásia ocidental e o Oriente Médio se tornaram muçulmanos e dois novos impérios foram criados: o Império Persa, entre o golfo Pérsico e o mar Cáspio; e o Império Turco Otomano, sobre as ruínas do Império Bizantino, que deixou de existir em 1453, com a queda de Constantinopla. Na China, os imperadores governavam com a ajuda de “letrados”, funcionários recrutados por meio de concursos, nos quais deviam demonstrar, entre outras habilidades, o conhecimento de milhares de caracte-

res da escrita chinesa. Os letrados, ou mandarins, não constituíam uma nobreza, já que esses concursos eram abertos a toda a população. Mas aproveitavam sua influência para adquirir terras e poder. Como vimos, a China foi governada pela dinastia Yuan, de origem mongol, entre 1271 e 1368. Sob essa dinastia, cresceram as trocas comerciais e culturais com outros povos. Entretanto, apesar da prosperidade, havia grande desigualdade social entre a maior parte da população servil, de origem chinesa, e os mongóis. Levantes populares e rebeliões se tornaram frequentes a partir de 1335. Em 1368, Chu Yanchang (1328-1398), um dos líderes das contestações chinesas, conseguiu destronar os mongóis e estabelecer uma nova dinastia imperial, a dinastia Ming (1368-1644).

Vista do Taj Mahal, mausoléu construído na cidade de Agra, Índia, no século XVII, homenagem do imperador Shah Jahan à esposa falecida. Esse monumento, no qual trabalharam vinte mil homens em sua construção, atesta a grandeza do Império Mogol. Toda a estrutura da edificação é coberta por placas de mármore branco decorado com pedras preciosas e semipreciosas. Nas paredes, trechos do Corão, registros de uma época em que os governantes dessa região seguiam o islamismo. Foto de 2013.

Tuul & Bruno Morandi/Corbis/Fotoarena

Índia, China e Japão

O mundo às vésperas do século XVI

259

Antuérpia EUROPA Gênova Veneza Constantinopla Marselha

Samarcanda

Trebizonda

Lisboa

CHINA Túnis

Marrakech

Trípoli

Bagdá Alexandria

Ghat

rV

Trópico de Câncer

Meca

OCEANO PACÍFICO

ÍNDIA

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Fuzhou Cantão

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Tombuctu Agadez Gana Gao África Mali Ocidental

Hangzhou

Isfahan Golfo Pérsico

Cairo Ma

Banco de imagens/Arquivo da editora

Comércio chinês

Sennar El Fasher

CEILÃO

Mogadíscio África Oriental

Málaca

OCEANO ÍNDICO

Zanzibar

OCEANO ATLÂNTICO Trópico de Capricórnio

Rotas do almirante chinês Cheng Ho, 1405-1433

1 315

2 630 Rotas de comércio

km

Adaptado de: BARRACLOUGH, Geoffrey. Atlas da história do mundo. 4. ed. São Paulo: Folha de S.Paulo, 1995. p. 150.

No fim do século XV, o Império Ming era um dos mais poderosos Estados do mundo. Sua população era mais numerosa do que a de toda a Europa. Seu intenso comércio o ligava a diversas regiões asiáticas, à Austrália e à África.

Jarro de porcelana decorado com desenhos de carpas produzido durante a dinastia Ming (1368-1644), entre 1522 e 1566.

A recuperação agrícola e a continuada expansão comercial que se seguiu possibilitaram a expansão demográfica. Por volta de 1500, a China já havia superado 100 milhões de habitantes e grandes cidades haviam sido construídas. No século XVI, época das grandes navegações ibéricas, os portugueses chegaram à China e firmaram o contato entre o Ocidente europeu e o Oriente. Era o período do comércio das especiarias e de investidas conquistadoras dos europeus. No século seguinte, teve início a última dinastia imperial chinesa, a Manchu, ou Qing (1644-1912), estabelecida com a invasão dos manchus, povos do norte. No século XIX, as potências ocidentais dominaram e exploraram a China. A dinastia Manchu acabou sendo derrubada em 1911, quando foi proclamada a república. Em 1949, sob a liderança de Mao Tsé-Tung, implantou-se o socialismo e, nas últimas décadas, a China transformou-se numa das maiores potências mundiais. 260

Capítulo 10

No Japão, prevalecia a crença de que o imperador descendia do Sol e de que as almas dos mortos habitavam lugares considerados sagrados, como cachoeiras, rios e vulcões. Os japoneses foram muito influenciados pelo budismo vindo da China, mas acrescentavam a ele seus próprios deuses. Também utilizaram a escrita chinesa de ideogramas para criar duas novas escritas próprias, a hiranaga e a katakana, fundamentais para o desenvolvimento da literatura no Japão (leia o boxe Leituras a seguir). Nesse país, situado em um arquipélago, os guerreiros e os camponeses eram os personagens mais comuns, e as grandes famílias disputavam o poder. Um chefe de clã governava no lugar do imperador, com o título de xogum. Os guerreiros, chamados de samurais, lhe deviam obediência.

The Brideman Art Library/Keystone Brasil/Museu de Arte, Indian‡polis, EUA.

30º L

os marionetistas, artistas que manipulam os bonecos e que fizeram dessa ocupação um ofício, apresentando-se de vila em vila. O espetáculo de marionetes requer altíssima precisão nos refinados movimentos gestuais e é ainda hoje bastante valorizado no Japão.

The Brideman Art Library/Keystone Brasil

Exímios artistas, os japoneses criaram uma original jardinagem artística, bastante prestigiada até hoje. Para eles, servir o chá sempre foi uma cerimônia com gestos estudados. O teatro de marionetes, que chegou ao Japão pela China no século VIII, fez surgir

Apresentação de bunraku, tradicional teatro de marionetes japonês, em Osaka, Japão. Observe que mais de uma pessoa manipula cada boneco.

Leituras O texto a seguir trata da importância da influência chinesa na cultura do Japão. Além disso, ele nos revela em que medida essa influência era, quase sempre, adaptada e modificada pelos japoneses, em virtude das particularidades e da cultura local.

Influência chinesa no Japão Foi no Japão, entretanto, que a interação da cultura chinesa com a sociedade nativa teve os resultados mais idiossincráticos e historicamente significativos. É inegável que a influência chinesa ali foi muito profunda – tão profunda que o sistema numérico básico atual dos japoneses é composto de palavras tomadas do chinês. Do século VII ao IX, a instituição imperial japonesa foi sob muitos aspectos uma réplica provinciana daquela da dinastia Tang; textos jurídicos japoneses desse período foram usados por historiadores para reconstruir a legislação Tang que se perdera na China. [...] Em vez de ter uma sucessão de dinastias de estilo chinês, os japoneses desenvolveram um

curioso dualismo: embora tenha se prolongado para sempre, sua dinastia imperial original conservou apenas as aparências exteriores do poder; na realidade, este passou para as mãos de governantes militares que vieram a ser chamados de xoguns. Em certa medida, isso se explica pela insularidade do Japão: estando bastante a salvo de invasões, as ilhas são menos sujeitas às severas disciplinas continentais que compelem à formação de Estados unitários e varrem instituições obsoletas. Antes do século XIX, houve um único e curto período em que um imperador tentou recuperar seus antigos poderes, a abortada restauração Kemmu de 1333-1336. [...] COOK, Michael A. Uma breve história do homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 187.

idiossincráticos: relativos à idiossincrasia, característica específica, particular, de uma pessoa, grupo ou cultura.

O mundo às vésperas do século XVI

261

Reinos africanos Na África, a região ao norte do Saara era habitada pelos berberes, povo que pouco a pouco se converteu ao islamismo. Ali, as maiores cidades eram Fez e Túnis. Numerosas rotas comerciais cruzavam o Saara e ligavam a África do norte, muçulmana, aos reinos da África subsaariana. A rota Fez-Tombuctu era uma das mais percorridas por caravanas de mercadores cameleiros e tuaregues, habitantes do deserto que descendem dos berberes norte-africanos (observe o mapa). Reinos africanos em diferentes per’odos

Rio Nil o

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Lago Chade

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Ifé REINO ASHANTI

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DESERTO DO SAARA

Trópico de Câncer

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REINO DE BENIN

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Banco de imagens/Arquivo da editora

Fez

Mar Mediterrâ ne Túnis o

OCEANO ATLÂNTICO

ong io C o

REINO DO CONGO

Lago Vitória Lago Tanganica

OCEANO ÍNDICO

Lago Niassa

Região do Sahel Reino de Gana (700-1205)

E REINO DE QU BI MONOMOTAPA M (1450-c.1850) OÇA REINO DO M Sofala Trópico de Capricórnio GRANDE ZIMBÁBUE (1250-1450)

Reino de Mali (1200-1500) Reino de Songai (1450-1590) Rota comercial Deserto

Floresta tropical 15º L

1 140

2 280

km

Adaptado de: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giuseppina. ll corso dela Storia. Bologna: Zanichelli, 1997. p. 56; SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. p. 13.

Na África ocidental, o Reino de Gana, abordado no Capítulo 7, grande comerciante de ouro, sal e escravos, enfraqueceu-se bastante durante o século XII. Alguns estudiosos acreditam que isso ocorreu em razão de vários fatores: a concorrência na produção aurífera de outras áreas; o crescente ataque de vizinhos saqueadores; e o avanço da desertificação na região do Sahel. Sahel: faixa de terra situada entre o deserto do Saara, ao norte, e a floresta tropical, ao sul. Esta palavra vem do árabe e significa ‘margem’, ‘litoral’ – no caso, “margem” do Saara.

O declínio de Gana deu-se paralelamente à ascensão do Reino do Mali, que se consolidou por volta de 1230, quando o príncipe Sundiata Keita (c. 1217-c. 1255) subiu ao trono e fixou a capital em Niani. Por essa épo-

ca, a população e os governantes do Mali haviam se convertido ao islamismo. No início do século XIV, esse reino alcançava a costa do Atlântico e o interior do Saara e controlava várias cidades e rotas comerciais transaarianas. As peregrinações de seus governantes a Meca, a terra sagrada dos muçulmanos, ficaram famosas especialmente pelo luxo e pela riqueza. O Reino do Mali também se destacou pela fundação de mesquitas e centros de estudo que contavam com arquitetos trazidos do Oriente Próximo. No século XIV, em razão de frequentes invasões e saques, o Reino do Mali foi sobrepujado pelo Reino de Songai, até então seu vassalo. Em Songai, que se tornou um enorme império, as cidades de Gao e Tombuctu destacaram-se como grandes centros comerciais. Tombuctu ficou conhecida por ter um exército profissional, uma universidade (que atraía eruditos e poetas) e uma arrecadação sistemática de impostos. Contudo, esse reino se desestruturou no século XV devido a constantes ataques de povos do norte africano e dos portugueses, interessados no ouro e em várias outras mercadorias do comércio regional. Mais ao sul, os iorubas construíram um próspero reino ao redor da cidade sagrada de Ifé, com grande quantidade de artistas, responsáveis pela produção de belas esculturas de ébano, bronze e marfim. Na costa oriental da África, a relação com a Índia era antiga, e várias cidades mercantes prosperavam, reunindo árabes, persas e indianos antes da chegada dos portugueses. Elas tinham um importante papel no comércio de escravos. No sul do continente, o Reino Monomotapa substituiu o antigo Reino do Zimbábue,, estendendo suas relações comerciais com o litoral de Sofala, em Moçambique, e estabelecendo um importante comércio de ouro com a Índia e a Pérsia. Suas cerimônias na Corte do soberano impressionaram os portugueses, ao que parece os primeiros europeus a conhecê-las. Escultura em bronze encontrada na região da cidade de Ifé, na atual Nigéria, feita entre os séculos XIII e XIV. The Granger Collection/Other Images

262

Capítulo 10

América: incas e astecas

imageBROKER/Alamy/Fotarena

Na América do Sul, a partir do começo do século XV, os incas impuseram sua dominação a um grande conjunto de povos, construindo um império de aproximadamente 10 milhões de pessoas em um grande território. Os seus governantes cobravam tributos da população, que eram pagos em forma de trabalho. Os incas não conheciam a escrita, nem o ferro nem a roda. Eram, contudo, engenheiros notáveis. Em plena cordilheira dos Andes, construíram uma rede de estradas com pontes suspensas sobre os vales. Essas estradas eram percorridas por corredores mensageiros, que levavam informações e mensagens de um lugar a outro. O imperador, além de chefe militar, era considerado “filho do Sol”, um deus na Terra. O auge dessa civilização ocorreu entre 1438 e a chegada dos espanhóis à região, em 1531.

Nesse período, o território do Império chegou a atingir 4 mil quilômetros de extensão, desde o atual Equador até o Chile, compreendendo o domínio sobre vários grupos étnicos. Durante o reinado do imperador Pachacuti (c. 1400-c. 1471), que durou de 1438 a 1471, Cuzco tornou-se capital do Império, chegando a ter cerca de 100 mil habitantes. A construção da pequena cidade de Machu Picchu, cujos vestígios ainda hoje causam profunda admiração, é outro destaque de seu reinado. A população inca estava submetida à servidão coletiva, em uma sociedade fortemente hierarquizada. A terra era propriedade do imperador, administrada por funcionários locais (curacas), que, em cada aldeia (ayllu), determinavam a organização do trabalho, o montante dos impostos destinados ao imperador e a mita, trabalho compulsório em obras públicas. Na agricultura, os incas utilizavam sistemas de irrigação e “terraços” cultiváveis nas encostas das montanhas andinas, garantindo a produção de excedentes.

As ruínas de Machu Picchu dão uma ideia da grandiosidade do Império Inca. Machu Picchu era um importante centro religioso e astronômico, situado a 2 400 metros de altitude, próximo à floresta Amazônica. Patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Fotografia de 2013. O mundo às vésperas do século XVI

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Rosemania/Ancient Art

O Império Inca sucumbiu aos espanhóis em 1572, quarenta anos após a chegada deles à região. Na Mesoamérica, por volta do século XII, um povo conhecido como mexica deu início a uma lenta migração. Proveniente da região que hoje corresponde ao norte do México, os mexicas (ou astecas) se instalaram pouco a pouco na região do lago Texcoco, no planalto mexicano, próximo ao território dos antigos maias. No começo do século XV, eles dominaram diversos povos da região e criaram um Estado que viria a ser chamado de Império Asteca. Sua capital, Tenochtitlán (atual Cidade do México), fundada em 1325, chegou a ter uma população estimada em 200 mil habitantes. Era uma cidade grandiosa, com rede de ruas e muitos jardins, mercados e templos.

The Art Archive/Other Images/Museu da Cidade do México, México.

Estátua de Coatlicue, deusa da Terra para os astecas, século XV.

Planta de Tenochtitlán do século XVI. É atribuída ao conquistador espanhol Hernán Cortez como ilustração de sua segunda carta a Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Espanha como Carlos I. A capital asteca foi construída em uma ilha do lago Texcoco, com vários caminhos que ligavam a cidade às terras em seu entorno.

264

Capítulo 10

gada dos europeus e o início da colonização representaram a dizimação de sua população, como mostra o gráfico abaixo.

Robson Kasé/Arquivo da editora

Taxa de homicídio branco e negro e vitimização negra Região mesoamericana

Região andina

25

20

15

10

5

1519

1580

1530

1590

de 12 a 25 milhões de habitantes

1,9 milhão de habitantes

de 12 a 15 milhões de habitantes

1,5 milhão de habitantes

Adaptado de: BETHELL, Leslie (Org.). América Latina colonial. São Paulo: Edusp, 1998. v. 1. p. 129-131 e 200-201.

Bettmann/Corbis/Latinstock

A religião baseava-se na crença em vários deuses e na prática de sacrifícios humanos. Estima-se que mais de 20 mil pessoas eram mortas anualmente em cerimônias públicas, realizadas ao ar livre, seja na grande pirâmide do centro de Tenochtitlán, seja nos vários templos dos bairros. Com uma população calculada entre 12 e 15 milhões de habitantes, o Império Asteca tinha uma estrutura política centralizada e exercia um rígido controle sobre os povos vizinhos, obrigados a lhe pagar tributos. O imperador estava no topo do poder. Nas aldeias predominava a posse comunal da terra, embora parte da produção fosse destinada ao Estado para sustentar o imperador, os militares, os funcionários administrativos e os sacerdotes. Portanto, o sistema predominante era também o de servidão coletiva. O Império Asteca foi destruído entre 1519 e 1521, com a invasão espanhola chefiada por Hernán Cortez (1485-1547), que liderou um exército de quinhentos espanhóis e cerca de 25 mil indígenas inimigos dos astecas. Para os povos nativos do continente, a che-

Álbum/Latinstock/ Museu do Templo Mayor, Cidade do México, México.

Serpente asteca de duas cabeças em turquesa, um dos símbolos do deus da chuva Tlaloc. Datada entre os séculos XV e XVI, teria feito parte do tesouro enviado pelo imperador Montezuma ao conquistador espanhol Hernán Cortez. Montezuma deu esse presente a Cortez porque julgava que ele fosse o deus Quetzalcóatl, que, segundo uma profecia, deveria chegar na forma de um homem barbado como o conquistador espanhol. Museu Britânico, Londres. Foto de 2011.

Estátua de pedra do deus asteca do fogo Huehueteotl feita entre os séculos XIV e XVI.

O mundo às vésperas do século XVI

265

Atividades

Não escreva no livro!

Retome 1.

A fragmentação do poder político na Europa medieval beneficiava os grandes senhores de terra, mas contrariava os interesses de outros grupos sociais. Identifique o grupo social contrário a essa situação e explique por que a centralização política poderia favorecê-lo.

2. Que relação teve a centralização política na França com a cobrança de impostos pelo rei Filipe II no século XIII?

3. A partir do século XIV, abateu-se sobre a Europa uma profunda crise que abalou as estruturas feudais. Nesse contexto, a centralização do poder político também trouxe algumas vantagens aos nobres. Que

te entre a maioria hindu e a minoria muçulmana que habitam o país. A divisão entre os dois grupos religiosos, contudo, é antiga. Com base nessa informação e no que foi estudado no decorrer do capítulo, escreva um comentário articulando a difusão histórica do islamismo na Índia.

11. Uma das mais fortes civilizações a se desenvolver na América foi a inca. Estabelecida na região dos Andes, teve como principal atividade econômica a agricultura. Explique como ela se desenvolvia, considerando o regime de trabalho e o de propriedade da terra.

Pratique 12. Leia com atenção o texto a seguir e responda às questões.

vantagens foram essas?

4. Na França, o século XIV foi marcado pelas acirradas disputas de poder entre o rei Filipe, o Belo, e o papado de Roma. Essas disputas podem ser consideradas parte do processo de centralização do poder político no reino? Justifique.

5. Iniciado no começo da Baixa Idade Média, o processo de centralização política na França perdeu força no final da Idade Média. Como se explica essa reversão?

6. Se olharmos um mapa da Inglaterra, veremos várias

divisões administrativas que levam o sufixo shire, como Yorkshire, Shropshire, Hampshire e Cheshire. O que significa shire e qual sua origem histórica?

7.

Na Inglaterra, o poder real, que vinha se fortalecendo nos séculos XI e XII, foi abalado pela ausência de Ricardo Coração de Leão, que deixou o reino sob os cuidados de seu irmão João Sem-Terra para participar da Terceira Cruzada. Sem apoio popular e enfrentando forte pressão da nobreza, João Sem-Terra foi obrigado a assinar um importante documento, a Magna Carta. Comente qual foi a importância desse documento.

8. Relacione a Guerra de Reconquista na península Ibérica à formação dos reinos de Portugal e Espanha.

9. No século XIV, com a morte de dom Fernando de Borgonha, abriu-se uma profunda crise política em Portugal, com parte da nobreza lusitana apoiando a fusão do reino à Castela. Qual foi o desfecho dessa crise?

10. Dentre os problemas que a Índia enfrenta hoje, um dos mais importantes é o estado de tensão constan266

Capítulo 10

[...] O sociólogo Max Weber afirmou, no início do século XX, que o Estado moderno se definiu a partir de duas características: a existência de um aparato administrativo cuja função seria prestar serviços públicos, e o monopólio legítimo da força. Weber defendia, dessa forma, que o Estado era o único que poderia empregar a violência legalmente, esta passando a ser um instrumento de controle da sociedade. Ele afirmou ainda que o processo histórico que constituiu o Estado conviveu com a expropriação dos meios de produção dos artesãos pelos possuidores do capital. Desse modo, o Estado seria então contemporâneo do capitalismo. A partir do surgimento do Estado nacional na Europa moderna, a historiografia começou a se questionar se o conceito de Estado deveria ser aplicado apenas a esse contexto histórico ou também aos períodos anteriores. Levantou-se, então, a seguinte questão: o Estado sempre existiu? Uma primeira corrente defende que o Estado é um conceito que deve ser aplicado só a partir do surgimento do Estado-nação, e não antes disso. Para os autores que pensam assim, o Estado é uma forma histórica recente, oriunda da concentração de poder de mando sobre determinado território por meio do monopólio da lei e dos serviços essenciais. Nessa

abordagem, que segue a tese de Weber, autores como Denis Rosenfield afirmam que o Estado moderno é tanto a organização da sociedade em um governo autônomo quanto o aparelho que governa essa sociedade. No entanto, outros autores, como Michael Reale, acreditam que a caracterização do Estado como governo que organiza a sociedade equipara-o à Nação e, apesar de Estado e Nação estarem em conexão, são conceitos distintos. Esses autores definem o Estado como um aparato administrativo que executa funções só visíveis a partir da Idade Moderna. Assim, nem a pólis nem o Estado feudal – isso só para ficarmos nos Estados ocidentais – seriam realmente Estados. Por outro lado, uma segunda visão é aquela que discorda da tese de Weber. Para esses pensadores, que criticam a definição restritiva de Estado, se a pólis grega, por exemplo, tivesse um aparato administrativo que não se encaixasse nesse conceito, então os tratados políticos de Aristóteles não teriam serventia para o ocidente moderno e contemporâneo. Mas, pelo contrário, a tipologia que Aristóteles criou para as formas de governo, assim como suas ideias sobre Constituição, etc., tiveram e tem grande influência sobre os Estados ocidentais. Essa é a corrente que predomina atualmente, e hoje a maioria dos historiadores aceita que o Estado é uma categoria presente em diferentes épocas e sociedades. [...] SILVA, Kalina V.; SILVA, Maciel H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2008. p. 115-116.

a) Para Weber, o que define o Estado?

b) Os elementos que definem o Estado estiveram presentes em todas as sociedades que você estudou até aqui? Justifique sua resposta com exemplos. c) O texto faz referência a duas correntes historiográficas que tratam de maneira distinta a aplicação do conceito de Estado. Identifique-as.

d) Procure em jornais ou revistas uma notícia que exemplifique a aplicação de um dos critérios que definem Estado para Weber. Depois, comente a notícia e aponte o motivo da escolha do recorte.

13. O texto a seguir é um trecho extraído de uma matéria feita pelos jornalistas Charles Clover e Lucy Hornby para o jornal Financial Times e publicada na Folha de S.Paulo em 20 de outubro de 2015. Leia-o com atenção.

“Os paióis grãos de todas as cidades estão repletos de reservas, e os cofres cheios de tesouros e ouro em valor de trilhões”, escreveu Sima Qian, historiador chinês do século I a.C. “Há tanto dinheiro que os cordões usados para manter moedas unidas apodrecem e se quebram, uma quantia inimaginável. Os paióis de grãos da capital estão tão cheios que os grãos se espalham pelas ruas, apodrecem e não podem ser comidos”. Ele estava descrevendo os lendários superavits da dinastia Han, uma era caracterizada pela primeira expansão chinesa rumo ao oeste e sul, e pelo estabelecimento de rotas comerciais que mais tarde se tornariam conhecidas como “Rota da Seda”, que se estendiam de Xi’an, a capital chinesa do período, a Roma. Passado um milênio ou dois, a conversa sobre expansão volta a surgir, em um período de alta dos superavits chineses. Não há cordões para organizar os US$ 4 trilhões em reservas do país —as mais altas do planeta— e além de silos repletos de alimentos, a China também tem superavits de imóveis, cimento e aço. [...] Depois de duas décadas de rápido crescimento, Pequim uma vez mais volta a buscar oportunidades de investimento e comércio longe de suas fronteiras, e para fazê-lo está recuando à sua antiga grandeza imperial e à familiar metáfora da “Rota da Seda”. Criar uma versão moderna dessa antiga rota comercial se tornou a principal iniciativa da política externa da China na presidência de Xi Jinping. “É um dos poucos termos que as pessoas recordam de suas aulas de História e que não envolve poder bélico... são exatamente essas associações positivas que os chineses desejam enfatizar”, diz Valerie Hanson, professora de História da China na Universidade de Yale. [...] Política externa chinesa busca criar uma nova “Rota da Seda”. Folha de S.Paulo, 20 de dezembro de 2015. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2016.

a) Qual é o assunto tratado pela matéria do jornal Financial Times? b) Por que a matéria abre com a citação de um documento chinês do século I a.C.? c) A escolha do nome Nova Rota da Seda para batizar o novo investimento chinês não é casual. O que ela revela? O mundo às vésperas do século XVI

267

14. A seguir, estão reproduzidos quatro mapas mostrando o processo de Reconquista da península Ibérica pelos cristãos. Para analisar os mapas, atente-se aos seguintes pontos: • Observe as datas dos mapas; • Observe as transformações ocorridas nos reinos cristãos; • Procure localizar as áreas cristãs e mouras em cada mapa; • Observe as transformações ocorridas no território controlado pelos muçulmanos. • Preste atenção na direção em que se dá a Reconquista;

Banco de imagens/Arquivo da editora

Reconquista da península Ibérica OCEANO ATLÂNTICO

Santiago de Compostela

IMPÉRIO DE CARLOS MAGNO

Oviedo

42º N

Até 800

ASTÚRIAS

OCEANO Séculos IX e X ATLÂNTICO 42º N

REINO DE LEÃO NAVARRA

CASTELA

Pamplona

NAVARRA

ARAGÃO CONDADO DE BARCELONA

Lisboa EMIRADO DE CÓRDOBA

Lisboa

Barcelona

Toledo

Córdoba

Sevilha

Córdoba

Valência Cádiz

Mar Mediterrâneo

Granada

Cádiz

Ceuta

Mar Mediterrâneo 0º

Tânger

Santiago de Compostela

42º N Vigo Porto PORTUGAL

OCEANO ATLÂNTICO

1150

Oviedo Santander FRANÇA Bilbao NAVARRA Pamplona Burgos

LEÃO Leão

Salamanca ARAGÃO Coimbra CASTELA Lisboa Saragoça Barcelona Badajoz Tarragona Évora Toledo VALÊNCIA ESTREMADURA Valência ANDALUZIA Córdoba MÚRCIA Faro Sevilha GRANADA Múrcia Cádiz Granada Mar Málaga Almeria

Adaptado de: ATLAS histórico escolar. 7. ed. Rio de Janeiro: Fename/MEC, 1978; KINDER, H.; HILGEMANN, W. ATLAS histórico mundial. 13. ed. Madri: Ediciones Istmo, 1985.

Mediterrâneo

0º 0

265

530

Barcelona

CALIFADO DOS OMÍADAS

Santiago de Compostela

42º N

Vigo

1492

OCEANO ATLÂNTICO Oviedo Santander Bilbao NAVARRA Burgos

FRANÇA

Leão

Porto PORTUGAL Coimbra Lisboa Badajoz Évora

Salamanca ARAGÃO LEÃO E Saragoça Barcelona CASTELA Toledo

Tarragona Valência

Sevilha Faro

Córdoba

Múrcia Granada eo REINO MOURO Almeria ân err t DE GRANADA* i d

Cádiz

Málaga

Mar M e 0º

Domínios árabes

km

a) De acordo com os mapas, qual processo político acompanha a Reconquista dos reinos cristãos?

b) No século XII, é possível observar uma mudança importante na situação política dos territórios controlados pelos mouros. Identifique-a. c) No final do século XV, quantos reinos cristãos havia na península Ibérica? Nomeie-os.

d) Releia o item Portugal e Espanha no capítulo e explique como os reinos de Castela e Aragão deram origem ao Reino de Espanha no século XV.

f) Com base nas respostas anteriores, relacione o processo de formação da Espanha com o desenho do brasão da atual bandeira espanhola.

CPdesign/Shutterstock

e) Faça uma pesquisa na internet e descubra o que aconteceu com o Reino de Navarra depois de 1492.

15. No livro A África explicada aos meus filhos, o autor Alberto Costa e Silva escreve: 268

Capítulo 10

Quando os portugueses e outros europeus começaram, no século XV, a descer a costa africana, não predominava neles a impressão de que entravam em contato com povos primitivos e atrasados. Estranhavam os costumes dos negros, mas não os olhavam com desprezo. Lastimavam que desconhecessem a verdadeira fé, mas só se consideravam superiores por serem cristãos. [...] Vasco da Gama, ao chegar à costa oriental da África, encontrou portos cheios de navios e de comerciantes de todas as partes do oceano Índico, bem como cidades com casas parecidíssimas com as de Algarves, em Portugal: com terraços, de pedra e cal, e pintadas inteiramente de branco. COSTA E SILVA, Alberto da. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008. p. 27-28.

a) Aponte semelhanças entre os Estados europeus e africanos do século XV. b) A percepção que hoje se tem da África ainda é a mesma do século XV? Explique.

Analise uma fonte primária 16. A figura a seguir foi extraída do Códice de Mendoza, um código asteca, feito no século XVI por encomenda do primeiro vice-rei na Nova Espanha, dom Antonio de Mendoza, para enviar informações dos povos ameríndios ao rei espanhol Carlos I. No recorte, a imagem retrata a educação das crianças astecas. Procure observar com atenção os seguintes elementos:

Reprodução/Biblioteca Bodleian, Oxford, Inglaterra.

• Identificar o que distingue as personagens adultas das infantis; • Conceber o gênero das personagens representadas; • Analisar gestos, posições e expressões das personagens representadas; • Examinar as atividades realizadas pelas personagens.

a) Com base em suas observações, quais informações é possível extrair desse documento? De que forma os astecas educavam seus filhos? b) Em muitas civilizações o castigo físico foi usado para educar os jovens. No Brasil, esse tipo de punição está proibido nas escolas desde o final do século XIX, mas no ambiente doméstico ainda é muitas vezes empregado. Forme um grupo com mais dois colegas e pesquisem a opinião dos especialistas em educação sobre o uso da violência como método educativo. O mundo às vésperas do século XVI

269

17. No século XII, baseando-se na crônica escrita pelo monge Guilherme de Jumièges, um religioso de nome Robert Wace narrou em forma de poema uma revolta camponesa ocorrida na região da Normandia em 996. A obra, intitulada Romance de Rollon, expressa os sentimentos do campesinato nos seguintes versos: [...] Por que nos deixamos maltratar? Livremo-nos da sua maldade! Nós somos homens como eles Temos membros como os seus E corpo de igual tamanho E do mesmo modo sofremos Só nos falta a coragem Unamo-nos por um juramento... Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2016.

a) Que sentimento o leitor identifica nos versos de Robert Wace? b) Com base em seus conhecimentos, a que espécie de maus-tratos estavam submetidos os camponeses normandos?

c) Considerando as características das sociedades europeias cristãs da Idade Média, que interpretação é possível fazer do verso “Nós somos homens como eles”?

d) Por que reagir à opressão exigia coragem dos camponeses? e) O texto acima pode ser considerado a expressão exata dos sentimentos e pensamentos do campesinato normando? Por quê?

18. O documento a seguir foi expedido por ordem do rei francês no ano de 1263. Leia-o e responda.

Que ninguém possa fazer moeda semelhante àquela do rei, que não tenha uma dessemelhança evidente, que tenha de um lado a cruz e do outro a pile. Que tais moedas deixem de existir doravante. Que nenhuma moeda seja aceita no reino, a partir da festa de São João, lá onde não há moeda própria, fora da moeda do rei, e que ninguém venda, compre e faça negócios senão com esta moeda. E a moeda do rei pode e deve correr no seu reino inteiro, sem oposição de outras moedas particulares que possam existir. Que os parisinos e torneses não sejam rejeitados, nem mesmo quando desgastados, desde que se reconheçam, pela cruz e pelo 270

Capítulo 10

cunho, que são realmente parisinos e torneses. E que ninguém possa danificar a moeda do rei, sob pena física e multa. ORDENNANCES des rois de France de la troisieme race. Apud PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média – Textos e testemunhos. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000. p. 243.

pile: pilares que uniam duas torres de castelo. parisinos e torneses: nomes de moedas reais.

a) Releia o item O reino francês, p. 248, e faça uma pequena narrativa sobre que estava acontecendo na França à época em que o documento foi escrito. b) Que medida o documento instituía? c) As ordens reais buscavam limitar o poder de qual grupo social? Por quê? d) A quem a medida beneficiava? e) Qual era a marca exclusiva da moeda real? f) O documento sugere que o poder real já estava consolidado na época ou que ainda estava em construção?

Articule passado e presente 19. Com base na matéria a seguir, explique a charge reproduzida adiante.

Por que é tão difícil falar sobre armas nos EUA Em seu último discurso sobre o Estado da União, o presidente americano Barack Obama foi sutil ao tratar do controle de armas nos Estados Unidos. Diferente da última semana, quando fez um discurso emocionado contra a violência armada, seguido de um artigo no jornal The New York Times e um debate na emissora CNN, nesta terça-feira (12/01) Obama mal tocou no assunto e preferiu tratá-lo de forma simbólica: com uma cadeira vazia ao lado da primeira-dama, Michelle Obama, para representar as vítimas da violência armada. O gesto mostra quão delicado é o tema e quão polarizados são os pontos de vista no país. Desde que anunciou medidas para intensificar o controle de armas nos Estados Unidos, driblando um intransigente Congresso de maioria republicana, políticos e grupos pró-armamento encamparam uma luta contra o que consideram ser uma investida do líder democrata para tomar as armas da população. [...]

Armamento [...] Além da autodefesa, especialistas em violência nos EUA ressaltam que outros fatores levam a população a ser favorável ao porte de armas. Praticantes da caça, por exemplo, também não querem abrir mão do direito de comprar suas espingardas. O diretor do Centro de Pesquisa em Proteção da Universidade de Michigan, Marc Zimmerman, ressalta ainda a desconfiança de alguns grupos, especialmente no sul do país, sobre qualquer ação do governo federal. Ele lembra um episódio ocorrido há sete meses no vilarejo de Christoval, no Texas, quando moradores ficaram “em alerta” durante um treinamento militar na região, por receio de que o Exército pudesse tomar o estado e as armas dos cidadãos. “Este receio é totalmente irracional”, diz Zimmerman, observando que o governo nem teria como recolher as mais de 300 milhões de armas que se encontram nas mãos de civis atualmente. Ele ressalta ainda a força do lobby da Associação Nacional do Rifle (NRA) contra qualquer medida que possa interferir no comércio de armas. Entusiastas pró-controle, por sua vez, afirmam que não por acaso estados americanos com leis mais restritivas com relação à aquisição de armas registram menores índices de morte por armas de fogo. Enquanto em 2013 o número de mortes no estado de Nova Iorque foi de 4,3 por cada 100 mil habitantes, o Alabama registrou 17,6 mortes por 100 mil. [...] Por que é tão difícil falar sobre armas nos Estados Unidos. Deutsche Welle, correspondente Mariana Santos. Carta Capital, 18 jan. 2016. Disponível em: . Acesso em: 13 maio 2016.

Ben Sargent © 2013 Ben Sargent / Dist. by Universal Uclick

Em pleno ano eleitoral, o ataque faz barulho justamente porque, de fato, grande parte dos americanos não cogita discutir a Segunda Emenda à Constituição, aprovada em 1791 para garantir o direito de manter e portar armas, em um contexto de luta pela independência do império britânico. De acordo com o centro de pesquisa Pew Research Center, atualmente metade da população acredita que proteger o direito de possuir armas é mais importante do que controlar a posse das mesmas. Outro estudo, publicado em 2014 pelo instituto Gallup, revelou que 63% dos americanos acreditam estar mais seguros com um revólver em casa. [...] As medidas propostas por Obama pretendem reforçar e ampliar a checagem de antecedentes dos compradores de armas em lojas, feiras ou pela internet. O governo promete ainda acelerar o processo de verificação do perfil do comprador e coibir a venda para condenados por crimes graves, de violência doméstica, dependentes de drogas e pessoas com problemas mentais. O objetivo é impedir que armas “caiam nas mãos erradas”. [...]

O mundo às vésperas do século XVI

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Enem e vestibulares

atenção! Não escreva no livro!

Enem

Avalie as seguintes afirmações a respeito dos textos anteriores, que tratam das Cruzadas.

O café tem origem na região onde hoje se encontra a Etiópia, mas seu cultivo e consumo se disseminaram a partir da península Árabe. Aportou à Europa por Constantinopla e, finalmente, em 1615, ganhou a cidade de Veneza. Quando o café chegou à região europeia, alguns clérigos sugeriram que o produto deveria ser excomungado, por ser obra do diabo. O papa Clemente VIII (1592-1605), contudo, resolveu provar a bebida. Tendo gostado do sabor, decidiu que ela deveria ser batizada para que se tornasse uma “bebida verdadeiramente cristã”.

I. Os textos referem-se ao mesmo assunto – as Cruzadas, ocorridas no período medieval –, mas apresentam visões distintas sobre a realidade dos conflitos religiosos desse período histórico. II. Ambos os textos narram partes de conflitos ocorridos entre cristãos e muçulmanos durante a Idade Média e revelam como a violência contra mulheres e crianças era prática comum entre adversários. III. Ambos narram conflitos ocorridos durante as Cruzadas medievais e revelam como as disputas dessa época, apesar de ter havido alguns confrontos militares, foram resolvidas com base na ideia do respeito e da tolerância cultural e religiosa.

THORN, J. Guia do café. Lisboa: Livros e livros, 1998. Texto adaptado.

A postura dos clérigos e do papa Clemente VIII diante da introdução do café na Europa ocidental pode ser explicada pela associação dessa bebida ao

a) ateísmo.

d) islamismo.

b) judaísmo.

e) protestantismo.

É correto apenas o que se afirma em:

2. Os cruzados avançavam em silêncio, encontrando por todas as partes ossadas humanas, trapos e bandeiras. No meio desse quadro sinistro, não puderam ver, sem estremecer de dor, o acampamento onde Gauthier havia deixado as mulheres e crianças. Lá, os cristãos tinham sido surpreendidos pelos muçulmanos, mesmo no momento em que os sacerdotes celebravam o sacrifício da Missa. As mulheres, as crianças, os velhos, todos os que a fraqueza ou a doença conservava sob as tendas, perseguidos até os altares, tinham sido levados para a escravidão ou imolados por um inimigo cruel. A multidão dos cristãos, massacrada naquele lugar, tinha ficado sem sepultura. MICHAUD, J. F. História das cruzadas. São Paulo: Ed. das Américas, 1956. (adaptado).

Foi, de fato, na sexta-feira 22 do tempo de Chaaban, do ano de 492 da Hégira, que os franj se apossaram da Cidade Santa, após um sítio de 40 dias. Os exilados ainda tremem cada vez que falam nisso, seu olhar se esfria como se eles ainda tivessem diante dos olhos aqueles guerreiros louros, protegidos de armaduras, que espelham pelas ruas o sabre cortante, desembainhado, degolando homens, mulheres e crianças, pilhando as casas, saqueando as mesquitas. MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. Texto adaptado.

272

Unidade 3

d) I e II.

b) II.

e) II e III.

c) III.

c) hinduísmo.

franj: cruzados

a) I.

3.

Calendário medieval, século XV Enem, 2015/Arquivo da editora

1.

Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2012.

Os calendários são fontes históricas importantes, na medida em que expressam a concepção de tempo das sociedades. Essas imagens compõem um calendário medieval (1460-1475) e cada uma delas representa um mês, de janeiro a dezembro. Com base na análise do calendário, apreende-se uma concepção de tempo a) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno retorno.

b) humanista, identificada pelo controle das horas de atividade por parte do trabalhador.

c) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre o trabalho.

d) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo com as estações do ano. e) romântica, definida por uma visão bucólica da sociedade.

4. A casa de Deus, que acreditam una, está, portanto, dividida em três: uns oram, outros combatem, outros,

6. A peste negra dizimou boa parte da população europeia, com efeitos sobre o crescimento das cidades.

enfim, trabalham. Essas três partes que coexistem não suportam ser separadas; os serviços prestados por uma são a condição das obras das outras duas; cada uma por sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto... Assim a lei pode triunfar e o mundo gozar da paz.

O conhecimento médico da época não foi suficiente para conter a epidemia. Na cidade de Siena, Agnolo di Tura escreveu: “As pessoas morriam às centenas, de dia e de noite, e todas eram jogadas em fossas cobertas com terra e, assim que essas fossas ficavam cheias, cavavam-se mais. E eu enterrei meus cinco filhos com minhas próprias mãos [...] E morreram tantos que todos achavam que era o fim do mundo.

ALDALBERON DE LAON. In: SPINOSA, F. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Sá da Costa, 1981.

A ideologia apresentada por Aldalberon de Laon foi produzida durante a Idade Média. Um objetivo de tal ideologia e um processo que a ela se opôs estão indicados, respectivamente, em:

DI TURA, Agnolo. The Plague in Siena: An Italian Chronicle. In: BOWSKY, William M. The Black Death: a turning point in history? New York: HRW, 1971. Texto adaptado.

a) justificar a dominação estamental/revoltas camponesas.

O testemunho de Agnolo di Tura, um sobrevivente da peste negra, que assolou a Europa durante parte do século XIV, sugere que:

b) subverter a hierarquia social/centralização monárquica. c) impedir a igualdade jurídica/revoluções burguesas.

a) o flagelo da peste negra foi associado ao fim dos tempos.

d) controlar a exploração econômica/unificação monetária.

b) a Igreja buscou conter o medo da morte, disseminando o saber médico.

e) questionar a ordem divina/Reforma Católica.

c) a impressão causada pelo número de mortos não foi tão forte, porque as vítimas eram poucas e identificáveis.

5. A lei dos lombardos (Edictus Rothari), povo que se instalou na Itália no século VII e era considerado bárbaro pelos romanos, estabelecia uma série de reparações pecuniárias (composições) para punir aqueles que matassem, ferissem ou aleijassem os homens livres. A lei dizia:

para todas estas chagas e feridas estabelecemos uma composição maior do que a de nossos antepassados, para que a vingança que é inimizade seja relegada depois de aceita a dita composição e não seja mais exigida nem permaneça o desgosto, mas dê-se a causa por terminada e mantenha-se a amizade. ESPINOSA, F. Antologia de textos históricos medievais. Lisboa: Sá da Costa, 1976. Texto adaptado.

A justificativa da lei evidencia que

a) se procurava acabar com o flagelo das guerras e dos mutilados. b) se pretendia reparar as injustiças causadas por seus antepassados.

c) se pretendia transformar velhas práticas que perturbavam a coesão social.

d) houve substancial queda demográfica na Europa no período anterior à peste. e) o drama vivido pelos sobreviventes era causado pelo fato de os cadáveres não serem enterrados.

7.

Quando ninguém duvida da existência de um outro mundo, a morte é uma passagem que deve ser celebrada entre parentes e vizinhos. O homem da Idade Média tem a convicção de não desaparecer completamente, esperando a ressurreição. Pois nada se detém e tudo continua na eternidade. A perda contemporânea do sentimento religioso fez da morte uma provação aterrorizante, um trampolim para as trevas e o desconhecido. DUBY, G. Ano 2000: na pista dos nossos medos. São Paulo: Ed. da Unesp, 1998 (adaptado).

Ao comparar as maneiras com que as sociedades têm lidado com a morte, o autor considera que houve um processo de

d) havia um desejo dos lombardos de se civilizarem, igualando-se aos romanos.

a) mercantilização das crenças religiosas.

e) se instituía uma organização social baseada na classificação de justos e injustos.

c) disseminação do ateísmo nos países de maioria cristã.

b) transformação das representações sociais.

Enem e vestibulares

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d) diminuição da distância entre saber científico e eclesiástico.

e) amadurecimento da consciência ligada à civilização moderna.

8. O canto triste dos conquistados:

os últimos dias de Tenochtitlán Nos caminhos jazem dardos quebrados; os cabelos estão espalhados. Destelhadas estão as casas, Vermelhas estão as águas, os rios, como se alguém as tivesse tingido, Nos escudos esteve nosso resguardo, mas os escudos não detêm a desolação… PINSKY, J. et al. História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento).

O texto é um registro asteca, cujo sentido está relacionado ao(à) a) tragédia causada pela destruição da cultura desse povo. b) tentativa frustrada de resistência a um poder considerado superior.

c) extermínio das populações indígenas pelo Exército espanhol. d) dissolução da memória sobre os feitos de seus antepassados.

e) profetização das consequências da colonização da América.

Vestibulares

O Império Romano do Oriente tinha como capital Constantinopla. Originou-se da divisão do Império Romano em 395 d.C. e, no período medieval, passou a ser mais conhecido como Império Bizantino, perdurando cerca de mil anos, até 1453 d.C., quando foi dominado pelos turcos. A sua longa duração produziu uma civilização que deixou uma herança cultural com repercussões significativas até os dias atuais.

Da herança cultural bizantina fazem parte:

I. O Corpus Juris Civilis, uma compilação da legislação e jurisprudência romanas e, também, bizantinas, base do direito civil moderno em muitos países. II. A atitude iconoclasta, contra a adoração de imagens nas igrejas, contribuição de considerável influência sobre o catolicismo ocidental. III. A religião cristã ortodoxa, decorrente do chamado Cisma do Oriente, devido a disputas político-religiosas com o Papado de Roma. IV. A organização de uma cultura artística laica, desvinculada da religião, especialmente na pintura dos ícones e na arquitetura. V. A separação entre Igreja e Estado, ardorosamente defendida pelos adeptos do Estado laico, concepção política decisiva na formação do Estado ocidental moderno.

10. (UFPA) Para o historiador Le Goff A grandiosa construção carolíngia, com efeito, ia durante o século IX desagregar-se rapidamente sob os golpes conjugados dos inimigos exteriores – novos invasores e dos agentes de fragmentação internos […]

9. (UFPB) A imagem abaixo está em um mosaico da igre-

Reprodução/Basília de São Vital, Ravena, Itália

ja de San Vitale, na cidade de Ravena, na Itália. A figura é de influência cultural bizantina e representa o imperador Justiniano cercado de cortesãos.

LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1984. p. 71.

O processo de fragmentação interna do império carolíngio, aludido pelo historiador, refere-se à própria forma de governo e às relações de poder do império instauradas por Carlos Magno, fundadas em razão de vários fatores, entre os quais, a a) doação de terras a seus vassalos como forma de retribuição pelo auxílio militar prestado na conquista da Germânia e da Lombardia; o que esfacelou o poder do imperador nos territórios conquistados.

b)

Grandes Impérios e Civilizações. Grande Atlas da História Universal. Tradução da edição espanhola das Edições del Prado. Edição 10, Fascículo 3, p. 40.

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Unidade 3

distribuição de foros e tenças aos seus vassalos, em troca da participação das guerras de reconquista da França do poder dos muçulmanos, que haviam ocupado a região no início de seu reinado.

c) doação de terras em sesmarias aos marqueses, responsáveis pela segurança militar das fronteiras do Império (as marcas) ensejou a desagregação da autoridade do imperador nas mãos desses indivíduos cada vez mais poderosos. d) distribuição de benesses e favores na Corte carolíngia, que se constituiu como espaço de negociação política entre os poderosos do reino, tornando-se Terceiro Estado francês. e) doação de terras e benefícios a indivíduos de quem o imperador esperava fidelidade, o que incitou, por sua vez, a multiplicação das redes de vassalagem com vistas à garantia de ajuda militar.

11. (Ufpel-RS)

Texto I Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e outros, servos, de tal maneira que os senhores estejam obrigados a venerar e amar a Deus, e que os servos estejam obrigados a amar e venerar o senhor... St. Laud de Angers, Documents d’Historie Vivante. In: FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de história. Vol. 1. Lisboa: Plátano, 1975.

Texto II Capítulos do projeto de concórdia entre os camponeses da Catalunha e seus senhores.

[...] VIII – que o senhor não possa dormir a primeira noite com a mulher do camponês:

Pretendem alguns senhores que, quando o camponês toma a mulher, o senhor há de dormir a primeira noite com ela, e, em sinal de senhorio, a noite em que o camponês deva contrair núpcias, a mulher, estando deitada, vem o senhor, sobe à cama, passando sobre a dita mulher e como isso é infrutuoso para o senhor e uma grande humilhação para o camponês, um mau exemplo e uma ocasião para o mal, pedem e suplicam que isso seja totalmente abolido. PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História: textos e testemunhas. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000.

Os documentos se referem às práticas do a) helenismo grego. b) anglicanismo. c) germanismo. d) catolicismo medieval. e) feudalismo europeu.

12. (Ufes) A ocorrência de feiras livres é observada, em cidades brasileiras, desde a época colonial, quando se destacaram a Feira de Santana e as feiras de Sorocaba, Campina Grande, Caruaru, entre outras. Em cidades europeias, esses eventos econômicos e culturais se tornaram comuns, a partir da Idade Média, com o renascimento do comércio e da vida urbana, quando se notabilizaram as feiras de Provins e de Troyes, na região de Champagne; as feiras de Bruges e de Antuérpia, na região de Flandres; as feiras de Colônia, de Lubeck e de outras cidades que constituíram a Liga Hanseática. Explique: a) dois fatores que contribuíram para o renascimento do comércio e da vida urbana, no contexto europeu;

b) o significado das corporações de ofícios, que se difundiram, a partir do século XII, nas cidades europeias.

13. (PUCC-SP) Preparando seu livro sobre o imperador Adriano, Marguerite Yourcenar encontrou numa carta de Flaubert esta frase: “Quando os deuses tinham deixado de existir e o Cristo ainda não viera, houve um momento único na história, entre Cícero e Marco Aurélio, em que o homem ficou sozinho”. Os deuses pagãos nunca deixaram de existir, mesmo com o triunfo cristão, e Roma não era o mundo, mas no breve momento de solidão flagrado por Flaubert o homem ocidental se viu livre da metafísica – e não gostou, claro. Quem quer ficar sozinho num mundo que não domina e mal compreende, sem o apoio e o consolo de uma teologia, qualquer teologia? Luiz Fernando Veríssimo. Banquete com os deuses.

A compreensão do mundo por meio da religião é uma disposição que traduz o pensamento medieval, cujo pressuposto é

a) o antropocentrismo: a valorização do homem como centro do Universo e a crença no caráter divino da natureza humana. b) a escolástica: a busca da salvação através do conhecimento da filosofia clássica e da assimilação do paganismo. c) o panteísmo: a defesa da convivência harmônica de fé e razão, uma vez que o Universo, infinito, é parte da substância divina. d) o positivismo: submissão do homem aos dogmas instituídos pela Igreja e não questionamento das leis divinas.

Enem e vestibulares

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e) o teocentrismo: concepção predominante na produção intelectual e artística medieval, que considera Deus o centro do Universo.

14. (UFCG-PB) A cultura medieval é marcada por diversos movimentos artísticos que ganharam visibilidade mediante diversas práticas. Na composição dessa

UFCG/PB/Arquivo da editora

identidade cultural medievalista, emergiram, na baixa Idade Média, os goliardos.

15. (UFG-GO) I. Só a Igreja romana foi fundada por Deus. II. Só o pontífice romano, portanto, tem o direito de ser chamado universal. III. Só ele pode nomear e depor bispos. [...] VIII. Só ele pode usar a insígnia imperial. IX. O papa é o único homem a quem todos os príncipes beijam os pés. XII. É-lhe lícito destituir os imperadores. GREGÓRIO VII, Dictatus papae. Apud SOUZA, José Antonio C. R. de; BARBOSA, João Morais. O reino de Deus e o reino dos homens. Porto Alegre: Edipucrs, 1997. p. 47-48.

O documento expressa a concepção do poder papal de Gregório VII (1073-1085) que se relaciona com a) o “Cisma do Oriente”, que selou a separação entre as duas Igrejas, a católica romana e a ortodoxa grega.

b) o “Cativeiro de Avinhão”, período de 70 anos em que os papas submeteram-se à autoridade do rei da França. c) a “Querela das Investiduras”, conflito político que demarcou as esferas do poder papal e as do poder imperial. A partir da leitura da imagem acima e dos seus conhecimentos sobre a temática, é correto afirmar que os goliardos: I. Identificados como clérigos itinerantes ou estudantes boêmios, desenvolviam a arte musical cantando poemas sobre bebidas, amor e fortunas. II. Diabolizavam o riso e sacralizavam a seriedade e a introspecção como fundamento da cultura e da etiqueta na Baixa Idade Média.

III. Compunham poemas que celebravam a sexualidade e criticavam tanto a tirania ideológica quanto as práticas religiosas e morais da Igreja. IV. Identificavam-se com a cultura dos charivaris, ocasiões em que era comum incinerar sacos cheios de gatos, associados à Feitiçaria.

V. Recepcionavam os códigos culturais dos povos árabes, copiando destes o gosto pela música, dança e vestimentas orientais. Estão corretas: a) I e III.

d) I, II e III.

b) IV e V.

e) III, IV e V.

c) I e II.

276

Unidade 3

d) a “Doação de Constantino”, que serviu como justificativa para o estabelecimento do Patrimônio de São Pedro.

e) o “Cisma do Ocidente”, que dividiu a autoridade suprema da Igreja entre dois papas, o de Roma e o de Avinhão.

16. (Ufes) O conceito de realeza sagrada e maravilhosa atravessou toda a Idade Média sem nada perder de seu vigor, muito pelo contrário: todo esse tesouro de legendas, de ritos curativos, de crenças meio eruditas, meio populares, que constituía grande parte da força moral das monarquias não cessou de crescer [...] À primeira vista, o que parece estar em oposição à marcha geral dos acontecimentos é – no reinado dos primeiros capetíngeos, por exemplo – o caráter sagrado correntemente reconhecido à pessoa do rei, pois, na verdade a força da monarquia era então muito pequena e, na prática, os próprios reis eram frequentemente pouco respeitados pelos súditos. Ademais, o que deve surpreender o historiador dos séculos X e XI não é a fraqueza da realeza francesa, o surpreendente é que essa realeza tenha se mantido e tenha conservado suficiente prestígio para poder mais tarde, a partir de Luís

VI, com a ajuda das circunstâncias, desenvolver rapidamente suas energias latentes e, em menos de um século, transformar-se em grande potência dentro e fora da França. BLOCH, M. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 187-188.

Dentre os fatores que propiciaram o fortalecimento da autoridade real, na França, durante a dinastia dos Capeto (987-1328), é correto afirmar que: a) a aliança de Luís VI com o soberano plantageneta João Sem-Terra garantiu-lhe o apoio da nobreza inglesa contra o imperador do Sacro Império Romano-Germânico; b) a criação do Parlamento de Paris, em substituição aos Estados Gerais, sob o reinado de Hugo Capeto, permitiu à realeza controlar de modo estrito a concessão de títulos de nobreza a membros do clero e da burguesia; c) o abandono do direito romano, em prol das concepções jurídicas islâmicas, reforçou as pretensões dos capetíngeos em livrar o papado da tutela dos juristas italianos; d) a atuação de Carlos Magno, membro mais ilustre da dinastia, imprimiu ao Império Capetíngeo estruturas administrativas eficazes, por intermédio dos condes e marqueses; e) a crença nos poderes sobrenaturais dos monarcas capetíngeos, especialmente na sua capacidade de curar certos tipos de tumores, integrava uma mentalidade segundo a qual o rei era tido como uma entidade sagrada e inviolável.

17. (Ufam) Embora no princípio do século XIV a maioria dos Estados cristãos flutuasse ainda no interior de fronteiras incertas, o conjunto da Cristandade encontrava-se estabilizado. Como disse A. Lewis, era o ‘fim da fronteira’. A expansão medieval terminara. Quando a Europa voltasse a se expandir no fim do século XV, seria outro fenômeno. LE GOFF, J. A Civilização do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2005. p. 99.

Após ler texto com atenção, você pode depreender que:

a) Durante este período existiu um vasto território no Ocidente europeu, antes marginal, que passou a ser cultivado pela pressão do crescimento demográfico e pelo intenso comércio muçulmano;

b) A queda demográfica iniciada por uma série de intempéries no início do século XIV e agravada pela peste favoreceu o recrudescimento feudal no Ocidente, prejudicando o desenvolvimento de uma economia monetária;

c) Somente a partir do século XV que as frágeis monarquias europeias iniciaram um processo de centralização, ao derrotar os senhores feudais com o apoio das camadas médias urbanas; d) O fenômeno apontado no texto refere-se à instalação de um novo sistema de produção estruturado na acumulação do capital urbano;

e) A primeira metade do século XIV findou-se com uma epidemia, denominada de Peste Negra, que dizimou um terço da Cristandade, provocando transformações profundas no mundo feudal.

18. (Vunesp-SP) As caravanas do Sudão ou do Níger trazem regularmente a Marrocos, a Tunes, sobretudo aos Montes da Barca ou ao Cairo, milhares de escravos negros arrancados aos países da África tropical [...] os mercadores mouros organizam terríveis razias, que despovoaram regiões inteiras do interior. Este tráfico muçulmano dos negros de África, prosseguindo durante séculos e em certos casos até os mais recentes, desempenhou sem dúvida um papel primordial no despovoamento antigo da África. HEERS, Jacques. O trabalho na Idade Média.

O texto descreve um episódio da história dos muçulmanos na Idade Média, quando: a) Maomé começou a pregar a Guerra Santa no Cairo como condição para a expansão da religião de Alá, que garantia aos guerreiros uma vida celestial de pura espiritualidade. b) atuaram no tráfico de escravos negros, dominaram a África do Norte, atravessaram o estreito de Gibraltar e invadiram a península Ibérica. c) a expansão árabe foi propiciada pelos lucros do comércio de escravos, que visava abastecer com mão de obra negra as regiões da península Ibérica.

d) os reinos árabes floresceram no sul do continente africano, nas regiões de florestas tropicais, berço do monoteísmo islâmico. e) os árabes ultrapassaram os Pirineus e mantiveram o domínio sobre o reino Franco, até o final da Idade Média ocidental.

Enem e vestibulares

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Sugestões de leitura para o aluno Unidade 1 – Nossa história mais remota

Capítulo 5 – Grécia antiga

BOSCHI, Caio César. Por que estudar história? São Paulo: Ática, 2007. GUGLIELMO, Antonio Roberto. A Pré-história: uma abordagem ecológica. São Paulo: Brasiliense, 1991. REVISTA de História da Biblioteca Nacional. Arqueologia, n. 71. Vários artigos. Rio de Janeiro: Sabin, agosto de 2011.

HOMERO. Ilíada. Tradução e adaptação de N. de Holanda. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. ________. Odisseia. Tradução e adaptação de Marques Rebelo. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. RIBEIRO, Renato Janine. A democracia. São Paulo: Publifolha, 2001. (Folha explica). SÓFOCLES. Édipo rei. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. STONE, Isidoro F. O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

Capítulo 2 – Nossos ancestrais da América

Capítulo 6 – A civilização romana

AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. Os primeiros brasileiros. Rio de Janeiro: Record, 2000. FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-história no Brasil. São Paulo: Contexto, 2002. GUARINELLO, Norberto Luiz. Os primeiros habitantes do Brasil. São Paulo: Atual, 1994.

GOSCINNY, René; UDERZO, Albert. As aventuras de Asterix, o gaulês. Rio de Janeiro: Record, 2006. GRANDAZZI, Alexandre. As origens de Roma. São Paulo: Ed. da Unesp, 2010. JOLY, Fábio Duarte. A escravidão na Roma antiga: política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005. RIBEIRO, Renato Janine. A República. São Paulo: Publifolha, 2001. (Folha explica). SHAKESPEARE, William. Júlio César. Rio de Janeiro: Lacerda, 2001. YOURCENAR, Marguerite. Memórias de Adriano. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Capítulo 1 – Os primeiros agrupamentos humanos

Unidade 2 – Civilizações antigas

Capítulo 3 – O Crescente Fértil e a Pérsia FUNARI, Raquel dos Santos. O Egito dos faraós e sacerdotes. São Paulo: Atual, 2000. (Cotidiano na História geral). JACQ, Christian. Ramsés. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. São Paulo: Atual, 1994. REDE, Marcelo. A Mesopotâmia. São Paulo: Saraiva, 1997. (Que História é esta?).

Capítulo 4 - Outros povos da Antiguidade ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a África. São Paulo: Contexto, 1997. ARAUJO, Kelly Cristina. Áfricas no Brasil. São Paulo: Scipione, 2003. COOK, M. A. Uma breve história do homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. FAIRBANK, John King. China: uma nova história. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. GOODY, Jack. O roubo da história: como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente. São Paulo: Contexto, 2008. LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. MESQUITA, Alice. A criação do mundo: lendas persas, chinesas, japonesas e mongóis. São Paulo: Aquariana, 2005. SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2006. 278

Unidade 3 – Europa, periferia do mundo

Capítulo 7 – O Império Bizantino, o islã e o mundo HOURANI, Albert H. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. JAROUCHE, Mamede Mustafá (Trad.). O livro das mil e uma noites. Rio de Janeiro: Globo, 2007. v. 3.

Capítulo 8 – A formação da Europa MACDONALD, Fiona. Como seria sua vida na Idade Média. São Paulo: Scipione, 1996. (Como seria sua vida). SARAMAGO, José. História do cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Capítulo 9 – Cultura, economia e sociedade medieval ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. FALCONES, Ildefonso. A catedral do mar. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. FRANCO JÚNIOR, Hilário. O ano 1000. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. MACEDO, José Rivair. Religiosidade e messianismo na Idade Média. São Paulo: Moderna, 1993. (Desafios).

Capítulo 10 – O mundo às vésperas do século XVI GORDON, Noah. O Físico: a epopeia de um médico medieval. São Paulo: Rocco, 1996. JAROUCHE, Mamede Mustafá (Trad.). O livro das mil e uma noites. Rio de Janeiro: Globo, 2007. v. 3.

SHAKESPEARE, William. Macbeth. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. YAZBEK, Mustafa. A Espanha muçulmana. São Paulo: Ática, 1987.

Bibliografia ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1994. ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1991-2. 5 v. BAKHTIN, Mikhail Mikhakailovitch. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2008. BARRACLOUGH, Geoffrey (Ed.). Atlas da história do mundo. São Paulo: Folha de S.Paulo/The Times, 1995. BASCHET, Jéromê. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. BETHELL, L. (Org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp, 1998-2001. v. 1 a 4. BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. BLOCH, Marc. Introdução à História. Lisboa: Europa -América, 1997. BORGES, Jóina Freitas. A História negada: Em busca de novos caminhos. Teresina, PI: Fundapi, 2004. CARDOSO, Ciro Flamarion. Antiguidade oriental: política e religião. São Paulo: Contexto, 1990. _______. O Egito antigo. São Paulo: Brasiliense, 1982. _______. Sete olhares sobre a Antiguidade. Brasília: Ed. da UnB, 1994. _______. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática, 1995. (Princípios). _______. Trabalho compulsório na Antiguidade: ensaio introdutório e coletânea de fontes primárias. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2003. _______. Uma introdução à História. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. _______; BOUZON, Emanuel; TUNES, Cássio M. M. Modo de produção asiático: nova visita a um velho conceito. Rio de Janeiro: Campus, 1990. _______; BRIGNOLI, Hector Perez. Os métodos da História. Rio de Janeiro: Graal, 1979. _______; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997. CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? Sobre a História e historiadores. São Paulo: Ática, 1995.

COOK, Michael A. Uma breve história do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. CORTELLA, Mario Sergio. Política: Para não ser idiota. Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2010. CROUZET, Maurice (Dir.). História geral das civilizações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. v. 17. CUNHA, Manuela C. da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. D’ALESSIO, Márcia M. Reflexões sobre o saber histórico. São Paulo: Ed. da Unesp, 1998. DUBY, Georges. A sociedade cavaleiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989. (O homem e a História). _______. Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos. São Paulo: Ed. da Unesp, 1998. _______. Idade Média: idade dos homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1993. v. 1-2. FAIRBANK, John King. China: uma nova História. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. FALCON, Francisco J. C. Mercantilismo e transição. São Paulo: Brasiliense, 1981. FINLEY, Moses I. Aspectos da Antiguidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. (O homem e a História). _______. Economia e sociedade na Grécia antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1989. (O homem e a História). FLORENZANO, Maria Beatriz. Nascer, viver e morrer na Grécia antiga. São Paulo: Atual, 1996. _______. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo: Brasiliense, 1982. FONTANA, José L. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998. _______. A história dos homens. Bauru: Edusc, 2004. FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1986. _______. O ano 1000. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. FUNARI, Pedro Paulo A. Antiguidade clássica: a História e a cultura a partir dos documentos. Campinas: Ed. da Unicamp, 1995. Bibliografia

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_______. Arqueologia. São Paulo: Ática, 1988. (Princípios). _______. Cultura popular na Antiguidade clássica. São Paulo: Contexto, 1989. GARELLI, Paul. O Oriente Próximo asiático: das origens às invasões dos povos do mar. São Paulo: Edusp, 1982. GOMBRICH, Ernst H. História da arte. 15. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. GOODY, Jack. O roubo da História. São Paulo: Contexto, 2008. GRANDAZZI, Alexandre. As origens de Roma. São Paulo: Ed. da Unesp, 2010. HEERS, Jacques. História medieval. São Paulo: Difel, 1985. HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: uma visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. HOURANI, Albert H. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. INÁCIO, Inês C.; LUCA, Tânia R. de. O pensamento medieval. São Paulo: Ática, 1994. (Princípios). JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989. (Paideia). JOLY, Fabio Duarte. A escravidão na Roma antiga: política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005. LEFÈVRE, François. História do mundo grego antigo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. LE GOFF, Jacques. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. _______. A Idade Média e o dinheiro: ensaio de Antropologia histórica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. _______. A História deve ser dividida em pedações? São Paulo: Ed. da Unesp, 2015. _______. História e memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992. _______. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Ed. da Unesp, 1988. _______; SCHMITT, Jean-Claude (Coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2002. v. 2. _______. As raízes medievais da Europa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. MACEDO, José Rivair (Org.). Desvendando a África. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2008. MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2007. MATYSZAK, Philip. Os inimigos de Roma. Barueri, SP: Manole, 2013. MELATTI, Júlio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: Hucitec, 1993. MONTEIRO, Hamilton M. O feudalismo: economia e sociedade. São Paulo: Ática, 1995. (Princípios). 280

Bibliografia

MOSSÉ, Claude. Péricles, o inventor da democracia. São Paulo: Estação Liberdade, 2008. MUMFORD, Lewis. A cidade na História. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965. NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. PERRY, Marvin et al. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 1985. PINSKY, Jaime (Org.). O ensino de História e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 1997. PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: Ed. da UnB, 1992. QUEIROZ, Tereza. A. P. de. A História do historiador. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1999. _______. As heresias medievais. São Paulo: Atual, 1988. RAMOS, Rui (Coord.). História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009. REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em História. São Paulo: Paz e Terra, 2000. REVISTA de História da Biblioteca Nacional. Vários números. Rio de Janeiro: Sabin. REVISTA História Viva. Vários números. São Paulo: Duetto. REVISTA UFF: Tempo. Índios na História. Rio de Janeiro, n. 23, dez./2007. REVISTA USP: Arqueologia Brasileira: Dossiê antes de Cabral I e II. São Paulo, n. 44, dez. 1999/jan./fev. 2000. REVISTA USP: Dossiê Surgimento do Homem na América. São Paulo, n. 34, jun./jul./ago. 1997. ROSTOVTZEFF, Mikhail. História de Roma. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986. SANTIAGO, Theo (Org.). Do feudalismo ao capitalismo: uma discussão histórica. São Paulo: Contexto, 1992. SCHMIDT, Joël. Nero: monstro sanguinário ou imperador visionário. Lisboa: Larousse, 2010. SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual da Idade Média. Bauru, SP: Edusc, 2007. SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. SILVA, Aracy L. da; GRUPIONI, Luís D. B. (Org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. 2. ed. São Paulo: Global/Brasília: MEC/Mari/ Unesco, 1998. TENÓRIO, Maria Cristina. Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2000. VOVELLE, Michel. As almas do purgatório, ou, O trabalho de luto. São Paulo: Ed. da Unesp, 2010. WHITROW, G. J. O Tempo na história: concepções de tempo da Pré-História aos nossos dias. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1993.

manual do Professor

História Volume 1

Sumário Apresentação ............................................................................................................................................................. 283 1. Objetivos da coleção .....................................................................................................................................................284 2. Princípios e pressupostos ........................................................................................................................................... 285 3. As partes componentes da obra ............................................................................................................................. 289 4. Currículo de História e interdisciplinaridade........................................................................................................ 293 5. Cultura juvenil e Ensino Médio ................................................................................................................................. 295 6. Avaliação de alunos, de professores e da educação ......................................................................................... 296 7. Enem ..................................................................................................................................................................................298 8. Indicações bibliográficas ........................................................................................................................................... 300 9. Comentários e orientações por Unidade e capítulo .......................................................................................... 302 Introdução • A construção do saber histórico ..................................................................................................... 302 Atividades complementares ...................................................................................................................................304 Unidade 1 • Nossa história mais remota ............................................................................................................. 308 Capítulo 1 • Os primeiros agrupamentos humanos ....................................................................... 308 Capítulo 2 • Nossos ancestrais da América ....................................................................................... 313 Atividades complementares ................................................................................................................................... 318 Unidade 2 • Civilizações antigas ............................................................................................................................ 323 Capítulo 3 • O Crescente Fértil e a Pérsia.......................................................................................... 323 Capítulo 4 • Outros povos da Antiguidade....................................................................................... 329 Capítulo 5 • Grécia antiga ................................................................................................................... 334 Capítulo 6 • A civilização romana ...................................................................................................... 342 Atividades complementares ...................................................................................................................................349 Unidade 3 • Europa, periferia do mundo .............................................................................................................. 356 Capítulo 7 • O Império Bizantino, o Islã e o mundo ......................................................................... 356 Capítulo 8 • A formação da Europa ................................................................................................... 362 Capítulo 9 • Cultura, economia e sociedade medieval ................................................................... 367 Capítulo 10 • O mundo às vésperas do século XVI .......................................................................... 373 Atividades complementares ................................................................................................................................... 379

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Manual do Professor manual

Apresenta•‹o Anos e anos como professores de História para o Ensino Médio nos motivaram a produzir esta coleção. E o tempo presente, com todos os desafios que se apresentam aos jovens, nos ajudou a moldar esta proposta. A coleção parte da compreensão de que, no mundo contemporâneo, e especificamente em nosso país, é nos anos finais da Educação Básica, portanto em plena juventude, que os estudantes estão mais ávidos para entender o mundo à sua volta; se preparam para tomar as próprias decisões e arcar com responsabilidades pessoais e sociais, quer seja de ordem política, econômica ou cultural; buscam afirmar-se como cidadãos, tendo sua identidade e sua história de vida como suporte de seu jeito de ser, pensar e atuar no mundo. Assim, ser professor ou professora de História do Ensino Médio, atualmente, é uma grande responsabilidade. Aliamos nossa experiência à crença no papel positivo da educação histórica para o desenvolvimento intelectual, social e profissional dos jovens, com a finalidade de lhes oferecer um recurso didático que pode ajudá-los na condução de seus cursos. Tendo em vista o jovem contemporâneo e a importância de desenvolver um conhecimento histórico útil na formação de seu pensamento crítico e sua atuação cidadã, a obra traz elementos de diferentes visões e formas de olhar para a História, seja no passado, seja no presente. Além do texto condutor, há boxes variados, com textos de diversas fontes, entre os quais, há aqueles que despertam a imaginação e fazem o estudante se colocar no lugar do outro e os que discutem conceitos históricos construídos ao longo do tempo. Destacam-se as seções que colocam a História em diálogo com as outras disciplinas e também aquelas que apresentam pontos de vista diferentes. As atividades seguem desenvolvendo múltiplas habilidades, como a leitura de imagens, e colocando o estudante em contato com documentos de todas as épocas e diferentes linguagens. Tudo isso numa dinâmica que tenta se aproximar do jovem atual, exposto aos mais variados tipos e meios de informação, ainda que de maneira fragmentada e rápida. Este Manual do Professor oferece as ferramentas necessárias para ajudá-lo a explorar a obra em função de seu plano de ensino. Elaborado de forma sintética, visando facilitar a consulta e o planejamento, ele realça os pontos principais de cada capítulo, mostra opções para tratar determinados temas e oferece atividades complementares, desde aquelas que podem servir para uma tarefa em casa ou uma avaliação pontual até outras mais complexas, que podem ser trabalhadas como um projeto. Ele também traz textos de apoio que ilustram e atualizam a historiografia mais recente sobre determinados temas, além de textos sobre estratégias didáticas. Estamos confiantes de que este material ajudará você a conduzir o processo de ensino-aprendizagem de forma eficiente. Com ele, você ajudará as novas gerações a se colocarem como cidadãos em um mundo em transformação e a desenvolverem competências para utilizar o passado como instrumento de reflexão sobre o presente e como peça importante para a construção de projetos para o futuro. Que as orientações aqui contidas sejam úteis para o enriquecimento de sua atuação docente e possam tornar mais amplo e significativo o ensino que promoverá.

Bom trabalho! Os Autores

Manual do Professor

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Objetivos da cole•‹o

Conta-se que no município colombiano de San Andrés de Sotavento, em 1908, o governador da província, um general violento e ambicioso, assinou um decreto no qual afirmava que na região “os índios não existem”. A medida atendia às exigências de empresas petroleiras que sabiam dos possíveis inconvenientes da extração de petróleo em território indígena. Para garantir a veracidade da lei, o general não mediu esforços, expulsando ou exterminando as “ilegais” comunidades indígenas que, de fato, viviam na Colômbia. Essa narrativa, baseada em fontes históricas, é mencionada por Eduardo Galeano, escritor uruguaio, em Memória do fogo 3: o século do vento (2010, p. 16-17). Mais de um século depois, a presença dos povos indígenas na América Latina atravessa o continente e marca uma história de diversidades, resistências e transformações. No Brasil, desde fins do século XX, inúmeros professores e educadores indígenas têm estabelecido os fundamentos de uma visão indígena da História, capaz de integrar suas narrativas e memórias a uma História intercultural e pluriétnica. Pretendem, assim, não apenas colocar em pauta o ensino da História dos povos indígenas, mas construir uma concepção de História capaz de se contrapor à visão dos homens brancos. Desde incontáveis atos de violência e das tentativas de extermínio dos povos autóctones aos gestos de rebeldia e determinação das comunidades indígenas, a História é campo de luta privilegiado, no qual as diversas versões dos sujeitos sociais, as interpretações dos historiadores e as informações difundidas pelos meios de comunicação constituem poderosos sistemas simbólicos em disputa. Nas escolhas sobre o que se ensina e o que desaparece dos conteúdos de História, decide-se sobre a morte e a vida, real e imaginária, dos indivíduos e dos povos, de suas memórias e de suas narrativas. Em 1940, perseguido pelo nazismo e às vésperas de cometer suicídio, Walter Benjamin, um filósofo judeu alemão, escreveu sobre o conceito de História num comovente texto: Articular historicamente o passado não significa reconhecê-lo “tal como ele foi”. Significa apoderarmo-nos de uma recordação quando ela surge como um clarão num momento de perigo. [...] Só terá o dom de atiçar no passado a centelha da esperança aquele historiador que tiver apreendido isto: nem os mortos estão seguros se o inimigo vencer. E esse inimigo nunca deixou de vencer. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. In: BENJAMIN, Walter. O anjo da História. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 11-12.

Segundo Benjamin, o maior perigo para um historiador seria transformar-se em instrumento das classes dominantes, cuja História é sempre narrada como um “cortejo triunfal” dos que venceram e continuam vencendo. Mas não bastaria contar 284

Manual do Professor

a história dos grupos derrotados, das sociedades que sucumbiram à transformação do tempo. Seria necessário estabelecer uma crítica à noção de progresso e evolução linear da história humana e, assim, construir uma narrativa impregnada de “agoras”, isto é, de significados do tempo em que vivemos. Portanto, nosso papel, como autores, pesquisadores e professores de História, deveria ser narrar, explicar e interpretar as transformações da experiência humana ao longo do tempo, de modo o mais amplo, diverso e intenso possível. O estudo do processo histórico daria, assim, respostas aos dilemas e impasses do tempo presente e nos conduziria a refletir sobre a complexidade da vida em sociedade e a imaginar novas possibilidades num futuro capaz de realizar as potencialidades do ser humano. Não estaríamos, entretanto, diante da conhecida e desgastada expressão, tantas vezes reiterada no ensino tradicional, segundo a qual a História “serve para conhecer o passado, entender o presente e transformar o futuro”. Trata-se de reconhecer as tensões, os antagonismos e as disputas que marcam o fazer humano e, a partir disso, refletir com nossos alunos sobre os “projetos de futuro” que desejamos realizar. Josep Fontana, historiador catalão, afirma que o conhecimento histórico deve ser uma ferramenta de análise das transformações das sociedades humanas, capaz de nos oferecer alternativas de futuro para toda a humanidade. Segundo ele:

Temos que reinventar um futuro, redefinindo os objetivos a alcançar, de modo que deem uma resposta válida aos problemas que enfrenta o homem de hoje no mundo inteiro [...]. Necessitamos recompor uma visão crítica do presente que explica corretamente as razões da pobreza, a fome e o desemprego, e que nos ajude a lutar contra a degradação da natureza, o militarismo, a ameaça atômica, o racismo e tantos outros perigos. FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998. p. 265.

Esta coleção nasceu inspirada nesses princípios. Acreditamos que a História ensinada cumpre atualmente papel fundamental na ampliação dos direitos e da cidadania e deve ainda ser capaz de fortalecer o debate democrático na esfera pública. Por isso, pretendemos, nos três volumes, abarcar uma ampla diversidade de povos e oferecer aos alunos uma história que tente ser mais crítica e multifacetada, buscando superar, sempre que possível, o eurocentrismo dos conteúdos e das abordagens, tão comum no ensino de História. Assim, a coleção se estrutura na amplitude de conhecimentos e análises de diferentes sociedades e na relação passado-presente que convida os estudantes a refletir continuamente sobre o mundo em que vivem. Objetiva-se que, ao final do Ensino Médio, o estudante seja capaz: de identificar os processos de transformação dos

grupos humanos, situando-os no tempo e no espaço; de compreender as forças, tensões e contradições que mobilizam as ações humanas e definem os rumos da história; e, finalmente, de construir os próprios temas de interesse e, assim, consiga escolher ferramentas de investigação com as quais amplie o entendimento de si e da experiência humana.

2

Estas finalidades dependem, no entanto, das práticas pedagógicas que instituem usos e apropriações do material didático. Em outras palavras, é apenas pelo trabalho do professor que este livro ganha vida, circula, é lido e criticado e pode, efetivamente, opor-se a uma História disposta a decretar que “os índios não existem”.

Princípios e pressupostos

A História, como área de conhecimento, tem passado por transformações significativas ao longo do tempo, e antigos cânones têm cedido espaço a novas abordagens, novos objetos e problemas e a novas preocupações. A escrita da História e a reflexão sobre essa escrita – a historiografia – não são estáticas nem isoladas do tempo em que são feitas. Respondem às necessidades de compreensão do seu próprio tempo com olhos no passado. São respostas às demandas, às angústias, aos desejos de seu tempo. A historiografia não passa intacta pelas grandes crises de paradigma das ciências. Pelo contrário, participa de todos os movimentos importantes no campo da cultura, e esses afetam sua forma de ver, produzir e validar os saberes. Dizendo de outro modo, a reflexão sobre os seres humanos no tempo modifica-se porque, assim como os tempos, homens e mulheres se transformam. Nos últimos vinte ou trinta anos, a ciência viveu um período de intenso desenvolvimento. Em plena sociedade da informação, os meios de comunicação tornaram disponível de forma instantânea um volume de dados e conhecimentos tão grande que se tornou possível fazer mais coisas em menos tempo. Os capitais passaram a ser traduzidos em bits de computador e puderam entrar e sair de países e bolsas de valores de modo instantâneo, derrubando moedas e levando economias à beira da falência. Diante disso, embora o tempo cronológico continue o mesmo, o tempo histórico, o tempo que sentimos, o tempo dos ciclos de mudanças, acelerou-se. Como a História poderia continuar a mesma? Nas últimas décadas também se agravou a crise das utopias, das alternativas ao capitalismo liberal democrático. Por outro lado, a primazia de um modelo especulativo global, no bojo do capitalismo neoliberal, favoreceu em 2008 uma das crises econômicas mais profundas desde 1929, e a História, que diziam terminada, continuou seu movimento. Percebe-se, no entanto, que as utopias, para continuarem válidas, não podem mais ser como eram antes, porque, afinal, como cantava Renato Russo “o futuro não é mais como era antigamente” (LEGIÃO URBANA. Índios. In: Legião Urbana. álbum Dois, EMI, 1986.). Os historiadores podem certamente reivindicar a tradição humanista, da qual a História resulta, e devolver aos seus leitores um esforço de produção de novos significados, compatível com a valorização da vida e do interesse público.

O ceticismo e o pragmatismo do pensamento histórico dentro do pensamento humanista – que busca no passado e no tempo o “inventário das diferenças” (segundo Paul Veyne) – podem ser tomados como material e ferramenta para a construção de novas utopias. Esta coleção não vai se prender a nenhuma vertente historiográfica em particular, pois uma obra didática não é uma obra de historiografia, e deve oferecer aos seus leitores – professores, alunos, pais – uma perspectiva geral e sintética da História para os não especialistas. A função da História ensinada na escola não é a de formar novos historiadores, mas a de compartilhar alguns saberes e métodos dos historiadores, que devem ser úteis para o desenvolvimento pessoal e a vida em uma sociedade democrática. Para dar conta disso, entretanto, não se pode fazer uma miscelânea sobreposta de vertentes da historiografia. Por outro lado, se definíssemos como base teórico-metodológica uma só vertente ou autor, certamente isso não daria conta dos diversos desafios, problemas e objetivos do ensino. A solução para esse problema – que se impõe a toda obra didática – foi construída por meio de alguns princípios e pressupostos para a abordagem do conhecimento histórico, que são descritos a seguir.

A História não é uma verdade pronta O primeiro item a destacar é a recusa da concepção de História como coleção de dados que pudesse representar o passado de modo objetivo. A verdade que a História pode produzir, dentro da perspectiva atual da disciplina, e mesmo de toda a epistemologia (ou seja, o estudo dos critérios de validade dos enunciados dos mais diversos campos do saber), é algo bem diferente disso. Se a História fosse um conjunto de dados indiscutíveis, restaria ao ensino de História apenas um processo de transmissão, e aos estudantes, apenas um processo de memorização desses dados. Conforme a comunidade de pesquisadores e professores compreendeu ao longo do tempo, esse não é o caminho da aprendizagem da História como a concebemos hoje, mas sim do conhecimento revelado ou autoritário. A relação pedagógica nesse caso seria aquilo que Paulo Freire chamou de “educação bancária”, para a qual basta um aprendizado mecânico. Assim, a concepção que embasa esta coleção recusa o dogmatismo e as ortodoxias, mas também descarta a ideia de que não existe objetividade possível na História, muito menos de que todas as narrativas são iguais em termos de Manual do Professor

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validade. É claro que não temos de chegar a verdades absolutas, mas a História só tem alguma validade para a escola ao continuar buscando afirmações que possam ser aceitáveis, defensáveis, sustentadas nas evidências disponíveis e resultando do melhor argumento possível. Trata-se dos consensos mínimos, construídos no debate entre as vertentes teóricas. Não são apenas “opiniões”, mas os próprios fundamentos do conhecimento histórico.

O conhecimento é construído A História, como os demais conhecimentos resultantes de pesquisa científica e avaliada pelos pares por meio da interlocução intelectual, é um conhecimento construído e em constante construção. A produção da História não é resultado da aplicação de uma metodologia única, capaz de trazer à luz de modo mecânico tudo o que há para saber sobre o passado. Pelo contrário, a História que conhecemos resulta da construção constante de instrumentos intelectuais e práticos de pesquisa, que por sua vez resultam de várias e sucessivas perguntas que foram sendo feitas ao passado, com base nas perguntas que as gerações anteriores já tinham feito, nas respostas que conseguiram e nas questões que continuaram sem respostas convincentes ou suficientes. Assim, o saber histórico, embora possa ser considerado certo e seguro, é sempre passível de novas interpretações. A História, portanto, também tem uma história! O conhecimento histórico é referenciado a seu tempo, dotado também de historicidade, como o(s) objeto(s) que ele busca reapresentar e explicar. Decorre desse princípio que, se o conhecimento foi construído por pessoas concretas com os instrumentos que tinham à mão, ele pode ser objeto de contestações, dúvidas, reconstruções; é importante que o aluno perceba que ele também pode, dentro de suas possibilidades, ser sujeito dessa atividade.

Não é possível aprender ou ensinar toda a História A experiência humana no tempo é composta de uma quantidade praticamente inesgotável de informações. O estudo da História, tanto no campo da ciência quanto no campo da educação, nada mais pode ser do que um conjunto de recortes dessa imensa quantidade de possibilidades de enfoque. Um recorte é a expressão das concepções e dos objetivos do sujeito – individual ou coletivo – que o desenvolveu. A sequência tradicional de conteúdos também é um recorte. Os recortes atendem a diferentes objetivos educativos e ideológicos e refletem, portanto, projetos de representação do passado e de construção ou reprodução de identidade nas novas gerações. Nesta obra, procuramos manter a organização cronológica de eventos e processos, procurando sincronizar a história brasileira nessa História. Obviamente, só podemos falar de Brasil propriamente dito

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a partir do século XIX, mas é possível, ao trabalhar outros períodos, abordar elementos importantes da nossa História, mesmo quando nem se cogitava que o território onde estamos pudesse vir a ser o que é hoje. É fácil exemplificar isso com o processo de ocupação humana da América, inclusive do atual território brasileiro, estudado por meio de diversas pesquisas arqueológicas, como dos sítios de Lagoa Santa e de São Raimundo Nonato, entre outros. Buscamos diluir o foco europeu e eurocêntrico articulando processos semelhantes em regiões diversas e tempos que podem não coincidir, como é o caso da revolução agrícola e da revolução urbana, ou as ondas do pensamento nacionalista. Na obra a seleção de conteúdos está atrelada a alguns fundamentos que elencamos a seguir:

• busca de integração orgânica entre a história mundial e a história do Brasil, contemplando um âmbito geográfico mais amplo;

• referência a casos semelhantes aos processos históricos brasileiros, na América Latina;

• destaque para a inserção do papel do africano e do indígena na construção do Brasil, redimensionando a participação dos diferentes sujeitos;

• problematização das fontes referentes à maioria dos assuntos abordados;

• discussão de diferentes pontos de vista sobre os assuntos em foco, trazendo trechos de textos historiográficos quando conveniente.

As sínteses são necessárias É cada vez mais complicado elaborar sínteses que abarquem grandes parcelas da experiência humana. No ensino de História, entretanto, elas são fundamentais, porque estabelecem um ou mais sentidos para a História, tornando possível atribuir significado a fragmentos (fatos, evidências, opiniões) de um processo histórico. Não se trata de estabelecer significados permanentes e imutáveis, já que, como vimos acima, o funcionamento da História tem por base a sucessão de argumentos e raciocínios que vão sendo revisados ao longo do tempo. O que ocorre é que o estudante não pode ficar refém de fragmentos que só tenham sentido em si mesmos, pois assim a História não teria nenhuma valia no seu processo de orientação temporal (conforme Jörn Rüsen, 2001) e não o ajudaria a produzir uma explicação genérica para o sentido do tempo que vivemos, contribuindo para que ele assuma identidades e planeje ações que visam objetivos para o futuro. Sem isso, a História só seria captada pelos alunos como um mosaico de pequenos objetos com lógicas estanques entre si, e, portanto, um conhecimento sem sentido, que eles entenderão como uma obrigação inútil, destinada tão somente a atender ao arbítrio daqueles que definem currículos e programas.

A História é um conhecimento vinculado à legitimação social O ensino de História cumpre o papel de educar as novas gerações com concepções, ideias e informações que são consideradas válidas, adequadas e corretas segundo os consensos mínimos construídos na geração anterior. É o que chamamos de preparação para a vida adulta e para o exercício da cidadania. Esses consensos são desiguais conforme a sociedade e a conjuntura em que se vive; por isso, eles tanto podem ser o resultado de uma discussão constante, ampla, democrática e esclarecida como podem ser decididos entre poucos e assumidos pela maioria como se fossem dela mesma. Em qualquer caso, a História que é ensinada sempre tem uma função legitimadora de atos e instituições. No Brasil atual, espera-se que o ensino de História legitime a sociedade democrática, fundamentada na representação política sustentada em eleições livres e universais, um Estado laico e respeitador da liberdade de cultos, capaz de estabelecer a justiça não apenas pela igualdade formal, mas também pela igualdade material, por meio de processos redistributivos de educação, renda e poder. Essas posições gerais estão sustentadas na ideia de que o Brasil é um país com muitas desigualdades que foram se acumulando ao longo da sua história, e de que o futuro deve ser resultado da superação desses problemas e da realização plena dos potenciais econômicos, culturais e humanos do país. Pode-se entender esse conjunto de valores e interpretações como um conjunto dos consensos mínimos e fundamentais que orientam a nossa sociedade, o que não impede diversos grupos internos de fazer distintas críticas a esse modelo, seja na sua validade, seja na sua efetivação real, ou mesmo na sua viabilidade. Quando uma sociedade se define sobre seus consensos mínimos, os diversos grupos internos se organizam para conservar ou para buscar mudanças em relação ao que está estabelecido, segundo sua projeção de futuro. O ensino de História – para o qual a neutralidade é uma ilusão – deve sustentar-se nos consensos mínimos assumidos pelo Estado Nacional, firmados na Constituição Federal, que é expressão da soberania popular, embora não precise se fechar aos questionamentos que são feitos àqueles consensos. Afinal, pela característica de disciplina destinada a estudar a historicidade das coisas e pela tarefa de propiciar aos alunos que desenvolvam análises e julgamentos com base nas ferramentas da ciência, há espaço, e mesmo necessidade, para considerar as propostas alternativas. Mas não é o caso de promover visões particularistas, vinculadas a posições político-partidárias determinadas, religiosas ou filosóficas, já que o ensino deve ter um caráter público, ao qual mesmo as escolas privadas ou confessionais estão submetidas em algum nível. Isso não constitui um universalismo ingênuo nem o desconhecimento do conflito entre grupos e classes sociais. O que acontece é o reconhecimento crítico de que a escola e o

ensino de História legitimam posições e visões de mundo. Deve-se cuidar para que, por um lado, não se desrespeite a ordem democrática e, por outro, o estudante seja respeitado como sujeito que precisa continuar tendo elementos para formar sua opinião de modo autônomo, em vez de ter seu julgamento limitado por falta de informações ou por preconceitos instituídos.

O saber histórico não é invariável e na escola assume a condição de saber histórico escolar A forma científica, acadêmica, produzida e escrita segundo métodos aceitos dentro da comunidade internacional dos historiadores, não é a única forma de registrar a reflexão sobre o passado e socializar essa reflexão. A escola, de fato, articula diferentes formas de relacionamento com saberes, símbolos e práticas que se ligam ao passado e à identidade coletiva, entre os quais podem-se citar o jornalismo e os produtos editoriais para o grande público de uma forma geral, o apelo religioso, as demandas de formação cívica, os apelos comportamentais, bem como conhecimentos históricos não privilegiados pela academia, como a história local. A história acadêmica tem finalidades de especulação teórica e ampliação do campo conhecido, de reflexão compromissada com os objetivos científicos, sem se limitar por fatores externos. Por isso, grande parte de seus conteúdos não é de interesse direto para a escola, e pode ser um erro imaginar que a História ensinada seria melhor quanto mais estivesse no mesmo compasso que a história acadêmica. Na escola, o conhecimento histórico tem finalidades formativas para as novas gerações, que não se resumem à assimilação de conteúdos de origem científica, mas que devem dar conta de aspectos éticos e comportamentais que ultrapassam a reflexão histórica acadêmica, bem como de objetivos cognitivos que não se resumem à História, mas abarcam a relação com outras disciplinas. O saber histórico escolar tem identidade própria e se relaciona com a história acadêmica por meio de uma relação de referência, ou seja, tem na academia um parâmetro de validação das afirmativas e dos métodos. Mas os recortes, as ênfases, as formas de relação com o conhecimento não são de fato mais simples ou mais restritas, mas efetivamente diferentes. A seleção de fontes, por exemplo, e a forma de se relacionar com elas são diferentes em cada um dos campos. O saber histórico escolar responde ao saber acadêmico, mas também aos saberes tácitos, cotidianos, familiares. Por isso, diante do desafio de responder a necessidades educativas bem delimitadas, diferentes das necessidades do desenvolvimento científico, o saber histórico escolar assume um papel criativo e de dialogar com outros conhecimentos sobre a história. Um exemplo muito claro e que exige cuidado e dedicação do professor é o debate entre evolucionismo e criacionismo, que há alguns anos pensávamos estar resolvido, pela prevalência da posição da ciência na escola, nos currículos, e que hoje sofre pressões pelo avanço do pensamento religioso Manual do Professor

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fundamentalista. Esse debate não vai ser resolvido pela escola ou na escola, e muito menos na parte específica que cabe à História. Mas cabe à História, nesse debate, uma contribuição sobre os contextos e origens de cada uma das posições e a reflexão sobre o significado social e cultural das conquistas do pensamento e da ciência. Afinal, a História ensinada não se opõe necessariamente às opiniões e aos saberes que o estudante traz da sua experiência de vida, mas adiciona graus progressivamente maiores de racionalidade e dialogicidade ao conhecimento partilhado (por sua relação de referência com a história acadêmica ou científica).

A História participa do processo de construção das identidades sociais É fundamental o conhecimento histórico na definição, redefinição e absorção das mudanças no campo das identidades pessoais e coletivas. Isso porque a História é um dos principais campos de conhecimento a oferecer os primeiros conjuntos organizados de ideias, informações e imagens sobre o grupo e o indivíduo no tempo, assim como oferece esses mesmos elementos para representarmos os “outros” que não pertencem ao nosso grupo (família, nação, etc.) em outros tempos e espaços. O conhecimento das diferenças faz parte da definição de nós mesmos, e é por isso, por exemplo, que se sustenta a necessidade do estudo de grupos e civilizações que já desapareceram. O desconhecimento dos outros nos impede de pensar em nós mesmos e de refletir sobre as alternativas para melhorar nossa maneira de viver, de nos organizar e de definir e buscar nossos objetivos comuns. Por isso é tão importante o trabalho do professor e da professora de História ao garantir a atenção, o interesse e o respeito à diversidade; e isso o aluno certamente vai usar em sua vida. Daí a importância de enfatizar o caráter multicultural da sociedade brasileira. Precisamos também ter claro que cada sujeito articula várias identidades que respondem a aspectos diferentes da vida (sexualidade, lazer, política, economia, classe) e não é aceitável, no processo de autoconstrução que cada criança ou adolescente executa, o constrangimento ao assumir papéis que decorrem de estruturas e processos opressivos, como o racismo, o machismo, a homofobia, os preconceitos de classe, os regionalismos excludentes, entre outros.

A formação para a cidadania é também tarefa da História e significa a politização dos sujeitos Desde seu surgimento como disciplina escolar, cabe à História uma parcela expressiva da tarefa de preparar os futuros cidadãos para a vida em sociedade, sobretudo para a participação na esfera política. No contexto da escola, a História participa dos objetivos de formar atitudes e concepções que sejam úteis para a vida pessoal e para a vida coletiva das novas gerações, como a tolerância, o espírito de justiça, o senso crítico, a dimensão da solidariedade e a responsabilidade pelo bem-estar dos outros cidadãos e pela preservação da cultura e da natureza. Também tem cabido

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em escala significativa à História a construção da identidade nacional. Esse objetivo, particularmente, tem provocado algumas polêmicas: à acusação de ingenuidade e falta de senso crítico das abordagens tradicionais sucede em grande parte das vezes uma perspectiva crítica destrutiva, iconoclasta, que não deixa nada no lugar do sentimento nacional que se propõe superar. Se, por um lado, não é o caso de aceitar as abordagens acríticas, valorizadoras de datas, fatos e personagens da classe dominante, por outro lado, não se trata de simplesmente demolir esses valores, mas de substituí-los por uma versão mais democrática e popular da identidade coletiva no tempo. Sem algum sentimento positivo de pertencer à nação, inviabilizam-se valores políticos (e não apenas morais), como a solidariedade e o senso de responsabilidade e colaboração com a coletividade; por sua vez, a ausência desses valores não compromete apenas os projetos conservadores, mas quaisquer projetos de sociedade. O que se pretende como objetivo e ideal no ensino de História e na escola em geral é a associação dos educandos a uma perspectiva democrática, plural e aberta de sociedade, não como uma identidade à qual nos ligamos apenas pelo nascimento, por sermos registrados juridicamente como cidadãos brasileiros, mas sim como membros ativos capazes de interferir nas definições e nos rumos de nosso país, longe de uma fidelidade cega e acrítica aos líderes nacionais em cada momento. Está presente aqui a ideia de que uma nação é um conjunto de pessoas que têm suas diferenças, mas também têm uma identidade dada pela opção de participar de um mesmo corpo político, sem perder de vista a identidade fundamental de seres humanos, a partir da qual traçamos relações fraternais e generosas com os outros países. O ensino de História pretende construir nos cidadãos uma postura de sujeitos ativos e participantes nas decisões comunitárias, institucionais e mesmo nacionais. A ideia de que a História é a tarefa de grandes homens não colabora para a formação dessa postura, mas sim para uma perspectiva passiva e individualista, na qual o cidadão age apenas como espectador. Esse sujeito deve ser capaz de avaliar e compreender criticamente determinações, condicionamentos e possibilidades de ação na História. Somente com esses pressupostos será capaz de agir de modo autônomo, em vez de ser massa de manobra ou “figurante” nas grandes questões de nosso tempo. É evidente que essa postura deverá ser desejada e assumida pelo indivíduo, porque não há como impor a alguém a condição de sujeito; isso seria uma contradição completa.

O ensino de História deve valorizar a diversidade cultural e reconhecer as múltiplas identidades Nas últimas décadas, especialmente após a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1998, os programas e currículos de História têm se comprometido, cada vez mais, com a construção da cidadania e a consolidação dos direitos do cidadão. Tanto as orientações da política pública quanto a

formação docente e as práticas pedagógicas têm articulado o campo do conhecimento histórico à reflexão política e ao entendimento das diversidades culturais e desigualdades econômicas que constituem a sociedade brasileira. Às críticas já recorrentes a uma história política pautada nos grandes acontecimentos e nos heróis nacionais somaram-se as críticas a uma história mecanicista, que reduziu o processo histórico à polaridade entre dominantes e dominados e estabeleceu grandes esquemas explicativos, calcados apenas na transformação dos modos de produção. Surgiram, assim, novas abordagens que têm valorizado o ensino da diversidade étnica e cultural das sociedades humanas e têm insistido no tema das identidades múltiplas – em oposição à noção de uma identidade de nação ou de classe. Ganharam destaque as especificidades de gênero, o reconhecimento do papel dos idosos, a reflexão sobre os cuidados com a infância, o respeito à diversidade sexual, a valorização das culturas juvenis, o estudo das comunidades indígenas e dos povos tradicionais e o entendimento da identidade étnica e nacional a partir da autodeterminação dos povos e dos sujeitos históricos. Nessa direção, inúmeras orientações curriculares têm vinculado as noções de identidade e pertencimento ao processo de formação e amadurecimento do indivíduo. Em decorrência, o ensino de História deveria oferecer conteúdos pautados em múltiplas identidades, vinculando a reflexão e o sentido de pertencimento dos alunos a essas identidades. A construção da cidadania e o reconhecimento das diversidades e diferenças surgiriam da compreensão dessas redes sociais que integrariam os sujeitos em comunidades imaginadas de pertencimento. Ainda que essa venha sendo uma resposta efetiva à exclusão de imensos contingentes populacionais, parece-nos que a ampliação e a consolidação dos direitos humanos e o entendimento das transformações sociais e econômicas demandam uma reflexão sobre o sentido mais amplo do processo histórico.

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Essa perspectiva ancorada nas identidades parece supor que um aluno negro se identificaria necessariamente com a história dos povos da áfrica subsaariana; que uma aluna se identificaria com as questões de gênero; e que os alunos de origem popular deveriam se compreender como pertencentes à história dos setores sociais oprimidos. Do nosso ponto de vista, é preciso insistir que o ensino de História deve ter por horizonte que os alunos sejam capazes de reconhecer a existência de múltiplas e diversas experiências dos sujeitos históricos, cujos significados são construídos no próprio fazer humano, em sua totalidade complexa e contraditória. Em outras palavras, acreditamos que a construção de um espaço de reflexão e prática cidadã deve levar em conta a diversidade cultural e as formulações identitárias na proposição de projetos sociais mais amplos, nos quais a totalidade do corpo social se reconheça e seja reconhecido no percurso de estudos da História. Portanto, nossa tarefa, como professores de História, não pode ser apenas de apresentar a diversidade cultural e étnica, mas de entender os diferentes papéis dessas diversidades nas formações socioeconômicas mais amplas. Isso significa reconhecer, nos processos históricos, as tensões e contradições, os avanços e recuos, os impasses, as desigualdades e os limites que configuram as sociedades humanas. Nesta coleção, procuramos expressar essa perspectiva ao buscar construir um quadro diversificado de análise das sociedades humanas, rompendo, assim, com o velho eurocentrismo dos nossos currículos. Porém, ao estudarmos a diversidade de povos e culturas, mantivemos o foco no sentido político da ação humana, isto é, na formulação de instituições de poder que definiram as formas de organização dos territórios, dos Estados e das relações sociais. Esperamos dessa forma o reconhecimento das múltiplas identidades possa convergir para a construção e o amadurecimento da esfera pública, na qual se debatem os diversos projetos sociais e na qual se formulam os significados mais amplos da vida em sociedade.

As partes componentes da obra

A coleção é composta de três volumes. A versão do professor contém o Livro do Aluno e o Manual do Professor. O primeiro volume contém três Unidades, com um total de 10 capítulos. O princípio de uma História que recupera o papel do conjunto da humanidade em vez de um olhar eurocêntrico está presente na estrutura das unidades. A primeira delas, por exemplo, é chamada de “Nossa história mais remota”, e o primeiro capítulo dessa Unidade é denominado “Os primeiros agrupamentos humanos”, pois pretendemos favorecer a ideia de que há um momento em que toda a humanidade se organizava em pequenos grupos (pelo menos no princípio). Ao recuperar tantas capacidades que os primeiros

seres humanos tinham, procura-se ressaltar uma visão antropológica, ou seja, capaz de apreciar culturas contemporâneas de pequenos grupos e tecnologias pouco complexas sem a pretensão de medi-las de acordo com os parâmetros de nossa cultura. O princípio de integrar a história do Brasil e a história geral aparece, por exemplo, na preocupação de contextualizar o que futuramente chamaríamos de continente americano no Paleolítico e Neolítico. A seguir, a segunda Unidade é chamada “Civilizações antigas”. Aqui procuramos destacar o papel que tiveram as experiências em outra forma de organização humana, que são as civilizações, capazes de organizar pessoas em grande número, e responsáveis pelo surgimento de uma ordem Manual do Professor

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institucional cujo conceito é importante para nós até hoje: o Estado. As cidades, seu surgimento e desenvolvimento, sua relação com as civilizações e suas marcas para a contemporaneidade são um assunto constante e gerador de reflexões, sobretudo nessa Unidade. Civilização não é tratada como uma categoria evolutiva, como algo que supera a experiência da vida em pequenos grupos, mas como outra forma de viver, articulada com novas condições que foram se impondo para parcelas da humanidade e interferiram profundamente na forma da vida social. Não nos limitamos aos esquemas clássicos sobre o assunto e procuramos dar um panorama um pouco mais global da experiência civilizatória, trazendo também os casos do Extremo Oriente, da áfrica e da América. Mantém-se a perspectiva de garantir que o aluno conheça as fontes do conhecimento que ele está partilhando, e por isso muitas vezes incluímos boxes sobre a construção do conhecimento, a metodologia da História e sua relação com outras disciplinas no campo do conhecimento humano. Na terceira Unidade, chamada “Europa, periferia do mundo”, mais do que falar sobre a Idade Média europeia, procuramos dar um panorama mundial desse período e demonstrar as várias e distintas lógicas presentes em um mesmo momento, muitas delas não “cabendo” nesse recorte cronológico europeu de cerca de mil anos. Destacamos que, enquanto o que chamamos de Europa se fechava sobre si mesma buscando um novo equilíbrio de vida, religião e produção, outras experiências levavam à expansão econômica, especificamente comercial, e ao desenvolvimento da ciência, da técnica e da cultura no Oriente, especialmente no Islã. Procuramos os elos que integram a História, por exemplo, na presença muçulmana na península Ibérica, que marcaria o futuro Brasil e a futura América Latina. Sempre que possível, reunimos texto didático e documentos históricos, além de trechos de textos historiográficos, para que os conhecimentos possam ser trabalhados de forma multidimensional. O segundo volume, dividido em 19 capítulos, é aberto pela Unidade “Europa como centro do mundo”, que se dedica ao processo de construção da modernidade baseado em um mercado cada vez mais global, capitaneado por alguns dos países europeus. Nesse momento, a história da áfrica é discutida a partir do conceito de diáspora africana, que procura entender o importante fenômeno da escravidão no contexto da criação do mercado atlântico e da interferência europeia sobre o continente africano. O professor deve destacar os processos de resistência dos escravizados, mas também os processos que geraram a cultura brasileira, na qual a contribuição africana não é apenas mais um item, mas um dos alicerces que a estruturam. Também procuramos destacar que, no contexto da criação da modernidade, a criação da América Latina é uma consequência. É importante o professor lembrar aqui que os traços comuns entre a América hispânica e a portuguesa são as bases de nossa proximidade. 290

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O segundo livro é completado com a Unidade “O ‘longo século XIX’”. Procuramos tratar conjuntamente todas as revoluções – políticas, sociais e econômicas – que, embora cronologicamente anteriores ao século XIX, geram todas as estruturas que vão explicar esse primeiro momento da contemporaneidade. Novamente, procuramos tratar de modo integrado as perspectivas de história europeia, americana, da áfrica e do Oriente. O terceiro volume, com 13 capítulos, é dedicado ao século XX e início do XXI, dada a importância crucial do seu estudo para que a História aprendida seja utilizável na vida política, social e de trabalho dos alunos que estão concluindo o Ensino Médio. Nas suas Unidades, “Para entender o século XX” e “Da Guerra Fria ao século XXI”, procuramos manter os princípios que nortearam a obra até aqui, privilegiando as narrativas que informam o leitor sobre os acontecimentos que constituem o presente da humanidade.

Estrutura da obra A obra está organizada em Unidades e capítulos. As Unidades iniciam com a seção Saber histórico e finalizam com a seção Enem e vestibulares. • Saber histórico: apresenta a construção do conhecimento histórico dos conteúdos tratados na Unidade. Assim, pretende-se retirar a redoma de pretensa objetividade da narrativa histórica, evidenciando métodos, teorias e informações adicionais sobre as pesquisas historiográficas e suas relações com a sociedade. Deste modo, cada tema apresentado não surge como se fosse “natural” ou definido por algum especialista, mas como resultado das transformações dos estudos históricos e das mudanças sociais. Pretende-se, assim, que os alunos tenham a oportunidade de compreender que os debates sobre a produção do discurso da História também revelam os interesses, tensões e contradições que constituem as sociedades contemporâneas. • Enem e vestibulares: conjunto bastante expressivo de questões selecionadas das últimas avaliações do Enem e dos vestibulares de universidades de todas as regiões do país. Os capítulos, além do texto principal, trazem boxes e seções variadas. Na página de abertura de cada capítulo há sempre uma imagem significativa referente aos temas abordados. A interpretação da imagem e a leitura do pequeno texto que a acompanha podem propiciar inúmeras reflexões, hipóteses e sugestões de assuntos que se desdobram ao longo do estudo do capítulo. A foto e o texto tratam, invariavelmente, de um tema contemporâneo e sugerem questionamentos sobre as relações presente-passado. Pretende-se, assim, incentivar uma leitura do passado sempre marcada pelos problemas e impasses do mundo que nos cerca, operando análises que conduzam os alunos a refletir sobre seu lugar e sua trajetória, bem como sobre a dimensão temporal dos acontecimen-

tos atuais. Além disso, o tema desta abertura de capítulo é retomado sistematicamente na atividade Articule passado e presente, na qual os alunos devem refletir e tomar posição sobre uma questão atual. Esses recursos contribuem para fortalecer práticas dialogadas, em que os alunos são incentivados a compartilhar seus conhecimentos prévios, suas opiniões e seus valores. É importante que esses ambientes sejam construídos com base no respeito e na valorização das diferenças e diversidades e que, pelo trabalho pedagógico, as tensões e as divergências sejam explicitadas, compreendidas e incorporadas pela classe como parte integrante das relações interpessoais. Sempre que possível, os capítulos apresentam a matéria de forma cronológica. Imagens e boxes com informações complementares procuram enriquecê-la e criar alternativas de leitura que visam auxiliar o aluno em seu estudo. O texto dos capítulos não trata sistematicamente das discussões levantadas na seção Saber histórico, pois acreditamos que isso foge ao perfil de manual didático que pretendemos. Nessa fase de estudo, é importante que o aluno saiba que essas questões sobre o saber historiográfico existem, que ele reflita sobre elas e as tenha presentes; no entanto, submeter cada tópico do conteúdo a uma análise desse tipo poderia mais confundir o aluno do que ajudar. Por isso, frisamos que essa tarefa caberá ao professor, que é o condutor do processo e saberá o melhor momento para retomar essas análises e de que maneira, dependendo da realidade de cada turma de alunos. Por outro lado, isso não significa que apresentamos a matéria de forma estanque, nem os conhecimentos históricos como uma única verdade. Há constantes relativizações e, principalmente nos boxes, procuramos trazer algumas análises historiográficas para o primeiro plano, quando consideramos pertinente e adequado para assimilação pelos alunos. Os capítulos trazem ainda as seguintes partes:

• Onde e quando – seção apresentada sempre no início, localiza visualmente o período e o espaço que serão abordados no capítulo. É importante convidar os alunos a observar essas informações para que se orientem no estudo e possam aprofundar as noções de tempo cronológico e tempo histórico.

• Leituras – boxe que apresenta trechos de textos de outros

autores publicados em livros, revistas ou sites da internet. É importante que a leitura dos trechos seja acompanhada de referências à modalidade textual, ao autor e à fonte de origem da publicação. Assim, os alunos ampliam não apenas seus conhecimentos sobre os temas do capítulo, mas também suas competências de leitura e compreensão de diferentes discursos. Se julgar oportuno, os textos originais podem ser consultados e lidos integralmente, em atividades complementares que aprofundem determinados temas. Muitas vezes a seção propõe atividades, algumas de caráter interdisciplinar.

• Para saber mais – boxe que apresenta textos que complementam e aprofundam algum conceito ou aspecto abor-

dado no capítulo. A seção pode apresentar atividades da disciplina, bem como de outras áreas do conhecimento. • Pontos de vista – apresenta a opinião de pesquisadores a respeito de uma temática polêmica, discutindo diferentes pontos de vista e concepções teóricas sobre determinado processo histórico. Nessa seção, articulam-se traços biográficos de cada autor às suas ideias fundamentais, a partir de trechos de suas obras de referência. • Construindo conceitos – esse boxe tem por finalidade sistematizar conceitos fundamentais do ensino de História, apresentando a construção histórica e os debates em torno das diversas acepções de cada conceito. É importante trabalhar o boxe articulado aos conteúdos dos capítulos já estudados, para que os conceitos sejam mais bem compreendidos. Propõe atividades relacionadas à pesquisa. • Vivendo naquele tempo – boxe que aprofunda conhecimentos sobre um determinado conteúdo histórico, a partir da perspectiva de diferentes sujeitos sociais e de suas experiências cotidianas. Assim, procuramos apresentar as condições de vida, os valores e as práticas sociais de escravizados, cavaleiros medievais, mulheres, idosos, degredados e indígenas, etc., em diferentes contextos históricos. • Dialogando com outras disciplinas – ao longo dos três volumes, diversas atividades foram elaboradas nessa seção para incentivar especialmente o trabalho interdisciplinar. Ela propõe um trabalho de investigação com outra disciplina a partir de um objeto ou problema comum. Esse trabalho pode ser realizado com a integração plena das disciplinas ou, quando isso não for possível, com a colaboração pontual do professor da outra disciplina. Sabemos que projetos interdisciplinares exigem disposição, diálogo e desprendimento de cada docente para o esforço de ação coletiva. Em todo caso, reiteramos que a ação interdisciplinar não propõe a anulação das disciplinas de base, mas pressupõe a articulação das perspectivas disciplinares no desvendamento de uma temática ou problema de pesquisa. • Infográfico – por meio de imagens, legendas explicativas e pequenos textos, a seção está construída em torno de representações visuais que colaboram para a fixação de determinados conteúdos. Trata-se de um recurso que solicita uma leitura atenta e dirigida, com orientações que conduzem o aluno a identificar relações nem sempre explícitas. • Atividades – dispostas no final do capítulo. Nos capítulos mais longos ou dependendo da pertinência do tema, podem aparecer também após um tópico principal. Estão divididas em quatro blocos, como segue: • Retome – atividades que objetivam a retomada das questões mais relevantes do capítulo, solicitando ao aluno que explique, sintetize e justifique determinados conteúdos. Trata-se de um tipo de procedimento individual que pretende sistematizar práticas de estudo bastante consolidadas, mas que os alunos tendem a Manual do Professor

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desvalorizar, optando por copiar as respostas de colegas ou simplesmente procurar pelo trecho correto no livro. Assim, seria oportuno refletir com os alunos sobre a importância desse tipo de atividade para a fixação dos conteúdos, na medida em que é o processo de escrita individual e genuína que lhes permite compreender o que estudaram e identificar os aspectos que não ficaram claros. • Pratique – atividades que trabalham habilidades operacionais e interdisciplinaridade. Envolvem leitura, análise, comparação, interpretação de imagem, de textos e documentos diversos, letras de música, poesias, charges, tabelas, mapas, etc. Nessas atividades tentamos criar condições para que o aluno perceba: primeiro, que a História ensinada na obra e na escola não é a única fonte de informação que ele tem disponível (realizações práticas e interpretações da História que brotam das famílias, instituições e meios de comunicação também devem ser consideradas); segundo, que a História está em permanente construção. • Analise uma fonte primária – atividades que apresentam roteiros de interpretação de diversas fontes históricas, como leis, cartas, ilustrações, pinturas, fotografias diversas, etc. O objetivo da atividade é desenvolver habilidades de leitura e interpretação de fontes por meio da observação direta e da articulação com os conteúdos do capítulo. Ainda que as questões formuladas ofereçam margem para “respostas pessoais”, entendemos que o direcionamento da leitura e o incentivo ao aprofundamento do trabalho podem conduzir os alunos a respostas mais complexas e integradas aos estudos do capítulo. • Articule passado e presente – atividades que incentivam os alunos a refletir e discutir as relações entre o tempo presente e o passado, retomando muitas vezes o tema contemporâneo apresentado na abertura do capítulo. Pretende-se, assim, colaborar para a construção de um pensamento crítico sobre as experiências cotidianas e as relações sociais que cercam os alunos. A realização dessas atividades pode conduzi-los a debater, expressar opiniões, realizar pesquisas em sites e livros, trocar ideias e solicitar a opinião dos colegas, enfim, construir a sua própria interpretação sobre a relação passado-presente a partir de um tema ou problema apresentado.

Estrutura deste Manual do Professor Este Manual do Professor oferece a você, professor, alguns subsídios que podem ser úteis na aplicação desta obra em seu curso. O Manual contém: • Tópicos 1 a 7: compreendem a apresentação introdutória à coleção, com os fundamentos, algumas discussões que servem ao seu embasamento (Enem, avaliação, cultura juvenil, etc.) e a organização da obra. 292

Manual do Professor

• Tópico 8: traz as indicações bibliográficas, selecionadas para o professor. • Tópico 9: apresenta comentários e orientações por Unidade/capítulo de cada volume. Tem a seguinte estrutura: • Por que estudar?: indica a pertinência do estudo de alguns temas do capítulo. Ajuda a responder ao questionamento comum dos alunos: por que temos de estudar isso? O que importa para a minha vida saber esse assunto? • Objetivos: enumera os conteúdos, habilidades e competências que se pretende desenvolver no capítulo. • Tópicos principais do capítulo: destaca algumas seções e conteúdos, sugerindo possibilidades de trabalho e aprofundamento. • Abordagens interdisciplinares: indica possibilidades de trabalho com disciplinas específicas com base em certos conteúdos do capítulo, além daqueles que já constam do livro do aluno. • Conheça mais: sugere livros, filmes e sites sobre os conteúdos do capítulo. • Textos de apoio: indica trechos de textos de historiografia que podem complementar o trabalho em sala de aula ou colaborar para ampliação do repertório dos professores. Aparece em alguns capítulos. • Comentários e respostas: apresenta sugestões de resposta e encaminhamento para todas as atividades do Livro do Aluno, incluindo as que estão nos boxes e seções e as da seção Atividades no final de cada capítulo. • Atividades complementares: são atividades extras, que o professor pode usar no momento que achar mais adequado. Há atividades semelhantes às do Livro do Aluno (+Atividades), as quais podem servir de tarefas de casa ou avaliações pontuais. Há ainda outras atividades, para trabalhos em grupo ou individuais, que podem demandar um tempo maior de realização. Por último, temos sugestões de atividades interdisciplinares com as áreas das Ciências Humanas. Elas atendem às orientações curriculares para o Ensino Médio, que destacam as necessárias articulações entre as dimensões temporal e espacial, aproximando e integrando análises sobre os processos sociais e históricos e a espacialidade de diferentes eventos e fenômenos em diferentes escalas geográficas. Também permitem compreender, construir e relacionar importantes conceitos utilizados na Filosofia e na Sociologia. Com base nas proposições dessas atividades, o aluno poderá ainda desenvolver competências gerais e das Ciências Humanas, associadas ao domínio de uso de diferentes linguagens, à leitura e produção de textos em diversos gêneros, à leitura e interpretação de mapas, cartas e iconografias, favorecendo o trabalho coletivo, interdisciplinar e contextualizado.

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Currículo de História e interdisciplinaridade

O currículo expressa concepções de conhecimento e projetos de ser humano e sociedade, por isso representa relações de poder, revelando tensões que definem seu caráter sempre disputado e, consequentemente, contingente e histórico. Por essa razão, o currículo das escolas de Educação Básica, em especial das escolas públicas, é objeto permanente de críticas e alvo de constantes propostas de mudanças que se balizam pelas questões: qual conhecimento? Que subjetividades queremos formar?1 Um dos temas centrais do debate são os princípios que devem reger a organização do conhecimento escolar. São inúmeras as formulações sobre o problema e as propostas apresentadas, envolvendo aspectos como a disciplinarização ou não do conhecimento, a constituição de áreas, projetos ou eixos temáticos. Alguns preferem reduzi-lo a um núcleo de disciplinas fundamentais – Matemática e Língua Portuguesa – que asseguram domínios básicos de aprendizagem para ingresso no mundo do trabalho. Outros defendem que o conhecimento do mundo não pode mais estar fragmentado e distante dos desafios trazidos pelas novas tecnologias e que os currículos especializados e disciplinares já não são mais adequados aos novos tempos, devendo ser substituídos por currículos integrados e interdisciplinares. As atuais diretrizes curriculares da educação básica preconizam, ainda, que a escola deve entender a organização da matriz curricular:

[...] como alternativa operacional que embase a gestão do currículo escolar e represente subsídio para a gestão da escola (na organização do tempo e do espaço curricular, distribuição e controle do tempo dos trabalhos docentes), passo para uma gestão centrada na abordagem interdisciplinar, organizada por eixos temáticos, mediante interlocução entre os diferentes campos do conhecimento. (grifo nosso) Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Resolução CNE n. 4/2010, art. 13, §3º, Inciso V.

A opção por uma organização curricular a partir de uma concepção de conhecimento interdisciplinar possibilitaria a construção de relações significativas entre o conhecimento escolar e a realidade vivida, e a superação de uma abordagem curricular em que as relações entre as disciplinas e os conteúdos de cada uma delas sejam burocraticamente preestabelecidas. As abordagens interdisciplinares de conteúdos escolares permitiriam des1

Nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução CNE n. 4/2010) o currículo é entendido como “experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos”.

mantelar as barreiras curriculares e as formas fragmentadas de organização do trabalho escolar. Juares Thiesen (2008) afirma que a interdisciplinaridade, “compreendida como formulação teórica e assumida enquanto atitude, tem a potencialidade de auxiliar os educadores e as escolas na ressignificação do trabalho pedagógico em termos de currículo, de métodos, de conteúdos, de avaliação e nas formas de organização dos ambientes para a aprendizagem”. Uma abordagem interdisciplinar instaura uma nova relação entre as disciplinas que compõem o currículo e a realidade. Os conteúdos serão selecionados e desenvolvidos numa concepção em que se pressupõe que as áreas de conhecimento devam interagir para o conhecimento da realidade e em que o currículo se construa em diálogo com a realidade próxima e com as demandas dos alunos. Mas será que essa mudança de postura ante o conhecimento escolar exige também uma completa ruptura na organização curricular? Seria preciso, por exemplo, romper com um currículo baseado em disciplinas escolares? O obstáculo para as práticas interdisciplinares está relacionado à existência de disciplinas escolares? O que se pretende em uma abordagem interdisciplinar não é anular a contribuição de cada disciplina escolar e sua ciência de referência, em detrimento de outras, nem mesmo criar uma nova área de conhecimento, ou uma nova disciplina. É importante destacar que as contribuições e trocas entre as disciplinas permitem a integração dos conteúdos das diferentes áreas de conhecimento, mas não significam uma completa ruptura do currículo disciplinar. Para existir interdisciplinaridade, nos lembra Bittencourt (2011, p. 256), deve haver disciplinas que possam estabelecer vínculos epistemológicos entre si. Todavia, é preciso ir além das disciplinas e de uma abordagem fragmentada do conhecimento, o que pode ser realizado com a criação de uma abordagem comum em torno de um mesmo objeto de conhecimento. A abordagem interdisciplinar exige do professor o domínio do seu campo específico de conhecimento, da sua disciplina escolar, para que ele possa empreender a abordagem de um tema ou problema em diálogo com outras disciplinas. Nesta perspectiva, a interdisciplinaridade consiste em um trabalho comum, que integra diferentes disciplinas, e que se efetiva pela interação entre elas no desenvolvimento do estudo de um tema, problema ou objeto. A pesquisadora Ivani Fazenda (1979) afirma ser exatamente a interação a condição básica para a interdisciplinaridade. A interação, que resulta do diálogo entre diferentes áreas de conhecimento, permite alcançar uma visão integrada que não fragmenta o objeto de estudo. Manual do Professor

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Num sentido epistemológico, Paulo Freire afirma que: A interdisciplinaridade é o processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com sua cultura. Busca-se a expressão dessa interdisciplinaridade pela caracterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma integrada. (grifo nosso) FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Na proposta freiriana, a interdisciplinaridade envolve um conjunto de procedimentos metodológicos de construção do conhecimento. Procedimentos que levam em consideração as relações de conhecimento que o sujeito tem com seu contexto, sua realidade, sua cultura. Isto é, procedimentos que valorizam o conhecimento prévio dos sujeitos, suas experiências e vivências sociais e culturais. A interdisciplinaridade pressupõe a relação ativa do sujeito na construção do conhecimento a partir de seu contexto, realidade e cultura. Por sua vez, metodologicamente, a construção do conhecimento se realiza por meio de movimentos dialéticos, aqui pensados em dois momentos articulados: da problematização (indagações que permitem desvelar, ou seja, tornar visível aquilo que se tornou escondido – por exemplo, aquilo que está naturalizado e nem é mais questionado, como as relações sociais, a pobreza, as relações de gênero, as relações raciais, as formas de comer, vestir, habitar, consumir, produzir, trabalhar, a violência, o voto, a corrupção, etc.); e da sistematização dos conhecimentos de forma integrada. Segundo Zanotto e De Rose (2003), na perspectiva de Paulo Freire, o que está sendo enfatizado na problematiza•‹o é o sujeito, ou seja, a ação de problematizar acontece a partir da realidade que envolve o sujeito; as indagações que este lança ao mundo real, vivido, cotidiano. Por sua vez, a busca de explicação e solução para os problemas ou temas levantados (as relações de trabalho, o transporte público, a mortalidade infantil, as formas de habitação, etc.) visa transformar aquela realidade estudada pela ação do próprio sujeito. Na concepção de Paulo Freire, nessa operação cognitiva estão enlaçados simultaneamente: os sujeitos inseridos num contexto, numa realidade e cultura e que buscam conhecer; um objeto a ser desvelado, conhecido; um procedimento de abordagem específico dos sujeitos em relação ao objeto (os sujeitos aprendem entre si, como ensinou Freire, mediados pelo mundo); e uma transformação contínua, que ocorre tanto nos sujeitos que conhecem quanto no objeto que é conhecido – sejam os objetos do mundo, propriamente ditos, sejam os conhecimentos ou representações construídas social e historicamente sobre ele. Na ação de problematizar, o sujeito também se transforma e passa a perceber novos problemas na sua realidade, e assim sucessivamente. 294

Manual do Professor

A sistematização do conhecimento, por outro lado, pode ser entendida como uma etapa de síntese, de generalizações, que pode ser expressa por meio de várias formas de resgate, registro, organização, análise e interpretação da experiência de conhecimento vivida. De acordo com Jara, a palavra sistematizar, em geral, é empregada no sentido de ‘sistematização de informação’, coincidindo com a ideia de ordenar e classificar as informações. Todavia, segundo ele, quando falamos sobre como sistematizar uma experiência vivida, uma prática de conhecimento do mundo, não devemos apenas pensar em como ordenar e classificar a informação, pois: É preciso um método para se aprender da experiência. Sobre a base dessa ideia central nós elaboramos uma proposta metodológica que tem, digamos, três momentos. Há um momento descritivo, de descrição, de ordenamento e de reconstrução histórica do que se passou. Depois, interpretar criticamente e tirar conclusões. E, por fim, o que eu considero o mais importante, que é comunicar as aprendizagens. A ideia é que cada um de nós discorra sobre uma parte de sua experiência. Isso só acontece se houver sistematização, caso contrário a experiência vai se perdendo no tempo. JARA, Oscar. Sistematização. In: FUMAGALLI, D.; SANTOS, J. M. P.; BASUALDO, M. E. (Org.). O que é sistematização: uma pergunta, diversas respostas. São Paulo: CUT, 2000. p. 37.

Nesse sentido, a sistematização resulta como um momento de reflexão individual e coletiva sobre o próprio processo, a prática de investigação, a construção do conhecimento sobre a realidade mediada pelo educador. Esse é um momento que exige disponibilidade para aprender com o vivido, sensibilidade para falar sobre a experiência e ouvir sobre a prática, requer habilidade para análise, interpretação e síntese. Do ponto de vista pedagógico do currículo escolar, a abordagem interdisciplinar implica ensinar e aprender conteúdos específicos das disciplinas escolares com um método comum, valorizando a interlocução entre as áreas de conhecimento. Ao longo da nossa coleção, procuramos valorizar sistematicamente a perspectiva interdisciplinar a partir de conteúdos articulados e da formulação de problemas comuns que demandam a contribuição de outras disciplinas escolares. No Livro do Aluno, a seção Dialogando propõe, em momentos específicos, o estudo de determinados temas a partir de pesquisas interdisciplinares e da elaboração e apresentação dos resultados em diferentes formatos (cartazes, debates, murais, apresentações artísticas, etc.). Neste Manual do Professor, nos Comentários e orientações por capítulo, indicamos sugestões de abordagens interdisciplinares que poderiam compor a prática pedagógica, conforme as dinâmicas escolares de cada localidade.

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Cultura juvenil e Ensino MŽdio

No site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pode-se acompanhar, em tempo real, a evolução estimada da população do país a partir de projeções dos ritmos de crescimento. No exato momento em que escrevíamos este Manual do Professor, éramos 205 769 633 de brasileiros e brasileiras. Desse número, os jovens formam um quarto da população: 51,4 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos vivendo, atualmente, no Brasil. O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, tem duração mínima de 3 anos e oferta preferencial à população de 15 a 17 anos. Nessa faixa etária o país tem cerca de 10 milhões de jovens. Em 2016, terminaria o prazo estabelecido pela Emenda Constitucional nº 59 para que todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos estivessem matriculados na escola. No entanto, a julgar pelo que os indicadores mais recentes revelavam, esse objetivo não seria atingido. A principal razão estaria exatamente na faixa etária de 15 a 17 anos, correspondente ao Ensino Médio. Isso porque, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, ainda em 2014 eram quase 1,7 milhão de jovens fora da escola. Além disso, entre os que estão matriculados, muitos não conseguem concluir o Ensino Médio aos 17 anos. Fatores como a falta de atratividade, a necessidade de ingressar no mercado de trabalho, a gravidez precoce, etc. fazem com que muitos sejam reprovados e até abandonem a escola antes de concluírem os estudos. Ampliar a matrícula, reduzir a evasão e aumentar o sucesso escolar dos jovens são objetivos e metas de nossa educação. Mas a solução desses problemas não é simples. Como tornar interessante e atrativa a escola de Ensino Médio para o jovem? Como evitar taxas elevadas de reprovação dos alunos? Como diminuir a evasão? Como garantir que, ao chegar à escola, eles possam estudar com êxito e concluir o curso? Como expandir, universalizar e democratizar o acesso ao conhecimento? Parte da solução dos problemas está na compreensão de quem é o jovem hoje. As novas diretrizes curriculares para o Ensino Médio propostas pelo Conselho Nacional de Educação apontam que é preciso conhecer qual é a realidade da juventude brasileira, quais são as múltiplas dimensões da sua condição juvenil. Como afirmam Carrano e Dayrell (2014), é preciso “facilitar o processo de aproximação e conhecimento dos estudantes que chegam à escola como jovens que são sujeitos de experiências, saberes e desejos”. Mas, afinal: quem são esses jovens brasileiros hoje? Quais são suas identidades, demandas e projetos? Como eles transitam para a vida adulta em uma sociedade complexa e desigual em tempos de incerteza? O que esperam da escola? Sabemos que os jovens que frequentam a escola pública provêm de várias origens sociais, raciais, étnicas, dos campos e das periferias das cidades. Nossa juventude é diversa e suas diferenças são marcadas por desigualdades.

Ainda que o Ensino Médio seja oferecido preferencialmente aos jovens de 15 a 17 anos, a juventude não se reduz a essa faixa etária, e também não se restringe à adolescência. O que chamamos de juventude, na realidade, é uma construção social e histórica. Afinal, ser jovem no Brasil hoje, por exemplo, difere do que se poderia definir como jovem em outros tempos e lugares. Por isso, é preciso reconhecer que o conceito de juventude pode ganhar diferentes contornos conforme o contexto histórico, social, cultural. Existem diferenças territoriais, raciais, de gênero, de condição social e econômica. Existem diferentes modos de vivenciar a juventude. Mas podemos dizer que jovens são sujeitos de direitos em busca de direitos e sonhos. Os dados de uma pesquisa da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ)2, de 2013, revelam que 84,8% dos jovens moram nas cidades e 15,2% no campo. A pesquisa mostra que 53,5% dos jovens de 15 a 29 anos trabalham, 22% estudam e 14% trabalham e estudam simultaneamente. A maioria vive em famílias de baixa renda, convive com o desemprego e trabalhos precários. A distribuição de sexo revela equilíbrio entre 49,6% homens e 50,4% mulheres. Com relação à raça, declararam-se de cor parda (45%) ou preta (15%) e 34% de cor branca. Quanto à religião, a maioria (56%) declara-se católica, 27% são evangélicos e 15% não têm religião. A pesquisa da SNJ identificou quais são os problemas que mais preocupam a juventude brasileira de hoje. Em primeiro lugar ficaram a violência e a segurança (43%). O segundo assunto que mais preocupa os jovens é emprego ou profissão (34%). Em seguida estão as questões de saúde (26%) e educação (23%). Dentre os temas que os jovens consideram mais importantes para serem discutidos pela sociedade estão a desigualdade social e a pobreza (40%), drogas e violência (38%), política (33%), cidadania e direitos humanos (32%), educação e futuro profissional (25%), racismo (25%) e meio ambiente e desenvolvimento sustentável (24%). É preciso considerar, especialmente, que as juventudes que hoje chegam ao Ensino Médio são, em sua maioria, provenientes das camadas populares, são jovens trabalhadores(as) que buscam conciliar trabalho e educação, assumem múltiplas responsabilidades e possuem trajetórias diversas, também no que diz respeito à escola. Trata-se de identificar ainda a existência de uma diversidade de culturas juvenis que refletem a própria diversidade socioeconômica do país e suas especificidades regionais e locais. No entanto, é possível reconhecer que a expansão da vida urbana, o crescimento da indústria cultural e da sociedade da informação têm produzido formas relativamente generalizadas de cultura juvenil, como as chamadas “culturas urbanas”: o hip hop, os bailes funk, o punk, os gra2

Veja-se a respeito: Pesquisa Agenda Juventude Brasil 2013. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2016. Manual do Professor

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fites e as pichações, as organizações em coletivos juvenis, os encontros das diferentes “tribos urbanas” em pontos específicos da cidade, etc. Essas culturas juvenis são profundamente dinâmicas e voláteis, mobilizam múltiplas forças, integram-se e interagem com a realidade local e, simultaneamente, em redes virtuais de alcance global. Surgem novas tendências, estilos, expressões, que marcam indelevelmente o corpo dos jovens: suas roupas, seu cabelo, sua pele – ressignificada com adereços, piercings e tatuagens. Essas culturas mobilizam valores de contestação e formas de resistência ao que se entende por “vida adulta” (regrada pela tradição e pelo conformismo); também produzem sua própria linguagem, seu vocabulário, em geral constituído em oposição ao que se considera a linguagem “adulta”, por meio de abreviações, gírias, palavras em inglês ressignificadas. Nesse amálgama de experiências diversas e contraditórias, em que o efêmero e a vivência do tempo presente se misturam com as projeções de um futuro incerto, forja-se um caldo de cultura que, em geral, a educação formal ignora, deslegitima e tenta desconstruir. Nesse sentido, é preciso produzir uma reflexão profunda sobre os papéis que a própria escola de Ensino Médio tem assumido. Que escola é essa? Que experiências, saberes, vivências de ensino e aprendizagem ela proporciona aos estudantes? Qual currículo é oferecido e realizado nas escolas? Quais são os referentes, conceitos e valores que organizam os saberes curriculares nela praticados? Essas indagações abrem caminho para uma série de ponderações sobre as práticas escolares e a formulação de seus conteúdos curriculares.

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Avaliação de alunos, de professores e da educação

Todos os aspectos que viemos trabalhando ao longo deste Manual do Professor impõem uma reflexão adicional sobre o tema da avaliação. De fato, já vai longe o tempo em que a avaliação era a verificação mecânica e classificatória da aprendizagem. Acreditamos que a avaliação não deve medir apenas a assimilação mecânica dos conteúdos, mas também a aplicação de habilidades e competências diversas. Uma avaliação nos moldes tradicionais, com ênfase quase absoluta em provas mensais ou bimestrais, não deve ser o único parâmetro. Embora tenha sua importância e validade, acreditamos que esse meio seria complementar a todo o processo e que o núcleo principal da avaliação deve decorrer da participação e do envolvimento dos alunos nas discussões em sala de aula e na realização das atividades propostas. Convocar os alunos, individual e coletivamente, para elaborar os conceitos gerais da avaliação (que incluiriam as dimensões conceituais da disciplina, mas também posturas e comportamentos individuais, das equipes e da classe como um todo) poderá servir para aferir o rendimento conseguido em sala de aula e preparar o caminho para os trabalhos 296

Em geral, aponta-se que as escolas estão distantes dos jovens, reforçando representações sociais assentadas em preconceitos e estigmas que circulam socialmente e são veiculados pela mídia, segundo os quais a juventude é vista como um tempo da vida problemático, e o jovem um “problema”. Algumas escolas não consideram o jovem como parte da solução das questões que ele levanta, nem como interlocutor importante no momento de tomar decisões. A permanência de uma cultura escolar conservadora e centralizada nas decisões administrativas impede o exercício da cidadania e da participação política desses jovens, desmobilizando uma energia criativa e o desejo de colaboração que alimenta diversas práticas culturais juvenis. Por isso, a escola de Ensino Médio precisa repensar suas práticas e modos de funcionamento, caso queira integrar efetivamente a juventude a um processo de formação educacional significativo. As novas diretrizes curriculares têm apontado sistematicamente a importância de construir os currículos escolares do Ensino Médio em torno das questões do trabalho, da cultura e da ciência e tecnologia, como eixos articuladores dos conteúdos específicos de cada disciplina. Também orientam a necessidade de levar em conta as experiências e os valores que os jovens trazem para o ambiente escolar, como resultado não apenas da vida cotidiana, mas da própria construção da identidade, em fase de amadurecimento. Seus anseios, seus desejos, suas potencialidades, suas frustrações, seus saberes e suas perspectivas precisam ser reconhecidos e debatidos pelo currículo escolar.

Manual do Professor

seguintes. Dessa maneira, aprimoram-se a atuação e as conquistas dos alunos e dos professores. A coleção pretende dar condições para que o professor possa utilizar o processo de avaliação cont’nua (ao longo de todos os módulos do curso) para verificar o que o aluno realmente apreendeu. As diferentes atividades propostas são úteis para esse tipo de avaliação. Ao professor caberá também avaliar as próprias estratégias escolhidas para o seu curso e a necessidade ou não de rever procedimentos. Pelos critérios do Enem, que por sua vez expressam as exigências do mercado de trabalho e da participação cidadã na atualidade, não basta à avaliação recuperar dados que o aluno tenha retido, mas principalmente verificar o desenvolvimento de capacidades cognitivas, o domínio e a aplicação de conceitos. Além da avaliação contínua, temos também a possibilidade da avaliação diagnóstica, que consiste no uso dos instrumentos de avaliação como recurso para verificar o desenvolvimento do aluno e seu sucesso em cada um dos objetivos propostos. Essa perspectiva de avaliação pressupõe a exis-

tência de objetivos que vão além de meramente “passar o conteúdo” e depois verificar se ele foi assimilado ou não. Tais objetivos têm caráter de conquistas cognitivas progressivamente mais complexas, mais do que uma restituição de informações fornecidas em aula. Assim, a avaliação constituirá para o professor, para o grupo e para o aluno individualmente uma oportunidade de correção de rumos, no ensino e na aprendizagem, permitindo que o processo todo possa ser repensado continuamente, tendo em vista seu aperfeiçoamento constante. Dentro dessa perspectiva, retira-se da avaliação a função de reprimir o aluno indisciplinado ou de classificar os alunos, estabelecendo identidades fixas de “bons” e “maus” estudantes, como rótulos que podem se fixar indefinidamente. Ao contrário, o esforço será para desenvolver no aluno uma disciplina pessoal de estudos que se manifeste de dentro para fora, paulatinamente. Para atingir as metas de uma avaliação de caráter diagnóstico, os instrumentos utilizados, além de ter seus objetivos previamente expostos, de modo que se tornem claros e consensuais para todos os envolvidos, devem ter seus critérios de correção explorados exaustivamente. Isso é tanto mais necessário quanto mais abertas forem as questões, e as questões abertas são muito importantes para o desenvolvimento das capacidades cognitivas mais complexas e sofisticadas. Por exemplo, ao solicitar um posicionamento pessoal quanto a um tema em estudo, o professor deve indicar quais são os parâmetros de argumentação e fundamentação aceitáveis, tais como levar em conta as evidências documentais disponíveis, considerar as limitações ou características do pensamento de época, sustentar aspectos éticos e humanísticos na argumentação, e assim por diante. Dessa maneira, nem professor nem aluno ficam reféns de visões egoísticas ou pareceres meramente impressionistas, como o popular “achismo”. Em avaliação, o critério claro de correção é importante para que se desenvolvam conhecimentos e opiniões fundamentadas, a fim de permitir que progressivamente os alunos superem pontos problemáticos do senso comum, como preconceitos e perspectivas superficiais. A avaliação que permite a criatividade do aluno é importante para a superação do que Paulo Freire chamou de “educação bancária” e Ausubel chama de “aprendizagem mecânica”, ou seja, aquela composta principalmente de conteúdos que se aprendem por repetição constante e técnicas de memória, mas não chegam a constituir um todo significativo e aplicável à vida, e cujo destino, ao longo dos anos (meses ou dias), é desaparecer quase por completo. Instrumentos que incentivem a criatividade, a resolução de problemas e o levantamento de informações que sejam aplicadas na criação de novos enunciados são benéficos para uma fixação do aprendizado não só em termos de conhecimento histórico, mas de um saber fazer que será útil no cotidiano do cidadão, filtrando as informações necessárias às suas decisões.

As exigências educacionais contemporâneas, que são significativamente expressas no modo como o Enem avalia o aluno, caminham para encorajar e sustentar uma avaliação que permita analisar o desenvolvimento das capacidades de operar o conhecimento, aplicar conceitos e resolver problemas, mais do que reter informações. As informações e os dados são voláteis e passíveis de desatualização, e o mais importante que o aluno deve saber em relação a eles é como recuperá-los, buscá-los e reencontrá-los. As extensas bases de dados tradicionais e virtuais amplamente disponíveis devem ser apropriadas para a função de liberar o tempo e os recursos intelectuais do aluno para tarefas mais significativas. A memorização de conteúdos pode ser vista como ponte para o processo reflexivo, para o desenvolvimento de raciocínios e não como um fim em si. Também por esse motivo, é necessário pensar em formas de avaliação diversificada, que não se reduzam a testes periódicos escritos (provas), mas que avancem para o cotidiano. Nas avaliações, professores e alunos podem beneficiar-se de uma linguagem coloquial, que introduza com detalhe e clareza o que se pede, investindo em situações-problema, abusando de textos introdutórios, fontes, textos e figuras para análise. É possível esperar melhores resultados com orientação clara e com o uso de verbos e explicações que apontem com precisão o que se espera do aluno. Assim, é possível requisitar as mais variadas capacidades, das mais simples (classificar, associar, identificar) às mais complexas (estabelecer relações, comparar, levantar hipóteses, avaliar, propor soluções). Obviamente, para que sejam avaliadas, devem ser exercitadas: o que é avaliado nas provas é o que se vivencia durante as aulas, e o que se vivencia durante as aulas pode e deve ser objeto de avaliação continuada. Outro elemento cotidiano no ensino são as pesquisas demandadas como tarefa, fora de sala de aula. No passado, os alunos copiavam trechos de livros ou enciclopédias para atender às solicitações de pesquisas de seus professores. Atualmente, dada a disponibilidade quase ilimitada da internet, mesmo para os estratos mais desfavorecidos da população, a tendência é que esteja facilitada e generalizada a pesquisa de temas pelo “método Ctrl+C/Ctrl+V”, ou seja, digitar o tema em servidores de busca, selecionar, copiar e colar os textos. Essa prática não obriga sequer que se leia o que se colou no documento entregue ao professor e é completamente inócua. Exigir trabalhos escritos à mão não é uma solução e impõe um retrocesso técnico que chega às raias do insuportável para o aluno. Uma saída possível é propor trabalhos que não se esgotem na apresentação de informações, mas que exijam compreensão e reflexão: problemas a serem resolvidos com o uso da informação em foco; formulações de pesquisa com uma ou mais perguntas; solicitação de dados ou opiniões diferentes que devam ser comparados e elaboração de uma conclusão. Com a disponibilidade de sites de internet que armazenam programas de televisão, gravações em vídeo, trechos Manual do Professor

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de filmes, etc., é possível propor pesquisas nas quais o aluno extraia informação de temas disponíveis em reportagens ou entrevistas, por exemplo, e redija seu relatório a partir daí. Enfim, é possível reverter o mau uso dos recursos de informação para a pesquisa escolar, mas, para isso, a pesquisa tem de ter um caráter operatório, da mesma forma que a aula e a avaliação de História. As atividades devem desenvolver habilidades de linguagem, capacidade de relacionar, analisar, interpretar dados,

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Enem

Nas últimas décadas, as discussões no campo da Didática da História (ou da metodologia do ensino-aprendizagem de História) se desenvolveram e se tornaram bastante complexas. No Brasil não foi diferente. Há uma ampla e crescente gama de estudos universitários sobre o tema, e grande parte desses materiais está acessível em anais impressos de eventos ou na internet, em periódicos tradicionais ou on-line, além de livros. A partir de estudos inicialmente desenvolvidos por pesquisadores como Marcos Silva, Elza Nadai, Circe Bittencourt, Kátia Abud, Ernesta Zamboni e outros, o período pós-regime militar brasileiro foi marcado pela busca de novos rumos, diante da necessidade de refazer a disciplina, que havia sido atacada pelos governos como forma de levar à escola a Doutrina de Segurança Nacional. Além disso, buscava-se trazer de volta a História, resgatando-a dos Estudos Sociais. Tratava-se de buscar novas perspectivas quanto a conteúdos, métodos e fundamentos do ensino da disciplina, adaptando-a às necessidades de formação para a cidadania em um novo tempo, democrático. De lá para cá, os estudos se aprimoraram e se especializaram, alcançando espaço na pós-graduação das universidades brasileiras e influenciando fortemente políticas públicas para a educação, como currículos e programas. Atualmente, a abrangência temática desse campo de investigação envolve todas as esferas do trabalho pedagógico com a História: currículos e programas, formação de professores, recursos para o ensino, linguagens alternativas, aspectos cognitivos, culturais e ideológicos da aprendizagem, estudos sobre o livro didático, formação de identidades, usos do passado e mesmo a história do ensino de História. Entre os conceitos que têm fecundado na área podemos destacar os de “saber histórico escolar” (vinculado à perspectiva da “cultura escolar”) e “consciência histórica”. O primeiro, conforme já vimos anteriormente, destaca o aspecto produtivo e criativo, em termos do conhecimento, da cadeia educativa que envolve a disciplina, e abre a possibilidade de encarar o professor como um intelectual especializado e envolvido com uma forma particular de saber. O conceito de consciência histórica, por sua vez, adiciona às análises educacionais a ideia de que a formação his298

fatos, situações e modelos explicativos. Ao mesmo tempo, elas devem visar à produção de trabalhos individuais e coletivos, que permitirão avaliações diferenciadas. Cabe ao professor ainda mobilizar os alunos no processo de autoavalia•‹o, do qual devem fazer parte não só uma autorreflexão, mas os comentários feitos pelos colegas de sala. No final, importa saber – e avaliar – o preparo dos estudantes para entender o mundo em que vivem e no qual devem atuar e interferir de modo mais preparado e consciente.

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tórica do aluno não se resume à escola, e não depende somente dela, mas começa e permanece, ao longo de toda a vida, ligada às realizações práticas e às interpretações da história que brotam de famílias, instituições e meios de comunicação. O principal efeito dessa perspectiva é reforçar a ideia de que a História ensinada na escola não é a única fonte de informação histórica do aluno, e que, portanto, é indispensável à produção de ferramentas analíticas, capazes de qualificar o juízo que o indivíduo faz do tempo, produzindo sua orientação temporal. Os debates atuais sobre o ensino de História podem ser encontrados facilmente em livros e revistas, mas também na internet, em sites como o Banco de Teses e Dissertações da Capes (www.capes.gov.br), o Scielo (www.scielo.br), a Associação Nacional de História (www.anpuh.org) e a Associação Nacional de Pesquisa em Educação (www.anped.org. br), entre outros. Os educadores têm debatido a identidade (ou a falta dela) do Ensino Médio no Brasil ao longo das últimas décadas, oscilando entre a análise de que ele deveria ter um caráter profissionalizante ou de que se trata de uma etapa de transição não muito bem definida entre a educação fundamental e a educação superior. No campo da aprendizagem histórica, o Ensino Médio tem o caráter de revisão do que já se viu na disciplina durante o Ensino Fundamental, mas com um desafio distinto: ver “todo” o conteúdo, em menos anos de ensino e com menos aulas semanais. Essa pressão traz duas tendências diferentes: reduzir o ensino a uma passagem panorâmica, superficial e desarticulada sobre milhares de informações ou a desistência dessa abordagem total e enciclopédica em busca de recortes temáticos que permitam a formação dos conceitos principais da área e a composição de ferramentas intelectuais que permitam analisar dados históricos em geral. Nesse cenário, partindo de nossa prática em sala de aula, procuramos um caminho conciliatório, se pudermos usar esse termo, pelo qual buscamos manter as informações mais relevantes, para construir um domínio de conteúdos minimamente suficiente, preocupando-nos ao mesmo tempo com a formação de conceitos e com as habilidades gerais relativas ao pensamento histórico, principalmente nas seções dedicadas a essa discussão.

Nesse sentido, chamamos a atenção para as habilidades e competências adotadas pelo Enem, desde 2009. Como se sabe, o Exame Nacional do Ensino Médio foi instituído pelo MEC em 1998, com objetivo de avaliar o desempenho do estudante do Ensino Médio e contribuir para a melhoria da qualidade de ensino desse nível da educação básica. Onze anos depois, o exame passou a ser usado também como mecanismo de seleção para o in-

gresso no Ensino Superior e como instrumento para induzir a reestruturação dos currículos do Ensino Médio. Tais mudanças justificaram o estabelecimento do conjunto de habilidades e competências a serem avaliadas, servindo-se das disciplinas escolares como instrumentos. Reproduzimos no quadro abaixo o que tem norteado cada edição do exame desde então para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Matriz de referência de Ciências Humanas e suas Tecnologias Competência de área

Habilidades

1. Compreender os elementos culturais que constituem as identidades.

H1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura. H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas. H3 – Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos. H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura. H5 – Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.

2. Compreender as transformações dos espaços geográficos como produto das relações socioeconômicas e culturais de poder.

H6 – Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços geográficos. H7 – Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder entre as nações. H8 – Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem econômico-social. H9 – Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local, regional ou mundial. H10 – Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e a importância da participação da coletividade na transformação da realidade histórico-geográfica.

3. Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais.

H11 – Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço. H12 – Analisar o papel da Justiça como instituição na organização das sociedades. H13 – Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder. H14 – Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições sociais, políticas e econômicas. H15 – Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da História.

4. Entender as transformações técnicas e tecnológicas e seu impacto nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

H16 – Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do trabalho e/ou da vida social.

H17 – Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de territorialização da produção. H18 – Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e suas implicações socioespaciais. H19 – Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano. H20 – Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.

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5. Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.

H21 – Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social. H22 – Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas. H23 – Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades. H24 – Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades. H25 – Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.

6. Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo suas interações no espaço em diferentes contextos históricos e geográficos.

H26 – Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem. H27 – Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico, levando em consideração aspectos históricos e/ou geográficos. H28 – Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em diferentes contextos histórico-geográficos. H29 – Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações humanas.

H30 – Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta nas diferentes escalas. MINISTÉRIO da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Edital ENEM 2016. Disponível em: . Acesso em: 2 maio 2016.

É notório o papel crescente do Enem como força de influência sobre os programas de Ensino Médio. O exame iniciou-se com pretensões restritas, consolidou-se ao longo de mais de uma década e está aos poucos substituindo em importância o vestibular como fator de condicionamento do ensino oferecido em nível secundário. Em sua trajetória recente, ele vem impondo ao ensino escolar a cobrança da aprendizagem da capacidade de lidar com informações de modo criativo, reflexivo, solicitando mais o raciocínio e a capacidade de operar com os conceitos fundamentais de cada área do que a capacidade de memorizar fórmulas, dados, fatos, e simplesmente identificá-los corretamente nos enunciados. Até 2009, o Enem tendia a concentrar questões que mobilizavam temas mais próximos do presente e a dispensar

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o conhecimento de detalhes dos acontecimentos históricos, preferindo testar a capacidade de analisar os textos dos enunciados das questões. Em suma, o conteúdo das disci-

plinas tinha um lugar claramente secundário em detrimento de conceitos e capacidades de gerenciar informação. A partir daquele ano, percebe-se nas provas que as questões fazem referências mais diretas aos conteúdos da disciplina,

associando os assuntos históricos e as competências e habilidades. Por isso, optamos por uma obra que concilie a

interpretação, a análise crítica, a discussão de diferentes pontos de vista com a narrativa de processos históricos cen-

trais para a compreensão da nossa vida, como é o caso do século XX e início do século XXI.

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9. Comentários e orientações por Unidade e capítulo Introdução

A construção do saber histórico Esta seção de abertura do livro pretende ser um referencial para as reflexões sobre a disciplina de História e o papel do historiador na construção de um campo de saber sobre o presente e o passado das sociedades. Enfatizamos, no texto do livro do aluno, que o estudo da História pressupõe certos procedimentos relacionados ao método de pesquisa, como a análise das fontes, e uma compreensão da ação humana que leve em conta a diversidade cultural e de formas de organização social dos povos, ao longo do tempo. A imagem de um jovem indígena utilizando um computador, no início da seção, pretende disparar esse debate sobre as diferentes vozes e pontos de vista presentes na nossa sociedade. Diferentes grupos étnicos, movimentos sociais, associações de classe, grupos de defesa de direitos diversos, partidos e sindicatos, pesquisadores da universidade, todos somos ativos na elaboração de versões da história. Em sala de aula, cabe ao professor refletir com os alunos sobre as diferentes versões, seus interesses, suas formas de narrar e explicar a História, na busca de um entendimento mais profundo sobre os acontecimentos humanos e seus significados. Assim, esta seção requer a atenção do professor, que deve orientar e incentivar os alunos a perceber que os fatos históricos não podem ser vistos de uma forma única; afinal, eles estão permeados pela visão de mundo de cada historiador. As reflexões propostas pela seção ressaltam aquilo que apontamos como uma das contribuições desta obra: a possibilidade de conhecer e refletir sobre a produção do conhecimento histórico. Por isso falamos em “construção”, que nos remete à ideia de algo inacabado, em elaboração contínua. Desse modo, justifica-se nossa proposta de trabalhar com a aula dialogada a partir da leitura individual dos textos. Caberá ainda ao professor retomar esses temas no decorrer do estudo, ao longo dos capítulos, e especialmente nas seções Saber Histórico, presentes nas aberturas das unidades.

Abordagens interdisciplinares • Física: podem-se explorar as diferenças e semelhanças entre os fundamentos científicos da Física e da História, a partir dos conceitos de “hipótese”, “pesquisa” e “verificação de dados”. • Literatura: a questão da narrativa histórica (como modalidade textual e forma de conhecimento) possibilita um debate sobre as fronteiras entre a reflexão histórica e os conhecimentos produzidos pela literatura e pelos estudos literários.

Comentários e respostas Atividades Retome 1

b) No passado, as escolas privilegiavam o ensino dos principais fatos políticos da História mundial e nacional. Detinham-se, especialmente, na narrativa dos acontecimentos, sempre entendidos como resultado da iniciativa de “pessoas notáveis”. Os alunos precisavam memorizar datas, nomes e fatos para repeti-los nas provas. Quando os alunos tinham contato com alguma fonte histórica, eram documentos oficiais que serviam para comprovar ou ilustrar o que havia sido ensinado pelos professores. Atualmente, o ensino de História procura abarcar todas as atividades humanas, bem como a maneira como as pessoas pensavam e sentiam em outras épocas e lugares. Os grandes fatos deixaram de ser considerados mais importantes do que os elementos corriqueiros do cotidiano e as pessoas comuns passaram a ser entendidas também como agentes da História, diminuindo a ênfase dada aos “notáveis”. A atenção recaiu sobre a compreensão dos processos históricos, e as fontes primárias, multiplicadas e diversificadas, são hoje oferecidas como objetos de investigação, questionamento e análise. 2

Dizer que a História é um conhecimento dinâmico, que está em constante construção, significa que os acontecimentos históricos podem receber diversas interpretações e ser abordados de diferentes perspectivas. As interpretações variam conforme as preocupações de diferentes épocas e lugares, das fontes primárias analisadas e dos referenciais teóricos usados. Ou seja, o conhecimento histórico deve ser percebido como um campo de debates, em que não existem verdades definitivas.

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Não é suficiente extrair as informações oferecidas pelas fontes, pois é preciso interpretá-las. Para tanto é necessário questioná-las, buscando saber por quem foram produ-

Por que estudar a construção do conhecimento histórico? • Introduz alguns conceitos fundamentais do campo de conhecimento da História: tempo, processo, permanências e rupturas, fontes históricas e procedimentos de pesquisa. • Reflete sobre a construção permanente do conhecimento histórico, como um campo de debate em transformação. • Identifica a importância das relações entre passado e presente, possibilitando uma compreensão mais profunda sobre nossa época.

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a) Resposta pessoal.

zidas, com que intenção e qual a razão, perceber como dialogam com outros elementos do seu próprio tempo e, inclusive, identificar sobre que aspectos silenciam. 4

Esse equívoco é o anacronismo e pode ser evitado buscando-se contextualizar o evento estudado, compreendendo-o a partir da visão e das referências próprias do tempo em que esse evento ocorreu.

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O tempo histórico é composto de diferentes durações porque as transformações históricas não ocorrem todas ao mesmo tempo nem no mesmo ritmo. Há coisas que podem se transformar muito rapidamente, como a troca de um regime político, e outras que podem levar muitas gerações para ocorrer, como a mudança nas estruturas da sociedade, que envolvem as formas de interação do homem com seu meio. Por isso, historiadores argumentam que o tempo histórico pode ser de curta, média ou longa duração.

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As periodizações são sempre o reflexo de determinado poder político, econômico e cultural, que se expressa nas datas e nos temas escolhidos para serem estudados. No caso da periodização utilizada em grande parte dos estudos de História no mundo de hoje, trata-se de uma visão centrada nos interesses europeus – o eurocentrismo. Embora não seja possível dispensar a periodização, pois ela tem a importante função de facilitar o estudo da História, é necessário lembrar que ela reflete uma dada cultura (a do Ocidente europeu) e que não consegue abranger a variedade de povos, temas e culturas existentes.

reexamina, concluindo que a crença na existência da instituição foi resultado de uma má interpretação da documentação disponível. 8

b) O exercício de exemplificação ajudará o aluno a fixar o conceito de anacronismo e apropriar-se dele. Para que isso ocorra de fato, porém, é preciso discutir e comparar os vários exemplos apresentados pelos estudantes. São exemplos de anacronismo: interpretar as atitudes de Joana D’Arc como “feministas” (uma vez que as mulheres ainda não haviam se organizado em um movimento político pela defesa de seus direitos na Idade Média) ou afirmar que o conquistador espanhol Hernán Cortéz, ao decidir pelo massacre dos astecas, feria os “direitos humanos” (posto que a noção de direitos humanos só se desenvolveria no decorrer do século XVIII, muito depois das conquistas). 9

Pratique 7

a) Os alunos poderão levantar vários adjetivos, como “forte”, “corajoso”, “aventureiro”, “ambicioso”, etc. Fique atento se o adjetivo escolhido está de acordo com o texto lido e faça uma lista das palavras na lousa para fazer a ligação com a questão seguinte. Se julgar interessante, discuta com a turma a tendência que muitas pessoas têm de romantizar a História. b) No texto, a História é feita por homens excepcionais, aqueles que têm coragem para enfrentar grandes desafios e aventuras. É interessante destacar que os protagonistas dessa história são sempre do sexo masculino.

c) Sim. O texto destaca e exalta a iniciativa de personagens europeus que navegaram o Atlântico e omite que muitos conhecimentos que possibilitaram as navegações foram desenvolvidos no Oriente, como a bússola e muitos mapas de navegação. d) Não, pois não há “verdade histórica”. A História é uma área do conhecimento em constante construção, que sofre modificações conforme são revelados novos documentos ou são realizadas novas interpretações a partir de fontes antigas. Nesse caso, o historiador Fábio Pestana Ramos examinou as fontes originais que deram origem à lenda da Escola de Sagres e as

a) O autor refere-se ao anacronismo, que é a prática pela qual o historiador projeta elementos próprios de um tempo sobre outro.

Os grupos devem discutir a proposta por quinze ou vinte minutos. Espera-se que os alunos sejam capazes de entender que projetamos o futuro a partir da compreensão que temos do presente, e que essa depende da consciência histórica dos sujeitos. Assim, a manipulação da História é uma estratégia utilizada pelos governos autoritários para impedir o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre o presente e controlar as expectativas e projetos daqueles sobre quem governam. Reserve os últimos vinte minutos da aula para os grupos apresentarem uns para os outros sua interpretação e debaterem suas conclusões.

Analise uma fonte prim‡ria 10

a) O objetivo dessa atividade é estimular o aluno a fazer problematizações. No ensino, em geral, os alunos são recorrentemente instigados a encontrar respostas para perguntas que lhes são propostas, mas dificilmente são solicitados a levantar questões. Aqui, espera-se que os alunos levantem perguntas sobre a relação realidade/representação, sobre a incontestabilidade da fotografia como retrato da realidade e o uso da fotografia como fonte primária. É possível que apareçam também outras problematizações, que devem ser valorizadas e discutidas em sala.

b) Não. Mesmo uma foto adulterada pode dizer muito sobre como as pessoas que viveram em certo lugar e em certo tempo viam sua realidade. No entanto, é importante que o historiador investigue todas as informações possíveis sobre as imagens que analisa (quem foi responsável pela imagem, com que objetivo a produziu, com que técnicas, etc.) para ter o máximo possível de elementos para interpretar suas fontes. Além disso, mesmo fotografias não adulteradas são produtos de um olhar particular. O fotógrafo cria uma determinada narrativa da realidade, coerente com seu ponto de vista ao escolher, entre Manual do Professor

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outros fatores, o que enquadrar, o ângulo em que a imagem será obtida, com qual iluminação, etc. Ao historiador, portanto, não interessa somente aquilo que está sendo retratado, mas como isso está sendo feito, ou seja, interessa a compreensão de mundo presente na imagem.

Atividades complementares +Atividades 1

Em janeiro de 2010, chuvas intensas causaram inundações e desmoronamentos em diversos estados do Sudeste brasileiro. Na cidade de São Luiz do Paraitinga, na região do Vale do Paraíba, em São Paulo, o transbordamento do Rio Paraitinga causou a destruição de muitos prédios históricos. Esse episódio pode ser rememorado em sala para dar início a uma discussão sobre a importância da preservação do patrimônio histórico e para aprimorar o entendimento dos alunos acerca das fontes primárias. Para estimular o debate, leia com atenção os textos a seguir e faça o que se pede adiante.

Texto 1 A reconstrução possível Seguindo-se à comoção geral vem a realidade dos fatos sobre a destruição do centro histórico de São Luiz do Paraitinga. A cidade nasceu em 1769, sob o plano de Morgado de Mateus, ligação entre Taubaté e o porto de Ubatuba. O terreno escolhido foi aquele pouco acima do local do alagamento, onde se encontra a igreja do Rosário, descendo para a capela das Mercês (também levada pelas águas) até atingir as margens do rio. A cidade desenvolveu-se com um traçado ortogonal ao longo de vias paralelas, apertada junto ao rio e um morro íngreme. Com o cultivo do café no século XIX, tornou-se celeiro do vale com as culturas de feijão, mandioca e milho. Enriquecida, construiu a igreja e imensa praça com os casarões em área plana, porém alagadiça. A técnica utilizada foi a do período colonial, taipa de pilão para as paredes estruturais e pau a pique para as divisórias. Seu patrimônio urbanístico e arquitetônico foi reconhecido pelo Condephaat – órgão de preservação estadual –, que a aclamou em 1982. Agora, o Iphan – órgão nacional – já estava com o processo de tombamento como monumento nacional em fase final. A justificativa estadual fora fundamentada em seu traçado regular, expressão do pensamento de Morgado de Mateus que, ao fundar as vilas, determinava simetria, harmonia dos edifícios como espelho da ordem pública, economia e civilidade. A cidade cresceu e construiu aquele que é considerado o mais coeso núcleo urbanístico paulista do período da cultura do café, junto com Bananal. Que poderia ter sido feito para impedir a tragédia? Não ter construído os casarões ainda no início do século XIX em uma área que se sabia ser alagadiça? 304

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A fachada da igreja fora ampliada, italianizada, pesando sobre sua estrutura parcialmente em taipa. As rachaduras na torre detectadas pelo IPT não chegaram a contribuir para a queda. Sem dúvida a força das águas foi a responsável. A técnica da taipa, com barro batido e divisórias com barro sobre taquara não suportou as inundações. Reconstruir a cidade é possível. Dominar as forças das águas dos rios Chapéu e Piratininga? O primeiro, criando barragens ainda no município de Cunha; aprofundando a calha do segundo, ampliando áreas ao longo de seu leito. Estas são as sugestões dos técnicos, expostas em recentes entrevistas. Os casarões que passaram por reformas estão de pé, segundo técnicos do Condephaat e do Iphan. As técnicas para reconstrução serão debatidas, se concreto e alvenaria interna mantendo as fachadas ou ainda o aproveitamento dos materiais. Os técnicos do Iphan certamente contarão com a experiência – mesmo que não tenha sido nesta dimensão catastrófica – da reconstrução da cidade de Goiás, em 2001. Paraitinga, a cidade cuja espiritualidade não foi abalada, saberá ver no encontro de imagem intacta de seu padroeiro, São Luís de Tolosa, o caminho a seguir. TIRAPELI, Percival. A reconstrução possível. Folha de S.Paulo. Disponível em: . Acesso em: 14 maio 2016.

Texto 2 Historiador: inundação de S. Luiz é ‘chocante’ para patrimônio O historiador e professor do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Marins, classificou de “chocante” para a preservação do patrimônio cultural brasileiro a inundação que destruiu parte do centro histórico da cidade de São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba paulista, no último dia 2. A cidade era a única do Estado a ter preservado um conjunto arquitetônico de construções do século XIX em bom estado e em grande número. As edificações eram fundamentais para a economia da cidade, que girava em torno do turismo, e para a realização das manifestações culturais locais, como os festejos do Divino Espírito Santo, o Carnaval, as festas da Semana Santa e o Corpus Christi. “São Luiz do Paraitinga tem essa convergência muito clara entre o patrimônio material e o imaterial, que faz dessa cidade semelhante ao que é Olinda para Pernambuco, ou Pirenópolis para Goiás”, afirma o professor. “Não é só a perda das edificações que existem ali, mas o fato de que essas edificações mediam uma quantidade muito grande de festas, que ocorrem em meio a elas e dentro delas. Isso foi perdido.” São Luiz do Paraitinga é lugar privilegiado para o estudo do neoclassicismo no Estado de São Paulo. Outros municípios, como Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Itu e Campinas, têm imóveis da fase neoclássica, mas isolados e mesclados no conjunto da cidade a

outras edificações dos séculos XX e XXI. Em São Luiz, havia uma configuração em grupo de um grande conjunto de imóveis, a maior parte deles erguidos no período de 1840 a 1870. “Eles tinham características peculiares, como é o caso dos forros de dentro das casas, que são muito marcantes em São Paulo. Eles têm um desenho como se fosse um sol dentro das salas. A arquitetura, sobretudo de sobrados, também era muito significativa para o Estado, e é justamente com esse tipo de imóvel que houve uma perda muito grave para a cidade. Em alguns que sobreviveram, houve perda de revestimento e abalo estrutural”. As edificações de São Luiz eram um registro histórico da primeira área de expansão da cafeicultura brasileira no século XIX, no Vale do Paraíba. O período não é, geralmente, foco de políticas públicas de preservação de patrimônio, como acontece com as cidades com construções do período colonial, vinculadas à mineração mineira ou à economia açucareira nordestina. “Para a população local, foi um desastre. E para aqueles que se preocupam com a preservação do patrimônio cultural é uma perda assim, não radical, como se noticiou inicialmente, talvez aquelas cifras enormes sejam revistas, mas, de qualquer maneira, o cenário que existe na cidade é de devastação”, diz Marins. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a reconstrução dos prédios derrubados pela inundação deve ocorrer o mais rápido possível, com base nos registros de tombamento das construções da cidade. “Nessas circunstâncias, pode-se ou fazer uma construção efetivamente contemporânea que dialogue com o passado da cidade, ou uma reconstrução, uma réplica da construção original, mas que a réplica seja evidentemente uma réplica, de maneira que não se confunda os tempos. Aquilo que era do século XIX e do início do século XX está perdido, aquilo que se terá é uma reconstrução do século XXI e é importante que isso seja bastante explicado”, disse o professor. HISTORIADOR: inundação de S. Luiz é “chocante” para patrimônio. Agência Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.

Texto 3 Registros de Paraitinga serão recuperados página por página A história das pessoas que nasceram, se casaram ou morreram em São Luiz do Paraitinga, cidade a 182km de São Paulo e destruída pelas chuvas na virada do ano, foi transportada de caminhão para o município de Diadema, vizinho à capital paulista. É lá que cerca de 160 livros com os registros civis dos moradores, cujas datas remetem a 1875, passarão por um cuidadoso e demorado processo de restauro. A oficial titular do cartório de registro civil da cidade, Lara Lemucche Cruz, 30 anos, passou a tarde de quarta-feira empilhando os livros na calçada para o

transporte. Entre eles, estavam 72 de nascimento, 46 de óbito e 39 de casamento, além de outros três de registros diversos. Resignados, alguns moradores que têm o seu nome inscrito naqueles livros pararam para ver a cena. Estima-se que 80% das mais de 50 mil folhas possam ser recuperadas. O trabalho de recuperação é delicado e será feito página por página. Lara afirma que não sabe ainda como será o recomeço de seu trabalho. “É um cartório pequeno, mas tem a história dos registros de toda a cidade aqui. Espero que consigam salvar muita coisa, mas certamente não conseguiremos salvar tudo”, diz. Segundo ela, de três anos para cá, aqueles que requisitaram, por exemplo, a segunda via de uma certidão, tiveram o documento microfilmado. “Mas a grande maioria do que tínhamos aqui não tem registro eletrônico. Nunca imaginamos que pudéssemos enfrentar uma enchente desse tamanho. Para se ter uma ideia, o cartório ficou todo coberto pela água. Nada do que estava lá dentro escapou.” Um dos encarregados pelo transporte e restauro dos livros é Leno Zan de Souza, 34 anos. Experiente no trabalho, diz que é a primeira vez que se depara com um volume desta dimensão. Ele ainda não sabe com o tamanho da equipe que vai contar, mas espera que o grupo seja grande o suficiente para que o trabalho possa ser executado de maneira mais rápida. “Os livros precisam ser desmontados e as folhas separadas uma a uma. Aí são lavadas com um produto químico especial e colocadas para secar. Nesse momento, as páginas que rasgaram também são reconstituídas. É dada uma capa nova aos livros. Acredito que até 80% do material que está aqui possa ser recuperado”, diz. MAGALHÃES, Vagner. Registros de Paraitinga serão recuperados página por página. Redação Terra. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.

a) Pesquise em livros, revistas e sites o significado do termo “tombamento”. De acordo com o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), “o tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, com o objetivo de preservar para a população, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e até afetivo” (Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2013). A intenção é impedir que tais bens venham a ser destruídos ou descaracterizados. O tombamento pode ser promovido pelas esferas federal, estadual ou municipal. O órgão federal responsável é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No caso do Estado de São Paulo, o órgão é o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) e na cidade de São Paulo é o Conselho Manual do Professor

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Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Ao longo do tempo, outras cidades vêm criando conselhos Municipais para cuidar dessas questões.

Em que elas são parecidas? E em que são diferentes?

• Como Biá reage a cada história que escuta? • Note que a última cena repete uma imagem já mos-

trada outras vezes no decorrer do filme. Qual? Após a exibição, organize os alunos em grupos e promova um debate a partir das respostas obtidas com o roteiro. Se preferir, converse com eles sobre o filme a partir das seguintes questões:

b) Que critérios foram usados pelos especialistas para justificar o tombamento de São Luiz do Paraitinga? Os critérios usados na solicitação do tombamento foram: o papel da cidade no contexto da expansão da economia cafeicultora da região do Vale do Paraíba no século XIX, a conservação de um conjunto coeso de edificações típicas da arquitetura paulista de meados do século passado e o traçado urbano regular da cidade, expressão de uma época em que uma nova concepção de civilidade começava a se impor.

a) De que maneira ficamos conhecendo a história da cidade de Javé? Por meio da tradição oral.

b) Podemos dizer que alguma das histórias contadas pelos habitantes de Javé era melhor do que a contada por outro? Por quê? Não, pois todas as histórias fazem parte do patrimônio comum da cidade de Javé.

c) Que fontes de pesquisa histórica foram afetadas pelo transbordamento do rio Paraitinga? Tanto fontes materiais quanto fontes escritas: edifícios, imagens religiosas, objetos de uso cotidiano e documentos de várias naturezas, como certidões de casamento e de batismo, processos judiciais, etc.

c) Em sua opinião, Biá cumpriu o que prometeu aos habitantes de Javé? Para essa pergunta os alunos poderão elaborar diferentes respostas. O debate será rico se todas elas forem consideradas plausíveis. Durante a discussão, é importante acrescentar que Javé não tinha uma, mas várias histórias, e que qualquer escolha que Biá fizesse como registro da história oficial da cidade implicaria a rejeição de outras e, assim, o empobrecimento do patrimônio comum de Javé.

d) Em sua opinião, por que o desastre em São Luiz do Paraitinga preocupou tanto os habitantes da cidade, os historiadores e os pesquisadores em geral? Resposta pessoal. Espera-se que os alunos percebam que a preservação do patrimônio histórico e cultural está relacionada à preservação de vínculos afetivos de uma comunidade. Os monumentos, imagens e documentos compõem a memória de uma comunidade e permitem o resgate de sua história, ou seja, de parte da história do país. Daí a preocupação com a tragédia ocorrida naquela cidade. É importante que os alunos observem a ligação entre o patrimônio histórico e a identidade de um povo. e) O restauro do patrimônio danificado pela enchente em São Luiz do Paraitinga deverá ser um processo longo e oneroso para o Estado. Em sua opinião, ele deve ser realizado ou o governo deve priorizar outros gastos? Resposta pessoal. Essa questão pode suscitar polêmica. Alguns alunos podem demonstrar uma compreensão mais profunda sobre a importância e o significado da preservação do patrimônio nacional, ao passo que outros podem defender posições mais imediatistas e pragmáticas. É recomendável que a questão seja resolvida pelos próprios alunos, a partir de argumentos propostos por eles com sua intermediação. 2

Depois de realizar as atividades anteriores, exiba aos alunos o filme Narradores de Javé, de Eliane Café (Brasil, 2003, 100 min). Antes da exibição, apresente-lhes o roteiro de observação a seguir. • Identifique os principais personagens da trama. • Como a história da personagem Biá é apresentada? • O que leva os habitantes de Javé a escrever a história da cidade? • Compare as histórias contadas por Seu Vicente, Deodora, Firmino e Negro Velho sobre a origem da cidade.

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d) Em sua opinião, a inundação fez desaparecer por completo a cidade de Javé? Explique. Aproveite a questão e destaque a importância da tradição oral na construção da identidade dos habitantes de Javé. Observe como essa tradição fazia parte do patrimônio daquela comunidade. Pode-se aproveitar a ocasião para comparar o desaparecimento de Javé sob as águas da represa ao desastre ocorrido em São Luiz do Paraitinga. 3

Uma boa opção de trabalho para iniciar os estudos de História é realizar um debate sobre o filme Uma cidade sem passado (Das Schreckliche Mädchen), de Michael Verhoeven (Alemanha, 1989, 92 min). Baseado em uma história real, o filme versa sobre os percalços enfrentados pela jovem estudante Sonja (Lena Stolze) ao escrever uma monografia sobre a pequena Pfilzing, sua cidade natal, no tempo do Terceiro Reich. A cada descoberta sobre a relação da cidade com o regime nazista, Sonja depara-se com a resistência de seus habitantes, que se recusam a relembrar o passado. Durante o debate, destaque os seguintes aspectos: • A relação entre memória e história. • O papel das instituições – como escolas, igrejas, bibliotecas – na preservação da memória coletiva. • O direito ao acesso à informação. • A importância da pesquisa histórica. Caso haja tempo, proponha uma comparação entre o caso relatado no filme e as discussões que envolvem, em nosso presente, o acesso aos arquivos da época da ditadura militar no Brasil.

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Outra possibilidade é trabalhar com o filme Blade Runner, de Ridley Scott (Estados Unidos, 1982, 188 min), no qual um grupo de replicantes, seres geneticamente criados para trabalhar no lugar dos seres humanos em colônias espaciais, passa a agir de maneira inesperada, rebelando-se contra aqueles a quem deveriam servir. Em sala, é possível explorar a causa da atitude independente dos androides: sua humanização associada ao acúmulo de memórias e, a partir disso, o desenvolvimento da consciência sobre suas emoções e da vontade própria. Ao orientar os alunos à exibição do filme, peça-lhes que fiquem atentos ao papel das fotografias que aparecem em duas cenas: aquela em que Deckard (Harrison Ford), o caçador de androides, encontra um punhado de fotos no fundo de uma gaveta no quarto onde Leon (Brion James), um dos replicantes foragidos, se hospedava; e a cena em que Deckard descobre que a delicada Rachael (Sean Young) não é humana e que suas memórias são de outra pessoa e foram implantadas pelo cientista que a concebeu. As duas ocasiões permitem um debate interessante sobre memória e identidade, sobre a confiabilidade da memória e sua relação com a construção do conhecimento histórico.

O uso de linhas do tempo é de grande auxílio para o desenvolvimento de noções temporais – como a de simultaneidade, sucessão, anterioridade, duração – e para a compreensão do conceito de contexto histórico.

Ainda que os alunos disponham dessas informações no livro didático, sua mera visualização não assegura o seu entendimento. Assim, embora a elaboração de linhas do tempo seja uma atividade mais comum no Ensino Fundamental, alunos do Ensino Médio também devem ser orientados a produzi-las, pois frequentemente apresentam dificuldade de lidar com a cronologia e de fazer associações entre fatos históricos, principalmente entre aqueles que transcorreram ao mesmo tempo, mas em diferentes lugares do mundo. Num primeiro momento, para familiarizá-los com a periodização, oriente-os a montar, em papel kraft, uma grande linha do tempo, que deve ser fixada na parede da sala de aula. Nessa linha devem estar anotados, de maneira clara e visível, alguns acontecimentos e datas que marcam o início e o fim de cada período da História, tais como: • a descoberta da agricultura em 10000 a.C. como marco do início do Neolítico; • a invenção da escrita em 4000 a.C. como marco do início da Idade Antiga; • a tomada de Roma pelos hérulos em 476, como marco do princípio da Idade Média; • a queda de Constantinopla em 1453, marcando o começo da Idade Moderna; • a Revolução Francesa, em 1789, marcando o início da Idade Contemporânea. Ao longo do ano, os alunos poderão completar essa linha do tempo com os principais fatos estudados e imagens relativas a cada período, bem como trechos de jornais, revistas, livros, etc. Ao final, haverá um grande painel ilustrado. Durante a construção da linha, trabalhe com os alunos a indicação das datas antes e depois do nascimento de Cristo, as noções de século, era e período e o uso de escala. Cronocart/Arquivo da editora

É interessante também observar que a cidade onde a história transcorreu realmente, Passau, na Bavária, foi alvo nos últimos anos de uma série de ataques perpetrados pela extrema-direita, incluindo a tentativa de assassinato do chefe de polícia local, acusado de perseguir os membros do Partido Nacional Democrático (NPD), de tendência nazista.

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Unidade 1

Nossa história mais remota Saber histórico A primeira unidade apresenta aos alunos as origens da humanidade, desde os primeiros hominídeos (há cerca de 6 ou 7 milhões de anos) até a ocupação do continente americano, cuja data de início é alvo de inúmeras polêmicas entre os pesquisadores. No Saber Histórico que introduz essa unidade, refletimos sobre dois aspectos fundamentais: o papel das sociedades ágrafas no desenvolvimento dos primeiros agrupamentos humanos e a crítica às noções de progresso e atraso. Essas noções imprimiram uma visão de história como um processo evolutivo e linear que teria partido de sociedades “inferiores” e “primitivas” em direção a sociedades desenvolvidas e “superiores”, cujo ápice e modelo seriam os países europeus. Portanto, trata-se de conceitos e reflexões que devem acompanhar os estudos ao longo dos três anos de Ensino Médio, pois oferecem aos alunos uma compreensão crítica sobre as concepções de história eurocêntricas que ainda integram nossa cultura histórica.

Capítulo 1

Os primeiros agrupamentos humanos Por que estudar as origens da humanidade? • Possibilita uma reflexão sobre as relações entre o ser humano e o meio ambiente, tendo em vista o uso dos recursos naturais e as diversas adaptações às condições geográficas e ambientais na busca pela sobrevivência. • Apresenta o processo de evolução biológica e social da humanidade, discutindo as origens remotas da nossa condição como espécie. • Oferece uma reflexão sobre as diferentes teorias e hipóteses a respeito do surgimento e desenvolvimento dos hominídeos, demonstrando o processo de construção permanente da ciência histórica e da Arqueologia.

Objetivos

• Os alunos deverão perceber as relações entre o desenvolvimento da espécie humana e o meio ambiente. • Os alunos deverão compreender as primeiras formas de agrupamento das sociedades humanas. • Os alunos irão trabalhar especialmente com os conceitos de evolução, progresso e organização social. • Os alunos irão desenvolver habilidades relacionadas à interpretação de diferentes modalidades de texto e à identificação de diferentes correntes de interpretação histórica.

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Tópicos principais do capítulo • Abertura: problematiza a relação entre o ser humano e o meio ambiente, indicando alguns desafios contemporâneos relacionados à poluição, à produção do lixo e ao esgotamento dos recursos naturais. Após o estudo do capítulo, essa abertura deve ser retomada e revista à luz da atividade Articule passado e presente. • Antes de prosseguir o estudo do capítulo, incentive os alunos a se localizar no tempo e no espaço (seção Onde e quando). Neste capítulo estarão em foco: África, Ásia e Europa, no período de 7 milhões de anos a 50 mil anos. • Tema central: a sobrevivência e a expansão dos grupos humanos dependeram fundamentalmente das relações estabelecidas com a natureza, das condições climáticas e do acesso aos recursos necessários à vida, como água, alimento e proteção contra os predadores. Esse processo exigiu a criação de formas de organização social e de ferramentas e utensílios, assim como o deslocamento pelo planeta, em busca de condições adequadas à vida. • Boxe Para saber mais: apresenta as diferenças entre o pensamento darwinista e a noção de “darwinismo social” criada por Herbert Spencer para justificar a expansão imperialista. Pode-se discutir que essa noção, ainda hoje, expressa a opinião comum utilizada para explicar as desigualdades econômicas entre